Ensaios 2022

Reconciliação entre a teoria de nicho e a teoria neutra através da teoria moderna da coexistência e dos grupos emergentes

Luisa Truffi de Oliveira Costa

A coexistência de diferentes espécies em comunidades ecológicas sempre intrigou ecólogos. Historicamente, a teoria de nicho foi utilizada para explicar a coexistência de diferentes espécies em uma mesma comunidade. O nicho de uma espécie pode ser definido de diferentes maneiras, neste trabalho utilizarei o conceito de nicho proposto por Hutchinson (1957) que define nicho como um hipervolume com n dimensões onde uma espécie pode manter populações estáveis, sendo cada dimensão uma condição ou quantidade de recurso necessários para a ocorrência da espécie em um local. Nesse contexto, caso as espécies tenham nichos similares, elas irão necessitar de recursos e condições semelhantes para permanecer na comunidade. Como tais recursos são limitados, a competição interespecífica entre elas será intensa e uma espécie deve excluir a outra da comunidade por consumir mais efetivamente os recursos (Hardin 1960, MacArthur & Levins 1967). Logo, segundo a teoria de nicho, caso as espécies tenham grande sobreposição de nicho, a melhor competidora deve excluir a pior da comunidade de maneira determinística (Hardin 1960, MacArthur & Levins 1967). Portanto, segundo a teoria de nicho existiria um limite para a similaridade de nicho entre espécies para que ocorra a coexistência estável. Para a teoria de nicho a coexistência na comunidade seria determinada por interações de competição por recursos, sendo a intensidade da competição determinada pelo grau de sobreposição de nicho entre as espécies.

A teoria de nicho foi uma pedra fundamental para teoria ecológica e possibilitou uma explicação para a coexistência por meio da limitação de similaridade ecológica. A relevância limitação de similaridade de nicho para explicar a coexistência entre espécies foi desafiada pela publicação da teoria neutra da biodiversidade (Hubbell, 2001). Isso porque um dos pressupostos da teoria neutra é que as espécies de um mesmo grupo trófico podem ser consideradas equivalentes ecológicas e assume-se que elas possuem fitness idênticos. Para teoria neutra, as diferenças entre os nichos não são consideradas e a diversidade de espécies é explicada somente através da variação estocástica entre nascimentos, mortes, imigração e uma taxa de especiação fixa que atua sobre o pool regional de espécies. Para construção da teoria neutra Hubbell se baseou na teoria de biogeografia de ilhas (MacArthur and Wilson 1967) e em suas próprias pesquisas em florestas tropicais (Hubbell 1979). A teoria neutra buscava explicar a diversidade e coexistência a partir apenas da deriva, dispersão e especiação, processos pouco explorados na teoria de nicho. A equivalência entre as espécies de um mesmo nível trófico foi uma proposta radical que abandonou o papel do nicho e competição. Surpreendentemente a teoria neutra foi capaz de explicar padrões complexos como a distribuição de abundâncias de espécies em uma comunidade (Hubbell, 1997) e a taxa de turnover de espécies em uma comunidade (Condit et al, 2012).

Um dos principais méritos da teoria neutra foi abrir o debate e propor que outros processos também são tão influentes quanto a competição para explicar a coexistência entre espécies e que mesmo que as espécies fossem iguais elas poderiam coexistir (Chase & Leibold, 2003). Apesar das duas teorias serem aparentemente antagônicas por possuírem pressupostos distintos, é equivocado julgar que a teoria de nicho e a teoria neutra sejam mutuamente exclusivas. Foi proposto por Adler e colaboradores (2007) que seria possível reconciliar as propostas da teoria de nicho e da teoria neutra ao analisar as teorias como situações dentro da proposta da teoria moderna da coexistência (Chesson, 2000). Para Chesson (2000) a coexistência estável é mediada por um balanço entre mecanismos equalizadores, que minimizam a diferença de fitness entre as espécies, e mecanismos estabilizadores, que aumentam o efeito negativo das interações intra-específicas em relação às interespecíficas. Os mecanismos estabilizadores são comumente associados à teoria de nicho (Adler et al, 2007); por exemplo, a partição de recursos e processos denso-dependentes negativos são processos considerados estabilizadores. No framework de Chesson, a coexistência entre espécies não depende somente dos mecanismos de estabilização, mas também é necessário considerar a diferença entre os fitness das espécies. Conforme representado na figura 1, é o balanço entre diferença de fitness e processos de nicho (estabilizadores) que permitem a coexistência de espécies em um local. Nesse cenário, espécies com grandes diferenças de fitness podem co-existir somente quando ocorrem processos estabilizadores fortes. Por outro lado, se as diferenças de fitness são pequenas, até mesmo pequenas forças estabilizadores conseguem manter a coexistência entre as espécies. A teoria neutra se encaixa nesse framework, apenas como um caso específico em que não existe diferença de fitness, ou seja, os fitness das espécies são equivalentes, e não existe ação de mecanismos estabilizadores (Fig. 1, ponto A) (Adler et al, 2007). Ao colocar a teoria neutra dentro do framework da teoria moderna da coexistência é possível compreender mais claramente que tanto processos neutros quanto de nicho podem atuar para gerar a coexistência entre espécies. A inserção da teoria neutra dentro do framework da teoria moderna da coexistência promove uma alternativa de reconciliação entre essas linhas de pensamento e fomenta a integração dos conceitos para o avanço do conhecimento na área. Contudo, como essa proposta espera que o cenário neutro seja apenas um ponto dentro de inúmeros possibilidades de coexistência, essa proposta ainda não integra as teorias em um sentido de elaborar explicações em que esses processos atuem de modo conjunto para manutenção da coexistência.

Figura 1. (Retirada de Adler et al 2007). Esse gráfico representa a relação esperada entre um par de espécies competidoras simétricas (efeito da espécie 1 sobre a 2 é igual a da 2 sobre a 1) e em que a competição intra-específica é fixa e igual (efeito da competição intra-específica para espécie 1 é igual ao efeito da competição intra-específica para espécie 2). O eixo y representa a equivalência de fitness das espécies, quando é igual a 1 as espécies têm fitness equivalentes. O eixo x representa a força de estabilização, quando ela é igual a 1 representa que a taxa de crescimento das espécies é independente de densidade, quanto mais próximo de 2 maior o efeito da denso-dependência negativa sobre o crescimento populacional para essas espécies .

Outras propostas de integração entre as teorias neutra e de nicho foram propostas nos anos subsequentes a publicação do livro de Hubbell (2001), uma que destaco como uma perspectiva intrigante é a proposta de grupos emergentes (Scheffer & Van Nes 2006). Esses autores utilizaram um modelo de competição com múltiplas espécies, similar ao modelo clássico de Lotka-Volterra. Nesse modelo, inicialmente as espécies foram distribuídas de modo aleatório em um eixo de nicho e após milhares de rodadas foi observado um padrão emergente e auto-organizado de grupos de espécies que tinham um nicho funcional similar. Entre esses grupos existia uma lacuna, espaço de nicho, que não era ocupado por nenhuma espécie (Fig 2). Foi proposto como explicação para esse padrão que as espécies podem coexistir em 2 situações distintas: quando são suficientemente similares funcionalmente ou quando as espécies são suficientemente diferentes funcionalmente. No primeiro caso, a coexistência seria possível porque as espécies teriam uma sobreposição de nicho quase completa e mesma capacidade competitiva; portanto, entrariam em uma dinâmica quase neutra e a exclusão competitiva ocorreria de modo muito lento. Já no segundo caso as espécies quase não teriam sobreposição de nicho e, por isso, a competição por recursos seria menos intensa e a exclusão por competição não ocorreria. As lacunas entre os grupos não seriam ocupadas porque seriam posições em que a competição seria mais intensa, uma vez que nelas a sobreposição de nicho entre as espécies é parcial, o que levaria a um forte efeito da limitação de similaridade e a exclusão da espécie. Nesse mesmo artigo, Scheffer e van Ness (2006) também elaboraram um modelo de evolução de nicho no qual as espécies foram inicialmente distribuídas de modo aleatório no eixo de nicho e a cada geração poderiam experienciar um deslocamento de nicho de modo a minimizar a competição por recursos. Nesse modelo, o mesmo padrão de grupos emergiu, com espécies convergindo a nichos similares e uma lacuna entre os grupos (Fig 3). Em estudos empíricos, observaram-se padrões similares aos obtidos por esses modelos para tamanho corporal de besouros e aves (Scheffer et al, 2015, Thibault et al 2011), ou seja, que as espécies que coexistem são ou funcionalmente distintas ou muito similares. Apesar desses modelos serem simples e de que possivelmente hipóteses alternativas também possam explicar os padrões empíricos encontrados, considero a proposta dos grupos emergente intrigante porque ela consegue, a partir de conceitos tradicionais da teoria de nicho, como competição, sobreposição de nicho e partição de nicho, obter um padrão emergente de coexistência que é explicado pela atuação conjunta de processos de nicho e processos neutros. Considero essa uma proposta interessante de integração porque ambos conceitos da teoria de nicho e da teoria neutra são utilizadas conjuntamente e simultaneamente para explicar um padrão de coexistência.

Figura 2. (Retirada de Scheffer e van Ness, 2006). Padrão de distribuição de abundância (biomassa) de espécies competidoras ao longo do eixo do nicho. (a) Padrão observado na simulação após 1.000 rodadas. (b) Padrão observado na simulação após 5.000 rodadas.

Figura 3. (Retirada de Scheffler et al, 2018). Resultado da simulação de evolução de nicho de espécies competidoras a partir do modelo proposto por Scheffler e van Ness (2006).

A teoria de nicho foi e ainda é fundamental para ecólogos, no entanto, é equivocado persistir tentando compreender os padrões ecológicos somente a partir de processos associados à teoria de nicho. Há duas décadas, a teoria neutra mostrou uma nova perspectiva de explicação e as propostas de integração entre teoria neutra e de nicho que surgiram posteriormente ampliaram ainda mais os horizontes de como diferentes processos podem atuar em comunidades ecológicas. Ao fazer essa reflexão, percebi que quando elaborei minha proposta de projeto de mestrado ela continuava muito restrita a explorar processos atrelados somente à teoria de nicho, e agora tenho como objetivo refletir sobre hipóteses alternativas que consigam abranger outros processos. Em meu mestrado irei analisar se as relações filogenéticas podem ser utilizadas para prever o saldo das interações entre plantas em planícies arenosas costeiras. A princípio, me baseando na teoria de nicho e na conservação de nicho na filogenia (Wiens et al, 2010), esperava que a limitação de similaridade fosse muito relevante e que, consequentemente, espécies filogeneticamente próximas tivessem maior probabilidade de ter interações negativas porque seus nichos seriam mais similares e a competição por recursos seria mais intensa que entre espécies filogeneticamente mais distantes. As propostas de integração entre teoria de nicho e teoria neutra me fizeram reavaliar que outros mecanismos, além da limitação de similaridade, poderiam estar envolvidos na interação entre pares de espécies de plantas. Por exemplo, agora, à luz das propostas de Scheffer e van Ness (2006), percebo que seria possível pensar em hipóteses alternativas em que a competição é mais intensa entre espécies com sobreposição de nicho parcial. Contudo, ainda preciso refletir com cautela sobre como as ideias elaboradas para pensar sobre a coexistência entre espécies em comunidades podem ser traduzidas de modo coerente para um contexto de interação entre pares de indivíduos de espécies diferentes. Essa transposição não é tão simples porque a coexistência de espécies não ocorre somente quando as espécies possuem interações neutras ou positivas; são possíveis, por exemplo, interações negativas quando a intensidade da competição não seja suficiente para gerar a exclusão de uma delas da comunidade. Considerando que as propostas de reconciliação entre teoria neutra e teoria de nicho que explorei são referentes à coexistência entre espécies e que não irei trabalhar diretamente com isso em meu mestrado, ainda acredito que essa reflexão foi inspiradora para buscar ampliar minha visão para além dos processos clássicos de nicho.

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Resiliência ecológica em agroecossistemas

Julie Christine Scaloppi

O conceito de resiliência, utilizado em diversas áreas do conhecimento, pode ser empregado na ecologia a partir de diferentes abordagens (Holling 1996, Gunderson 2000, Folke 2006). Quando se considera que sistemas dinâmicos podem exibir estados estáveis alternativos, resiliência pode ser conceituada como a capacidade do sistema persistir em uma bacia, ou domínio de atração, frente à eventuais pertubações (Holling 1973). O estado em que o sistema se encontra pode ser compreendido como um balanço de processos. Estados estáveis são aqueles onde o balanço de processos tende a manter o sistema em um equilíbrio dinâmico, ou seja, os processos que influenciam o sistema resultam em forças que contribuem para sua manutenção, formando um domínio ou bacia de atração (Scheffer 2009). Diante de determinada intensidade ou frequência de perturbações, as forças atratoras de um estado estável podem não ser suficientes para preservar o sistema naquela bacia de atração. Quando o sistema atinge o limite de uma bacia de atração ele chega à uma bifurcação, um estado instável a partir do qual uma pequena perturbação adicional pode provocar uma transição crítica, onde o sistema entra em uma bacia de atração de um estado estável alternativo (May 1977, Scheffer et al. 2001).

A resiliência no contexto dos sistemas com múltiplas bacias de atração, denominada resiliência ecológica, é uma propriedade que representa a magnitude de distúrbio que o sistema consegue absorver sem mudar de estado (Holling 1973). O conceito é relevante para a caracterização dos estados de sistemas ecológicos. A relação entre a diversidade biológica e a resiliência é um tema de interesse da teoria ecológica (Gunderson 2000). Maiores diversidades de organismos possibilitam maiores diversidades e redundâncias funcionais nas comunidades ecológicas. Hipóteses que relacionam positivamente a biodiversidade e resiliência ecológica sugerem que essas características reduzem a susceptibilidade das comunidades à perturbações. Assim, a complementaridade no uso de recursos, a diversidade de desempenhos e o fato da perda de espécies ser menos nociva ao sistema como um todo, reduzem a fragilidade e aumentam a responsividade do sistema à perturbação (Elmqvist et al. 2003, Downing et al. 2012). Nesse sentido, a caracterização da diversidade e redundância funcional das comunidades poderiam indicar se o sistema se encontra em um estado estável ou próximo à uma transição crítica (Roberts et al. 2019). O conceito de resiliência ecológica também considera a capacidade do sistema de absorver distúrbios e se reorganizar, mantendo sua função e estrutura. Além da importância teórica, a resiliência ecológica contribui para a compreensão dos mecanismos que mantêm estados estáveis e para a identificação de sinais de aproximação das transições críticas dos ecossistemas, fundamental para a conservação e manejo de sistemas naturais (Scheffer et al. 2001, Dakos et al. 2015).

