Estados Alternativos de Equilíbrio Estáveis ocorrem quando sistemas ecológicos têm o potencial de permanecer por períodos ilimitados em diferentes estados de equilíbrio sob as mesmas condições ambientais (Schröder et al. 2005). Quando um sistema está num estado alternativo de equilíbrio estável apresenta alta resiliência, ou seja, tende a retornar para o equilíbrio depois do distúrbio (Blindow et al., 1993). Isso ocorre por que, dado um estado de equilíbrio no qual o sistema se encontra, existe uma série de mecanismos de feedbacks positivos que tendem a mantê-lo naquele estado (Holmgren & Scheffer, 2001), caso não exista uma força capaz de romper o equilíbrio e alterar o estado do sistema de maneira “catastrófica”, causando seu colapso (Scheffer, 2009). Entretanto, caso haja uma força capaz de ultrapassar o ponto de equilíbrio estável do sistema, o simples retorno das condições anteriores ao colapso não proporciona o retorno do sistema ao estado anterior. Os feedbacks positivos passam a atuar de maneira a mantê-lo nesse novo estado de equilíbrio, que contrasta com o anterior. Para retornar ao estado anterior, seria necessária uma nova mudança “catastrófica” (Scheffer, 2009).
Dessa maneira, reconhecer os limiares para as mudanças de estados alternativos é imprescindível para entender os padrões de distribuição e abundância dos organismos, uma vez que Estados Alternativos de Equilíbrio vêm sendo reconhecidos como uma propriedade idiossincrática em uma série de ecossistemas (Holmgren & Scheffer, 2001). A despeito das propriedades inerentes aos sistemas ecológicos, Scheffer et al. (2009) argumentam ser possível reconhecer alguns padrões gerais que antecedem a mudança de estado em vários sistemas diferentes, desde distintos sistemas ecológicos, até sistemas financeiros, climáticos e fisiológicos. Dentre esses padrões gerais a diminuição da resiliência pode ser um forte indicador da proximidade do limiar de mudança de estado (histerese).
Embora seja difícil detectar o ponto de histerese de sistemas naturais complexos, a manutenção da sua resiliência seria uma das maneiras de afastá-los dos limiares de mudança de estado (Folke et. al, 2004), garantindo, dessa maneira, sua conservação e a prestação dos serviços ambientais pelos ecossistemas. Nesse sentido, a manutenção da biodiversidade é de extrema importância, pois implica na sustentação da diversidade funcional, o que aumenta a diversidade de resposta, que por sua vez leva ao aumento da resiliência dos ecossistemas (Elmqvist et al., 2003). Por conta disso, os estudos de limiares, na maior parte das vezes, são relacionados à perda de biodiversidade (Folke et al., 2004). Muitos ecossistemas considerados degradados sofreram mudança de estado e podem estar estacionados em estado alternativo, onde ocorre a inibição da sucessão (Connel & Slatyer, 1977). Nesses casos, pode ser necessária uma força externa ao sistema (intervenção) para haver mudança de estado. Logo, uma vez conhecidos os pontos de histerese e os fatores relacionados aos seus limiares, é possível planejar ações de manejo que retornem o ecossistema a um novo estado de equilíbrio, mais desejável do ponto de vista da manutenção da biodiversidade e dos serviços ambientais (Holmgren et al. 2001, Holmgren & Scheffer, 2001).
No meu doutorado estudo o efeito das interações entre espécies e grupos ecológicos, em situações de diferentes disponibilidades de recurso e padrões de agregação, na (re)estruturação da comunidade vegetal em área degradada. Neste caso, a restauração tem como objetivo promover a alteração de um estado de equilíbrio estável- com predominância de gramíneas, no qual não há dinâmica sucessional decorrente dos processos ecológicos inerentes aquele ecossistema- para um novo estado de equilíbrio estável, marcado pela retomada da dinâmica dos processos ecológicos que tornam o ecossistema autossustentável. No contexto deste sistema, é importante compreender, entre outras coisas, o ponto em que seria possível abandonar (cessar o manejo) sem haver o retorno para as condições iniciais (predomínio de gramíneas).
Além disso, identificar quais são e como ocorrem os processos de feedbacks positivos que tendem a manter o equilíbrio em cada um dos estados alternativos pode contribuir para direcionar as ações de manejo. Holmgren & Scheffer (2001), por exemplo, conseguiram detectar que os limiares de mudança de estado de ecossistemas semi-áridos degradados do Chile estavam relacionados à pluviosidade e herbivoria. Dessa maneira propõem aproveitar anos de evento climático de El Nino, onde a quantidade de chuva é cerca de 4 a 10 vezes maior do que a média anual, para realizar o manejo de herbívoros (evitando o pastejo), e com isso ultrapassar o limiar de mudança de estado, levando a modificação do estado do sistema.
