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Ensaios 2021

Dispersão e diversidade: um parênteses.

Victória Sorrentino Balthazar

Segundo Vellend (2010) a dispersão é um dos quatro processos-chave na ecologia de comunidades (seleção, deriva, especiação e dispersão), e é definida pela capacidade dos indivíduos de se locomoverem no espaço e, portanto, sua influência na dinâmica da comunidade depende do tamanho e da composição das comunidades de onde os dispersores vêm e daquelas nas quais eles se dispersam (Holyoak et al. 2005). A princípio, a dispersão está bastante associada com modelos neutros, como a Biogeografia de Ilhas (MacArthur & Wilson, 1967), onde a riqueza da comunidade depende da taxa de imigração (dispersão) e da taxa de extinção (deriva). Essa teoria foi a que impulsionou o surgimento da abordagem de metacomunidades, onde a dispersão é o principal processo que determina a dinâmica do sistema (Leibold et al., 2004). Metacomunidades são conjuntos de comunidades locais interligados por dispersão de múltiplas espécies, formando uma comunidade regional (Hanski & Gilpin, 1991; Wilson, 1992). Uma das principais aplicações de metacomunidades está em ecologia de paisagens, que é a ciência que estuda e melhora as relações entre os processos ecológicos no meio ambiente e ecossistemas específicos, sendo que a abordagem mais comum é a de conectar ou reconectar fragmentos de habitat para aumentar a dispersão e, com isso, aumentar a diversidade de espécies e proteger os serviços ecossistêmicos (Jorgensen et al., 2014). Com isso, o intuito desse ensaio é discutir se o modo como a dispersão em metacomunidades vem sendo utilizada em estudos de conservação da paisagem é o mais adequado.

Apesar do consenso sobre a importância da dispersão sobre a dinâmica de populações, na prática, muitos estudos deram pouca atenção ao processo. A razão muitas vezes dada é que a imigração e a emigração são aproximadamente idênticas, então neutralizam-se mutuamente. Porém, a dificuldade de quantificar a dispersão pode ser a real razão dessa situação (Begon et al., 2009).

As primeiras modelagens de dispersão em distribuição de manchas consideravam o resultado da dispersão sobre as dinâmicas populacionais com base no acaso – sem considerar tamanho e/ou isolamento, como Levins (1969; 1970), que propôs um modelo simples de dinâmica de “metapopulações”, tentando incorporar no pensamento ecológico a fragmentação dos habitats. Nesse modelo, a proporção de manchas ocupadas no tempo varia com a taxa de recolonização, que aumenta com a fração de manchas desocupadas propensas a recolonização, e com a taxa de extinção, que aumenta com a fração de manchas ocupadas propensas a extinção local. Ou seja, um modelo derivado da equação logística, no qual, desde que a taxa intrínseca de recolonização seja maior que a taxa intrínseca de extinção, a metapopulação estará em um equilíbrio estável (Hanski, 1994). Ou com base apenas em isolamento e tamanho (como Kimura e Weiss, 1964; ou Keeling, 1999) sem considerar a heterogeneidade ambiental (a não ser a diferença de habitat e não habitat) e as relações ecológicas em cada mancha (Begon et al., 2009).

Em ambientes heterogêneos, que flutuam de forma assíncrona, intuitivamente espera-se que diferentes espécies prosperem em cada sistema, em cada ponto do tempo, e que a dispersão garanta que as espécies bem adaptadas às novas condições locais estejam disponíveis para substituir a menos adaptadas ao novo ambiente (Loreau et al., 2003). Ou seja, espera-se que com o aumento da dispersão a diversidade aumente e amorteça os processos do ecossistema em virtude da entrada e saída (imigração e emigração) de espécies mais bem adaptadas àquela nova condição ambiental. Contudo, em ambientes heterogêneos a dispersão interage com pelo menos mais um dos quatro processos chave sugeridos por Vellend (2010): a seleção. E por isso a dispersão tem efeitos não intuitivos e não monotônicos.

Como Mouquet & Loreau (2003) demonstraram, sem dispersão, em cada mancha uma espécie vencerá a competição e excluirá as outras. Portanto teremos baixa diversidade alfa no sistema, com diversidade gama alta. Em dispersão alta ou máxima, na prática o ambiente deixa de ser composto por machas, é como se ele todo fosse uma grande paisagem contínua. Nesse caso a espécie melhor adaptada a condições ambientais médias se tornará a mais competitiva em toda a metacomunidade, excluindo as demais por competição, então tanto a diversidade alfa como a diversidade gama são baixas. Em níveis intermediários de dispersão a diversidade local aumenta devido aos efeitos fonte-sumidouro entre comunidades locais, resultando no aumento em ambas as diversidades alfa e gama.

A hipótese de seguro é uma das utilizadas para se pensar em conservação de habitats fragmentados. Ela sugere que espécies e/ou fenótipos redundantes para determinado processo ecossistêmico podem apresentar complementariedade temporal devido a respostas assíncronas às flutuações ambientais (Yachi & Loreau, 1999), mas essa similaridade entre as espécies em um ambiente onde ocorre competição e seleção acabará causando diminuição da diversidade local e regional em taxas inadequadas de dispersão. Nessa situação, quando a dispersão atinge níveis intermediários, a diversidade atinge os níveis máximos, a média temporal de produtividade aumenta, enquanto sua variabilidade temporal diminui. Com dispersão mais baixa ou mais alta que a intermediária, a diversidade local e regional diminuem, a média temporal de produtividade é baixa e sua variabilidade temporal é alta (Loreau et al., 2003).

Algumas das razões biológicas para isso são: se a seleção por competição ou predação faz com que uma espécie se extinga localmente, essa espécie pode, no entanto, persistir regionalmente, junto com seu competidor / predador, se tiver uma capacidade superior de se dispersar para “abrir” locais onde o competidor / predador superior tenha sido extinto devido à ausência de presas ou por outras razões (Levene, 1953; Caswell, 1978; Tilman, 1994). Enquanto, se as espécies variam em sua aptidão média entre os fragmentos, uma dispersão muito alta permitirá que as espécies com a aptidão média mais alta excluam todas as outras.

Diversos estudos encontraram resultados compatíveis com a ideia de que a mudança de dispersão baixa para moderada aumenta a taxa de adição de novas espécies às localidades e permite que espécies competitivamente inferiores encontrem refúgios temporários, enquanto a mudança de dispersão moderada para alta permite que competidores superiores dominem toda a metacomunidade. (por evemplo Caswell, 1978; McCauley et al., 1993; Crowley, 1981; Kareiva, 1990; Taylor, 1990; Mouquet & Loreau, 2003; Kneitel & Miller, 2003; Forbes & Chase, 2002; Cadotte 2006).

A variedade de resultados possíveis quando a dispersão interage com a seleção não é surpresa, visto que a seleção entre espécies depende de muitos fatores bióticos e abióticos, e a dispersão implica ainda em mais localidades distintas. As consequências da dispersão dependem desses detalhes. (Vellend, 2010). Além disso, a interação entre dispersão e seleção é apenas uma das sete combinações possíveis da dispersão com os outros quatro processos chave, portanto é fundamental entender seu local de estudo e os processos espaciais do ecossistema deste, além de ter claro qual o seu objetivo, ou as consequências das atitudes que você decidir tomar para a conservação da biodiversidade ou dos serviços ecossistêmicos podem não ser as que você esperava. Além disso, é importante a escala estar adequada ao objeto de estudo (por exemplo, um ambiente homogêneo para uma onça não necessariamente será homogêneo para um besouro).

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A relação espécies-área nas Ecologias do Presente e do Passado

Luan Moldan Motta
Na Ecologia do Presente

A relação espécies-área é um dos padrões reconhecidos há mais tempo na ecologia de comunidades. Desde meados do século XIX, de Candolle (1855) já havia reconhecido o padrão de aumento da riqueza de espécies com o aumento da área amostrada (Scheiner, 2003; He e Legendre, 1996), que nas primeiras décadas do século XX foi sistematizado como a curva espécies-área (Scheiner, 2003). A relação é de fato tão conspícua e pervasiva que é considerada por alguns como “uma das poucas genuínas leis da ecologia de comunidades” (Schoener, 1976 apud He e Legendre, 1996; Gotelli, 2007). Em sua forma mais comum (Lomolino, 2000), pode ser descrita como a relação de potência S = c*Az, onde S é o número de espécies, A é a área local e c e z são constantes. Outras expressões comuns propostas para descrever a relação espécies-área são uma relação exponencial e uma relação logística (Lomolino, 2000; He e Legendre, 1996).