Sistemas ecológicos caracterizados por estados estáveis alternativos, induzidos ou não por atividades antrópicas, têm sido observados em diversos ecossistemas aquáticos (Blindow et al. 1993, Knowlton 2004, Roelke et al. 2007, Carpenter et al. 2011) e terrestres (Dublin et al. 1990, Walker et al. 1997, Warman and Moles 2009, Eby et al. 2017, Katembo et al. 2020). No caso do lago Takvatn, localizado na Noruega, analisado por Persson et al. (2007), a mudança de estado foi atribuída à pressão das atividades de pesca. Um manejo contraintuitivo, baseado nas formas pelas quais a predação seletiva em relação ao tamanho de presas e as características das espécies de peixes do lago poderiam causar estados alternativos de equilíbrio, auxiliou na reversão e manutenção do estado onde a espécie comercial de interesse tem sua população aumentada. O estudo também sugere que o acompanhamento da população das presas poderia indicar riscos de colapso desse sistema. O estudo de Persson et al. (2007) e sua sugestão de manejo, contrasta com a abordagem de “rendimento máximo sustentável” aplicado por indústrias de pesca ao redor do mundo. O indicador de limite de exploração utilizado por essa abordagem está relacionado somente com a população de interesse comercial, o que implica em enorme chances de colapso das comunidades aquáticas onde se inserem essas populações de interesse (Legovic et al. 2010). É importante destacar que a mudança e reversão de estados estáveis de um sistema pode ser caracterizada por condições críticas distintas, ou seja, a mudança de estado passa por um estado instável distinto do percorrido durante a reversão dessa mudança. Nesse caso, o sistema é caracterizado pela histerese. Se o sistema apresenta histerese e, por exemplo, o novo estado é indesejado, a reversão para o estado anterior pode exigir muito mais do que a reversão das perturbações ou a restauração das condições anteriores (Beisner et al. 2003, Scheffer 2009). Um exemplo são as transições provocadas por pressões de pastejo que levam ecossistemas áridos à estados desertificados (Kéfi et al. 2007).

As atividades antrópicas interferem nos processos que controlam os fluxos de energia, nutrientes e matéria orgânica nos sistemas ecológicos, as funções ecossistêmicas. Muitas vezes, essas alterações têm como consequência a redução na biodiversidade (Cardinale et al. 2012). Aproximadamente um quarto da superfície terrestre foi transformada em sistemas cultivados para atender as crescentes demandas por alimento, madeira, fibras e combustíveis. A distribuição das espécies tem se tornado mais homogênea e a diversidade genética global está sendo reduzida, uma das razões é a padronização das variedades cultivadas. Além disso, a demanda por água, fertilizantes e combustíveis fósseis das atividades produtivas têm alterado os processos e funcionamentos dos ciclos biogeoquímicos (MEA 2005). A teoria ecológica associada a dados empíricos tem mostrado que a redução de diversidade diminui a estabilidade temporal das funções ecossistêmicas, como a produção de biomassa, a eficiência da captura de recursos, a decomposição e a ciclagem de nutrientes nos sistemas ecológicos (Cardinale et al. 2012). Uma das estratégias propostas para atenuar esses impactos consiste na diversificação dos agroecossistemas. A transição de agroecossistemas simplificados para agroecossistemas mais biodiversos têm sido apontada como prioridade no contexto de perda de biodiversidade mundial, especialmente devido ao potencial de otimizar as áreas produtivas, reduzir a conversão de novas áreas para produção agrícola e aumentar a biodiversidade nas áreas já convertidas (Malézieux et al. 2009, Vandermeer 2011, Sachs et al. 2019).

A aplicação do conceito de resiliência ecológica em agroecossistemas deve considerar os objetivos e limitações inerentes a esses sistemas, que são distintos dos sistemas naturais. Para isso, Peterson et al. (2018) recomendam que a análise da resiliência ecológica em agroecossistemas utilize uma estrutura onde as funções produtivas, os mecanismos regulatórios e as escalas sejam explicitadas. Os mecanismos regulatórios que aumentam resiliência de determinado estado podem ser externos ou internos ao agroecossistema. Sistemas regulados com mecanismos externos geralmente possuem produtividade centrada em uma única escala e intervalo de tempo e são altamente dependentes de insumos externos. Por sua vez, agroecossistemas regulados através de mecanismos internos se baseiam na diversidade genética e de espécies, estruturas tróficas complexas e acumulação de matéria orgânica (Peterson et al. 2018). Nesse sentido, o aumento da diversidade pode funcionar como um mecanismo endógeno de agroecossistema, que aumenta a resiliência de um estado estável desejado e também permite a manutenção das funções ecossistêmicas frente a estresses e mudanças ambientais (Oliver et al. 2015, Martin et al. 2019).

As interações entre espécies de plantas em agroecossistemas biodiversos são o foco da minha pesquisa. O conceito de resiliência ecológica contribui para uma perspectiva na qual o aumento da biodiversidade pode favorecer a manutenção de estados desejados em agroecossistemas. As comunidades de plantas inseridas e cultivadas nos agroecossistemas são consequência da manipulação e manejo antrópico, porém, influenciadas pelos mesmos mecanismos que conduzem a estrutura e dinâmica nos ambientes naturais (Vandermeer 2011). As vantagens associadas ao aumento da biodiversidade em áreas agrícolas dependem da escolha e combinação de organismos e de traços funcionais. A escolha, que deve considerar as condições ambientais locais, busca promover a complementaridade no uso de recursos, com ênfase em processos de facilitação entre organismos (Cardinale et al. 2002, Liu et al. 2018). Entre as vantagens estão o melhor aproveitamento dos recursos disponíveis e, potencialmente, melhorias no microclima e favorecimento da polinização e controle de pragas e doenças, resultantes de interações diretas e indiretas entre espécies (Brooker et al. 2015). O estudo das interações entre plantas em agroecossistemas é uma oportunidade de desenvolvimento de sistemas mais resilientes, produtivos e que realizem a manutenção das funções ecossistêmicas (Brooker et al. 2021).

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A competição e a partilha de recursos em guildas tróficas de aves sob a ótica dos isótopos estáveis

Ana Beatriz Navarro

O conceito da competição é um dos mais explorados historicamente dentro da Ecologia de Comunidades, levando a existência de uma série de estudos envolvendo modelos tanto de caráter fenomenológico (modelo de Lotka-Volterra) quanto mecanístico (modelo de Tilman). A conceitualização geral do processo de competição em uma comunidade nada mais representa que a interação entre indivíduos (sejam eles da mesma espécie ou de espécies diferentes) que compartilham a necessidade por um mesmo recurso limitado (e.g., alimento, nutriente, habitat). De modo amplo, existem dois mecanismos de competição interespecífica que podem operar em uma comunidade, (1) a competição exploitativa e (2) a competição de interferência (Morin, 2011). A competição exploitativa ocorre quando uma espécie partilha de um mesmo recurso com outra espécie, limitando o crescimento populacional de ambas ao tornar o recurso em questão menos disponível. Já a competição de interferência ocorre quando uma espécie limita o acesso de outra espécie a um recurso comunitário, o que pode envolver territorialidade ou defesas químicas. Assim, independentemente do tipo de competição em progresso em uma comunidade, é fato que tal processo leva a uma interação negativa entre os indivíduos competidores, regulando o tamanho populacional das espécies através de uma redução na taxa de crescimento e, assim, modulando a estruturação da comunidade.

A importância histórica do conceito da competição para a ecologia remonta à década de 1920, quando Alfred J. Lotka (em 1924) e Vito Volterra (em 1926) deduzem de forma independente um modelo matemático que descreve as interações competitivas entre populações de duas espécies e as condições necessárias para a coexistência das mesmas. Ademais, o conceito da competição exerce forte influência na década de 1930, quando Georgy F. Gause, através de experimentos com protozoários do gênero Paramecium, formula o princípio da exclusão competitiva (também conhecido como ‘princípio de Gause’), que demonstra a impossibilidade de coexistência entre espécies com nichos similares (Gause, 1934). Segundo esse princípio, uma espécie X, com melhor habilidade competitiva por determinado recurso limitado, excluirá outra espécie Y, também dependente do recurso, visto que Y é competitivamente inferior. A coexistência entre as espécies só seria bem sucedida caso houvesse uma partilha de recursos, ou seja, que as espécies apresentassem uma diferenciação em seus nichos. Essa possibilidade de coexistência estável entre espécies competidoras pode ser deduzida utilizando-se o modelo de Lotka-Volterra, segundo a seguinte equação: (1) dN1/dt = r1*N1 [(K1-N1-α12*N2) / K1], em que dN1/dt é a taxa de crescimento da população 1 (sendo igual a 0 quando a população está no equilíbrio, ou seja, o número de indivíduos permanece constante ao longo do tempo), r1 é a taxa intrínseca de crescimento natural da população 1, N1 é o tamanho da população 1, K1 é a capacidade de suporte da população 1, α12 é o coeficiente de competição da espécie 2 sobre 1, e N2 é o tamanho da população 2. Sabemos que, se α > 1 a competição interespecífica é mais importante para a regulação da espécie em questão e se α < 1 a competição intraespecífica exerce mais influência.

MacArthur (1958) mostra justamente que a coexistência de cinco espécies de mariquitas (Dendroica sp.) com preferências ecológicas similares só é possível porque α < 1 para todas as espécies, ou seja, a competição entre indivíduos da mesma espécie regula muito mais a população do que a competição com outras espécies. Assim, há uma clara partilha de recursos através da distinção entre o habitat de forrageio dessas aves e, assim, há uma diferenciação de nicho entre as cinco espécies analisadas. Em anos posteriores, David Tilman desenvolve um modelo mecanístico para descrever a competição interespecífica, baseando-se na relação entre os consumidores e seus recursos (Tilman, 1982). Com esse modelo, Tilman demonstra que a coexistência entre competidores é possível quando uma espécie X é melhor competidora do que a espécie Y para um recurso compartilhado “A”, porém Y tem vantagem competitiva sobre X quando se refere a um recurso “B”. Essa última dinâmica descrita representa o que são os tradeoffs associados à habilidade competitiva, que nada mais são do que diferentes performances das espécies frente ao uso de recursos, permitindo a coexistência das mesmas em diferentes escalas (Kneitel & Chase, 2004). Assim, através da dedução de ambos os modelos (fenomenológico e mecanístico) é possível concluir que a coexistência estável entre espécies competidoras é possível quando a dinâmica da competição intraespecífica por determinado recurso é mais forte do que a competição interespecífica (Mittelbach & McGill, 2019).

Desde a conceituação da importância da competição para a dinâmica de uma comunidade biológica houve uma explosão de estudos que investigaram, sendo na maioria das vezes encontrada, a influência da competição interespecífica na estruturação da comunidade (Connel, 1983; Schoener, 1983). A importância da competição foi tão evidenciada que passou a ser incorporada e representar uma das principais formas de investigação dentro de outro conceito bastante relevante na Ecologia de Comunidades, o nicho ecológico das espécies. O nicho de uma espécie, segundo Hutchinson (1957) descreve a amplitude das condições físicas e biológicas (bióticas – incluindo as interações entre espécies, como competição; e abióticas) necessárias para a manutenção da mesma, podendo ser definido como um hipervolume n-dimensional. Mais recentemente, com o avanço das ferramentas analíticas em nível molecular e elementar, novas abordagens vêm sendo empregadas com o intuito de mensurar o nicho de uma espécie, como é o caso do nicho isotópico. Através da análise de isótopos estáveis de carbono (δ13C) e nitrogênio (δ15N) de um indivíduo é possível fazer inferências a respeito do tipo de habitat utilizado pelo mesmo e sobre a sua dieta, respectivamente. De modo que, através da associação bivariada dos valores isotópicos de carbono e nitrogênio, é possível compreender dois importantes eixos que compõem o nicho de uma espécie (Newsome et al., 2007).

A amplitude do nicho isotópico de cinco guildas tróficas (frugívoros, granívoros, insetívoros, nectarívoros e onívoros) de aves da Mata Atlântica sofreu uma redução bastante acentuada (28–70%) no último centenário, muito provavelmente em decorrência dos intensos impactos antropogênicos neste bioma (Navarro et al., 2021a). A expansão humana sobre áreas naturais influenciou diretamente para uma depleção não somente na diversidade de espécies de vertebrados, mas também na riqueza e abundância de invertebrados e plantas, os quais são recursos fundamentais para as aves (Dirzo & Raven, 2003; Haddad et al., 2015; Püttker et al., 2020). Apesar do encolhimento dos nichos das guildas de aves poder ser reflexo direto da redução temporal na disponibilidade e diversidade de recursos, em Navarro et al. (2021a) não foi analisado se a sobreposição de nichos entre as espécies de uma mesma guilda também reduziu proporcionalmente ou se atualmente há maior sobreposição do que era observado no passado. Medir a sobreposição de nichos entre espécies não necessariamente garante que há competição interespecífica por recursos, uma vez que os recursos podem ser abundantes o suficiente para manter as espécies (Morin, 2011). No entanto, conhecendo-se um pouco sobre a história natural das espécies e seus hábitos de forrageio, pode-se especular informações interessantes a respeito da sobreposição de nichos entre espécies de uma guilda trófica e sua possível relação com a dinâmica de competição entre as mesmas. Seguindo na linha da análise de isótopos estáveis, é perfeitamente possível calcular a sobreposição do nicho isotópico através de modelos matemáticos e pacotes estatísticos já existentes (e.g., SIBER no R por Jackson et al., 2011; rKIN no R por Eckrich et al., 2020), uma vez que haja suficiência amostral de indivíduos.