No sistema que estudo, um dos possíveis mecanismos de feedback positivo, no caso de mudança de um estado degradado para um estado onde ocorram os processos ecológicos, está relacionado ao processo de facilitação (Bruno et al., 2003; Holmgren & Scheffer, 2001). No caso da restauração de áreas degradadas, ao introduzirmos núcleos de plantas que já sobrepujaram as fases de germinação e recrutamento, espera-se facilitar a ocorrência da regeneração natural (Corbin & Holl 2012). Isso ocorre por que as plantas adultas modificam o microclima e favorecem o recrutamento de novas plântulas. Enquanto as plantas jovens necessitam de condições iniciais de maior umidade e sombreamento, uma vez estabelecidas, as plantas adultas conseguem se manter em situações onde as plântulas não suportariam, criando condições para o desenvolvimento dessas (Holmgren et al., 2001).
Apesar da possibilidade de intervir para inserir o processo de facilitação no sistema, é muito mais fácil atingir o limiar no sentido da degradação do ecossistema do que no sentido oposto. Portanto, a restauração dos ecossistemas através da reversão de estados estáveis de equilíbrio representa um desafio para a ecologia aplicada, principalmente considerando que nesse século a restauração ecológica será uma demanda crescente da sociedade ( Young, 2000).
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Processos em escalas espaciais e temporais amplas, relacionados a historia evolutiva dos organismos (como especiação e ampliação de área geográfica dos táxons), foram durante muito tempo considerados relevantes apenas para estudo classificados como biogeográficos (Jenkins & Ricklefs 2011). Em geral, a biogeografia clássica aborda processos geológicos, evolutivos e climáticos para explicar a distribuição e a diversidade de vida sobre a terra (Wiens & Donoghue 2004), enquanto a ecologia busca explicar a atual distribuição e abundancia dos organismos com base nas suas interações bióticas e abióticas, principalmente em escalas locais (Vellend 2010).
Porém, conforme as duas disciplinas foram se desenvolvendo e aproveitando ferramentas disponíveis apenas recentemente (como grande poder computacional aplicado na aquisição de informação filogenética e sistemas de sensoriamento remoto) a divisão entre elas têm se diluído, e seus tópicos de interesse convergido progressivamente. Num continuum de escalas espaciais e temporais, que vão de pequenas a grandes, existe um amplo intervalo intermediário que é considerado tanto por estudos biogeográficos como ecológicos, principalmente os abordados pela ecologia de comunidades (Jenkins & Ricklefs 2011).
O reconhecimento da importância de fatores históricos para o entendimento sobre a ecologia de comunidades se deu apenas após a mudança do paradigma de que somente as interações entre as espécies estruturavam as comunidades. Atualmente é bastante aceito que, além de interações bióticas locais, a dispersão, deriva e fatores históricos também agem na montagem e manutenção das comunidades biológicas (Vellend 2010). Cornell 1985, Ricklefs 1987 e Ricklefs & Schluter 1993 são exemplos dos primeiros trabalhos que explicitamente reconheceram a importância de processos ocorrendo em escalas espaciais e temporais mais amplas para o entendimento de padrões em escalas locais. A partir daí passou-se a notar que a composição e diversidade de espécies, mesmo em escalas locais, são influenciadas pela composição e diversidade do pool regional de espécies onde a comunidade de interesse está inserida, o qual possui forte componente histórico.
Ao se investigar a diferença de padrões de comunidades entre diferentes regiões, e mesmo através de gradientes ambientais, na maioria das vezes é de suma importância incorporar o contexto biogeográfico e macroevolutivo na qual o pool regional de espécies se originou. Vários exemplos antes atribuídos às contingências das comunidades ecológicas podem ser entendidos à luz de processos históricos e diferenças de pool regional (Lessard et al. 2012). Por exemplo, Ricklefs e colaboradores (2004), encontraram cerca de o dobro de espécies de plantas em áreas do leste da Ásia de tamanho e condições ambientais semelhantes às investigadas no leste da América do Norte. Considerando a grande afinidade taxonômica das espécies das duas regiões, a diferença pode ter se resultado das diferentes oportunidades de especiação para as espécies em cada local, o que é governada pela heterogeneidade fisiográfica existente no ambiente durante a história evolutiva dos táxons (Qian & Ricklefs 2000). Taxas evolutivas diferentes e possibilidades para a ocorrência de radiações evolutivas também podem ser capazes de produzir pools regionais variantes e influenciarem fortemente a composição atual de comunidades locais (Wiens et al. 2007).
As comunidades de serpentes do Pantanal são meu atual objeto de estudo, e uma das questões investigadas é se as inundações periódicas da região atuam com filtro ambiental para esses organismos. Filtro ambiental é o processo pelo qual certas espécies compatíveis fisiológica e ecologicamente sobrevivem e persistem em uma comunidade enquanto outras espécies, presentes no pool regional, não são capazes de o fazerem (Mayfield et al. 2009).