Os primeiros estudos sobre a relação espécies-área procuraram descrever padrões e entender como a riqueza varia com a área (Schoereder et al., 2004), com abordagens basicamente fenomenológicas. Com o passar dos estudos, diferentes explicações mecanísticas sobre como essa relação poderia ser gerada foram desenvolvidas. Schoereder e colaboradores (2004) descrevem quatro categorias de explicações, sendo elas (i) artefatos de amostragem, (ii) amostragem passiva, (iii) efeitos da área per se e (iv) efeitos de diversidade de habitat. A primeira explicação (i) se sustenta na medida em que áreas maiores precisam de um maior esforço amostral para serem bem caracterizadas, e com mais indivíduos coletados aumenta a chance de coletar mais espécies. Se esse viés amostral for controlado e uma relação espécies-área permanecer, algum ou alguns mecanismos biológicos devem ser responsáveis (Schoereder et al., 2004). A explicação por amostragem passiva (ii) propõe que áreas maiores teriam maior riqueza de espécies pois seriam uma amostra maior do ambiente, de forma que teriam “passivamente” mais espécies do pool regional que áreas menores (Schoereder et al., 2004). Explicações de efeito da área (iii), por sua vez, propõem que a área influencia os processos biológicos. Por exemplo, a teoria de biogeografia de ilhas de MacArthur e Wilson propõe que a extinção é menor em áreas maiores pois elas suportam tamanhos populacionais maiores, o que leva a riquezas maiores no equilíbrio nessas áreas (Gotelli, 2007; Schoereder et al., 2004). Por fim, a quarta categoria de explicações propõe que áreas maiores teriam maior diversidade de habitats (iv), de modo que uma maior diversidade de espécies poderiam coexistir do que em áreas menores (Schoereder et al., 2004). Vejamos a seguir como a relação espécies-área foi/é importante na ecologia do presente para, em seguida, refletir sobre como essa relação pode ser importante para compreender a diversidade do passado a partir do registro fóssil.

A relação espécies-área serviu de base para diferentes tipos de pesquisa em ecologia. A forma da curva já foi usada, entre outros casos, para caracterizar a estrutura de comunidades, estimar a real riqueza de espécies de um local, mensurar efeitos de distúrbios sobre comunidades e desenhar reservas e áreas de conservação de tamanho apropriado (He e Legendre, 1996 listam alguns usos e referências clássicas em cada área). Em meados da década de 1970, ecólogos propuseram algumas regras de ouro na ciência da conservação (Tjørve, 2010). A primeira dessas regras era de que áreas maiores conservariam mais espécies que áreas menores. Não apenas essa derivação lógica da relação espécies-área foi proposta, mas também que para uma mesma área preservada, criar reservas maiores seria preferível (Tjørve, 2010). Se pensarmos em termos das quatro categorias de mecanismos expostas acima (Schoereder et al., 2004), essa recomendação foi baseada no efeito da área per se. Isso pois se apoiava na teoria de biogeografia de ilhas que previa uma riqueza de espécies no equilíbrio maior em fragmentos (ilhas) maiores (Tjørve, 2010). Um intenso debate seguiu ao longo das décadas de 1970-80 sobre a validade dessas regras de ouro, em especial sobre o tamanho e quantidade de reservas a serem criadas, no famigerado debate SLOSS (da sigla em inglês para “Uma Grande Ou Várias Pequenas”). A recomendação de uma reserva grande era baseada principalmente no efeito da área per se, como dito acima, mas deixava muitas variáveis potencialmente relevantes de lado, como a migração entre áreas, a sobreposição de espécies entre áreas, requisitos mínimos de área e diversidade de habitat (Tjørve, 2010). O debate arrefeceu nas últimas décadas, mas ainda é um tema não consolidado e alvo de pesquisas recentes (Tjørve, 2010; Fahrig, 2013). Tjørve (2010) mostrou, teoricamente, que poucos fragmentos maiores ou múltiplos fragmentos pequenos são igualmente possíveis de serem as soluções ótimas, a depender da forma da relação espécies-área e da sobreposição de espécies entre as áreas. Na prática, a maioria dos trabalhos assume que uma relação exponencial é a forma verdadeira (Scheiner, 2003; Lomolino, 2000), mas alguns estudos propõem que outras relações (como exponencial ou logística) podem ser melhores descritoras da relação espécies-área ( Lomolino, 2000; He e Legendre, 1996; Rey Benayas e Scheiner, 2002 apud Scheiner, 2003; Tjørve, 2003 apud Scheiner, 2003), o que potencialmente impactaria a tomada de decisão sobre a melhor configuração de reservas a serem criadas (Tjørve, 2010).

Na Ecologia do Passado

Mostrei brevemente na seção anterior a importância da relação espécies-área na ecologia de comunidades no presente. Nesta seção, trarei à reflexão o potencial desse conceito para estudarmos comunidades do passado. Ao estudarmos o passado, muitas vezes usamos o presente como chave para entendê-lo. Assim também é feito na ecologia para entender as relações entre espécies extintas. Um trabalho recente, por exemplo, usou o tamanho e relação de uso de energia de lagomorfos e ungulados viventes para inferir potenciais relações e limitações evolutivas entre os dois grupos em suas séries fósseis da América do Norte (Tomiya e Miller, 2021). Seria possível, então, pensar também em relações de espécies-área no passado?

O registro fóssil é sabidamente imperfeito. Sua incompletude não se dá apenas entre grupos, mas também no espaço e no tempo (Quental e Marshall, 2010). Alguns grupos fossilizam melhor e alguns períodos e regiões têm maior taxa de preservação. Quando se comparam grupos fósseis no espaço e no tempo, já é bastante usual controlar o esforço amostral pelo número de ocorrências (por exemplo, Carrillo et al., 2020). No entanto, não é tão comum controlar possíveis variações decorrentes da área de amostragem (Close et al., 2020). Alguns trabalhos recentes têm sugerido que apenas controlar possíveis viéses de tamanho amostral pode não ser suficiente para eliminar viéses decorrentes de diferentes tamanhos de áreas amostradas ao longo do tempo (Close et al., 2017; Close et al., 2020). Muitos trabalhos, por exemplo, consideram tendências “globais” da biota, mas na realidade um conjunto “global” de dados é um compilado de conjuntos regionais com diferentes áreas ao longo do tempo, e controlar essa variação na área (retirando viéses da relação espécies-área) pode mudar o entendimento sobre a evolução da biota (Close et al., 2020).

Meu interesse de pesquisa se dá especificamente sobre a questão espacial que envolve o Grande Intercâmbio Biótico Americano (na sigla em inglês, GABI). O GABI aconteceu quando da junção das Américas do Sul e do Norte com a formação do Istmo do Panamá, havendo um intenso intercâmbio faunístico e florístico. A partir de fósseis de mamíferos, muito se estudou sobre o GABI desde meados do século XX (por exemplo, Webb, 1976; Marshall et al., 1982; Carrillo et al., 2020). Alguns trabalhos mais antigos já tentaram olhar para a questão da relação espécies-área no GABI, baseando-se bastante na teoria de biogeografia de ilhas (Webb, 1976; Marshall et al., 1982). Esses trabalhos, no entanto, contabilizavam a área de estudo como os continentes inteiros. Como dito acima, a preservação e amostragem de fósseis não é igual ao longo do espaço e do tempo, e é notado já há muito que os fósseis sul-americanos são bastante restritos geograficamente, especialmente à região temperada e da Argentina (Webb, 1976; Marshall et al., 1982; Carrillo et al., 2015; Carrillo et al., 2020). Além disso, sabe-se que localidades mais distantes no espaço têm maior diferença nas composições de mamíferos fósseis (Carrillo et al., 2015). Ou seja, a amostragem espacial não é igual à área da América do Sul inteira, mas apenas uma subárea do continente, e o tamanho das áreas amostradas no Norte e no Sul são consistentemente distintas. No entanto, essa questão nunca foi diretamente considerada nos estudos do GABI. Assim, se partirmos das ideias de que é possível pensar em relações de espécies-área em grupos fósseis, e que a padronização da área de amostragem pode modificar os resultados obtidos (Close et al., 2017; Close et al., 2020), um estudo mais justo do GABI deveria levar em conta a distribuição espacial das ocorrências de fósseis de mamíferos, controlando de alguma forma as diferenças de áreas amostradas para que as dinâmicas de América do Sul e América do Norte sejam, de fato, comparáveis. Talvez identificar os diferentes mecanismos potencialmente geradores da relação espécies-área (Schoereder et al., 2004) nos fósseis seja ainda mais complicado que em comunidades viventes, mas levar em conta essa relação, em si, pode iluminar as dinâmicas pelas quais os mamíferos passaram no GABI. Sejam geradas por uma dinâmica de amostragem passiva, de efeitos da área per se ou efeitos de diferenças de habitat, em existindo relações de espécies-área elas deveriam ser consideradas em estudos macroevolutivos paleontológicos.

Referências Bibliográficas

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Biogeografia de ilhas e homogeneização biótica em fragmentos

Lucas Sales dos Santos

A teoria da biogeografia de ilhas trata de investigar os fatores que afetam a composição de espécies em uma comunidade. Idealizada por Robert MacArthur e Edward Wilson (1967), esta sugere que a riqueza de uma ilha é mantida em um equilíbrio dinâmico entre migrações e extinções com contínuas substituições de espécies, que por sua vez dependem do tamanho da ilha e do seu grau de isolamento. Isto porque a taxa de imigração diminui conforme o grau de isolamento da ilha (efeito da distância), e a taxa de extinção aumenta conforme diminuir o tamanho (efeito da área). Então ilhas maiores e mais próximas do continente tem mais diversidade do que as menores e mais isoladas (Gotelli, 2009).