As espécies das guildas analisadas são em sua grande maioria consideradas generalistas e comuns em florestas fragmentadas da Mata Atlântica. Ainda assim, essas aves demonstram que paisagens sob intensos impactos antropogênicos com mudanças no uso do solo, e consequente redução na disponibilidade de recursos e habitat florestal, afetam diretamente os seus nichos (Navarro et al., 2021b). Se realizada a análise de sobreposição de nicho isotópico entre espécies de uma guilda e for encontrada alta sobreposição, pode-se pensar na possibilidade de ocorrência de competição interespecífica por recursos limitados, caso não haja partilha de recursos ou existência de tradeoffs. De modo que, havendo a persistência ou intensificação dos impactos antropogênicos, e consequente redução na disponibilidade e diversidade de recursos, essas aves podem passar a competir mais fortemente, podendo futuramente levar a exclusão competitiva de algumas espécies da guilda que tenham menor habilidade competitiva ou que dependam da existência de maior abundância de recursos. Contrariamente, caso se observe baixa sobreposição de nicho entre espécies de uma mesma guilda, pode-se pensar na hipótese de coexistência estável, já que aqui a competição intraespecífica teria maior influência para a dinâmica da comunidade, o que permitiria essas espécies coexistirem mesmo sob as fortes pressões antropogênicas atuais sobre seus recursos.

Referências bibliográficas

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Tilman, D. (1982). Resource Competition and Community Structure. Princeton University Press, New Jersey.

A importância da integração de processos históricos e regionais na compreensão da montagem de comunidades locais

Rosana Campos Paschoalino

Existem diversos processos ecológicos, históricos e biogeográficos que norteiam a montagem das comunidades ecológicas atuais (Ricklefs 1976). Os processos históricos envolvem eventos ao longo do tempo que determinam a situação atual de uma comunidade em escala local (Cavender-Bares et al. 2009). Esses eventos podem estar relacionados à dinâmica geológica do lugar e às relações filogenéticas das espécies que formaram ao longo do tempo, seja por especiação, seleção, deriva e/ou dispersão (MacArthur 1969; Ricklefs 1987; Vellend 2010). Além da história evolutiva das espécies e das mudanças sofridas no ambiente, os processos ditos inicialmente regionais, estão relacionados ao pool regional de espécies, responsável por gerar e manter a diversidade das comunidades locais (Ricklefs 1987). Isso significa que se uma espécie se extingue dentro da comunidade, ela pode ser ‘renovada’ com a chegada de novas populações da mesma, ou substituída com a chegada de novas espécies do pool regional, já que comunidades ecológicas são abertas e sempre suscetíveis a eventos de migração (Harrison e Cornell 2008).

É de grande conhecimento que processos ecológicos são resultados de processos históricos e regionais, mas pouco se discute e investiga que processos históricos e regionais também podem ser resultantes de processos ecológicos locais (Wiens e Donoghue 2004). Por isso a integração e investigação do passado e presente de comunidades locais devem ser feitas, inclusive em estudos empíricos de ecologia de comunidades, mesmo quando a base de dados é restrita (Harrison e Cornell 2008). Assim, ecólogos devem investigar processos locais (bióticos e abióticos) e padrões que formam a composição e riqueza das comunidades a fim de uma melhor compreensão sobre processos regionais e históricos, como uma via de mão dupla (o que localmente influencia os limites do alcance dos clados envolvidos) (Wiens e Donoghue 2004). Para isso, podemos contar com o avanço no desenvolvimento de ferramentas filogenéticas, surgindo um novo campo da filogenia para ecologia de comunidades (Webb et al. 2002; Cavender-Bares et al. 2009), além de modelos matemáticos desenvolvidos que incorporam cada vez mais características ambientais, relações bióticas, história evolutiva, tudo num mesmo ‘balaio’ a fim de inferir processos e padrões ecológicos de uma maneira mais integrativa (Johnson e Omland 2004).

Focando agora nos processos regionais, sabemos também da forte influência dos mesmos na estruturação de comunidades locais. Cornell em 1985, estudou espécies de carvalhos e vespas-da-galha e encontrou que o tamanho do alcance regional dos carvalhos prediz a riqueza regional total e a riqueza local dos carvalhos e das vespas que ocupam cada espécie de árvore. Uma conclusão particular do trabalho é a importância do estudo ser conduzido em escalas espaciais e temporais bem definidas, de acordo com o(s) grupo(s) taxonômico(s) envolvido(s), para que assim o viés de inferência sobre processos e padrões seja menor. Além disso, devemos considerar que entre regiões e pequenas localidades também existe um sistema de ‘mão dupla’, onde sabemos, como já dito anteriormente, que a composição regional influencia as localidades que a contém. Porém o contrário também é válido, o que acontece em escala local influencia a composição regional, como num sistema de retroalimentação. Mas ainda assim, devemos considerar que a região pode apresentar características independentes e particulares, como a heterogeneidade ambiental e histórico biogeográfico diferente das localidades (Harrison e Cornell 2008). Por exemplo, uma região de savana contém um pool regional que influencia a composição das comunidades em diferentes fitofisionomias dentro da savana e o que acontece dentro das fitofisionomias também influencia a região da savana como um todo. Mas ainda assim, cada fitofisionomia possui um histórico biogeográfico diferente e que a heterogeneidade ambiental (e.g. pluviosidade, cobertura de serapilheira) influencia muito mais a região como um todo do que cada fitofisionomia em particular. Para tentar ilustrar esse cenário, utilizei a figura adaptada de Harrison e colaboradores (2006), onde os autores desenvolvem um modelo para tentar entender as relações e a força/direção da interação de diferentes fatores (ambientais, regionais e locais) na riqueza local de espécies vegetais (Fig. 1).

Figura 1- Resultado do modelo de equação estrutural multiescala dos correlatos da riqueza de espécies. A largura das setas indica as forças relativas das vias. Um ‘+’ indica um efeito positivo e um ‘+⁄-‘) indica um efeito unimodal. A figura é adaptada de Harrison et al. 2006 e a legenda é reproduzida de Harrison e Cornell 2008.

Segundo a Teoria dos Refúgios, a Amazônia sofreu diversas flutuações em seu clima e vegetação ao longo do tempo, explicando parte da alta biodiversidade endemismo, onde espécies se dispersaram por diversos pontos do bioma e depois ficaram restritas a parte deles e diferentes formações vegetacionais surgiram e desapareceram nesse extenso processo (Haffer 1969; Ab’ Saber 1992). As regiões de savanas estão espalhadas em diversas manchas imersas na matriz de floresta ombrófila do bioma amazônico (Almeida-Júnior 1986). Em Carajás, no sudeste do estado do Pará, elas são encontradas nos topos das montanhas das serras que compreendem a Floresta Nacional de Carajás (Flonaca). O soerguimento das rochas que formam as serras é datado do período Pré-Cambriano e seu assentamento se deu no final do Mesozoico, início do período Terciário, concluindo que são formações rochosas bem antigas (Ab’Saber 1986). Dentro das áreas dessas savanas, encontramos basicamente três tipos de fitofisionomias bem distintos: capões de mata (pequenas ilhas de vegetação estruturalmente mais desenvolvidas), campos brejosos e campos rochosos, que estão uniformemente distribuídas pelas serras (Silva et al. 1996). No meu trabalho de mestrado amostramos comunidades locais de anfíbios anuros, com espécies endêmicas das savanas e outras compartilhadas com a floresta. Inicialmente, eu e meus colaboradores, investigamos a possível divergência de espécies de anuros e seus atributos funcionais entre as diferentes fitofisionomias e posteriormente, incluímos a comparação das comunidades locais entre as diferentes serras da Flonaca.

Pensando na integração de diferentes processos, seria muito interessante investigar possíveis processos históricos e regionais envolvidos (tanto da área de estudo quanto das espécies) e analisar a influência do pool regional sobre a estruturação das comunidades locais. Anfíbios possuem um longo histórico evolutivo na Terra (350 Ma) (Instituto Rã-Bugio 2022), com tempo suficiente para grandes eventos de dispersão e estabilização em vários ambientes. Não seria diferente com a dispersão e estabilização das espécies nessas áreas de savana imersas na floresta amazônica, mas ao mesmo tempo, isso pode ser um impedimento para muitas delas se dispersarem. Outra questão interessante a se levantar é: e como as espécies típicas de outras áreas abertas (e.g. Cerrado) conseguiram chegar nessas ilhas de savanas amazônicas?

A partir do compilado dos atributos funcionais das espécies, a análise da formação de diferentes grupos funcionais pode indicar se essas comunidades se estruturam a partir de relações bióticas (competição) ou por influência do ambiente, do histórico da área ou pelo pool regional, pensando em um modelo semelhante ao de Harrison e colaboradores (2006). Além disso, incluir a filogenia das espécies e dados das características ambientais de cada fitofisionomia, pode gerar o modelo proposto para compreender o grau de influência de cada processo diferente que possa definir os padrões de diversidade de anfíbios nas savanas. Mas pensando no que já temos e para finalizar, apesar de ter sido um estudo experimental, com coleta de dados limitada e pouco enviesada, as informações levantadas fornecerão subsídios para a compreensão da outra via que poucos ecólogos se direcionam: como processos locais podem influenciar processos regionais e até mesmo históricos. E história é o que não falta nas savanas amazônicas de Carajás.

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Os três pilares do conhecimento e a importância de integra-los

César Santificetur 

Com os problemas ambientais da atualidade, o estudo de ecologia acaba tendo um importante papel e também um grande desafio para buscar respostas e estratégias que possam diminuir a degradação do meio ambiente. Para muitos autores este conhecimento ainda é insuficiente, para tornar essas descobertas em ecologia, uma ferramenta concreta que dê resoluções para a crise ambiental atual (Simberloff, 2004; Krebs, 2006). Um dos pontos criticados por esses autores, é a falha na construção de conhecimentos teóricos e empíricos de um modo conjunto. A ecologia de comunidade se interessa em compreender alguns aspectos dos sistemas naturais, sendo eles as características das assembleias, composição das espécies, abundâncias relativas, diversidade e estrutura da cadeia alimentar (Werner 1998). Assim, como muitas ciências, a ecologia de comunidade utiliza abordagens referentes aos três pilares de geração de conhecimento (observacional, experimental e teórico) para tentar solucionar suas questões.

Segundo Tilman (1989) o foco em padrões amplos e repetíveis faz com que possamos inferir algo sobre o sistema ecológico que estamos estudando. A abordagem observacional foca em padrões que se repetem permitindo assim, captar fenômenos que interferem em um sistema ecológico. A presença de um padrão claro e marcante geralmente indica a presença de fortes fatores causadores. Werner (1998) enumera quatro vantagens de uma abordagem observacional em um programa de pesquisa. O primeiro é relacionado ao padrão observado e o quão claro ele é, facilitando assim estudos posteriores que possam surgir a partir da singularidade de um sistema. Ligado a isso a segunda vantagem a capacidade que essa abordagem tem em orientar o desenvolvimento de teorias e direciona-la para trabalhos experimentais a partir de observações e comparações em campo. Além disso, a abordagem observacional tem a capacidade de fazer previsões explícitas em trabalho com a experimental e teórica, fornecendo elementos que ajudam a auto-correção em um programa. A quarta vantagem citada por Werner é a presença de um padrão claro, isso indica fortes causadores ajudando assim a manter a motivação quando há em becos em trabalhos teóricos e experimentais. Schiesari (2016) ainda ressalta que abordagens observacionais são fortalecidas se usadas comparativamente em gradientes ambientais, trazendo ótimos insights sobre fatores que organizam algumas comunidades ecologias. Na década de 1960 e 170 a abordagem observacional sofreu diversas críticas devido ao seu uso excessivo como ferramenta para testar teorias ecologias, porem a sua importância se dá principalmente como uma primeira compreensão de um sistema, gerando uma explicação ou uma resposta alternativa. Com isso, a abordagem observacional ainda pode ser considerada uma ferramenta importante para um projeto de pesquisa.

A abordagem experimental pode ser definida como um conjunto de procedimentos estabelecidos para verificar se uma variável interfere ou não em um sistema ecológico. Um experimento pode em suma controlar todas as variáveis de um sistema, menos a que se deseja medir. Em uma abordagem experimental existe uma grande preocupação para que haja um certo equilíbrio entre o controle total das variáveis para assim poder detectar causa-e-efeito e o quando essa manipulação afasta o sistema do que realmente acontece na natureza. Não há dúvidas que a abordagem experimental fornece uma das melhores ferramentas para atingir esses objetivos em pesquisas ecologicas (Schoener, 1983), porém, muitas vezes esse tipo de estudo é criticado por sua falta de generalidade, escala especial e temporal (Carpenter, 1996; Schindler, 1998). A modelagem fornece outra maneira de decifrar informações ecológicas, porem essa ferramenta depende muito de modelos matemáticos. Atualmente a modelagem leva a uma melhor compreensão dos processos através de abordagens interdisciplinares (Bashkin, 2002), com isso, um grande foco nas ciências ecológicas é a produção de abordagens quantitativas testáveis experimentalmente (Loreau, 2010).

Enquanto cientistas observacionais e experimentais estudam sistemas reais tanto em laboratório como em campo, cientistas teóricos estudam sistemas idealizados (Wilson, 2000), tal representação teórica é denominada modelo. Existem diversos exemplos de modelos aplicados em diversas ciências, em ecologia pode-se ressaltar os de dinâmica de populações (Gotelli, 2007) e comunidades (May, 1975). A abordagem teoria utiliza a observação e a experimentação para incorpora generalização em um programa de pesquisa. Essa abordagem faz com que os pesquisadores façam suposições claras e inequívocas, para que haja coerência nos fatos, e assim, esclareça hipóteses, identifique elementos-chave em um sistema, e examine as consequências lógicas de novas ideias. A abordagem teórica, portanto, tem a vantagem de esclarecer pensamentos sobre um fenômeno, além disso, a teoria é útil como guia para padronizar dados permitindo assim sua comparação mesmo em diferentes sistemas. Em suma, a abordagem teórica tem como objetivo expor, em forma de leis, como fenômenos naturais podem funcionar e diferente das outras das outras, o produto a abordagem teórica não é a observação de padrões ou resultado de experimentos, e sim ideias (Mandai, 2014). A abordagem teórica em um programa de pesquisa acaba necessariamente aumentando a sua generalidade, porem a falta de uma conversa construtiva entre a parte teórica e a empírica nas pesquisas limitam os avanços de ambos. Kareiva (1989) defende que mais esforços sejam dedicados à elaboração de modelos que incluam parâmetros concretos e diretamente mensuráveis, mesmo que isso leve a modelos menos gerais, mas que assim possam receber mais atenção de outros pesquisadores. Com tudo isso, Cruz et al. (2007) sugere que ainda há um hiato entre as produções empíricas e teóricas, isso faz com que o conhecimento ecológico se dê sem um aprofundamento teórico.