O Pantanal é a maior planície inundável do mundo, possuindo regime de inundação variável e que difere entre regiões dentro da planície. Em média, cerca de 1/3 de toda a área inunda anualmente e estimativas mensais do total de área inundada variam de 10 a 70% (Hamilton et al. 1996). A planície faz contato ao norte com áreas amazônicas, ao leste com Cerrado, ao sul com áreas influenciadas pela Mata Atlântica e ao oeste com o Chaco. A comunidade de serpentes é considerada pouco rica em relação às de áreas vizinhas (Strussmman et al. 2011), inclusive as do Cerrado e Chaco, que também são formações com grandes áreas abertas como o Pantanal. Esse fato, somado ao baixo endemismo que a região abriga, geralmente é associado à formação recente da planície e sua localização, que a torna área de confluência de elementos faunísticos e florísticos de domínios morfoclimáticos vizinhos, ocasionando em um pool regional rico em espécies e bastante variável geograficamente (Junk et al. 2011).
Em planícies de inundação a alternância e a recorrência de inundações e secas prolongadas são fatores determinantes dos padrões de diversidade e de diversos processos ecológicos (Junk et al. 2011). Nossas motivações para propor a ocorrência de um filtro ambiental em comunidades de serpentes dessa área de inundação partiram de indícios da ocorrência de mudanças ecomorfológicas reportados para um grupo de jararacas da América do Sul que poderiam ter sido causadas por adaptações à ocorrência em áreas inundadas (Martins et al. 2001), bem como de indícios de existência de filtros ambientais em comunidade de serpentes brasileiras, levantados recentemente em uma dissertação de mestrado (Cavalheri 2012). As condições abióticas do Pantanal podem exercer uma forte pressão seletiva nas espécies e pode estar funcionando como filtro ambiental, permitindo o estabelecimento e ocorrência de apenas certas linhagens ou ecomorfos que fazem parte do pool de espécies regionalmente disponíveis.
Esperamos que através do estudo da diversidade filogenética e funcional de comunidades focais na planície de inundação possamos verificar essa hipótese. Nesse processo, considerar a história evolutiva dos grupos envolvidos e a idiossincrasia dos pools regionais de cada comunidade local será de suma importância. Pelo fato de o Pantanal estar em contato com diferentes biomas, as espécies disponíveis no pool regional provavelmente não serão as mesmas para comunidades localizadas em diferentes porções da planície. Desconsiderar as variações entre pool regionais poderia inflar riqueza de espécies originando padrões que não seriam reais.
Além disso, as inundações periódicas podem exercer pressões em diferentes características das espécies em cada uma das porções da planície. Por exemplo, um pool regional formado por espécies típicas do Cerrado já é habituado a formações abertas (Nogueira et al. 2011). Nessas regiões o estabelecimento dessas espécies no Pantanal pode estar sendo governado pela capacidade delas de usarem o estrato arbustivo/arbóreo eventualmente, durante os eventos de inundação da região. Por outro lado, quando o pool regional for formado principalmente por espécies amazônicas (que mais frequentemente usam o estrato arbóreo), a capacidade de utilização desse ambiente poderá não restringir tantas espécies como no caso de áreas próximas ao cerrado, devido à história evolutiva das espécies envolvidas. Outro fato a ser considerado é que na região de estudo existem pelo menos três linhagens de serpentes com histórias biogeográficas bastante diferentes. Cada linhagem possui a distribuição de suas espécies mais próximas de seus centros de origens, apresentam atributos morfológicos e de uso de hábitat bastante característicos dessas linhagens e surgiram em períodos diferentes (Cadle & Greene 1993).
O entendimento amplo das forças que geram a variação espacial na estrutura de comunidades biológicas parece cada vez mais dependente de um melhor conhecimento da ação recíproca entre os fatores que governaram a estruturação das comunidades em escalas de tempo evolutivas (e formaram o pool regional) e aqueles que atualmente mediam a coexistência das espécies (Vellend 2010). A biogeografia e a ecologia de comunidades, ao acessarem escalas temporais e espaciais intermediárias, convergem cada vez mais em objetivos e métodos, em parte porque as perspectivas em cada disciplina expandiram e em parte devido à tecnologia disponível. O crescente uso de informação filogenética em ambas traz uma dimensão histórica e evolutiva para a pesquisa sobre diversidade e distribuição, e a integração entre essas áreas tem despontado como um caminho promissor no entendimento dos sistemas ecológicos e suas variações.
