Interações positivas entre plantas e uso de redes complexas: nova abordagem para novas perspectivas

Camila de Toledo Castanho

Uma grande variedade de sistemas, que se estendem desde redes de genes até redes sociais tem sido descrita a partir de uma abordagem comum denominada redes complexas. De acordo com esta visão, os elementos da rede são nós (genes, pessoas, espécies) conectados por ligações (ativação de genes, interação entre pessoas ou interações entre espécies). Em ecologia, o uso de redes tem sido aplicado há algum tempo, como nos estudos clássicos de teias tróficas de Connel (1961) e de Paine (1966). No entanto, estes estudos consideram a teia trófica completa. Recentemente o estudo de redes bimodais, em que apenas um tipo de interação ecológica é considerado (por exemplo, parasitismo), tem sido mais explorado e desenvolvido novos descritores que nos ajudam a entender melhor como as comunidades se organizam. Nas redes bimodais há dois tipos bem definidos de nós (por exemplo, parasitas e hospedeiros) e as interações ocorrem entre os diferentes tipos de nós, mas não entre nós do mesmo tipo. Em relação às redes completas, as redes bimodais mostram-se vantajosas uma vez que geralmente são mais bem resolvidas, sem problemas como resolução assimétrica entre os diferentes compartimentos, comuns em redes completas. Além disso, como as ligações entre as espécies representam apenas um tipo de interação ecológica é esperado que os mesmos processos ecológicos e evolutivos estejam agindo por todo o conjunto de espécies em questão.

Como representar redes bimodais

A estrutura das redes bimodais pode ser representada de pelo menos de três maneiras: por uma matriz retangular, por um gráfico bipartido ou por um gráfico resultante de uma análise de correspondência. Neste ensaio serão mais explorados os dois primeiros tipos de representação.

Como descrever a estrutura das redes

As seguir é apresentado alguns dos descritores utilizados para caracterizar redes de interação.

Distribuição de grau. Os nós das redes podem ser classificados de acordo com o número de ligações que possuem, o que denomina-se grau do nó. Entre os descritores utilizados para caracterizar a estrutura de redes bipartidas está a distribuição de grau, que nada mais é do que a distribuição de freqüência do número de ligações por nó.

Aninhamento. Trata-se da tendência de espécies pouco conectadas (especialistas) interagirem com um subconjunto de parceiros de interação de espécies muito conectadas (generalistas). Se considerarmos como exemplo uma rede mutualística de plantas e polinizadores, em uma rede aninhada há um núcleo de plantas e animais generalistas que interagem entre si. Além disso, plantas especialistas tendem a interagir com animais generalistas e vice e versa.

Dependência e assimetria. Além de descritores quantitativos, as redes também podem ser descritas a partir de dados quantitativos. Em redes mutualísticas a dependência de uma planta em relação a um animal pode ser estimada a partir da freqüência relativa de visitas. Também é possível calcular um índice de assimetria para cada par de interação, que corresponde à dissimilaridade relativa entre a dependência das duas espécies do par. A partir disso é possível caracterizar a rede a partir da distribuição de freqüência de assimetria. Força da espécie. É a extensão quantitativa do grau da espécie, e pode ser definida como a soma das dependências dos animais em relação a uma espécie planta e vice e versa. Representa uma medida quantitativa da importância de uma espécie para o conjunto de espécies com as quais ela interage.

A partir dos tipos de representação e dos descritores de estrutura acima exposto, são identificados alguns padrões de estrutura de redes bimodais: gradientes, assembléias compartimentadas e assembléias aninhadas, além de possíveis combinações entre alguns destes tipos.

O padrão de gradiente seria encontrado nos casos em que a extremidade da amplitude de distribuição do hospedeiro e do parasita, por exemplo, se sobrepõem em um padrão cíclico. Em uma matriz de interação ordenada adequadamente, um padrão de gradiente seria representado por um conjunto de interações que se estende continuamente ao longo da diagonal. Em um gráfico bipartido, o gradiente seria representado por séries conectadas uniformemente, sem a formação de grupos ou descontinuidades. Este é provavelmente o padrão de estrutura de redes menos descrito na natureza, pelo menos quando tratamos de relações animal-planta. Embora em muitos casos a comunidade de plantas responda ao gradiente ambiental, não necessariamente os animais respondem de acordo com a distribuição de suas parceiras.

Uma assembléia é considerada compartimentada se há subconjuntos bem definidos de interações, de forma que as espécies de um mesmo subconjunto interagem mais entre si do que entre subconjuntos. Tanto em uma matriz de interação quanto em um gráfico bipartido o padrão de compartimentos se traduz em uma estrutura de blocos bem definidos. Este padrão tem sido identificado em redes antagonísticas como de planta-herbívoros.

Uma estrutura aninhada é aquela em que, se as linhas e colunas da matriz de interação estiverem organizadas de maneira decrescente em relação aos totais, será formado progressivamente subconjuntos inclusivos nas duas direções. Em um gráfico bipartido a estrutura aninhada traduz-se como grupos de ligações de densidades decrescentes de cada lado do gráfico. O padrão aninhado têm sido amplamente identificado em redes mutualísticas e aparentemente é o tipo de estrutura de rede recentemente mais explorado. O comportamento dos descritores expostos anteriormente está bem caracterizado para tais redes, como por exemplo, a distribuição de freqüência dos valores de dependência em redes mutualísticas é bastante assimétrico, como muitos valores de fraca dependência e poucos valores de forte dependência.

Embora os três padrões descritos acima tenham sido identificados em redes naturais, as ferramentas estatísticas para decidir se uma rede se ajusta mais a um padrão ou a outro ainda não estão completamente desenvolvidas. Em geral, é testado se uma rede representa um dos padrões descritos e seus resultados não permitem avaliar se a mesma rede se ajusta bem ou não aos demais padrões. Além disso, há também bastante debate em relação ao modelo nulo adequado contra o qual os dados observados devem ser confrontados.