Este conceito traz uma nova visão para os estudos em ecologia (Townsend et al., 2006). A partir dele outras pesquisas aprofundaram a ideia dantes proposta (SI et al., 2014). Trazendo uma relação entre a área e taxa de imigração (efeito do alvo), na qual as colonizações tendem a crescer conforme o tamanho porque ilhas maiores são mais fáceis de encontrar (Whittaker e Fernández-Palacios, 2007). E também do grau de isolamento com a taxa de extinção (efeito de resgate), no qual ilhas mais próximas do continente tem menos chances de extinções devido a recolonização de indivíduos da mesma espécie (Brown e Kodric-Brown, 1977). Além disso, discute-se sobre a rotatividade de espécies nas comunidades ao longo do tempo (Russell, 1995), que podem ter sua composição estática caso os imigrantes não sejam diferentes das espécies já residentes. Contudo, em todos os cenários, a entrada de novos indivíduos (independendo da espécie) é fundamental para a biodiversidade pois contribui para a manutenção das populações existentes.

Os saberes sobre estes efeitos insulares extrapolam para qualquer habitat em situação de isolamento, como fragmentos florestais rodeados pela paisagem urbana (Gimenes e dos-Anjos, 2003; Pires et al., 2006). Este conceito pode embasar estratégias de manejo para implantação de corredores ecológicos e plantios de enriquecimento (Coorral e Valério, 2018; Souza, 2019). Neste contexto, o crescimento das cidades gera complicações ambientais, alterando processos ecossistêmicos e fragmentando habitats tal como ilhas (Foley et al., 2005; Lambin e Meyfroidt, 2008). Dentre os diversos problemas advindos da urbanização está a alteração da composição florística e isolamento das comunidades arbóreas (Anderson-Texeira et al., 2013). É sabido que há predomínio de espécies oportunistas e generalistas nos remanescentes (KÜhn e Klotz, 2006; Mckinney, 2006), mas o principal motivo da homogeneização biótica nestes locais pode ser melhor explicado pela teoria da biogeografia de ilhas do que pela do nicho ou pelas interações ecológicas.

Poucos estudos reportam a composição de espécies vegetais em áreas verdes de São Paulo (Ogata; Gomes, 2012; Gomes et al., 2012). Portanto é importante estudar as relações florísticas em diferentes florestas da cidade, estabelecendo o grau de isolamento de cada fragmento para compreender a dinâmica da biodiversidade e os mecanismos que a regulam neste sistema, que depende exclusivamente da ornitocoria para dispersão entre fragmentos (Saravy, et al., 2003). Assim será possível entender, de forma comparativa, as comunidades arbóreas em diferentes fragmentos, destacando o efeito histórico da interferência antrópica. A fim de testar a hipótese baseada na teoria da biogeografia de ilhas, na qual a riqueza varia conforme a localização e tamanho do fragmento, está sendo feito um levantamento florístico em 2 parques da cidade de São Paulo (com a mesma área amostral), que tem as informações relevantes para este texto dispostas no quadro a seguir.

Localidade Área total(ha) Ano de criação Urbanização do entorno
Parque Trianon 4,6 1924 1882 a 1914
Parque do Carmo 867,6 1989 1940 a 2003

Estudos em fragmentos semelhantes (Aragaki, 2017) e resultados parciais deste demonstram que a riqueza é proporcional ao tamanho e inversamente proporcional ao tempo de isolamento. Ou seja, o Trianon (menor e mais antigo) tem menos espécies por área do que o Carmo (maior e mais recente), o que reforça a ideia trazida na teoria de biogeografia de ilhas. É verdade que se observa a invasão das palmeiras exóticas do gênero Archontophoenix no Trianon; todavia o ponto crucial possivelmente está no desequilíbrio entre extinções e imigrações no local, que há muito tempo deve receber poucos colonizadores, dado os efeitos da distância e do alvo, mas tem extinções aceleradas pelos efeitos da área e do resgate. Se as aves não trazem sementes o suficiente para a manutenção da biodiversidade nos fragmentos urbanos, se faz necessário plantios de enriquecimento nas estratégias de manejo. Enfim, investigar a dinâmica dessas comunidades, principalmente a taxa de imigração, deve esclarecer os motivos da homogeneização biótica nestes locais.

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Facilitando a neutralidade: coexistência por estabilização e equalização

Matheus Batista dos Santos Pepe

Na ecologia de comunidades, diversos padrões relacionados a distribuição dos organismos nos mais diversos ecossistemas tentam ser explicados por diferentes mecanismos e processos. A teoria neutra, formulada por Hubbel (2001), demonstra que processos estocásticos, como a deriva, dispersão e especiação podem criar e manter comunidades, sem a necessidade de incluir os processos de seleção, como o nicho. Nesse contexto, é proposto que diferentes espécies (desde que sejam do mesmo nível ecológico) são equivalentes em relação ao seu fitness, e logo, tem taxas similares de nascimentos e mortes dentro de uma comunidade local, resultando em neutralidade entre as espécies. Essa comunidade também estaria sob efeitos estocásticos constantes, como perturbações ambientais, que fariam com que indivíduos nessa comunidade morressem aleatoriamente. Isso abre espaço para novos indivíduos de qualquer espécie se estabelecerem no local. Os novos indivíduos que se estabelecem podem vir da própria comunidade local, dando espaço para a ação da deriva ecológica. Novos indivíduos também podem vir de fora da comunidade, ou mais precisamente dos arredores da comunidade local (ou seja, a meta-comunidade), permitindo a ação da dispersão. Posteriormente, a especiação foi incluída dentro do modelo para a adição de novas espécies numa escala regional.

Embora muito importante, a teoria neutra era, até pouco tempo atrás, muito controversa dentro do universo da ecologia (Alonso et al. 2006). A sua existência fez com que novos debates colocassem em questão os problemas com uma aproximação somente baseada no nicho. Ela também permitiu o estabelecimento de um modelo nulo para a ecologia de comunidades, que pudesse ser comparável com o modelo clássico de nicho. Porém mais recentemente, alguns ecólogos têm se esforçado para tentar unificar as duas teorias sob uma só bandeira, desmontando a dicotomia dentro da problemática nicho-neutro, demonstrando como os processos de nicho e neutros podem coexistir e ocorrer ao mesmo tempo e quais os seus efeitos na estruturação das comunidades (Gravel et al. 2006; Leibold & McPeek 2006; Wennekes et al. 2012). Em uma dessas tentativas, Adler et al. (2007) tentam conectar os modos de coexistência de nicho e a neutralidade por meio dos mecanismos estabilizadores e equalizadores propostos por Chesson (2000) para estabelecer a teoria moderna de coexistência. Aqui, os autores propõem como a equalização do fitness de diferentes espécies e uma diminuição dos mecanismos estabilizadores resultaria em um sistema regulado pela neutralidade dentro de um contínuo de competição estável e competição exclusiva. Nesse contexto, me proponho a tentar expandir um pouco melhor como a facilitação pode afetar essa ponte.

As espécies em uma comunidade podem interagir entre si, mas essas interações podem ter diversas formas. Enquanto de um lado temos interações negativas, como a competição, do outro temos interações positivas. A facilitação, por exemplo, é uma interação na qual um indivíduo (o facilitador) oferece um efeito positivo unilateral e mensurável sobre o desempenho de outro indivíduo (o facilitado ou alvo) (Pakeman et al. 2009). Muitas vezes, a facilitação ocorre por meio da alteração do local imediatamente ao redor do indivíduo (Stachowicz 2001). Por exemplo, a alteração local resulta em menor severidade ambiental do ponto de vista das plantas que são facilitadas por uma árvore. A árvore pode fornecer proteção contra o vento, diminuir a intensidade solar sobre as plântulas ou regular a umidade local (Bertness & Callaway 1994; Callaway 1995, 2007). Consequentemente, espécies que normalmente não podem se estabelecer no local por conta do estresse ambiental passam a colonizar a região quando associadas a essas árvores. Dessa maneira, poderia a facilitação agir como um mecanismo que promove uma situação de neutralidade entre as espécies?

Em uma escala local, a facilitação, por meio de mecanismos diretos, pode aumentar o nicho realizado de indivíduos facilitados (Bruno et al. 2003). Por meio de mecanismos indiretos, a facilitação pode diminuir o nicho realizado dos competidores do indivíduo alvo (Levine 1999).

Dessa forma, a facilitação pode agir como um mecanismo equalizador a favor da neutralidade de 2 formas: i) aumentado e igualando o fitness de espécies alvo em relação às suas competidoras e ii) diminuindo e igualando o fitness de espécies competidoras em relação com o da espécie alvo. É importante frisar que isso só ocorre quando há equalização do fitness das espécies. Caso a facilitação seja muito forte, a espécie alvo pode ter um fitness relativo maior do que seus competidores, levando a coexistência das espécies para a não-neutralidade. Apontar se a facilitação atua a favor ou contra da estabilização é mais difícil. Por aumentar o nicho realizado de uma espécie individual, a facilitação resulta na diminuição da sobreposição de nicho. Como resultado, a importância da competição intraespecífica em relação a interespecífica passa a ser menor. Ao mesmo tempo, a facilitação intraespecífica também pode fazer com que processos de denso-dependência positiva ocorram (Bimler et al. 2018), aumentando a sobreposição de nicho e diminuindo a importância relativa da competição interespecífica quando comparado a intraespecífica. Por outro lado, é possível que a importância da competição interespecífica também aumente, uma vez que a mudança no nicho pode variar de espécie para espécie. Enquanto algumas espécies podem ser beneficiadas pela facilitação, por exemplo, pela sombra da copa de uma árvore, outras podem ser negativamente afetadas. Isso pode fazer com que a importância relativa da competição intraespecífica em comparação com a interespecífica não aumente, e logo, que a facilitação não funcione exatamente como um mecanismo estabilizador. Em um caso de adição de nutrientes no local, é possível que isso afete todas as espécies positivamente, e assim, não altere a importância da competição interespecífica.