Werner (1998), na conclusão do seu trabalho, mostra a importância da integração destas abordagens em um programa de pesquisa. Para que isso ocorra, devemos estar cientes dos pontos fracos e fortes de cada abordagem, e assim, possamos extrair o melhor de cada uma delas, além de ter uma perspectiva mais equilibrada sobre as questões ecológicas. Apesar de ser um trabalho de 1998 essa problemática parece ser ainda bastante atual. Cruz et al. (2007) ainda sugere esforços na pesquisa histórica e epistemológica. Com isso, o entendimento das abordagens utilizadas em ecologia de comunidade me faz entender melhor a pesquisa de ecologia como um todo. Minha pesquisa, tem uma abordagem observacional clara, entender todas as abordagens fizeram com que eu entendesse suas limitações e também o papel que ela tem em um dentro da ecologia de comunidade como um todo. Assim posso também focar em dar subsídios para as outras abordagens. Outro ponto importante do entendimento de outras abordagens foram as procuras de artigos experimentais e teóricas que se relacionam com o tema da minha pesquisa, me dando mais suporte teórico sobre o tema. Por fim, a frase escrita por Lawrence Slobodkin resume bem a importância de se integrar às três abordagens, e com certeza me norteará em pesquisas futuras. “… de certa forma a distinção entre um ecólogo teórico, um de laboratório e um de campo, é que o teórico lida com todos os mundos concebíveis enquanto o ecólogo de laboratório lida com todos os mundos possíveis e o ecólogo de campo está confinado ao mundo real. O ecólogo de laboratório precisa perguntar ao teórico se o mundo possível é um mundo interessante, e perguntar ao ecólogo de campo se este mundo é relacionado de alguma forma com o mundo real”.

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Planta invasora como potencial força geradora de estados alternativos estáveis de equilíbrio

Marianela Pini

Na natureza, existem sistemas que são dinâmicos, ou seja, que seu estado pode ser compreendido como um balanço de processos. Esse balanço leva o sistema ao equilíbrio, e se o sistema tende a voltar a esse ponto de equilíbrio após uma perturbação, ele é considerado como estável. Um clássico exemplo é uma população hipotética com taxas de nascimento e mortes que chegam ao mesmo valor em um ponto de equilíbrio, que é a capacidade de carga.

Os ecossistemas nem sempre estão em equilíbrio porque as condições ambientais mudam, e podem responder de diferentes maneiras a essas mudanças. Em sistemas dinâmicos, essa resposta pode ser gradativa ou de forma rápida se atinge um valor crítico da condição dada (figura 1a e b). Um terceiro caso é apresentar mais de um estado de equilíbrio possível em um mesmo conjunto de condições, chamados de estados alternativos estáveis (Scheffer & Carpenter, 2003). Nesse sentido, o sistema pode apresentar dois estados de equilíbrio estáveis separados por um estado instável, como aparece na figura 1c. Observando na figura, se o sistema se encontra no ramo superior e a condição vai aumentando, o estado não muda, mas vai chegando no ponto crítico (f2), onde uma leve mudança ocasiona a transição abrupta para o estado inferior, chamado de “catástrofe”. Quanto mais perto do ponto crítico menor é a resiliência, ou seja, a capacidade do sistema de permanecer no mesmo estado, e assim ocorre essa transição brusca (May, 1977; Scheffer et al., 2001).

Figura 1. Representação esquemática de como o estado de equilíbrio de um ecossistema pode variar dependendo das condições (Scheffer, 2009). A figura a e b são sistemas com um equilíbrio estável e a figura c representa um sistema com dois equilíbrios estáveis (linhas cheias) e um instável (linha tracejada). As setas representam a direção do sistema quando não está em equilíbrio.

Em resumo, quando as condições mudam, o estado instável fica cada vez mais perto do estado estável até colidir e mudar de estado. Para voltar ao estado original, não basta voltar apenas para as condições originais, é necessário recuar ainda mais nas condições para chegar ao equilíbrio original. Esse processo é chamado de histerese.

O conceito de estados alternativos estáveis se insere no contexto da força de seleção como uma das quatro forças estruturadoras de comunidades segundo Vellend (2010). A seleção é a diferença de fitness entre indivíduos de diferentes espécies e existem processos que beneficiam uma espécie sobre outra. No caso de estados alternativos de equilíbrio, uma mudança no ambiente pode atuar como força de seleção mudando a composição das espécies. Como consequência, a seleção de determinadas espécies permite a coexistência em vários estados de equilíbrio estáveis. Podemos concluir que a teoria de estados múltiplos faz parte da teoria de montagem de comunidades através do nicho, teoria difundida por várias décadas na Ecologia (Chase & Leibold, 2003; Hutchinson, 1957). Nessa teoria, a seleção atua e existe um equilíbrio nas comunidades, onde o sistema é determinístico, ou seja, é possível predizer o seu comportamento.

Os mecanismos que geram estados estáveis alternativos ocasionam sistemas de feedback positivo, que levam a uma escolha de um estado estável ou outro. Esses feedbacks positivos são comuns na natureza e devem ser o suficientemente fortes para que mantenham os estados alternativos estáveis (DeAngelis et al., 1986). Um dos mecanismos é a facilitação. Nesse sentido, uma espécie pode modificar as condições do seu entorno e se beneficiar, ou ajudar outras espécies. Em comunidades de plantas terrestres de ambientes áridos que apresentam dois estados estáveis, um com áreas abertas onde só sobrevivem ervas tolerantes a muita luz e aridez e outro estado estável com vegetação arbórea e condições mais amenas, existe o mecanismo de facilitação (Rietkerk & van de Koppel, 1997). As árvores podem modificar a disponibilidade de água no solo, acumulando matéria orgânica morta, aumentando a infiltração no momento da chuva e disponibilizando maior quantidade de água para as espécies. Além disso, podem gerar sombreamento, diminuindo a temperatura e aumentando a umidade do solo, beneficiando o estabelecimento de plântulas em ambientes onde sem o sombreamento não seria possível (Bertness & Yeh Su Ming, 1994; Stachowicz, 2001). Esses mecanismos ajudam a manter o estado estável de vegetação arbórea. Outro exemplo de facilitação é em escala regional, onde plantas aumentam a evapotranspiração, levando a um aumento de chuvas beneficiando o crescimento da vegetação (Oyama & Nobre, 2003).

No meu projeto de mestrado o objeto de estudo é a planta leguminosa invasora Leucaena leucocephala, que é de grande importância nos ecossistemas, dado que modifica os ambientes e tem efeito sobre as espécies nativas (Aldava Navarro et al., 2017). Diferentes estratégias funcionais da planta invasora poderiam explicar potenciais mecanismos de facilitação para a geração de estados alternativos estáveis. Uma delas é a capacidade de fixar nitrogênio. Com isso, a espécie pode facilitar a disponibilidade de nitrogênio das plantas vizinhas, mas dado que ela cresce rapidamente e forma aglomerações, é possível que o nitrogênio se acumule em grandes quantidades beneficiando só aquelas espécies que toleram esse nível do nutriente e são melhores competidoras. Consequentemente, essas espécies dominam sobre as que não toleram esses níveis da condição, reduzindo a biodiversidade. Esse efeito já foi estudado em outras plantas invasoras fixadoras (Benesperi et al., 2012). Para Leucaena leucocephala, a presença de menos espécies gera menor competição com as plantas nativas e, portanto, uma resposta de retroalimentação positiva, porque ao reduzir a competição aumenta o crescimento da planta invasora. Seria possível então a presença de um estado estável com dominância da planta invasora e grandes quantidades de nitrogênio e outro estado estável sem a espécie invasora com maior biodiversidade. Para voltar ao estado estável original sem Leucaena leucocephala, não bastaria só retirar alguns indivíduos da espécie porque ela também modifica as condições do solo.

Atributos funcionais da espécie invasora como grande quantidade de produção de sementes, curto tempo pré-reprodutivo e crescimento rápido permitem que as populações cresçam de forma rápida (Costa & Durigan, 2010; Hughes, 1998). Dessa maneira, é possível manter o estado alternativo estável onde a espécie domina sobre outras espécies nativas.

Outra estratégia funcional possível que garante sua manutenção é o sombreamento pela copa da espécie. Como foi explicado no exemplo de ambientes áridos, e sabendo que Leucaena leucocephala é encontrada nesses ambientes, o sombreamento pode facilitar o crescimento das plântulas da espécie, gerando melhores condições ambientais. Além disso, se colonizar áreas abertas com plantas com altos requerimentos de luz, como ervas, a espécie invasora provocaria a supressão dessas espécies menos tolerantes à sombra e isso resultaria em uma mudança na fisionomia das espécies da comunidade. Já foi encontrado que essas mudanças reduzem a diversidade, e com isso aumenta a dominância e permanência da espécie invasora (Mello, 2014). Porém, como Leucaena leucocephala pode crescer em áreas degradadas, em vez de exclusão competitiva das espécies nativas pela planta invasora, as plantas nativas podem ser afetadas pelas modificações do habitat e isso leva a uma redução nas suas populações. Portanto, outros fatores além da presença da planta invasora poderiam afetar a exclusão competitiva das espécies nativas. Contudo, a planta leguminosa invasora apresenta potenciais características para ser uma força geradora de estados alternativos estáveis.

Considerando que a força da planta invasora que geraria os estados múltiplos é forte, e dadas as evidências da dominância da espécie e modificação do ambiente, o estado estável do sistema onde está presente Leucaena leucocephala poderia ser considerado como um ecossistema novo (Hobbs et al., 2006). A ideia de ecossistemas novos vem sendo difundida nos últimos anos na Ecologia. Nesse sentido, as abundâncias relativas das espécies são novas com a introdução da invasora, e antes da invasão não existia tal combinação de espécies. Um estudo em Porto Rico mostra como a invasão de espécies exóticas, uma delas, L. leucocephala, muda a composição das florestas, criando novos ecossistemas com dominância de poucas espécies e ambientes mais homogêneos (Colón & Lugo, 2006).

Introduzindo novas espécies o ambiente biótico é modificado e possivelmente reduz o potencial de voltar ao ambiente original. Portanto, são possíveis dois cenários: um sistema com estados alternativos estáveis e a planta invasora atuando como força geradora desses estados, ou um ecossistema novo onde a força de invasão é forte suficiente para mudar o sistema totalmente criando novas combinações de espécies, interações e condições, e o retorno ao estado original é quase impossível (Hobbs et al., 2009). Em qualquer desses cenários, seria plausível explorar melhor sobre as características da espécie invasora para desenvolver futuras ações de manejo eficientes que não desperdicem recursos e aumente a diversidade de espécies nos ecossistemas.

Referências bibliográficas

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Restauração ecológica como transição entre estados estáveis alternativos

Joyce Fernandes Ferreira

Na segunda metade do século passado emergiu-se a ideia de que sistemas ecológicos pudessem ocorrer como estados estáveis alternativos (May, 1977), sendo que estados estáveis resultam de um balanço de processos que geram equilíbrios estáveis (Scheffer, 2009). Um exemplo de estado estável pode ser dado por uma população hipotética que tem a densidade regulada pelo equilíbrio das taxas de nascimento e mortalidade (figura 1a) (Scheffer, 2009). Nesse caso, o equilíbrio estável é atingido na capacidade de suporte (K) da população, na qual as taxas de natalidade e mortalidade se equivalem (figura 1a). Assim, esse sistema pode ser representado por uma bola em uma bacia de atração (figura 1b), onde mesmo com perturbações ela retornará ao fundo da bacia. Em sistemas com estados estáveis alternativos existe mais de uma bacia de atração (Scheffer, 2009). Um exemplo de tais sistemas pode ser dado por populações com Efeito Allee, ou seja, que em densidades baixas a taxa de mortalidade da população é maior que a de natalidade (figura 2a). Nesse caso, existe um ponto onde as taxas de mortalidade e natalidade se igualam que se trata de um ponto de equilíbrio instável, sendo o limiar a partir do qual a população tenderá aos estados estáveis de densidade 0 ou K (figura 2a). Nesse sistema, para que haja uma mudança de um estado para outro, a bola tem que sofrer uma perturbação grande o suficiente para fazê-la passar de uma bacia de atração para outra (figura 2b) (Beisner et al., 2003; Scheffer, 2009). Assim, o tamanho da bacia de atração pode ser definida como a resiliência de um estado, que também pode ser definida como a perturbação máxima que pode ser exercida sobre um sistema sem que ele mude para um estado estável alternativo (Scheffer, 2009).

Figura 1: (a) População hipotética que tem sua densidade definida pelo balanço das taxas de natalidade e mortalidade. Essas taxas se encontram no ponto onde a densidade está na capacidade de suporte (k), um ponto de equilíbrio estável. Nesse ponto, caso a população aumente, a taxa de mortalidade passará a ser maior que a de natalidade, retornando a população a K; caso a população diminua, o inverso ocorrerá e a população também retornará a K. (b) Modelo de paisagem de densidade representando um sistema com um único estado estável (vale ou fundo da bacia de atração) para o qual a bolinha sempre retornará, mesmo que sofra perturbações. Figura adaptada de: Scheffer 2009.