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Processos históricos e regionais têm influência marcante sobre a estrutura de comunidades locais e, juntamente com as interações locais (e.g. competição, predação e outras interações bióticas), mantém a diversidade em comunidades biológicas (Ricklefs, 1987, 2008; Harrison & Cornell, 2008). Esses processos consistem em um conjunto de fatores evolutivos e biogeográficos, dependentes de especiação, que moldam a biodiversidade a partir de escalas acima da perspectiva local. Enquanto processos regionais são responsáveis pela variedade de imigrantes – adição de componentes – a uma determinada comunidade local e pela substituição de espécies entre locais, os processos locais contribuem com os ajustes populacionais e adaptação (i.e. promovem extinção local). Os modelos clássicos que abordam a relação entre riqueza local e regional (Cornell, 1985; Ricklefs, 1987) tem incluído o conceito de similaridade limitante e saturação local, em que as espécies coexistem na comunidade devido a suas interações que impõem um limite fixo, dependente das condições físicas do ambiente (MacArthur, 1965). Ao contrário, quando as comunidades não se encontram saturadas, a diversidade local se encontra propensa aos processos regionais (Ricklefs, 1987) caracterizados acima. As riquezas local e regional equivalem à diversidade α e γ, respectivamente (Whittaker, 1972), e uma forte relação positiva entre elas tem indicado influências regionais sobre a diversidade local (Cornell, 1985). No entanto, tal relação não tem sido suficiente para inferir sobre os processos que geram determinados padrões (e.g. Freestone & Osman, 2011).
A ecologia de comunidades tem como um dos principais propósitos desvendar o que governa as diferenças nos padrões de diversidade entre as comunidades. No entanto, a disciplina ainda se encontra em um momento de aperfeiçoamento do seu corpo teórico, no que diz respeito ao entendimento dos processos que estruturam as comunidades (Roughgarden, 2009; Vellend, 2010). O paradigma conceitual de processos regionais parece organizar, majoritariamente em termos de escalas, a forma de tratar o conceito de comunidade. Segundo Ricklefs (1987, 2008), a visão reducionista em ecologia de comunidades dando maior consideração às interações (interespecíficas) e condições locais como fatores determinísticos em comunidades, deixou de lado a importância dos processos históricos e biogeográficos na disciplina. Nesse contexto, abordagens em escalas mais amplas se encontravam mais relacionadas com a biogeografia e macroevolução, sem comunicação com a ecologia. A teoria da biogeografia de ilhas de MacArthur e Wilson (1967) foi um ponto de partida para a ascensão da perspectiva regional em ecologia, ao fazer uso do conceito de dispersão. De qualquer forma, existe um consenso atual em ecologia de comunidades quanto à consideração da perspectiva em escalas amplas e de seus fatores relacionados para inferir sobre os padrões de riqueza e composição de espécies em comunidades. No entanto, alguns programas de pesquisa relutam em incorpora-la, havendo ainda uma tendência em focar no conceito local de comunidades (i.e. conjunto de espécies em uma área restrita, como resultado de determinismo local), uma vez que há disponibilidade de manipulação em estudos que inferem sobre seus processos (Harrison & Cornell, 2008; Ricklefs, 2008).
A dicotomia local/regional tem refletido conflitos quanto ao balanço na abordagem dos contextos histórico-geográfico e local (Ricklefs 2008, 2009; Brooker et al, 2009; Wiens, 2011). De qualquer forma, a inclusão da perspectiva regional tem sua importância na medida em que responde questões sobre como as espécies surgiram em uma determinada área em primeira instância, ao comparar padrões de comunidades entre regiões e até mesmo entre gradientes ambientais (Vellend, 2010). De acordo com Brooker et al (2009), desenvolver uma compreensão de processos em escala local é tão promissor quanto o entendimento de processos em escala regional e global e, portanto, o caminho mais produtivo para pesquisas futuras é a abordagem entre escalas. Várias subdisciplinas e teorias atuais em ecologia incorporam processos e padrões em escalas amplas em sua carga teórica como: metapopulações e metacomunidades, ecologia da paisagem, deriva ecológica, macroecologia e o mosaico geográfico da coevolução. Essa última foi lançada por John Thompson na década de 90 e sugere que muito das dinâmicas de coevolução entre pares ou grupos de espécies frequentemente ocorre em uma escala geográfica, ao longo das distribuições das espécies componentes da interação (Thompson, 2005), ligando processos ecológicos locais e padrões filogeográficos. Assim, o mosaico geográfico da coevolução considera as premissas de que as espécies são grupos de populações geneticamente diferenciadas e que os componentes das interações diferem em suas distribuições geográficas. Além disso, o resultado das interações varia entre as comunidades (produzindo seleção recíproca ou não). Desse modo, as hipóteses sugeridas sobre o processo coevolutivo a partir dessas premissas procuram responder como a coevolução estruturada geograficamente difere da coevolução em escala local (ver detalhes em Thompson, 1999).