Essas ideias me levam a pensar que o mecanismo por qual a facilitação ocorre pode afetar o efeito da facilitação sobre a diferença de fitness e a sobreposição de nicho. Também há uma certa dificuldade em desembaraçar os efeitos estabilizadores dos equalizadores nessa situação, visto que eles estão muitas vezes inter-relacionados (Song et al. 2019). A facilitação afeta a diferença de fitness e sobreposição de nicho conjuntamente, ao mesmo tempo. Isso pode corroborar a ideia de que os efeitos da facilitação são contexto-dependentes (Bimler et al. 2018).

Com essas considerações, é possível que a facilitação possa ter efeitos positivos e negativos para manter a neutralidade em comunidades. Embora a facilitação possa resultar na equalização dos fitness de diferentes espécies, outros mecanismos equalizadores devem agir conjuntamente para controlar a equalização do fitness entre as espécies. Do outro lado, a facilitação pode ter efeitos variados em relação aos mecanismos estabilizadores. Os efeitos da facilitação sobre as saldo das interações intraespecíficas e interespecíficas podem ser positivos e negativas, e isso dificulta apontar exatamente como a facilitação afeta a estabilização do nicho e, consequentemente, a neutralidade. Essa confusão pode ser derivada da influência da heterogeneidade dos sistemas sobre as interações entre espécies (Bimler et al. 2018). A facilitação pode ser fortalecida em sistemas com maior severidade ambiental de acordo com a hipótese do gradiente de estresse (Maestre et al. 2009). Assim, a contexto-dependência da força das interações pode levar a uma maior dificuldade em entender quais são os efeitos estabilizadores e equalizadores da facilitação ou como a facilitação pode agir contra esses mesmos efeitos.

Embora diversos avanços estejam sendo feitos em relação ao fim da dicotomia de nicho e neutralidade, é importante que outros tipos de processos e interações inter- e intraespecíficas além da competição também estejam presentes dentro do contexto da coexistência (Chesson 2018). A facilitação parece ter um grande potencial para afetar tanto os mecanismos equalizadores e estabilizadores, e dessa forma, ter um efeito notável sobre a manutenção de estados neutros na natureza. Porém, similarmente como aconteceu na teoria clássica, agora também se demonstra necessário determinar a influência das interações positivas sobre esses dois mecanismos. Também é preciso demonstrar como tipos de interações positivas, neutras e negativas agem entre si e consequentemente afetam o resultado dos mecanismos estabilizadores e equalizadores, a fim de esclarecer se o efeito conjunto dessas interações pode resultar em uma situação de neutralidade ou quase-neutralidade. Acredito que a facilitação pode sim regular mecanismos estabilizadores e equalizadores a ponto de afetar a manutenção da neutralidade dentro das comunidades. Porém, isso não pode acontecer somente por meio de interações positivas. Outros processos devem estar presentes para que haja um balanço constante para manter os processos estabilizadores e equalizadores dentro da coexistência neutra.

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A contribuição da história natural para a teoria de nicho e para a resposta de perguntas ecológicas

Eletra de Souza

Nicho ecológico é um conceito amplamente debatido dentro da comunidade científica até os dias atuais. Hoje, pode ser definido como o conjunto de características bióticas e abióticas que possibilitam a persistência dos organismos em um dado ambiente, mais o conjunto de efeitos desses organismos sobre este ambiente (Chase e Leibold, 2003). Historicamente, três definições de nicho ecológico se destacam ao longo da construção da teoria (Schoener, 2009): um conjunto de características do habitat que permite a sobrevivência de uma espécie (Grinnell, 1917); a descrição quantitativa de todas as condições ambientais, bióticas e abióticas, que permitem a persistência de uma população em uma determinada localidade (Hutchinson, 1957); e, por fim, a teoria da utilização de recursos (MacArthur e Levins, 1967), visava quantificar como os indivíduos de uma determinada população utilizavam os recursos disponíveis no ambiente. Em termos gerais, observa-se uma dicotomia nas definições históricas de nicho ecológico (Chase e Leibold, 2003). De um lado, o conceito é definido como o papel ou o impacto de uma determinada espécie dentro de um sistema (Elton, 1927; MacArthur e Levins, 1967); por outro lado, o nicho refere-se ao habitat que uma espécie necessita para sobreviver em seu ambiente (Grinnell, 1917; Hutchinson, 1957). Entretanto, um aspecto em comum entre as diferentes visões é que a teoria de nicho é explicada à luz de processos determinísticos, ou seja, como o resultado das interações entre organismos, e/ou de filtragem ambiental.

Durante muito tempo, a ecologia de comunidades se amparou na teoria do nicho a fim de explicar os diferentes padrões de riqueza, composição e abundância de espécies observados na natureza (Roughgarden, 2009). A coexistência de espécies em um mesmo tempo e espaço é o aspecto mantenedor da diversidade (Chesson, 2000), e a teoria de nicho, assim como outras teorias ecológicas, se propõem a explicar como a coexistência é possível. Inicialmente, a coexistência na teoria de nicho esteve fundamentalmente relacionada às interações competitivas, com respaldo das equações de Lotka-Volterra. Especificamente, estudos clássicos como o de Gause (1934) elucidaram o fato de que duas espécies não poderiam ocupar o mesmo nicho em um sistema, caso contrário o resultado seria a exclusão da pior competidora. Tansley (1917) mostrou através de experimentos que espécies de plantas eram capazes de coexistir mesmo competindo, através do compartilhamento de nicho. Hutchinson (1957) diferencia o nicho entre fundamental, ou seja, todos os ambientes adequados que uma dada espécie poderia ocorrer, e nicho realizado, ambientes onde ela de fato ocorre. Essa diferenciação é explicada a partir dos efeitos resultantes das interações entre espécies coexistentes, especialmente a competição. Portanto, a teoria do nicho foi no início um grupo de modelos teóricos fortemente vinculados à competição interespecífica para investigar quantas espécies ocorreriam e o quão similar poderiam ser para coexistir dentro de uma determinada comunidade (Chase e Leibold, 2003).

O conceito proposto por Hutchinson (1957) foi considerado um divisor de águas na definição de nicho (Vandermeer, 1972). Entretanto, críticas à abordagem de Hutchinson apontavam principalmente a dificuldade de quantificar de fato todas as características que estariam influenciando a determinação do nicho de uma espécie. MacArthur e Levins (1967) também tinham uma proposta quantitativa e multidimensional sobre nicho. Porém, além disso, os autores focaram na descrição detalhada e precisa da história natural de uma espécie, incluindo hábitos, períodos de atividade e comportamento, considerando que seriam estes os fatores mais facilmente medidos do que as condições ambientais propostas por Hutchinson. Essa teoria de utilização dos recursos, como ficou conhecida, trouxe o conceito da similaridade limite, ou seja, o quão próximo poderia ser o nicho de duas espécies de modo a ambas coexistirem. Porém, foi a partir do trabalho de Tilman (1982), sobre competição por recursos, e da revisão do conceito de nicho proposta por Leibold (1995), que a teoria ganhou um modelo mecanístico. Leibold (1995) defendia que tanto as características ambientais, que possibilitam a um indivíduo completar o seu ciclo de vida e deixar descendentes, quanto o seu impacto sobre outros organismos seriam parâmetros importantes e que poderiam ser identificados a partir de modelos mecanísticos. Além disso, tais parâmetros também descreveriam as condições para haver um ponto de equilíbrio, no qual seria possível a coexistência de espécies. Ao longo dos anos, a exclusividade em processos ocorrendo em comunidades locais como explicação para os padrões de diversidade foi diminuindo. Assim, surgiu espaço para outras teorias, que reconheciam a importância de processos ocorrendo em escalas temporais e espaciais mais amplas, inclusive que poderiam ser estocásticos e sem qualquer relação com o nicho (Hubbell, 2001). Em 2010, Vellend propôs que os padrões de diversidade poderiam ser explicados pela combinação de quatro processos: seleção, deriva, especiação e dispersão. A teoria de nicho, em toda a sua abrangência, contribuiria para a compreensão de como a seleção atua em comunidades locais a partir da interação das espécies que ali existem entre si e com os demais fatores bióticos e abióticos.