Figura 2: (a) População hipotética que tem sua densidade definida pelo balanço das taxas de natalidade e mortalidade com Efeito Allee, que faz com que, em densidades baixas, a taxa de mortalidade seja maior que a de natalidade. Dessa forma, existem dois estados estáveis e um ponto de equilíbrio instável (representado pelo círculo aberto onde as taxas de natalidade e mortalidade se encontram pela primeira vez, à esquerda), no qual qualquer perturbação pode fazer com que a população vá para um dos estados estáveis de densidade populacional: 0 ou K. (b) Modelo de paisagem de densidade representando um sistema com dois estados estáveis (duas bacias de atração) e um instável (crista ou borda da bacia de atração). No ponto instável, onde se encontra a bolinha branca, qualquer perturbação pode fazer com ela seja atraída para o fundo de uma das bacias de atração. Figura adaptada de: Scheffer 2009.

Feedbacks positivos são peças necessárias - mas não suficientes - para a existência de estados estáveis alternativos (Kéfi et al., 2016; Scheffer, 2009) e um mecanismo ecológico que comumente está por trás desses feedbacks positivos são as interações de facilitação (Scheffer, 2009). Feedbacks positivos ocorrem quando o resultado das relações ecológicas entre componentes bióticos e abióticos de um sistema promove a manutenção do seu estado (Kéfi et al., 2016). Um exemplo clássico de sistema com estados estáveis alternativos ocorre em lagos rasos que podem apresentar um estado com águas límpidas ou com águas túrbidas (Blindow et al., 1993; Scheffer et al., 1993). O estado de águas límpidas permite que a luz atinja maiores profundidades na coluna d’água, permitindo o estabelecimento de plantas submersas que, por sua vez, mantêm o estado da água límpida por uma série de mecanismos. Um aumento de nutrientes no lago, pode fazer com que o lago mude para o estado de águas túrbidas, aumentando a densidade de fitoplâncton e impedindo o estabelecimento da vegetação submersa.

Além de perturbações, variações nas condições externas ao sistema podem levar a mudanças entre estados estáveis alternativos (Beisner et al., 2003). Isso porque essas condições externas podem alterar a estabilidade do sistema, afetando a resiliência e possibilitando que exista apenas um estado estável ou estados estáveis alternativos (figura 3). Assim, a resposta do sistema às condições externas se apresenta na forma de uma curva dobrada (figura 3) em que um estado pode ser insensível a mudanças externas, até que elas ultrapassem um limite, resultando em uma transição crítica de estado (mudança catastrófica) (Scheffer, 2009). Uma característica importante de estados estáveis alternativos é a histerese (Beisner et al., 2003; Scheffer, 2009), fenômeno que faz com que, para reverter uma mudança catastrófica, seja necessário retornar as condições a níveis mais inferiores do que aquele no qual a mudança ocorreu (figura 3). Esse efeito das condições externas sobre o sistema pode fazer com que variações pequenas nas condições ou pequenas perturbações causem mudanças catastróficas de estados, sendo que o sistema pode não apresentar sinais de que está próximo de uma mudança catastrófica até que ela ocorra.

Figura 3: Representação esquemática da resposta de um sistema a mudanças nas condições externas. As curvas contínuas representam dois estados de equilíbrio estável diferentes. Se o sistema se encontrar fora dessas curvas ele tenderá a retornar para um dos estados estáveis de acordo com a direção das setas. Se o sistema se encontrar no estado de equilíbrio estável superior e as condições ultrapassarem o ponto F2, haverá uma mudança catastrófica para o outro estado de equilíbrio estável. Porém, para retornar ao estado inicial, as condições deverão ser revertidas a níveis bem mais inferiores do que aquele no qual a mudança ocorreu, ou seja, deverão ultrapassar o ponto F1, fenômeno chamado de histerese. Figura adaptada de: Scheffer 2009.

A possibilidade de sistemas ecológicos apresentarem estados estáveis alternativos e de sofrerem mudanças catastróficas difíceis de serem previstas e revertidas pode ter um impacto sobre o manejo de ecossistemas e comunidades (Folke et al., 2002; Suding et al., 2004). O conhecimento sobre os possíveis estados alternativos e sobre os mecanismos que os regulam pode impulsionar estratégias de manejo com objetivos de evitar transições críticas de estados (Scheffer, 2009). Pode-se, por exemplo, criar cenários para visualizar possíveis futuros alternativos e o que pode desencadeá-los, assim como fazer estimativas de risco acerca de tomadas de decisões sobre determinado sistema. Dessa forma, estratégias de manejo podem ser feitas visando aumentar a resiliência de um sistema e diminuir a chance de uma transição crítica (Folke et al., 2002; Scheffer, 2009). Além disso, estratégias de manejo podem ter o objetivo de promover transições críticas de estado, por exemplo, promovendo a transição de um estado degradado para um restaurado (Scheffer, 2009; Suding et al., 2004). Uma maneira de fazer isso é realizando perturbações que impulsionam a mudança de estado em situações em que a resiliência do estado degradado é menor (Scheffer, 2009). Pode-se, por exemplo, aproveitar períodos de El Niño para restaurar ecossistemas de climas secos, pois a maior precipitação causada pelo El Niño poderia diminuir a resiliência do sistema degradado, facilitando o estabelecimento da vegetação que se pretende restaurar (Scheffer, 2009).

Muitos projetos de restauração não são bem-sucedidos em atingir todos seus objetivos (Lockwood & Pimm, 1999), e modelos de estados estáveis alternativos podem explicar o porquê de sistemas degradados poderem ser resilientes à restauração (Suding et al., 2004). Algumas estratégias de restauração são focadas em restabelecer as condições abióticas prévias à mudança de regime, para assim promover um retorno natural da vegetação (Suding et al., 2004). Em algumas situações essas estratégias podem ser bem-sucedidas, porém, em outras, é necessário que ações ativas de manejo sejam realizadas, sugerindo que a situação degradada possa se tratar de um estado estável alternativo (Suding et al., 2004). Dessa forma, seria então necessária uma quebra de seus mecanismos de feedbacks para que haja uma mudança de estado. Dentre os mecanismos de feedbacks que podem aumentar a resiliência de sistemas degradados estão os efeitos gerados pelas espécies presentes no sistema degradado, que podem mudar as características do ecossistema beneficiando a si mesmas (Suding et al., 2004). Além disso, em sistemas degradados, a fragmentação e perda de conectividade na paisagem pode limitar a recolonização do sistema por espécies nativas, também aumentando a resiliência do sistema degradado (Suding et al., 2004).

De acordo com a hipótese do gradiente de estresse, interações de facilitação podem se tornar mais importantes em condições mais severas (Bertness & Callaway, 1994), como pode ser o caso de ambientes degradados, por terem condições muito diferentes das condições da vegetação original. Dessa forma, a facilitação entre plantas pode ser um mecanismo importante para o estabelecimento da comunidade em restaurações ecológicas (Padilla & Pugnaire, 2006), nas quais a presença de um indivíduo pode melhorar as condições microclimáticas e edáficas (Callaway, 1995) e favorecer o desenvolvimento de plantas vizinhas (Bueno & Llambí, 2015; Gómez-Aparicio et al., 2004). Interações de facilitação podem atuar como componentes de feedbacks positivos de estados estáveis (Kéfi et al., 2016), podendo então beneficiar a transição do estado degradado para o restaurado. Assim, projetos de restauração podem se beneficiar de mecanismos de facilitação (Padilla & Pugnaire, 2006) e contar com métodos com o potencial de promovê-los, como plantios em que as espécies são plantadas de forma agrupada, com menor espaçamento entre si (Silliman et al., 2015; Corbin & Holl, 2012).

Entretanto, interações de competição também podem ocorrer entre plantas vizinhas, de forma que o efeito de vizinhança entre elas seja dado pelo saldo entre as interações de competição e facilitação (Callaway & Walker, 1997), que pode ser positivo ou negativo. Além disso, os efeitos de vizinhança podem ser influenciados pelas condições ambientais, pelas características das espécies e pelo estágio ontogenético dos indivíduos envolvidos (Armas & Pugnaire, 2009; Callaway & Walker, 1997; Miriti, 2006). Assim, penso que o resultado da dinâmica de feedback, além de depender do sinal e intensidade dos diferentes efeitos de vizinhança entre os indivíduos presentes no sistema (Kéfi et al., 2016), pode variar de acordo com as espécies escolhidas para a restauração ou mesmo com o passar do tempo.

Em meu projeto de mestrado vamos trabalhar com dados do monitoramento de um plantio de restauração de floresta de restinga que contou com um delineamento experimental com dois tratamentos. Em um deles as mudas foram plantadas em agrupamentos multiespecíficos incluindo espécies pioneiras e não pioneiras e, no outro, mudas das mesmas espécies foram plantadas isoladamente. Temos como objetivo avaliar os efeitos de vizinhança entre as espécies que estão nos agrupamentos multiespecíficos, considerando os grupos sucessionais das espécies e o tempo transcorrido desde o início do plantio. Assim, acredito que explorar como os efeitos de vizinhança podem ser influenciados pela identidade das espécies e como podem variar ao longo do tempo, pode fornecer indicativos sobre a possibilidade da ocorrência de mecanismos de feedbacks positivos nesse tipo de plantio, que poderiam então beneficiar a transição de um estado degradado para um restaurado.

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A importância de diferentes escalas na dinâmica de comunidades em sistemas parasita-hospedeiro

Giovanni Cardoso dos Santos Correia

Comunidades podem ser entendidas como o conjunto de espécies ocupando o mesmo local (Hubert et al., 2015). Algo a ser considerado é que o “local” pode ser uma grande variedade de sistemas e escalas, como subamostras de uma matriz contínua (e.g. 1ha em uma floresta) a manchas de hábitat (e.g. cadáveres de baleias no mar profundo) (Hubert et al., 2015). Apesar disso, muitas das teorias existentes em ecologia de comunidades assumem que comunidades locais são sistemas fechados e isolados (Leibold et al., 2004). Porém, dinâmicas ecológicas que ocorrem em uma comunidade local não são necessariamente independentes das que ocorrem em outra comunidade local, e há processos ecológicos que podem ocorrer em escalas maiores do que a escala da comunidade local (Leibold, 2011). Portanto, para entender todos os processos ocorrendo em uma comunidade, é necessário olhar também para a metacomunidade. Metacomunidades podem ser entendidas como um conjunto de comunidades locais que são conectadas por pelo menos um de seus componentes (Leibold et al., 2004). Esse aumento na escala do estudo de comunidades nos leva a considerar como a dispersão entre comunidades locais afeta as dinâmicas ecológicas em uma comunidade local (Leibold, 2011).

A capacidade de dispersão é um processo importante quando se pensa em metacomunidades, e tanto a estruturação do hábitat quanto características do organismo possuem grande influência sobre essa capacidade (Heino et al., 2015). Por décadas foram utilizadas teorias exclusivamente sobre o local para explicar a composição de uma comunidade (Vellend, 2010). Apesar disso, mesmo pesquisadores que são considerados criadores da visão “nichocêntrica” em comunidades estavam atentos a processos que não consideravam apenas a comunidade local (Leibold & Chase, 2017). Hutchinson (1959), ao estudar insetos da família Corixidae em poças de água doce, comentou que Corixa dentipes poderia ser uma espécie “fugitiva”, por ser uma pior competidora localmente, mas possuir maior capacidade de dispersão. Outro pesquisador importante para a teoria dos nichos, MacArthur, também prestou muita atenção para a dispersão como um processo importante em comunidades. Junto com Wilson, formulou a Teoria da Biogeografia de Ilhas (MacAthur & Wilson 1963; Wilson & MacArthur, 1967), teoria em que os processos básicos para a formação de comunidades são a dispersão e a extinção. Durante os anos 70 e 80, estudos sobre processos espaciais foram deixados de lado pela maioria dos ecologistas (Leibold & Chase, 2017). Entretanto, nos anos 90 e 2000, houve um renascimento no interesse das relações entre processos espaciais e composição de comunidades, tendo a Teoria Neutra de Hubbell (2001), como seu maior estímulo (Leibold & Chase, 2017).

Mas quais são os padrões esperados quando se estuda metacomunidades? Leibold et al. (2004) reconhecem 4 principais padrões de dinâmica em metacomunidades: a dinâmica de manchas, onde existem manchas de hábitat idênticas e comunidades com interações interespecíficas determinísticas (ex. Uma espécie A que é predadora da espécie B, e A sempre leva a espécie B à extinção quando chega a uma mancha). Devido à capacidade de dispersão diferente entre a espécie A e a espécie B, é possível haver coexistência entre as duas espécies quando se analisa a metacomunidade, pois se a espécie B for mais eficiente na dispersão do que a espécie A, haverá manchas de hábitat em que a espécie A ainda não alcançou, mas já há uma população estável da espécie B. A seleção de espécies, em que as manchas de hábitat em uma região são diferentes entre si, o que permite que espécies possuam fitness diferente em cada mancha de hábitat. Apesar da heterogeneidade espacial possuir um papel importante nesse padrão de metacomunidade, a dispersão também é um processo importante, principalmente por permitir recolonização de comunidades locais após distúrbios e para conectar manchas de hábitat semelhantes, quando essas não são adjacentes. O terceiro padrão que pode ser encontrado é o efeito de massa, onde, em uma metacomunidade com manchas de hábitat diferentes, espécies consigam estar presentes em comunidades locais mesmo que as interações interespecíficas eventualmente fossem levar essa espécie à extinção. Isso ocorre se a chegada de indivíduos da espécie em uma localidade seja maior do que o número de mortes devido às interações, criando relações fonte-sumidouro entre diferentes manchas de hábitat na metacomunidade. O último padrão que os autores evidenciam é o neutro, onde as relações de nicho apresentam pouca ou nenhuma importância, e os processos mais importantes para a dinâmica da comunidade são dispersão e extinção.