O mosaico geográfico da coevolução se encontra como tema chave do meu projeto de tese, no qual me disponho a aplicar e testar as premissas e hipóteses que embasam a teoria em um sistema composto por espécies de abelhas coletoras de óleo floral, pertencentes ao gênero Centris Fabricius (Centridini), e por Krameria tomentosa St.-Hil, uma das 18 espécies da família monotípica Krameriaceae, que produz óleo em pétalas laterais modificadas em elaióforos epiteliais (ver detalhes em Simpson, 1989, p. 29). Dois tipos de elaióforos florais são conhecidos entre as angiospermas (epitelial e tricomático [ver Buchmann, 1987]), sendo a interação entre Centris e os tricomáticos relacionada a ambientes com condições extremas (e.g. altitudes elevadas e baixa precipitação), com baixa riqueza de espécies de Centridini (Giannini et al, 2013). O gênero Centris tem distribuição neotropical e K. tomentosa possui ocorrências do nordeste ao centro-oeste, em áreas de Restinga, Mata de Tabuleiro, Caatinga e Cerrado.
Seguindo a premissa de que interações abelha-planta são mais especializadas em regiões com condições extremas e menor riqueza de espécies (Cane & Sipes, 2006), espera-se que a amostragem em comunidades nessas regiões (como na Caatinga, por exemplo, com baixa riqueza de Centris [Zanella & Martins, 2003]) revele maior acoplamento entre as espécies envolvidas na interação ou até mesmo uma substituição de componentes (e.g. por Tapinotaspidini e Tetrapedini), uma vez que as espécies de Centris estariam mais relacionadas com grupos de Plantaginaceae (elaióforos tricomáticos). No Cerrado, considerada uma região mais representativa do pool de espécies de Centris (Alves-dos-Santos, 2009), as interações seriam mais generalistas (Giannini et al, 2013) e havendo especialização na exploração em K. tomentosa, poderia ser resultado de deslocamento de caracteres, definido como o processo pelo qual características diferentes evoluem em espécies relacionadas para diminuir a competição por recursos entre elas (Pfennig & Pfennig, 2009). No entanto, competição parece não ser o principal precursor, pois a maior riqueza não está relacionada com maior grau de especialização. Portanto, filtros ambientais (i.e. condições extremas) estariam agindo sobre as interações entre abelhas coletoras de óleo e plantas produtoras de óleo (Giannini et al, 2013). Em geral, as interações abelha-planta ainda necessitam de pesquisa com perspectiva em escala ampla, considerando as variações entre comunidades.
O nível de organização e perspectiva presente no mosaico geográfico para a compreensão da coevolução levou um tempo para ser desenvolvido e incorporado em estudos. O processo coevolutivo tem sido tratado em escala local, ao procurar por seleção recíproca entre pares ou grupos pequenos de espécies, criando pouca evidência de seu efeito. De modo semelhante, estudos sobre distribuição de caracteres entre linhagens filogenéticas que interagem tem mostrado que os táxons são filogeneticamente determinados em seus caracteres e com quem interagem (Futuyma & Mittar, 1996), indicando que coevolução contínua pode ser rara. Mesmo sendo abordagens importantes para o entendimento da coevolução, elas desconsideram a estruturação geográfica das espécies e suas interações (Thompson, 1999). Nesse contexto, o mosaico geográfico da coevolução (interação) se apresenta como uma compilação de efeitos sobre a estruturação de comunidades de processos regionais – biogeográficos e dispersão (fluxo gênico) – e condições e interações nas comunidades locais resultando de adaptação e em seleção recíproca.
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As comunidades biológicas estão sofrendo inúmeras mudanças especialmente causadas por atividades humanas. Compreender o comportamento destas comunidades frente a tais mudanças é essencial para cientistas interessados em prever, mitigar ou prevenir os efeitos destas. Dentro deste panorama, o conceito de resiliência é central para alcançarmos tal compreensão. Resiliência pode ser definida como o nível máximo de perturbação que um sistema pode suportar, sem que haja mudança de estado de equilíbrio (Holling, 1973; Scheffer, 2009). Em outras palavras, resiliência corresponde ao quanto o sistema pode ser alterado sem que perca sua estrutura e se reorganize em outro estado (Peterson et al., 1998).