O meu projeto de doutorado tem como objetivo principal compreender como e por que os indivíduos de duas espécies de jararacas se movimentam pelo espaço onde vivem. Especificamente, quero entender se existem padrões de movimento e de atividade nesses animais ao longo do ano, e se tais padrões se relacionam de alguma forma com variáveis ambientais, como a pluviosidade e a temperatura, e com aspectos da história natural, principalmente a alimentação e a reprodução. Para isso, vou utilizar equipamentos de bio-logging, como rádio transmissores e acelerômetros, além de observações comportamentais em campo. As serpentes, de modo geral, são animais interessantes para investigar como os padrões de movimento se relacionam com aspectos ambientais e de história natural. A maioria das serpentes, incluindo as jararacas, apresenta reprodução sazonal (Mathies, 2011; Almeida-Santos e Salomão, 2002). Durante o período reprodutivo, as serpentes podem deixar de se alimentar, focando toda a sua energia apenas na reprodução (Madsen e Shine, 2000). Assim, necessidades comportamentais e fisiológicas, como o movimento e a atividade diária, refletem uma alocação energética preferencial para diferentes componentes da história de vida em diferentes períodos do ano, possibilitando a investigação por padrões no tempo e no espaço.

Acredito que a proposta de MacArthur e Levins (1967) para a definição de nicho ecológico dialoga com o meu projeto. De acordo com os autores, a caracterização precisa de aspectos da história natural seria importante para a definição do nicho de uma espécie. Antigos filósofos e naturalistas, como Aristóteles e Lineu, se referem a conceitos de diversidade e nicho ecológico através da definição e descrição precisa das diferenças entre as características das espécies (Chase e Leibold, 2003). Esta descrição precisa foi por muito tempo conhecida como história natural. A história natural, entretanto, é mais do que isso. É o foco nos organismos, onde eles estão e o que eles fazem em seus ambientes (Greene, 1986). Isso inclui repertórios comportamentais, e mudanças em estados intrínsecos ou extrínsecos, na medida em que se relacionam com as atividades dos organismos. A história natural foi (e talvez ainda seja) subestimada por diversos ecólogos/as e biólogos/as evolutivos. Peters (1980) defendia que a história natural era uma “atividade contemplativa e reflexiva”, cujo valor seria atribuído apenas ao observador. De acordo com o autor, a história natural não teria uma natureza preditiva e uma metodologia experimental para ser considerada ciência. Greene (1986), por outro lado, afirmava que hipóteses preditivas, sejam ecológicas ou evolutivas, só poderiam surgir a partir da observação ou da imaginação; e, portanto, a história natural seria capaz de estimular novas teorias e confrontar predições.

A teoria de forrageamento ótimo, por exemplo, tem como base a suposição de que os organismos têm expectativas estatísticas claras dos recursos que encontrarão (MacArthur, 1972 e, assim, os custos de busca e manuseio do recurso devem ser semelhantes. Entretanto, em um estudo em que as taxas de forrageamento e dieta da surucucu (Lachesis muta) foram estimadas através de observação e rádio-telemetria (Greene e Santana, 1983), os autores observaram que uma fêmea percorreu um total de 50 metros em um período de 35 dias, utilizando três sítios de caça durante a noite. Na 15ª noite, ela capturou um roedor que pesava pelo menos 50% de seu peso corporal, imobilizando-o e ingerindo-o em minutos. A fêmea descansou ao longo de nove dias seguidos antes de retornar ao forrageio. A partir dos dados de movimento, dieta, ​​e equações metabólicas, foi calculado que uma surucucu adulta precisaria de aproximadamente seis refeições deste tipo por ano para manter seus custos energéticos e padrões de movimento. Portanto, o comportamento e a história natural da surucucu em seu ambiente possibilitou a Greene e Santana (1983) outra proposta de dinâmica de forrageamento dessa serpente, representando um forte contraste com aquela de endotérmicos de pequeno ou médio porte que provavelmente deram respaldo à teoria do forrageamento ótimo. Especificamente, se existe alguma expectativa das surucucus a respeito do encontro com suas presas, essa expectativa deve durar dias ou semanas. Assim, existe uma disparidade considerável entre os custos de busca e manuseio de presas para esse viperídeo neotropical.

Concluindo, o meu projeto se relaciona com a teoria de nicho proposta por MacArthur e Levins (1967) na medida em que eu me proponho a investigar padrões de movimento e atividade de jararacas em seus ambientes relacionando-os com aspectos de história natural. Bons dados de história natural vão além da descrição precisa de quais são os recursos utilizados pelos organismos em seus ambientes, mas devem também elucidar como esses recursos são utilizados. Dessa forma, a história natural é capaz de respaldar e contrapor teorias previamente aceitas, e é imprescindível para responder questões importantes da biologia evolutiva e ecologia.

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Múltiplas escalas em estudos de metacomunidades

Mariana Victorino Nicolosi Arena

Uma metacomunidade pode ser definida como “um conjunto de comunidades conectadas por dispersão de múltiplas espécies potencialmente interagentes” (Leibold et al. 2004, tradução própria). Assim, as teorias de metacomunidades buscam descrever os processos que ocorrem em escala de metacomunidades e como espécies e populações interagem nessa escala (Leibold et al. 2004). A primeira proposta de modelo de dinâmica de populações foi publicada por Levins (1969), a partir de um estudo que visava demonstrar que essas dinâmicas dependiam não somente da biologia das espécies envolvidas, como também dos padrões de variação espaço-temporais na seleção de predadores e presas (pragas agrícolas, no caso do estudo de Levins). Apesar de não apresentarem uma linha conceitual unificada, as teorias de metacomunidades se fundamentam em quatro paradigmas bem estruturados: (i) dinâmica de manchas – as manchas de habitat são idênticas e ocorre um balanço entre os eventos de extinção e colonização; (ii) seleção de espécies – habitats são heterogêneos e a composição das comunidades depende de quais espécies são capazes de se estabelecer nas condições abióticas locais; (iii) efeitos de massas – manchas heterogêneas conectadas de maneira a permitir a dispersão e gerar relações fonte-sumidouro; e (iv) dinâmicas neutras – não há diferenças entre as espécies quanto ao fitness e ao nicho (Leibold et al. 2004).

Em metacomunidades do “mundo real” as comunidades são estruturadas pela ação conjunta de processos operando em escalas local e regional e dificilmente uma metacomunidade real se enquadraria em algum desses paradigmas, mas estes respaldam percepções fundamentais a respeito da natureza das diferenças entre localidades e sobre os traços ecológicos das espécies envolvidas nas metacomunidades (Leibold et al. 2004). Existe uma lacuna muito grande separando os estudos de ecologia de metacomunidades teóricos e práticos (Logue et al 2011). As aplicações práticas dos estudos comumente focam em testes experimentais sobre as hipóteses dos quatro paradigmas ou em estudos observacionais que utilizam bases teóricas para interpretar assembleias de comunidades locais (Logue et al 2011). Com base no arcabouço teórico apresentado, uma importante aplicação ecológica das teorias de metacomunidades é auxiliar a compreensão das dinâmicas de populações entre manchas de uma paisagem. Uma paisagem, em sua abordagem ecológica, é definida como um mosaico heterogêneo formado por unidades interativas (Metzger 2001), sendo essa heterogeneidade uma estrutura multiescala composta por manchas entrelaçadas e gradientes no espaço e no tempo (Wu 2006). Dessa forma, as teorias de metacomunidades apresentam a base que fundamenta todos os estudos que visam compreender o fluxo de indivíduos/espécies entre manchas de fragmentos florestais.

Baseando-se nessas premissas, podemos compreender como atua a dispersão e o fluxo gênico de indivíduos/espécies entre manchas e a conectividade mínima entre as manchas necessária para manter esse fluxo, além de fornecer subsídios para a elaboração de estratégias conservacionistas tanto para as espécies dispersoras quanto para os fragmentos florestais que possam atuar como manchas de habitat. Para essa finalidade, assumirei aqui uma definição mista dos paradigmas previamente mencionados, a qual considero mais possível de ser visualizada em uma situação de “mundo real” e em uma escala de paisagem em que trabalho: em ambientes heterogêneos forças bióticas e abióticas (interações) impulsionam a dispersão de indivíduos para outras manchas de habitat mais próximas (conectadas), podendo ou não se estabelecer na nova localidade e colonizá-la. Ou seja, assumo que, no contexto de uma paisagem real composta por fragmentos de florestas como manchas de habitat, é altamente improvável que exista manchas de habitat idênticas e uma equidade absoluta entre espécies. É importante ressaltar, entretanto, que essa definição foi a que me pareceu melhor se enquadrar no contexto dos meus estudos, a qual não descarta a importância de todos os paradigmas já mencionados, e que pode não fazer sentido se aplicada a outro contexto ou em outra escala espacial. Uma das maiores adversidades de transpor a lacuna entre ecologia teórica e prática se encontra na dificuldade de abordar um contexto de metacomunidades em uma escala passível de ser validada experimentalmente. Apesar do contexto de metacomunidades considerar simultaneamente mais de uma escala (várias comunidades locais e a interação entre elas) a definição de uma comunidade é sempre qualificada em relação ao espaço e tempo que ocupa, assim como os padrões a serem avaliados, de acordo com a definição delineada pelo pesquisador considerando o seu objetivo de estudo (Leibold e Chase 2017). A definição da escala de trabalho correta, interagindo com os padrões de dispersão das espécies e com a heterogeneidade espacial (Leibold e Chase 2017), é fundamental para a coerência da discussão da pesquisa em concordar com a fundamentação teórica ecológica.