Em minha pesquisa, irei trabalhar com comunidade de parasitas de peixes de riachos. Os riachos já foram previamente escolhidos, e são representantes de microbacias de terceira ordem presentes na bacia do Alto Tietê. Microbacias são bons sistemas para estudar metacomunidades, pois estão inseridas em uma matriz ambiental que é inóspita para organismos aquáticos, o que facilita a definição de comunidades locais (Heino et al., 2015), apresentam variáveis abióticas bem definidas, um pool de espécies local e regional facilmente separável e heterogeneidade ambiental considerável (Heino, 2013). Em relação aos hospedeiros, há evidência na literatura de que gradientes espaciais e ambientais são importantes para sua distribuição espacial e dinâmica das comunidades; Vieira et al. (2020) encontraram que, para ictiofauna neotropical, os padrões mais adequados para a análise de metacomunidades são o de efeito de massa e a seleção de espécies. Há a chance do padrão de metacomunidade ser o mesmo tanto para o hospedeiro quanto para o parasita, mas essa não pode ser a única explicação, devido a diferenças de escala.

Em interações simbióticas, como a relação parasita-hospedeiro, há três escalas possíveis de estudo de comunidades (Bush et al., 1997, Poulin, 2007): Infracomunidades, que são a comunidade de parasitas presentes em um determinado hospedeiro e em um determinado tempo; comunidade de componentes, que são todas as infracomunidades presentes em um subconjunto dos hospedeiros (ex. hospedeiros em uma localidade X, hospedeiros da espécie Y durante sua fase larval); e supracomunidades, que são todos os indivíduos em todas as fases de desenvolvimento em um determinado tempo e espaço. Cada uma dessas três escalas, apesar de estarem relacionadas, possuem estrutura e dinâmica diferentes, devido principalmente à diferença do tempo de existência de cada uma delas (Poulin, 2007); enquanto uma infracomunidade está restrita ao tempo de vida do indivíduo que é hospedeiro, comunidades de componentes e supracomunidades podem durar enquanto as populações ou comunidades de hospedeiros existirem. O conceito de metacomunidades permite estudar as diferentes escalas de comunidades tanto no nível do parasita quanto no nível do hospedeiro, e também permite considerar os dois níveis simultaneamente (Brown et al., 2019).

Boa parte dos estudos de comunidade de parasitas são feitos examinando padrões em um ou poucos indivíduos de uma espécie de hospedeiro (Poulin, 2007). Mas é importante considerar que parasitas podem ter ciclo de vida complexo, passando obrigatoriamente por mais de um hospedeiro durante sua vida. É possível que cada um dos hospedeiros tenha capacidades de dispersão diferentes dentro das microbacias. Como exemplo, pode ser difícil para um peixe transitar entre diferentes microbacias, seja devido à baixa capacidade dispersão, seja devido à heterogeneidade ambiental. Mas para uma ave que utiliza os riachos para alimentação, diferentes microbacias podem ser facilmente alcançáveis. Caso um parasita utilize ambos os organismos (o peixe e a ave) como hospedeiros, a capacidade de dispersão do parasita deve considerar a capacidade de dispersão de ambos os hospedeiros. Portanto, ferramentas de estudo de metacomunidades são importantes para entender a dinâmica das comunidades de parasitas, pois certas propriedades dessas comunidades podem aparecer apenas quando se considera escalas diferentes como a escala local. Além disso, é importante ter em mente como as diferentes escalas apresentam diferentes estruturas espaciais, e como essas diferentes escalas interagem para criar padrões de estrutura e dinâmica de comunidades.

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Metacomunidades e dispersão: a busca por explicações sobre os padrões abióticos que influenciam a persistência de espécies em habitats perturbados

Mariana Eiko Mendes

A busca pelo entendimento de como as espécies interagem no ambiente é uma inquietação antiga dentro da ecologia. O estudo sobre comunidades ecológicas foca em resolver essas dúvidas, entendendo como essa interação entre diferentes espécies pode determinar seus padrões de distribuições e abundâncias (Leibold & Chase, 2017). Já a ideia sobre metacomunidades surgiu na década de 60, com influência do trabalho de Levins (1969). No entanto, outras teorias ganharam mais força e espaço na época, fazendo com que apenas mais tarde, na década de 1990 e 2000, a ideia sobre metacomunidades fosse retomada e crescesse (Leibold & Chase, 2017). Leibold e colaboradores em 2004 incorporaram outros processos ou teorias já aceitos, dentro da ecologia, no conceito de metacomunidades, possibilitando o entendimento do espaço e do processo de dispersão como importantes componentes. Os quatro importantes paradigmas considerados na definição de metacomunidades são o de dinâmica de manchas (patch dynamics), efeito de massa (mass efects), seleção de espécies (species sorting) e dinâmica neutra (neutral dynamics). O processo de dispersão, caracterizado como um movimento dos organismos de um local para outro (Vellend, 2016), dentro de uma escala espacial, perpassa por todos os paradigmas citados acima. Essa é uma área de estudo em expansão (Logue et al., 2011) e os eixos que compõem a abordagem de matacomunidades nem sempre são coerentes entre si, o que dificulta o seu entendimento de modo mais global, como uma teoria (Leibold, 2011).

Segundo Leibold e colaboradores (2004), o paradigma da dinâmica de manchas considera que em um determinado espaço, ou paisagem, existem manchas idênticas, com capacidade para suportar uma população, mas, no entanto, elas não necessariamente precisam estar ocupadas. Os processos de extinção e colonização local regularão as dinâmicas das manchas de modo regional e a dispersão será o limitador para da diversidade local. Já o paradigma do efeito de massa coloca que a migração entre as machas regula a dinâmica local, ou seja, a dispersão afeta as densidades locais, mantendo dinâmicas de fonte-sumidouro e possibilita que uma espécie má competidora consiga persistir em uma determinada mancha na qual, sem essa dinâmica, ela seria extinta, por exemplo. O eixo da seleção de espécies, ou sorting species, coloca que as espécies se dispersam e se estabelecem no espaço de acordo com a heterogeneidade do espaço, modificando a composição das comunidades de acordo com a variação contínua de características abióticas. Por último, o paradigma da dinâmica neutra segue a proposição de Hubbell (2011), colocando que a composição das comunidades locais é determinada por eventos estocásticos, no qual não há diferença de fitness ou de capacidades de movimentação entre os indivíduos de diferentes espécies.

De modo geral, cada um dos paradigmas, de modo individual, abarca um ou outro aspecto interessante relacionado à ecologia de comunidades, e, por isso, dependendo da pergunta e do estudo, um ou outro eixo pode ser melhor utilizado e contextualizado. Ao utilizar a abordagem moderna de Metacomunidades alguns pontos positivos podem ser ressaltados, como, por exemplo, o entendimento do espaço como contínuo, no qual as espécies se distribuem e se dispersam por diferentes áreas, inclusive podendo utilizar a matriz (Boesing et al., 2018; Hatfield et al., 2020) e de que há uma relação entre diferentes escalas (Logue et al., 2011). A metacomunidade pode ser entendida como um conjunto de comunidades locais, no qual diferentes espécies podem dispersar e interagir no espaço (Wilson, 1992; Leibold & Chase, 2017). Incorporar características mais realistas das comunidades com relação a dinâmicas espaciais foi uma importante contribuição do conceito de metacomunidades. Outras teorias muito utilizadas na Ecologia de comunidades consideram as comunidades como fechadas, limitando ou até mesmo impedindo a incorporação de escalas mais amplas e mecanismos de dispersão, por exemplo, nos modelos de dinâmica populacional (Leibold et al., 2004; Logue et al., 2011). Considerar esses paradigmas nos permite olhar para a paisagem e analisar como comunidades interagem no espaço e no tempo. O entendimento de que a matriz não é um ambiente inóspito, de impossível transposição para todas as espécies permitiu avanço de trabalhos de conservação na área da ecologia de paisagens.

A perda e a degradação do habitat, com muitas áreas de vegetação nativa sendo convertidas em áreas de agricultura, por exemplo, são ameaças à biodiversidade distribuída pelo planeta (Mittermeier et al., 2011; WWF, 2020). As mudanças climáticas podem modificar os ambientes favoráveis às espécies e potencialmente os ambientes para dispersão, rumo a novos ambientes adequados (Faleiro et al., 2013; Loyola et al., 2013; Lemes et al., 2014). Desse modo, entender a dinâmica populacional nesses ambientes perturbados é de suma importância para a conservação, assim como entender como as espécies podem fazer uso do espaço ao longo de suas distribuições potenciais. Por exemplo, quando pensamos em limiares de extinção, temos que alguns grupos faunísticos podem sumir do habitat a partir de um determinado valor de cobertura florestal é alcançado (Banks et al., 2014), reduzindo a diversidade de uma região. No entanto, espécies especialistas em habitat florestal irão desaparecer da região (Dos Anjos et al., 2010; Martensen et al., 2012), abrindo espaço para espécies generalistas, capazes de ocupar ambientes mais abertos e transitar pela matriz de modo mais tranquilo, facilitando a ocupação de manchas espalhadas numa paisagem. Desse modo, haverá uma troca da composição de espécies, entendendo que processos de dispersão podem atuar para que esses espaços deixados pelas espécies especialistas em habitat possam ser ocupados por outras espécies mais resistentes a habitats perturbados. Assim, percebemos como as comunidades vão se modificando de acordo com a variação das características ambientais, sejam naturais ou já modificadas pelas atividades humanas (Dixo et al., 2009; Pfeifer et al., 2017; Regolin et al., 2021). Olhando para a paisagem, também é possível pensar em maneiras de diminuir a distância entre as manchas, permitindo e facilitando o processo de dispersão de espécies na paisagem, garantindo a persistência de espécies mais sensíveis, mesmo em regiões perturbadas, já que a configuração delas pode interferir nos processos de colonização e abundância os indivíduos (Awade et al., 2012; Villard e Metzger, 2014; Regolin et al., 2020). As chances de colonização de uma área também aumentam em regiões de melhores condições climáticas dentro das distribuições potenciais das espécies, reduzindo também as chances de extinção (White et al., 2018).

A partir do momento que enxergamos a matriz como um importante componente para os processos de dispersão e de manutenção das espécies numa determinada área, podemos pensar quais outros aspectos abióticos relacionados a ela podem influenciar nos processos de dispersão das espécies, de distribuição e de persistência no habitat. A variação espacial juntamente com a quantidade de habitat pode influenciar na capacidade de uma espécie persistir em determinada localidade (Pimentel, 2009), sendo que os riscos de extinção de algumas espécies podem ser atenuados de acordo com a qualidade da matriz (Ruffell et al., 2017; Arroyo-Rodrigues et al., 2020; Leite et al., 2021). A presença de stepping stones pode influenciar? E a adequabilidade climática dentro da distribuição das espécies ou a idade dos fragmentos? Essas são algumas das perguntas que guiam minha pesquisa de doutorado. Pensar em como a teoria moderna de metacomunidades é importante nesses processos foi um importante despertar para ampliar o meu entendimento sobre as próprias perguntas e sobre os processos que inferem minha pesquisa. A persistência das espécies diante das mudanças ambientais, tanto no presente quanto no futuro, depende do nosso entendimento de como as comunidades interagem e podem dispersar, no espaço e no tempo, adequando-se a tais mudanças.

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Conectando pela dispersão: ideias de metacomunidades e coexistência de espécies

Larissa Lotti

Uma metacomunidade é um conjunto de comunidades locais que estão conectadas pela dispersão de múltiplas espécies que potencialmente interagem entre si (Leibold et al. 2004). Por sua vez, a dispersão pode ser definida como o movimento de organismos através do espaço (Vellend 2010), que embora simples em formulação, tem consequências diversas e complexas para a estruturação de comunidades (Vellend 2016). Uma vez que comunidades locais são formadas por conjuntos de espécies circunscritas a um único local ou mancha, a dispersão é capaz de conectar diferentes comunidades locais em uma metacomunidade, estabelecendo uma relação espacial entre diferentes escalas, nesse caso, entre local e regional. Assim, a abordagem de metacomunidades se estrutura como uma forma importante de pensar nas conexões entre diferentes escalas espaciais em ecologia. De forma geral, é uma abordagem que se assemelha ao domínio da ecologia de comunidades ao buscar entender os processos que geram padrões de diversidade, abundância e composição de espécies em uma comunidade (Vellend 2010). Contudo, olhando para uma escala de metacomunidades, a atenção está em entender como as comunidades locais variam de um lugar para o outro ao invés de focar na estruturação de uma comunidade em particular (Leibold 2011).

O desenvolvimento da abordagem de metacomunidades ocorreu a partir de vários mecanismos propostos para explicar a estruturação de comunidades locais. Modelos baseados em processos locais e determinísticos foram predominantes a partir das décadas de 1950 e 1960, seguindo as ideias de nicho desenvolvidas por G. Evelyn Hutchinson e Robert MacArthur. A estruturação de comunidades foi explorada sob a visão da seleção, uma diferença de aptidão determinística entre indivíduos de diferentes espécies (Vellend 2010). Processos espaciais como a dispersão entre diferentes locais ou dispersão de longo alcance, ficaram em segundo plano, enquanto as atenções estavam voltadas para entender como os processos de partição de nicho estavam influenciando a coexistência de espécies. A Teoria de Biogeografia de Ilhas (MacArthur & Wilson 1967) e depois, a Teoria Neutra (Hubbell 2001) colocaram a dispersão como um processo importante para a estruturação de comunidades. Essas ideias se concentraram no papel da dispersão (e limitação da dispersão) e estocasticidade (i.e deriva) nos eventos de colonização e extinção, ao invés de focar nas características das espécies. Nesse contexto, a deriva pode ser definida como mudanças aleatórias que ocorrem nas abundâncias relativas das espécies (Vellend 2010). Assim, além de incorporar os processos de dispersão e deriva, essas teorias estabeleceram uma perspectiva espacial, com dinâmicas de dispersão continente-ilha ou a partir de um pool regional para comunidades locais. Outra ideia importante para sair do foco nos processos locais é a ideia de interação entre processos locais e regionais e o reconhecimento da importância dos processos históricos (Ricklefs 1987; Ricklefs & Schluter 1993). Todas essas ideias foram importantes para ressaltar a importância dos processos que ocorrem em escalas espaciais e temporais mais amplas do que as escalas tipicamente consideradas na ecologia de comunidades tradicional.