Resiliência não é um característica fixa de determinada comunidade, pois esta muda dependendo do estado do sistema, tornando a comunidade mais ou menos resiliente (Scheffer, 2009). Geralmente, mudanças nos níveis de resiliência ocorrem quando há mudanças em condições ambientais chaves (Pardini et al, 2010). Desta forma, mudanças graduais nas condições ambientais podem não resultar em mudanças visíveis na comunidade, porém, podem ter um efeito no nível de resiliência desta, diminuindo-a (Scheffer et al, 2009). Esta perda de resiliência torna o sistema mais frágil no sentido de que mesmo pequenas mudanças nas condições ambientais podem ocasionar uma brusca transição para um estado de equilíbrio alternativo, que pode ser bem distinto do original (Scheffer et al, 2001). Além disso, uma vez que o estado de equilíbrio é mudado, o fazer retornar ao estado anterior requer mudanças maiores que as que levaram a este estado, propriedade conhecida como histerese. Esta propriedade faz então com que a recuperação de comunidades que tenham sofrido mudanças bruscas seja extremamente complexa (Schffer et al, 2001; Beisner et al, 2003).
Antecipar estas mudanças bruscas e compreender o comportamento da resiliência de determinada comunidade é crítico para compreendermos a vulnerabilidade desta à eventos estocásticos (Scheffer et al., 2001). Como dito, é uma tarefa bastante complexa uma vez que muitas vezes a mudança da resiliência não é acompanhada de mudanças claras na comunidade. No entanto, estudos sugerem que um aumento no tempo de recuperação entre distúrbios de uma comunidade indica que esta está alcançando um ponto próximo de uma mudança brusca, em outras palavras, que a resiliência desta comunidade atingiu níveis muito baixos (Scheffer et al., 2009). Felizmente, o estudo da prevenção destas mudanças bruscas através do manejo da resiliência de comunidades tem atraído uma crescente atenção do meio científico, tendo um aumento expressivo no número de publicações relacionadas a este tema nos últimos anos (Pardini et al, 2010 ).
Como bióloga evolutiva com o pensamento altamente influenciado pelo gradualismo darwiniano, a ideia de que mudanças graduais possam desencadear respostas bruscas é extremamente nova e perturbadora. Perturbadora pois mostra que é necessário incorporar informações sobre este tipo de comportamento das comunidades ao tentarmos prever respostas de espécies às crescentes mudanças ambientais. Atualmente, os modelos que biólogos evolutivos usam para fazer este tipo de previsão podem ser divididos em duas abordagens diferentes. A primeira é conhecida como modelagem de nicho e está baseada na ideia de nicho multidimensional de Hutchinson (1957). Este tipo de modelo usa correlações entre variáveis ambientais e dados de ocorrência/ausência da espécie para calcular o seu nicho realizado (Chevin et al, 2010). Ao projetar estas informações sobre um mapa com dados ambientais, temos a distribuição potencial da espécie. A combinação deste tipo de modelo com dados climáticos projetados para o futuro nos dá informações sobre mudanças de distribuição e possível extinção de determinada espécie (Chevin et al, 2010). Este tipo de abordagem não leva em consideração a possível adaptacão das espécies às mudanças ambientais ou até mesmo a plasticidade da espécie em ocupar outros tipos de hábitat. A segunda abordagem podemos chamar de modelagem populacional mecanicista e foca nos processos evolutivos que permitem a uma população permanecer em determinado hábitat. Este tipo de modelo combina demografia e processos como adaptação e plasticidade a fim de avaliar as condições que permitem determinada população a manter uma taxa de crescimento positiva (Chevin et al., 2010; Lynch & Lande, 1993; Burger & Lynch, 1995). Nesta abordagem, dados ambientais (como temperatura/ precipitação) são analisados junto com algum caráter fenotípico (considerado importante para o fitness da espécie) a fim de fazer suposições sobre, por exemplo, a taxa máxima de mudança ambiental que determinada espécie consegue suportar sem ser extinta dado mudanças graduais no ambiente (Lynch & Burger, 1995). Note que para este tipo de tratamento assume-se que a resposta fenotípica é linear juntamente com a mudança linear ambiental (Chevin et al, 2010). Como dito anteriormente, o fato de que as mudanças ambientais mesmo que graduais podem desencadear mudanças bruscas na comunidade tornam estes dois tipos de modelos senão obsoletos, pouco informativos para previsões sobre o futuro de espécies.