Direcionando a discussão para o meu objeto de estudo, as abelhas nativas sem ferrão (tribo Meliponini) constituem o grupo polinizador mais abundante das florestas neotropicais (Roubik, 1989) e são muito compatíveis com estudos comparativos de várias adaptações ao ambiente devido à diversidade de suas respostas ambientais a desafios ecológicos específicos (Hrncir et al. 2016). Além disso, por apresentarem grande diversidade morfológica entre si (Michener 2007), as diferentes espécies apresentam distintos alcances de vôos (Greenleaf et al. 2007), ou seja, distintas capacidades de dispersão. Considerando matrizes agrícolas, abelhas nativas sem ferrão podem colonizar os fragmentos florestais em busca de recursos de nidificação e alimentação (Arena et al. 2018a,b). Um fator que influencia esse comportamento em escala regional é o predomínio de pastagens e campos onde, além de não haver árvores para a nidificação, a vegetação herbácea é frequentemente removida, limitando o estabelecimento de abelhas que nidificam no solo e o forrageamento da vegetação herbácea e arbustiva (Arena et al 2018b; Hatfield e LeBuhn 2007). Adicionalmente, em escala local, forças abióticas e bióticas podem interferir para que as abelhas migrem até o fragmento alvo mas não o colonizem (ex. competição por recursos de nidificação) ou até que colonizem o novo local mas que sejam extintas (ex. por predação) (Arena et al. 2018b). Os estudos apresentados mostraram a importância de se avaliar parâmetros em diferentes escalas objetivando uma visão mais holística dos padrões de dispersão em uma paisagem agrícola heterogênea, mas com claro predomínio de pastos e campos, na qual os fragmentos florestais foram evidenciados como manchas de habitat. Entretanto, será que em outro contexto, em outra paisagem, com diferentes graus de urbanização e heterogeneidade e outros usos e coberturas de terra os resultados seriam similares?

Na ecologia urbana as cidades são estudadas como ecossistemas heterogêneos e dinâmicos, compostos por complexos bióticos, físicos, sociais e construídos (Cadenasso e Picket 2008). Os efeitos da urbanização podem ser prejudiciais ou benéficos, dependendo da espécie e do parâmetro estudados. As áreas urbanizadas não somente contêm remanescentes de manchas de vegetação e corpos d’água naturais (Picket e Cadenasso 2012), mas também apresentam recursos não nativos da região que influenciam a dieta dos polinizadores, como os jardins urbanos, que podem atuar como provedores de recursos florais e de refúgio para polinizadores (Silva e Kleinert 2020). Não obstante, além da quantidade de recursos florais ofertados, as espécies de polinizares que se adaptam a uma área urbanizada dependem também da qualidade do recurso floral provedor de pólen e néctar (Faria et al. 2012). Por outro lado, a presença de estruturas altas como prédios e casas, a alta porcentagem de superfícies impermeáveis e a poluição sonora são exemplos de interferências que podem afetar negativamente os organismos em áreas urbanas (Forman 2016). No contexto espacial de um município altamente urbanizado, portanto, espera-se encontrar uma matriz muito complexa, altamente fragmentada e heterogênea, na qual quanto mais ampliamos o detalhamento da escala, mais elementos podem ser identificados. Considerando essas paisagens, é adequado selecionar fragmentos urbanos para representar sistemas de manchas para a dispersão de abelhas nativas?

A abelha mandaçaia (Melipona quadrifasciata Lepeletier 1836) é uma espécie importante nativa da Mata Atlântica que nidifica em troncos de árvores vivas, sendo, portanto, dependentes de ambientes florestais (Silveira et al. 2002) e sensíveis à fragmentação e perda de habitat. Considerando que por sua natureza robusta essas abelhas são capazes de dispersar por distâncias de 2 km (Araújo et al. 2004 apud Kerr 1987), é possível hipotetizar que essa espécie busque os fragmentos florestais urbanos como um sistema de manchas interconectadas. Por outro lado, há espécies de abelhas mais generalistas quanto ao recurso de nidificação e que se adequam facilmente aos municípios urbanos, como é o caso da jataí-amarela (Tetragonisca angustula Latreille, 1811), cujos ninhos podem ser facilmente encontrados em habitats artificiais, como paredes de concreto, telhas de casas e até escapamento de carros (observação pópria). Há registros de abelhas jataí coletando recursos de sálvia azul (Salvia farinácea Benth.), lavanda francesa (Lavandula dentata Linnaeus), estrela-do-egito (Pentas lanceolata (Forssk.) Delfers), violeteira (Duranta erecta L.), grama-amendoim (Arachis repens Handro) e ixora chinesa (Ixora chinensis Lam) (Silva e Kleinert 2020). Todas as citadas são plantas ornamentais que podem ser facilmente encontradas em jardins urbanos em pontos dispersos na paisagem, de maneira que são imperceptíveis em estudos que analisam somente a escala regional.

Seguindo o raciocínio do caso das jataís, se considerarmos os fragmentos florestais urbanos como um sistema de manchas, estaríamos ignorando todos os elementos possíveis de atuarem como recursos de nidificação e alimentação compreendidos fora dos fragmentos. Isto posto, o que seria um sistema de manchas adequado para o estudo de dispersão de abelhas nativas em metacomunidades em áreas urbanizadas? Para responder é necessário o esforço do pesquisador em considerar a biologia da espécie alvo (preferências de recursos, taxa de dispersão), a paisagem que está sendo estudada (grau de heterogeneidade, matriz) e quando e por quanto tempo o estudo será realizado (influências da sazonalidade). O pesquisador deve refletir sobre qual a pergunta que o estudo objetiva responder e quais são os parâmetros/variáveis a serem analisados para responde-la, pois só assim será possível estabelecer as escalas espaço-temporais mais adequadas.

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Interações entre espécies: a teoria de nicho em sistemas de polinização

Júlia de Oliveira Ferreira

A definição de nicho ecológico mais amplamente aceita atualmente foi desenvolvida por Hutchinson (1957), que propôs que o nicho fundamental de uma espécie poderia ser contido em um “hipervolume n-dimensional”. As múltiplas dimensões deste volume conceitual seriam formadas por eixos que abrangeriam todos os pontos que representassem condições ambientais e recursos necessários que permitiriam a existência de uma espécie por tempo indeterminado. Esta definição de nicho abrangendo todas as variáveis que asseguram a persistência das espécies é também chamada de “nicho fundamental”. No entanto, os nichos não são estáticos, uma vez que espécies têm a capacidade de alterar seus próprios nichos e de outras espécies com as quais co-ocorrem (e.g. como pela erosão de nicho pela sobre-exploração de recursos, valendo também para interações indiretas; ver Pulliam, 2000 e Holt, 2009). Assim, os nichos realizados são os espaços de nicho realmente ocupados pelas espécies em dado local num determinado período de tempo. Costumam ser geralmente menores do que o nicho fundamental, sendo restringidos por interações antagonistas como competição e predação, ou até mesmo limitações abióticas para distribuição espacial (ver Soberón & Arroyo-Peña, 2017). Apesar de complexidades e dificuldades relacionadas à definição do nicho (afinal, definir quais variáveis devem ser consideradas e quais podem ficar de fora não é tão trivial quanto parece) e sua quantificação, especialmente em relação às taxas de crescimento populacional que assegurem a persistência populacional (Schoener, 2009), seu intuito é facilitar a operacionalização e permitir a compreensão e uma delimitação mais clara acerca das demandas e tolerâncias de cada espécie.

A teoria de nicho é central para a ecologia, tendo sido um dos principais conceitos utilizados desde sua proposição no início do século XX até por volta dos anos 1960 e 1970, quando sua utilidade passou a ser questionada em prol de abordagens que defendiam que processos relacionados à dispersão de indivíduos teriam maior peso na formação de comunidades, como na teoria de biogeografia de ilhas e teoria neutra da biodiversidade (Chase & Leibold, 2003). Com o aumento do interesse de estudos que avaliassem relações entre a biodiversidade e interações entre espécies e utilização de recursos em comunidades, o nicho retornou à atenção geral próximo à virada do século XXI. A despeito de limitações teóricas e de aplicações práticas, um grande arcabouço foi construído com base no conceito, que contribuiu grandemente para a formulação de hipóteses e desenvolvimento de diversos trabalhos ecológicos, sendo um conceito ainda hoje revisado e complementado sob diferentes ópticas em face de novas teorias correntes, podendo ser avaliado através de diferentes metodologias (i.e. experimentais, mecanísticas ou por modelos estatísticos; ver Holt, 2009). Existe uma distinção tradicional do conceito de nicho em duas classes de acordo com as variáveis avaliadas. A classe conhecida como nicho Grinelliano se refere à condições ambientais, mais comumente de largas escalas, não influenciadas por interações entre espécies (cenopoética; e.g. temperatura, precipitação, luminosidade); enquanto o nicho Eltoniano trata de interações bióticas (e.g. competição, predação, mutualismos) e dinâmicas de consumo de recursos, principalmente em escalas locais (ver Soberón, 2007). Enquanto há uma tendência de aumento no número de estudos provendo banco de dados referentes à variáveis abióticas (e.g. relação com distribuição espacial das espécies), ainda existe uma deficiência e muitas lacunas em dados bióticos relacionados às interações entre as espécies onde elas ocorrem, especialmente devido à dificuldade de mensuração das variáveis, extrapolação de informações relacionadas à casos específicos e à complexidade da operacionalização destes dados (Soberón & Arroyo-Pena, 2017).