A abordagem de metacomunidades, influenciada pelas ideias predecessoras, consolidou a importância da dispersão para a estruturação de comunidades. Não só resgatou essa ideia de modelos anteriores, como estabeleceu formas pelas quais a dispersão interage com outros processos ecológicos para afetar as comunidades locais (Leibold 2011). Além disso, essa abordagem estabelece uma dinâmica espacial intimamente ligada ao processo de dispersão. Uma vez que o movimento de organismos no espaço afeta as populações locais e as interações entre as espécies (Leibold 2009), cria-se uma estrutura espacial na qual a posição dos organismos no espaço é importante. É uma maneira de pensar nas ligações entre diferentes escalas espaciais (Leibold et al. 2004). Portanto, a abordagem de metacomunidades combina ideias clássicas da ecologia de comunidades (focadas na escala local) com dispersão (Leibold 2011), escalas espaciais e heterogeneidade espacial (Leibold & Chase 2016). Também incorpora os processos de seleção e deriva. Entretanto essa abordagem não é uma teoria geral e unificada. Ao invés disso, é um conjunto de modelos teóricos que incorporam esses diferentes aspectos para explicar a ocorrência e coexistência de espécies (i.e a estrutura de comunidades). Todos esses processos (dispersão, seleção e deriva) podem interagir entre si, diferindo na sua importância relativa dentro de uma metacomunidade ou entre metacomunidades (Leibold & Chase 2016).

Quatro perspectivas centrais na abordagem de metacomunidades combinam esses processos. Na dinâmica de manchas (patch dynamic - PD) o ambiente é composto por manchas iguais, variando apenas na composição de espécies. Existe uma dinâmica interna de extinção e colonização para cada mancha, sendo que as espécies tem diferentes capacidades de dispersão. Deriva e dispersão são mais centrais do que a seleção nessa perspectiva. Na seleção de espécies (species sorting - SS) as manchas possuem diferentes condições ambientais (i.e heterogeneidade espacial) e a estruturação da comunidade depende de quais espécies conseguem se estabelecer nessas diferentes condições. Seleção é central, enquanto deriva e dispersão tem efeitos menores. Na perspectiva das dinâmicas neutras (neutral theory - NT) todas as manchas são iguais e todas as espécies são equivalentes, de modo que a estruturação da comunidade depende da estocasticidade demográfica em uma dinâmica de extinções e colonizações. Deriva e dispersão são essenciais, mas a seleção é desconsiderada. Por último, na perspectiva dos efeitos de massa (mass effects - ME) as manchas são heterogêneas e diferentes espécies são favorecidas em diferentes condições ambientais. A dispersão permite a persistência de espécies em manchas de habitat desfavoráveis e que, sem a dispersão, seriam excluídas da comunidade local. Essa perspectiva inclui dispersão e seleção, mas desconsidera a deriva.

Pensando em uma floresta tropical, a coexistência de espécies que utilizam recursos muito similares em uma comunidade vegetal pode ser abordada por diferentes pontos de partida. Os diversos mecanismos propostos para explicar essa coexistência (Wright 2002) podem ser compreendidos sob a visão dos quatro processos fundamentais (Vellend 2016) que unificam todas as explicações voltadas à diversidade ecológica. Os mecanismos também podem ser classificados como estabilizadores ou equalizadores (Chesson 2000) a depender das diferenças de aptidão entre as espécies e da força de estabilização. A abordagem de metacomunidades também incorpora alguns desses mecanismos dentro das quatro perspectivas centrais (PD, SS, NT e ME) e suas interfaces. No ciclo de vida de uma planta, a transição de semente para plântula, a fase de recrutamento, é uma etapa crítica para a regeneração florestal. Em minha pesquisa, a estruturação de uma comunidade de plântulas foi pensada com base nas características das sementes. Sob a ótica da seleção, espécies com sementes de diferentes tamanhos teriam diferentes habilidades competitivas. Mais especificamente, plântulas de sementes maiores são melhores competidoras, fazendo com que haja uma hierarquia competitiva entre as plântulas influenciada pelo tamanho da semente (Westoby et al. 2002; Leishman et al. 2000; Leishman 2001). A coexistência entre espécies com diferentes habilidades competitivas é gerada pela limitação de dispersão, que diminui a assimetria competitiva, uma vez que a espécie com a maior aptidão não está em todos os lugares disponíveis. Ou seja, a limitação de dispersão equaliza as diferenças de aptidão entre as espécies.

Olhar para a abordagem de metacomunidades organizou diferentes ideias e conectou diferentes teorias. De maneira mais organizada e centrada na dispersão, me levou a ver que (i) a dispersão pode ter vários efeitos na estruturação de comunidades, nem sempre relacionados com a limitação de dispersão. Por exemplo, efeitos de massa (ME), que podem promover a coexistência de espécies caso a espécie com a menor aptidão tenha maior dispersão (trade-off entre competição e colonização) ou pode levar à homogeneização da comunidade e dominação de uma ou poucas espécies (aquelas com a maior aptidão na média regional); (ii) dispersão pode interagir com deriva e gerar dinâmicas que não dependem de seleção (NT), assim como pode interagir com outros mecanismos de seleção, que não apenas a competição, mas também mecanismos de filtro ambiental (SS); (iii) estrutura espacial e dispersão estão intimamente ligadas e a posição dos adultos na comunidade é importante para entender os processos de dispersão de sementes. De forma geral, acredito que a novidade não seja exatamente nos mecanismos, uma vez que trade-offs, dinâmicas neutras e filtro ambiental estão incluídos em minha pesquisa, seja na construção teórica ou na proposição de explicações. A novidade que a abordagem de metacomunidades me trouxe é a forma como os mecanismos são organizados em torno da dispersão e da estrutura espacial da comunidade.

Referências

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Dispersão, escalas e metacomunidades: o fim da ilusão de entidades independentes

David Bogdanski

Segundo Vellend (2010), um dos quatro principais componentes da teoria geral da ecologia é a dispersão. Este processo pode ser definido como a dinâmica de movimentação de organismos através do espaço, e opera tanto internamente na comunidade (através da distribuição de organismos dentro de um habitat contínuo) quanto externamente (através de dinâmicas de movimentação entre manchas de habitat). Não existe uma única escala padronizada na qual atuam os processos ecológicos (Levins 1992), e o recorte escolhido na concepção de qualquer estudo ecológico determina amplamente os processos e padrões detectados. É primariamente da junção do processo de dispersão com uma abordagem de múltiplas escalas simultâneas que emergiu o conceito de metacomunidades. Metacomunidades são aqui definidas como conjuntos de comunidades locais conectadas pela dispersão de múltiplas espécies com interações potenciais (Leibold et al. 2004).

Apesar do robusto entendimento de processos locais, ainda existia uma enorme lacuna no conhecimento da ecologia de comunidades no que diz respeito a processos regionais (Lawton 1999). O conceito de metacomunidades foi desenvolvido para preencher essa lacuna, extrapolando a escala até então convencional do que constitui uma comunidade. Para tal, Leibold (2004) separa as abordagens do estudo de metacomunidades em quatro tipos de modelos: (i) modelos de dinâmica de manchas, em que as colonizações e extinções ocorrem dentro de manchas de habitat homogêneas entre si, mas a dispersão entre as manchas funciona como um veículo de recolonização, possibilitando que espécies com alto índice de dispersão mantenham populações dentro da metacomunidade, mesmo não sendo competidoras excepcionais; (ii) modelos de efeito de massa, onde manchas “inapropriadas” para dadas espécies podem vir a sustentar as mesmas temporariamente por influxo de organismos dispersando de outras manchas mais “apropriadas” (formando um sistema de fonte-sumidouro entre manchas heterogêneas); (iii) modelos de seleção de espécies, em que manchas heterogêneas vão favorecer espécies diferentes, e a dispersão atua como uma fonte de colonizadores potenciais, permitindo a comunidade responda a perturbações ambientais através da mudança da composição das manchas; e (iv) modelos neutros, onde as espécies são consideradas idênticas para fins de competição e dispersão e portanto a dinâmica dentro da metacomunidade regional está sujeita a flutuações estocásticas.

Entre as várias contribuições do conceito de metacomunidades para a disciplina, uma das mais interessantes é o trabalho de Mouquet e Loreau (2003), em que foi construído um modelo de efeito de massa e foi medido o efeito da dispersão sobre a biodiversidade. Mouquet e Loreau demonstraram matematicamente que, em uma metacomunidade composta por manchas heterogêneas, o aumento da proporção de dispersão acarreta no aumento da diversidade α (riqueza local) junto com a queda da diversidade β (diferença entre riquezas locais) para uma mesma diversidade γ (riqueza regional) até um ponto intermediário, onde a diversidade α alcança a γ e β chega a 0. A partir desse ponto, o aumento subsequente da proporção de dispersão acarreta na perda de biodiversidade (tanto a diversidade α quanto a γ) até um ponto em que todas as manchas são monoespecíficas. O entendimento por trás deste trabalho é que a dispersão é um fator regulador importante para a biodiversidade, com uma relação não linear com a riqueza regional e local. Uma dispersão muito elevada dentro da metacomunidade torna o sistema homogêneo como se todas as manchas estivessem em interação constante e direta entre si.

Em meu projeto de mestrado, irei investigar e medir a função de facilitação ecológica empenhada por 2 espécies de mexilhões que formam bancos no entremarés rochoso (Mytilaster solisianus e Brachidontes darwinianus). Os padrões de distribuição dos organismos que ocupam a zona entre-marés dos costões rochosos são em grande parte definidos pelo estresse térmico e o potencial de dessecação a que estão expostos. Dessa maneira, as espécies que prevalecem nos níveis mais altos tendem a ser mais resistentes a longos períodos de exposição a temperaturas elevadas e baixa umidade. Como resultado, os padrões de zonação vertical resultam do efeito combinado do estresse ambiental, determinando limites superiores de distribuição, e de interações biológicas interespecíficas, as quais estabelecem os limites inferiores de ocorrência para as espécies sésseis dominantes (Stephenson & Stephenson 1949). Entretanto, alguns organismos do costão rochoso formam habitats biogênicos em que os estressores ambientais têm seu efeito amenizado (Bruno & Bertness 2001). Dentre os chamados engenheiros ecossistêmicos do costão rochoso, os mexilhões formadores de bancos são os que desempenham o mais forte papel de facilitação ecológica (Bruno & Bertness 2001). A minha pesquisa pretende investigar se o efeito da facilitação ecológica está sujeito de maneira similar aos mesmos fatores ambientais estressores e em que condições ocorreria uma potencial mudança de estado de equilíbrio acarretando um colapso da facilitação ecológica.

O delineamento experimental original da minha pesquisa envolvia o tratamento de cada banco de mexilhões como uma entidade isolada sujeita a condições ambientais distintas. Dessa maneira, os únicos fatores que determinam a composição das comunidades locais associadas aos bancos de mexilhões são as condições ambientais específicas de cada banco. Entretanto, mesmo nesse sistema em que bancos de mexilhões ao longo do Canal de São Sebastião não estão proximamente localizados nem diretamente conectados, ainda há uma escala maior que pode ser explorada: o Canal pode funcionar como uma matriz que permite dispersão entre bancos diferentes através do recrutamento por larvas planctônicas. Várias das espécies envolvidas na agora metacomunidade em questão (tanto os mexilhões quanto as cracas necessárias para seu assentamento e os organismos da fauna associada) possuem uma fase larval planctônica, e sua dispersão depende amplamente de dinâmicas de massas de água costeiras. Roughgarden et al. (1988) já demonstrou que organismos com ciclos de vida complexos do costão rochoso possuem muitas vezes padrões de dispersão também complexos ligados a processos físicos costeiros e oceânicos na escala regional, como a movimentação através de células de circulação oceânica. No caso de São Sebastião, o sistema estudado não é tão aberto, mas já foi provado que a dinâmica sazonal das massas de água dentro do canal possuem forte influência sobre os padrões de recrutamento larval de espécies costeiras (Oliveira & Marques 2007). Tendo isso em mente, um possível caminho para o melhor entendimento dos padrões e das limitações da facilitação ecológica por bancos de mexilhões pode vir através do estudo que integre também as dinâmicas físicas e geográficas das massas de água do Canal de São Sebastião e seu potencial de conectar bancos distintos em uma escala não antes investigada.

Referências Bibliográficas

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Conservadorismo de Nicho: importância para as escalas regional e local e sua possível aplicação

Salatiel Gonçalves Neto

A composição das comunidades biológicas é determinada por processos biogeográficos, evolutivos e ecológicos (Ricklefs 1987; Vellend 2010). Ao longo da história da ecologia de comunidades os processos em escalas local tiveram uma maior atenção, resultando na produção de trabalhos clássicos e de grande relevância como: os modelos populacionais de Lotka e Volterra, os experimento de Gause e o princípio de exclusão competitiva e o conceito de nicho de Hutchinson (Ricklefs 1987). Eles auxiliaram na compreensão dos mecanismo locais que estruturam as comunidades biológicas (Ricklefs 1987). Entretanto, os processos regionais foram negligenciados e apenas com os trabalhos de Ricklefs (1987), Ricklefs & Schluter (1993) e Brown (1995) a necessidade de compreender os processos e padrões em escalas espaciais e temporais maiores começou a ser evidenciada. Entre as contribuições dessa nova maneira de enxergar a ecologia de comunidades foi entendimento que a composição e diversidade de espécies na escala local depende da composição e diversidade do pool regional de espécies que, por sua vez, depende de processos como especiação, deriva, seleção e dispersão, que são fatores afetados pelos atributos da região, como por exemplo, barreiras geográficas, área da região, história biogeográfica e heterogeneidade ambiental (Ricklefs 1987; Webb et al. 2002; Harrison & Cornell 2008; Vellend 2010).