Meu projeto de doutorado se insere dentro do projeto Grinnell1, projeto este multidisciplinar que engloba inúmeros pesquisadores. O projeto Grinnell busca revisitar e coletar nos mesmos locais nos quais Joseph Grinnell, um dos maiores naturalistas do século passado, coletou há cerca de cem anos. Este projeto só é possível graças as anotações criteriosas deste naturalista – existem mais de 14 mil páginas de cadernos de campo e inúmeras fotografias de cada ponto de coleta. Um dos objetivos principais é analisar como a fauna de mamíferos e aves mudou neste século (Moritz et al., 2008), a fim de prover um modelo preditivo de como estas espécies responderão às mudanças de hábitat e climáticas no futuro. O meu projeto, especificamente, está analisando mudanças fenotípicas em diferentes espécies de esquilos sendo que em cada uma destas espécies foram observadas mudanças diferentes em relação a distribuição, variação genética e dieta. Eu pretendia utilizar o modelo populacional mecanicista para estimar o nível de mudança ambiental que estas espécies conseguem suportar sem serem extintas, contribuindo assim para o objetivo do projeto Grinnell exposto acima, de prover uma estimativa de como tais espécies serão afetadas pelas crescentes mudanças ambientais. Porém, ao me familiarizar com os conceitos de resiliência e estados alternativos de equilíbrio, percebi que, embora este tipo de modelo possa ser informativo em ambientais que estejam longe de atingir este limiar de resiliência que poderiam empurrá-los para novos estados alternativos, ele é pouco informativo quando em ambientes altamente impactados e que possivelmente estão se aproximando deste limiar. No momento não possuo informações suficientes para alocar os ambientes estudados no meu doutorado (Sierra Nevada, Califórnia, Estados Unidos) em nenhum dos dois casos. De qualquer forma, a conclusão a que chego ao ter participado da disciplina de Ecologia de comunidades é que para fazer qualquer tipo de inferência sobre o destino de espécies e populações, não só informações sobre aspectos do processo evolutivo como adaptação, plasticidade e demografia são necessários, como também sobre a resiliência da comunidade na qual a espécie está inserida.
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Usualmente uma comunidade pode ser definida como o conjunto de diferentes populações que coexistem no espaço e no tempo e que estabelecem interações entre si. Compreender os fatores que influenciam a estrutura e a diversidade das comunidades naturais é um dos propósitos essenciais dos estudos em ecologia (Ambruster et al., 2002; Murrell, 2010). O conhecimento sobre a estrutura da vegetação (organização espacial e distribuição de tamanhos dos indivíduos) e dos fatores que a determinam e sobre a composição de espécies (número e identificação das espécies presentes) tem sido o cerne de importantes discussões no campo da Ecologia, gerando diferentes hipóteses que tentam esclarecer como as espécies coexistem e se mantém em um determinado ambiente ao longo do tempo. As comunidades vegetais têm sua estrutura, composição e abundância determinadas pela interação de quatro processos principais: (i) os processos estocásticos, (ii) a tolerância das espécies às condições abióticas, (iii) as interações diretas e indiretas entre as espécies vegetais e (iv) as interações diretas com outros organismos (Lortie et al., 2004). A interação desses quatro processos pode ocorrer desde a germinação das sementes até o estabelecimento dos adultos, entretanto a influência relativa de cada um pode variar ao longo do tempo e do espaço (Lortie et al., 2004). Tais processos atuam como filtros, os quais poderão determinar a permanência ou a exclusão de indivíduos na composição da comunidade de um local.
A importância dos filtros ambientais (diretamente relacionados ao processo de tolerância das espécies) pode ser observada pela associação de que os habitats naturais não são homogêneos, mas sim existe grande variação espaço-temporal em termos de condições e recursos que é acompanhada por diferenças entre as comunidades (Wiens, 1976). Uma ideia subjacente a essa constatação é o conceito de Nicho anunciado por Grinnell (1917) como o conjunto das características do ambiente no qual a espécie pode viver, relacionando o nicho com as necessidades inerentes à espécie. Tal conceito passou por significativas alterações ao longo do tempo. Elton (1927) definiu o nicho ecológico como o impacto de uma espécie no ambiente, atribuindo ao conceito o papel funcional de uma espécie. Entretanto, a grande novidade teórica associada ao conceito talvez tenha sido a proposição de Hutchinson (1957) que trouxe um formalismo quantitativo ao conceito e o anunciou como um espaço hipervolumétrico n-dimensional no qual uma espécie pode manter uma população viável, sendo as dimensões desse espaço correspondentes aos diferentes recursos e condições. Hutchinson afirmou que as espécies teriam (i) um nicho em que poderiam estabelecer suas populações viáveis (nicho fundamental) e (ii) um nicho que elas efetivamente ocupam (nicho realizado).
O conceito de nicho relaciona-se à compreensão da coexistência das espécies e permitiu grandes avanços na ecologia em geral (Chase & Leibold, 2003), entretanto as novas possibilidades teóricas, como a teoria neutra, têm imposto novos desafios à reformulação do conceito. Hubbell (2001) propôs a Teoria Unificada Neutra da Biodiversidade e Biogeografia, a qual presume que a estruturação das comunidades ocorre por processos estocásticos e sugere que as possíveis diferenças de nicho entre as espécies não seriam importantes para a estruturação de comunidades. A teoria considera que não há mudanças significativas no número total de indivíduos em uma comunidade ao longo do tempo e que esta se encontra saturada (Cassemiro & Padial, 2008), podendo, entretanto ocorrer processos de imigração, especiação e extinção de espécies como forma de manutenção da comunidade local, que é considerada um sistema aberto dentro de uma comunidade regional. De acordo com a teoria neutra, as diferenças nos padrões de composição e abundância estariam principalmente relacionadas à limitada capacidade de dispersão dos indivíduos (Hubbell 2001).