Existem três conceitos principais derivados do conceito de nicho (que se aplicam tanto ao nicho abiótico quanto biótico) utilizados como métrica para estudos ecológicos: amplitude, sobreposição e partição de nicho (ver Colwell & Futuyma, 1971). A amplitude de nicho, também chamada “versatilidade”, se refere a variedade de condições toleradas ou recursos explorados ao longo de um eixo específico no espaço de nicho (Schoener, 2009). Por sua vez, a sobreposição de nicho trata do uso comum de recursos por espécies coexistentes (Colwell & Futuyma, 1971). Porém, cabe ressaltar que a presença ou ausência de sobreposição em um determinado eixo não implica que há necessariamente competição (ver Holt, 1987), uma vez que esta só ocorre caso os recursos estejam limitados (Begon et al, 2006). Inicialmente, acreditava-se que espécies que utilizassem os mesmos recursos (i.e. sobreposição total de nichos) não poderiam coexistir, assim deveria haver um grau de similaridade limitante para que não houvesse exclusão competitiva (MacArthur & Levins, 1967; Schoener, 2009). Assim, apesar da similaridade de nichos de espécies filogeneticamente relacionadas (conhecida como conservatismo de nicho filogenético; ver Revell et al, 2008), deveria haver uma diferenciação mínima dos nichos para que pudesse haver a coexistência. Desta maneira, a partição de nicho ocorre a partir da diferenciação dos nichos das espécies como estratégia evolutiva para garantir a coexistência e diminuir efeitos da competição (Mason et al, 2008). A partição de nicho leva a um aumento na eficiência na exploração de recursos por complementaridade de nichos, favorecendo a manutenção da diversidade e coexistência de espécies com nichos similares (Finke & Snyder, 2008), uma vez que as espécies seriam mais limitantes à si mesmas do que umas às outras (Levine & HilleRisLambers, 2009). A ideia de que comunidades poderiam apresentar uma saturação (tanto no número total de espécies quanto de diversidade funcional) não é recente, e este conceito sugere que existiria um limite possível de espécies co-ocorrentes, o que implicaria em restrições ao estabelecimento de determinadas espécies e influenciaria a composição e padrões de riqueza em comunidades (ver Introdução em Pinto-Sanchez et al, 2014). Com tanto a refutação, quanto com a constatação da existência de saturação em comunidades, o estudo de nicho biótico (além de outros fatores, como processos históricos e biogeográficos, por exemplo) poderia fornecer pistas para explicar a distribuição de espécies e suas ausências em locais cujos nichos abióticos permitiriam sua ocorrência. 3. Uma discussão bem fundamentada da importância do conceito para sua pesquisa (2-3 parágrafos). Por “para a sua pesquisa” entende-se as perguntas que norteiam o seus interesses e/ou o sistema de estudo que você investiga.

Sistemas de polinização são excelentes para estudos de nicho, visto que em média 87.5% das espécies de Angiospermas são polinizadas por animais, com as plantas dependendo diretamente de interações com outras espécies para seu sucesso reprodutivo (Ollerton, 2011). O nicho de polinização das plantas refere-se tanto aos vetores de pólen abióticos como bióticos, altamente dependente da composição da comunidade de polinizadores e suas abundâncias, além de outras adaptações para maximizar a eficiência na transferência de pólen (Phillips et al, 2020). Já o nicho de polinização dos polinizadores refere-se a seus nichos tróficos na maioria dos casos (dado que utilizam recursos florais como pólen e néctar para alimentação própria e da prole; contudo, óleos, resinas e odores, por exemplo, podem ser coletados para outras funções), que forrageiam de acordo com suas habilidades cognitivas e preferências específicas, bem como em relação à disponibilidade de recursos e suas próprias características morfológicas (ver Goulson, 2010; Milet-Pinheiro et al, 2012). Vale lembrar que o nicho de polinização realizado é dependente de interações a nível de comunidade, influenciado pela competição entre plantas por polinizadores e pelas preferências de forrageio por estes animais (Phillips et al, 2020). Estudos tendem a demonstrar que existe uma sobreposição de nicho em sistemas de polinização muito menor do que a esperada, indicando que estratégias de partição e complementaridade de nicho são comuns nestes sistemas (Blüthgen & Klein, 2011; Aguiar et al, 2013; Phillips et al, 2020). A diferenciação de nichos de polinização é possível em diversos eixos. As plantas podem diferenciar seus nichos em relação à atração e restrição de acesso aos recursos por visitantes florais, local de deposição de pólen no corpo dos vetores de pólen, horário de abertura (antese) e longevidade floral, ou mesmo ao período fenológico de floração (ver Armbruster et al, 1994 e Moeller, 2004); enquanto polinizadores podem diferenciar seus nichos em termos de espécies e atributos florais de flores visitadas, horário de atividade e comportamento durante o forrageio, por exemplo (ver Patterson et al, 2003; Goulson, 2010). Do mesmo modo que atributos florais estão relacionados ao nicho de polinização, atributos como tamanho corporal e comprimento da probóscide (língua) associam-se ao nicho trófico das espécies de polinizadores, podendo haver evolução da diferenciação de caracteres diferenciados (“character displacement”; ver Schoener, 2009) para permitir a partição de nicho entre espécies coexistentes, como diferentes tamanhos corporais (ver Andreas et al, 2013), o que pode afetar não somente as espécies visitadas, mas também suas amplitudes de nichos e abundância (Goulson & Darvill, 2004).

A especialização na utilização de recursos é vista como uma estratégia decorrente da competição, que atua selecionando espécies com amplitudes de nichos mais estreitas, sendo associada à diversificação de espécies e atributos fenotípicos, bem como a processos que fomentam a complexificação de interações em comunidades (ver Brosi et al, 2016; Armbruster, 2017). Tal especialização pode se dar tanto a nível específico ou de qualquer outra classificação taxonômica, comportamental, morfológica ou fenotípica (Armbruster, 2017), em que polinizadores e plantas interagem somente com um grupo restrito de espécies (e.g. polinizadores com probóscides compridas visitando somente flores com corolas longas). No entanto, a especialização tem seus custos. Enquanto por um lado a especialização em um cenário de recursos limitados distribuídos em um eixo poderia comportar mais espécies, deveria existir um limite determinado pela redução de fitness em casos de sobre-exploração ou decorrente de estocasticidades ambientais, enquanto espécies generalistas potencialmente prosperariam por serem capazes de explorar diferentes recursos (Mason et al, 2008). A generalização em sistemas de polinização já foi apontada como sendo mais comum do que se pensava inicialmente (Waser et al, 1996). Logo, a estratégia adotada pelas espécies deve estar de acordo com a disponibilidade de recursos, no caso dos polinizadores, bem como à abundância de polinizadores disponíveis, no caso das plantas, assim como aos custos relacionados à evolução, manutenção de caracteres ou custos energéticos de forrageio, por exemplo (ver Ambruster, 2017). A partição de nicho pelas espécies parece ser essencial para manutenção da estabilidade e biodiversidade em redes de polinização (Valdovinos et al, 2013). Seu estudo permite que se compreenda os mecanismos e processos relacionados à coexistência em comunidades vegetais (Pauw, 2013), bem como para o reconhecimento de padrões de abundância e composição de comunidades de polinizadores (Goulson, 2010). Uma compreensão mais profunda acerca de processos relacionados ao nicho de polinização das espécie pode auxiliar no desenvolvimento de estratégias de conservação de não somente as espécies que interagem diretamente, mas de espécies da fauna e flora associada onde ocorrem, especialmente em um cenário de mudanças climáticas e crescente perda de habitat (Vanbergen et al, 2016; ver também Schleuning et al, 2016).

Já foi apontado que a teoria de nicho pode auxiliar na integração das áreas da biologia da polinização com estudos eco-evolutivos em termos de uma melhor compreensão acerca de processos relacionados às interações, como evolução de caracteres e à diversificação de espécies em contextos de ecologia de comunidades (Phillips, 2020). Diferenças entre os nichos das espécies podem ser determinantes para os resultados das interações ao influenciar a abundância, distribuição e composição de espécies em comunidades e através dos ecossistemas (Chase & Leibold, 2003). Estudos de nicho são importantes para se compreender mecanismos de estabilização de dinâmicas competitivas e coexistência, sendo fundamental para a compreensão da ecologia dos organismos, populações e comunidades (ver Chase & Leibold, 2003 e Levine & HilleRisLambers, 2009). Ainda, processos de nicho aliados à dispersão de espécies podem ter um papel maior do que o imaginado (especialmente por polinizadores terem o poder de limitar distribuição das plantas - ver Phillips et al, 2020), tendo potencialmente um alto poder explicativo para a explicação de mecanismos promotores da coexistência e manutenção da diversidade (Gilbert, 2012). A introdução e discussão do papel da similaridade limitante para a composição de comunidades em conjunto com a possibilidade de comunidades atingirem um nível de saturação durante as discussões da disciplina me levaram a questionar seus graus de influência em sistemas de polinização. O estudo destes temas em sistemas de polinização é ainda pouco explorado. Se é esperado que haja partição de nicho de modo a aumentar a complementaridade e eficiência na exploração de recursos (sendo eles flores visitadas ou polinizadores utilizados como vetores de pólen). Dito isto, estudos que avaliem a existência e o limiar de similaridade limitante de espécies coexistentes e sua relação com a partição de nicho entre elas, além da constatação e prevalência de saturação em comunidades de polinizadores podem apresentar resultados interessantes que ajudem a explicar os mecanismos por trás da estruturação e formação de comunidades de polinizadores e espécies de plantas com as quais interagem.