Com o passar das décadas a relevância dos processos regionais ficou evidente conforme novos estudos foram realizados (Harrison & Cornell 2008). Como exemplo nós temos o trabalho de Partel (2002) e o trabalhos relacionados com as taxas de diversificação. Em seu trabalho Partel (2002) evidenciou a importância da escala regional na composição das comunidades. Ele foi capaz de demostrar que o pH do solo era, para regiões geográficas maiores, positivamente relacionado com a riqueza de espécies de plantas, locais onde o solo era alcalino, porém a relação era negativa em regiões onde o pH era ácido, como explicação ele atribuiu essa diferença ao maior conjunto de espécies adaptadas ao pH predominante em cada região. Em outro exemplo de como a escala regional pode influenciar a comunidade local, utilizando uma abordagem filogenética, estudos encontraram evidencia que maiores taxas de diversificação podem explicar a maior riqueza de espécies em regiões de menores latitudes, assim como a diferença entre outras regiões e entre táxons dentro da mesma região (Mittelbach et al. 2007; Ricklefs 2007; Wiens 2007). Como é possível observar pelos trabalhos, os padrões de distribuição dos organismos são influenciados por processos regionais, assim como por processos locais, que podem ser históricos e ecológicos (Wiens & Donoghue 2004). Com o objetivo de compreender esses padrões e os processos que estruturam as comunidades é necessário a integração entre a ecológica de comunidade, biogeografia e filogenética (Webb et al. 2002; Wiens & Donogheu 2004). O conceito de “Conservadorismo de Nicho” ou “Conservadorismo de Nicho Filogenético” é considerado como uma potencial ponte entre os processos históricos e ecológicos (Brown 2004) e um exemplo dessa integração entre diferentes áreas de estudo (Wiens & Donogheu 2004).

Peterson et al (1999) demostraram que nichos poderiam ser conservador ao longo do tempo, ou seja, as espécies possuem uma tendencia a reter os aspectos do seu nicho fundamental ao longo do tempo. Neste contexto, espera-se que espécies filogeneticamente mais próximas possuam uma maior similaridade ecológica, ou seja, tenham conservação de nicho filogenético (PNC – Phylogenetic niche conservatism). Mais formalmente PNC é definido como “a tendencia de espécies reterem características ecológicas ancestrais ao longo do tempo”, onde duas espécies com alto grau de parentesco são mais similares ecologicamente do que seriam baseando-se apenas em suas relações filogenéticas (Wiens & Graham 2005; Losos 2008). Logo, a identificação do conservadorismo de nicho filogenético durante a diversificação de um grupo de espécies requer a demonstração de que a similaridade ecológica de espécies próximas filogeneticamente seja significativamente maior do que aquela esperada com base apenas no seu grau de parentesco (Losos 2008).

Wiens (2004) sugere que a conservação de nicho é um reflexo da incapacidade adaptativa de uma população em expandir a sua distribuição. Quatro fatores são considerados como causadores do conservantismo de nicho: (1) Seleção estabilizadora, que poderia reduzir o fitness impedindo que as espécies expandam a sua distribuição fora do seu nicho ancestral; (2 ) fluxo gênico, onde as populações das bordas da distribuição das espécies poderiam estar recebendo indivíduos das populações centrais e dessa forma homogeneizando as populações prevenindo a adaptações dessas populações da borda a diferentes condições; (3) caracteres que permitiram a expansão da distribuição, porém estão pletoricamente ligados, reduzindo o fitness da espécie e (4) a falta de variabilidade genética (Wiens 2004; Wiens & Graham 2005). Outros dois fatores são apontados por Harvey & Pagel (1991): (1) preenchimento do nicho por espécies ecologicamente semelhantes ao longo da história evolutiva e (2) considerando que o ambiente está totalmente ocupado, a presença de espécies simpátricas melhores adaptadas ao uso de outros aspectos do ambiente, pode impedir outras espécies de saírem de seu nicho ancestral.

O PNC é um princípio de grande importância em diversas áreas de ecologia e evolução (Wiens et al. 2011; Condamine et al. 2012; Stegen, Ferriere & Enquist 2012). O conservadorismo de nicho pode explicar os padrões de riqueza de espécies, como o gradiente latitudinal e a diversidade de comunidades (Ricklefs & Latham 1992; Wiens et al. 2007; Pyron & Burbrink 2009) é utilizado na definição e identificação de espécies (Sites & Marshall, 2003), na compreensão da estrutura de comunidades (Webb et al 2002), além de auxiliar na compreensão dos impactos das mudanças climáticas na distribuição de espécies (Wiens & Graham, 2005) e PNC é utilizado, porém normalmente não reconhecido, em muitos modelos de distribuição de espécies (Elith & Leathwick 2009; Peterson 2011).

O meu interesse de pesquisa está relacionado com o processo de extinção, especificamente a hipótese da Rainha Vermelha (RV). Van Valen (1973) analisando a curva de sobrevivência de espécies e gêneros fosseis, encontrou uma relação linear entre a probabilidade de extinção e a idade da linhagem. Para explicar esse padrão ele propôs um mecanismo - A Rainha Vermelha (RV). De acordo com a RV, as linhagens ecologicamente similares devem evoluir continuamente para acompanhar as mudanças do ambiente, pois sempre que uma espécie tem alguma vantagem evolutiva ela causa uma desvantagem nas outras espécies com quem ela interage, criando uma dinâmica de soma não zero (Van Valen 1973; Liow et al 2011). Logo, RV é uma hipótese onde as interações ecológicas possuem grande importância para a dinâmica das linhagens (Van Valen 1973; Liow et al. 2011).

A definição do grupo de estudo é uma dos obstáculos que é preciso superar para testar a hipótese da RV (Liow et al. 2011). A maioria dos estudos empíricos (Jones & Nicol 1986; Doran et al. 2006; Finnegan et al. 2008; Ezard et al. 2011) após o trabalho seminal de Van Valen (1973) delimitou seu grupo de estudo a partir de uma abordagem filogenética, supondo que o parentesco filogenético seria uma evidencia de similaridade ecológica, ignorando possíveis diferenças ecológicas dos grupos envolvidos. Nestes estudos foram obtidos diferentes resultados dos encontrados por Van Valen indicando que a extinção é dependente da idade da linhagem. Entretanto, Liow et al (2011) afirmam que o parentesco filogenético não é suficiente para a definição de um grupo de estudo adequado para a análise da hipótese da rainha vermelha, concordando com as conclusões de Losos (2008), que argumenta que a existência de parentesco filogenético ou sinal filogenético não é suficiente para definir a existência de similaridade ecológica. Liow et al (2011) propõem que a análise de similaridade ecológica deveria ser feita a partir da similaridade ecológica e não do parentesco filogenético. Neste contexto, acredito que incluir o conservadorismo de nicho pode ser de grande valor para os estudos relacionados à RV. Utilizando dos testes necessários para identificar o conservadorismo de nicho poderíamos delimitar os grupos de estudos pela similaridades ecológicas auxiliando a superar o obstáculo que é a definição dos grupos de estudos.

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A Teoria da Similaridade Limitante em Comunidades Viras

Guilherme Barradas Morés

No início do século XX, o biólogo soviético Georgy Gause mostrou que ao se colocar duas espécies diferentes de Paramecium no mesmo microcosmo, uma eventualmente exclui a outra graças à competição por recursos (1). Esses achados foram generalizados para toda Ecologia como o Princípio da Exclusão Competitiva, que determina que se duas espécies ocupam o mesmo nicho, elas não podem coexistir (2). Explorando os motivos de existirem tantas espécies diferentes de animais, Hutchinson supôs que deve haver uma diferença mínima de nicho para que duas espécies possam coexistir (3). MacArthur e Levins formalizaram matematicamente esta ideia e nomearam essa diferença mínima de nicho(que também pode ser visto como uma sobreposição máxima de nicho) de similaridade limitante (4).

Na proposição inicial de MacArthur e Levins, a similaridade limitante poderia ser calculada com base em uma fórmula que usa características quantitativas dos nichos das espécies e que seria universal para todos os sistemas ecológicos. Trabalhos teóricos posteriores mostraram que a similaridade limitante não poderia ser tão facilmente generalizada, tendo valores diferentes dependendo das características do sistema (5,6). Outros trabalhos mostraram situações em que duas espécies competidoras por um único recurso poderiam coexistir, o que resulta na ausência de similaridade limitante (7,8). As tentativas de medir a similaridade limitante em campo (como os diversos estudos agregados por 9) também foram criticadas. A razão das críticas era de que não é só porque determinada sobreposição de nicho é observada na natureza que ela deve corresponder à sobreposição máxima possível (10). Ao invés disso, as similaridades observadas entre as espécies devem ser menores que a similaridade limitante e corresponder a um ótimo evolutivo, explicado por outra teoria, a Teoria do Deslocamento de Caracteres (11).

Frente a essas críticas a Teoria da Similaridade Limitante poderia se tornar obsoleta. Porém, Abrams (10) defendeu a pertinência da teoria para compreender certos aspectos das comunidades biológicas. Para ele, a similaridade limitante é útil para compreender a riqueza de espécies em uma comunidade, já que em sistemas parecidos, uma maior sobreposição de nichos resultaria num maior número de espécies. A similaridade limitante também faria parte do corpo teórico necessário para determinar a possibilidade de uma espécie invadir determinada comunidade e qual seria a consequência dessa invasão. Entretanto, para ajudar nessas questões e continuar relevante, a teoria deve sacrificar seu generalismo e focar em modelos detalhados mecanísticos de sistemas específicos.

A comunidade de diferentes vírus, ou variantes virais, circulantes que afetam o ser humano pode ser vista como um destes sistemas particulares afetados pela Teoria da Similaridade Limitante. Numa perspectiva de Ecologia de Populações, cada vírus consome apenas um recurso: hospedeiros suscetíveis(i.e. que não possuem imunidade) (12). Via de regra,depois que um vírus infecta um hospedeiro, ele desenvolve uma memória imune que o tornará resistente a novas infecções, ainda que essa resistência possa ser temporária (12). Essa memória imune é específica para cada vírus, porém vírus parecidos podem gerar uma memória imune parecida, chamada de imunidade cruzada (13). Assim, vírus semelhantes acabariam competindo por hospedeiros suscetíveis, o que poderia levar o melhor competidor (i. e. aquele com maior transmissão) a excluir os outros (14).Um exemplo desta situação é a sequência em que variantes mais infectantes do SARS-CoV-2, ao surgirem, excluíram as anteriores (15,16). Num sistema de competição viral, a similaridade limitante pode ser definida como o máximo de imunidade cruzada possível entre dois vírus que coexistem.

A perspectiva descrita acima pode ser útil para compreender aspectos das comunidades de vírus com relevância para a saúde pública, como por exemplo, prever a possibilidade de um novo vírus ou variante viral se estabelecer em determinada comunidade, e qual será seu impacto nela. Apesar disso ela foi muito pouco explorada ainda. Pesquisando no Google Acadêmico, achei somente um artigo que envolve explicitamente vírus e similaridade limitante, e não no contexto de imunidade cruzada (17). Estudos de comunidades de vírus interagindo através da imunidade cruzada são diversos ( exemplo: 18,19,20). Esses estudos demonstram a possibilidade de ocorrer ou não exclusão competitiva, mas não explicitam a similaridade limitante como um fator decisivo. É necessário criar uma linha de pesquisa que teste explicitamente a Teoria da Similaridade Limitante para comunidades virais. Essa linha de pesquisa poderia trazer informações importantes para compreender as doenças virais que existem hoje em dia ou que possam surgir no futuro.

Referências bibliográficas

1. Gause, GF. 1932. Experimental studies on the struggle for existence. Journal of Experimental Biology. 9, 389–402.

2. Hardin, G. 1960. The competitive exclusion principle. Science. 131(3409),1292-1297.

3. Hutchinson, GE. 1959. Homage to Santa Rosalia, or Why are there so many kinds of animals?. The American Naturalist. 93(870), 145–159.

4. MacArthur, R & Levins, R. 1967. The Limiting Similarity, Convergence, and Divergence of Coexisting Species. The American Naturalist. 101(921), 377–385.

5. Abrams, PA. 1975. Limiting similarity and the fonn of the competition coefficient. Theoretical Population BioIogy. 8, 356-75.

6. Abrams, PA. 1976. Niche overlap and environmental variability. Mathematical Biosciences. 28, 357-75.

7. Levin, S. 1974. Dispersion and population interactions. The American Naturalist. 108, 207-28.

8. Chesson, PL & Warner, RR. 1981. Environmental variability promotes coexistence in lottery competitive systems. The American Naturalist. 1(17), 923-43

9. Simberloff, DS & Boeclden, W. 1981. Santa Rosalia reconsidered. Evolution. 35, 126-128.

10. Abrams, P. 1983. The Theory of Limiting Similarity. Annual Review of Ecology and Systematics. 14(1), 359–376.

11. Slatkin, M. 1980. Ecological character displacement. Ecology. 61,163-77

12. Anderson, R. & May, R. 1979. Population biology of infectious diseases: Part I. Nature. 280, 361–367.

13. Hofstad, MS. 1981. Cross-Immunity in Chickens Using Seven Isolates of Avian Infectious Bronchitis Virus. Avian Diseases. 25(3), 650-654.

14. Ackleh, AS & ALLEN, LJS. 2005. Competitive exclusion in SIS and SIR epidemic models with total cross immunity and density-dependent host mortality. Discrete & Continuous Dynamical Systems-B. 5(2), 175-188.

15. Coutinho, RM et al.2001. Model-based estimation of transmissibility and reinfection of SARS-CoV-2 P.1 variant. Communications Medicine. 1,48.

16. Campbell, F et al. 2021. Increased transmissibility and global spread of SARS-CoV-2 variants of concern as at June 2021. Euro Surveill.26(24), 2100509.

17. Kawaguchi, I et al. 2003. Why are dengue virus serotypes so distantly related? Enhancement and limiting serotype similarity between dengue virus strains.Proceedings of the Royal Society of London. Series B: Biological Sciences. 270(1530), 2241-2247.

18. Bremermann, HJ & Thieme, HR. 1989. A competitive exclusion principle for pathogen virulence. Journal of Mathematical Biology. 27(2), 179–190.

19. Feng, Z & Velasco-Hernández, J. 1997. Competitive exclusion in a vector-host model for the dengue fever. Journal of Mathematical Biology. 35, 523–544.

20. Garba, SM & Gumel, AB. 2010. Effect of cross-immunity on the transmission dynamics of two strains of dengue. International Journal of Computer Mathematics. 87(10), 2361-2384.

ensaios/2022/start.txt · Última modificação: 2022/03/18 19:38 por estudante2022
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