Quais são os processos por trás destes padrões? E quais são as implicações destes padrões para a comunidade em questão?

Segundo alguns autores o tipo de padrão de estrutura de rede deve variar segundo o grau de intimidade das espécies. Seria esperado um padrão extremamente compartimentalizado em assembléias com baixa diversidade e interações extremamente especializadas. Por outro lado, em assembléias ricas em espécies e com baixa especificidade seria esperado um único compartimento com estrutura aninhada. A estrutura compartimentalizada de uma rede pode ser um reflexo de uma divisão filogenética entre compartimentos e alta estabilidade histórica. Por outro lado a estrutura aninhada pode ser decorrente de múltiplos fatores, como padrões neutros de distribuição de abundância, limitações impostas por complementariedade nos fenótipos, distribuição espacial e relações filogenéticas das espécies, assim como por artefatos de amostragem. Os métodos adequados para identificação da contribuição relativa dos processos responsáveis pelos padrões observados estão em pleno avanço e como conseqüência do sucesso destas pesquisas em breve teremos um entendimento muito melhor da importância destes processos.

Apesar dos desafios os quais aguardam resolução, a abordagem de redes complexas colaborou para o imenso avanço no entendimento de redes mutualísticas ocorrido nos últimos anos. A partir desta abordagem está sendo possível avaliar a importância desta interação no contexto da comunidade e suas implicações ecológicas e evolutivas. Será que esta abordagem poderia trazer benefícios semelhantes ao estudo das interações positivas entre plantas?

Interações positivas entre plantas

O estudo de interações em comunidades de plantas tradicionalmente contempla as interações negativas, i.e. competição. No entanto, nas duas últimas décadas, diversos estudos têm demonstrado que a presença de uma planta pode aumentar a sobrevivência e/ou o desempenho de outra planta, interação denominada facilitação. Apesar de fortes evidências de que a facilitação é uma interação importante em comunidades diversas, a maior parte das pesquisas são baseadas em estudos com pares de espécies. No entanto, para entender a importância e implicações desta interação para a comunidade de plantas como um todo é preciso outra forma de abordagem. Neste contexto, acredito que assim como abordagem de redes complexas deu luz ao entendimento das interações mutualísticas, tal abordagem poderá trazer novas idéias e perspectivas para o estudo de interações positivas entre plantas. A partir desta abordagem poderemos responder perguntas relativas à comunidade como: qual efeito da perda de espécies facilitadoras para a comunidade de plantas? Como varia o padrão da estrutura da rede ao longo dos diferentes ambientes?

No entanto, para que seja possível a aplicação desta abordagem é preciso primeiramente um bom conjunto de dados. A identificação da interação positiva entre plantas pode ser feita de duas maneiras: através de associação espacial positiva e de experimentos de remoção do vizinho. No primeiro caso a evidência não é tão forte quanto no segundo pois outros processos, como associação com hábitat, podem gerar associação positiva entre duas espécies de plantas. Por outro lado, embora experimentação gere evidências mais fortes, esse método leva mais tempo e torna-se principalmente mais complicado se tratarmos de todas as possíveis combinações em um sistema rico em espécies. Portanto, acredito que embora a estimativa de interações através de experimentos seja o ideal, bancos de dados de interação facilitadoras-facilitadas geradas a partir de associação espacial já representam um bom começo para avaliarmos o papel desta interação na comunidade de plantas.

Até o momento o único trabalho que aplicou a abordagem de redes em assembléias de plantas facilitadoras identificou padrão aninhado nas seis redes de ambiente árido e semi-árido analisadas. Será que o mesmo padrão seria esperado em assembléias de plantas facilitadoras na restinga, ambiente no qual desenvolvo minha tese de doutorado? Quais seriam as implicações deste resultado? Há evidências de que no início do gradiente de restinga os arbustos adultos atuam como facilitadores das plântulas de indivíduos arbustivo-arbóreos. Por outro lado, outros hábitos de vida são indiferentes ou até ocorrem preferencialmente fora da influência da copa destes arbustos adultos. Se há de fato uma estrutura aninhada nesta rede de interações positivas isso significaria que as espécies facilitadoras generalistas são a chave do processo de sucessão neste ambiente. Essas espécies seriam as peças fundamentais na sucessão dos estágios iniciais predominantemente herbáceos para as fisionomias florestais, típicas dos estágios avançados de sucessão. A extinção local destas espécies poderia representar a interrupção desta dinâmica sucessional e a manutenção do estado predominantemente herbáceo, típico dos estágios iniciais de sucessão. As hipóteses acima levantadas dão apenas uma pequena idéia de como a abordagem de redes pode estimular novas perguntas e perspectivas para o estudo de interações positivas entre plantas.

LITERATURA CONSULTADA

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Connel, J. H. 1961. The influence of interspecific competition and other factors on the distribution of the barnacle Chthamalus stellatus. Ecology, 42: 710-723.

Lewinsohn, T. M.; Prado, P.I.; Jordano P & Bascompte, J. 2006. Structure in plant-animal interaction assemblages. Oikos, 113:174-184.

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Paine, R. T. 1966. Food web complexity and species diversity. The American Naturalist, 100:65-75.

Vázquez, D. P.; Blüthgen, N.; Cagnolo, L. & Chacoff, N. 2009. Uniting pattern and process in plant-animal mutualistic Networks: a review. Annals of Botany, 103: 1445-1457.

Verdú, M. & Valient-Banuet, A. 2008. The nested assembly of plant facilitation networks prevents species extinctions. The American Naturalist, 172: 751-760.

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