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Como atributos funcionais nos ajudam a entender a coexistência?

Jennifer Prestes Auler

Segundo a Teoria Moderna da Coexistência (Chesson, 2000), esta pode ser estável ou instável. Na coexistência instável tem-se uma manutenção da riqueza de espécies ou uma longa caminhada aleatória para a extinção, porém, a composição da comunidade pode se alterar. Já na coexistência estável as populações não apresentam tendência de mudança de densidade de espécies, ou seja, quando a densidade da espécie está baixa ela tende a se recuperar e quando está alta tende a diminuir.

Duas classes de mecanismos de coexistência são possíveis: os estabilizadores e os equalizadores (Chesson, 2000). Os mecanismos estabilizadores se dão por feedbacks negativos denso-dependentes, em que o efeito da competição intraespecífica é maior do que a interespecífica, assim conforme a densidade de uma população aumenta, maior a atuação do mecanismo de estabilização diminuindo a densidade. Os mecanismos equalizadores podem ser vistos como aqueles que diminuem as diferenças de fitness entre espécies, promovendo coexistência com menor necessidade de mecanismos estabilizadores. Assim, a coexistência se dá quando os mecanismos estabilizadores são maiores do que as diferenças de fitness.

Há muitas décadas, a coexistência é uma questão relevante para a Ecologia de comunidades. Partindo de uma perspectiva histórica, as primeiras explicações para coexistência das espécies se davam por diferenças de nicho e assim impedimento da exclusão competitiva (Grinnell, 1917; Hutchinson, 1959), sendo estes ainda hoje os processos mais estudados na área (Vellend, 2010). Em 1963, MacArthur & Wilson propõem uma outra perspectiva de explicação de diversidade em ilhas, na qual a riqueza é um balanço entre colonização e extinção. Em 2001, Hubbell apresenta a Teoria Neutra da Biodiversidade, explicando a coexistência de espécies pela estocasticidade e equivalência de espécies.

Os trabalhos de Chesson foram um marco histórico para o entendimento da coexistência (Amarasekare, 2020) porque promoveram um framework unificado dos mecanismos de coexistência conhecidos. Dentro do que comumente é chamado de “diferenças de nicho” e proporcionadores de coexistência estável, segundo Chesson (2000), podemos descrever três classes de processos: um independente de flutuações ambientais e outros dois dependentes dessas flutuações. O primeiro envolve todos os mecanismos de coexistência que ocorrem na ausência de flutuações ambientais, podendo ser mediados por partição de recursos, predadores denso-dependentes, entre outros. O segundo, conhecido como storage effect, envolve diferentes respostas à variação ambiental, de modo que espécies favorecidas pelo ambiente sejam mais limitadas pela competição intraespecífica e, quando o ambiente é favorável a seus competidores, pela competição interespecífica. Durante o ambiente favorável é criado um “estoque” de fitness 1) que permite a manutenção da população durante o ambiente desfavorável (Figura 1a). E o terceiro processo é a não linearidade relativa que envolve diferentes respostas à um recurso limitante que varia ao longo do tempo (Figura 1b; Amarasekare, 2000; Chesson, 2000). Já a teoria neutra se encaixa nesse framework como um caso especial em que há apenas mecanismos equalizadores (todas as espécies tem o mesmo fitness) e os mecanismos estabilizadores estão ausentes, levando a coexistência instável (Adler et al., 2007).

Figura 1 – Mecanismos de coexistência flutuação-dependentes. (a) storage-effect ocorre quando a resposta a flutuações ambientais não é perfeitamente correlacionada. (b) não linearidade relativa ocorre quando há uma resposta não linear a um fator que flutua ao longo do tempo (Adaptado de Adler et al., 2013) <html><p style=“font-size:12px;”>Figura 1 – Mecanismos de coexistência flutuação-dependentes. (a) <i>storage-effect</i> ocorre quando a resposta a flutuações ambientais não é perfeitamente correlacionada. (b) não linearidade relativa ocorre quando há uma resposta não linear a um fator que flutua ao longo do tempo (Adaptado de Adler et al., 2013).</p></html>

No meu projeto de mestrado buscarei entender como a similaridade das espécies podem definir mecanismos de coexistência em uma comunidade vegetal na Amazônia, tendo como proxy seus atributos funcionais e relações filogenéticas. Focando nos atributos funcionais, estes são características mensuráveis dos indivíduos capazes de prever sua performance (McGill et al., 2006), capturando aspectos essenciais da ecofisiologia, estratégia de vida e morfologia. Ainda, os atributos são capazes de capturar importantes trade-offs para as espécies, tais como a massa da folha por área (specific leaf area; SLA) – longevidade e massa da semente – e seu output (Westoby et al., 2002).

Diversos estudos utilizando a abordagem de atributos funcionais analisam sua distribuição em relação ao pool regional (HilleRisLambers et al., 2012). Neste caso, se em um habitat os atributos das espécies são mais agrupados do que o esperado pelo modelo nulo, há evidência de filtro de habitat, e se mais igualmente disperso do que o esperado, há evidência de partição de nicho (Kraft & Ackerly, 2010). Assim, no caso de atributos agrupados a coexistência seria mantida por separação espacial, com cada grupo de espécies obtendo vantagem em determinado habitat 2) enquanto no caso de igualmente dispersos a coexistência se dá diminuindo a sobreposição de nicho e por consequência a exclusão competitiva). No entanto, esta relação padrão-processo é difícil de inferir. Por exemplo, uma grande dissimilaridade de traços também pode representar grandes diferenças de fitness e então, espécies com traços diferentes podem ser excluídas competitivamente, resultando em um padrão de traços agrupados (Mayfield & Levine, 2010).

É bastante claro como diferenças em atributos funcionais podem gerar inequalidades de fitness. Uma questão que permanece, no entanto, é como estas diferenças podem gerar mecanismos estabilizadores que superem essas inequalidades. Adler et al., 2013 tenta responder a esta questão relacionando mecanisticamente os atributos funcionais a possíveis mecanismos estabilizadores, os quais cito alguns exemplos.

  • (i) Um dos mecanismos de coexistência independente de flutuação ambiental é causado pela heterogeneidade ambiental. Espécies com traços funcionais recurso-aquisitivos 3) tem maior abundância em locais com altas concentrações de nutrientes. Enquanto isso, espécies com traços funcionais recurso-conservativos são mais abundantes em locais pobres em nutrientes. Outro mecanismo de coexistência é a partição de recursos, no qual a coexistência pode ser mediada por trade-offs entre a aquisição de dois recursos limitantes. Um mecanismo proposto é o trade-off entre aquisição de recursos minerais, com maior investimento em raízes e aquisição de luz, com maior investimento em crescimento e folhas. Quanto aos mecanismos dependentes de inimigos naturais, traços de economia da folha são muito importantes na resistência à herbívoros generalistas. Espécies com estratégia recurso-aquisitiva são mais palatáveis e tem sua densidade controlada por herbívoros, impedindo que exclua as demais competitivamente.
  • (ii) Um exemplo de storage effect envolve plantas anuais que tem pistas ambientais para germinação diferentes. Angert et al. (2009) encontrou que espécies com baixo N foliar, alto SLA e grande crescimento relativo eram favorecidas em períodos quentes, enquanto espécies com alto N foliar eram favorecidas em períodos frios, sendo um mecanismo possível o N foliar ser adaptativo em baixas temperaturas (Figura 1a).
  • (iii) Apesar de poucas evidências empíricas, é proposto que a não linearidade relativa pode ser mediada por traços funcionais de economia de folha ou de madeira. Espécies com estratégia recurso-aquisitivas tem maior taxa de crescimento em alta disponibilidade de um recurso limitante, enquanto espécies recurso-conservativas têm maior crescimento quando o recurso é mais limitante. A variação temporal do recurso promove a coexistência (Figura 1b).

Apesar de alguns desses mecanismos não ter fortes evidências empíricas, especialmente em relação aos mecanismos dependentes de flutuação, o trabalho de Adler et al. (2013) nos mostra que essas relações são possíveis e um caminho para testes de coexistência mecanísticos baseados em atributos funcionais.

Referências Bibliográficas

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1)
por exemplo como sementes dormentes ou em diapausa (Adler et al., 2013).
2)
Além disso, a agregação de indivíduos, neste caso gerada por correlação com o habitat, também retarda a exclusão competitiva (Amarasekare, 2003).
3)
na folha representado por alto SLA, curta longevidade, alta concentração de N e P, e no tronco baixa densidade de madeira
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