Se para Hubbell (2001) a coexistência de espécies em um determinado local independe de seus atributos ecológicos, para outros autores a distribuição espacial de uma espécie pode ser um indicativo de adaptações específicas selecionadas ao longo do tempo. Estudos indicam a inclusão de caracteres das espécies como variáveis importantes na determinação da distribuição das espécies (Harpole & Tilman, 2006). Há evidências empíricas revelando que espécies coexistentes são mais próximas filogeneticamente do que seria esperado tomando-se uma amostra ao acaso do pool regional (Webb et al., 2002), indicando que filtros ambientais têm papel fundamental na seleção de espécies que possuem atributos semelhantes (Chave, 2009).
Nesse contexto, pode-se afirmar que os indivíduos de uma comunidade estão sujeitos a um conjunto de eventos determinísticos e estocásticos que determinarão a composição da comunidade local (Chave et al., 2002). Entretanto, nota-se que ainda não há um consenso sobre a temática exposta, fazendo com que ela esteja presente entre as 100 questões fundamentais da ecologia (Sutherland et al., 2013), exemplificada em questionamentos como: Qual a importância relativa dos processos estocásticos versus os determinísticos no controle da diversidade e composição das comunidades e como isso varia entre os ecossistemas? Como a heterogeneidade espacial e temporal do ambiente influencia a diversidade em diferentes escalas?
Diante do exposto, me interessam os padrões de distribuições e abundância em comunidades vegetais e busco compreender os possíveis mecanismos que explicam as diferenças de abundância entre plântulas e adultas de lenhosas. Os indivíduos, em suas várias fases, que incluem sementes, plântulas e juvenis, passam por diversos filtros até que sejam recrutados como adultos. A germinação e o estabelecimento das plântulas, por constituírem a fase inicial do desenvolvimento, são também as etapas mais cruciais na maioria dos ambientes (Gurevitch et al., 2006), pois os indivíduos estão sujeitos não apenas ao desprovimento de recursos, como também às condições adversas (Baraloto & Goldberg, 2004), que incluem estresse hídrico, herbivoria, ação de patógenos, altas taxas de mortalidade devido a danos físicos resultantes de quedas de outros indivíduos ao seu redor (Harms & Paine, 2003) e a competição inter e intra específica (Paine et al., 2008).
A alta abundância de plântulas pode garantir a dominância de adultas e investigar quais são as possíveis causas (filtros ecológicos) de diferença entre essas abundâncias pode ser fundamental para uma melhor compreensão da dinâmica e estruturação da comunidade. Com as discussões do tema pude compreender que possivelmente há uma lacuna no meu foco para encontrar as respostas das questões que me motivam, associada à problemática das contingências. As contingências são a caixa preta da ecologia, que fazem com que um mesmo padrão possa ser explicado por processos distintos (Vellend, 2010), mas que possivelmente podem ser minimizadas ao buscar teorias formacionais baseadas em processos (Roughgarden, 2009) e conciliando os processos ecológicos ao evolutivos (Webb et al., 2006). Ademais as discussões me auxiliaram ao fornecer um arcabouço teórico que me permite transitar melhor na busca dessas explicações e me forneceu a noção de onde se insere a minha pesquisa dentro de um contexto teórico e histórico.
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Nicho ecológico é há muito discutido e ainda é um tópico confuso da ecologia, entretanto tem mérito indiscutível na compreensão de questões ecológicas importantes e, de certo modo históricas, que em muitos casos provocaram a revisão do próprio conceito. Chase e Leibold (2003), em definição mais recente com o intuito de simplificar o conceito, descrevem-no como as condições ambientais que suprem as exigências mínimas de uma espécie (taxa de natalidade igual ou superior à taxa de mortalidade) juntamente com o impacto per capta desta espécie nestas condições ambientais. No entanto, tão relevante quanto o próprio conceito foi seu processo de desenvolvimento que gerou discussões muito ricas até chegar à construção atual, embora não consensual, da teoria de nicho como será descrito a seguir.
Em sua primeira e simples dedução, nicho foi definido como o espaço físico ocupado pelo organismo, porém este aparente rascunho do que viria a ser o conceito de nicho é reflexo de meticuloso trabalho desenvolvido por Joseph Grinnell (1917). Grinnell foi um visionário numa época em que experimentos de campo eram incomuns e estudou os fatores que limitariam as espécies (micro-habitat, fatores abióticos, recursos e predadores) e suas adaptações fisiológicas e comportamentais que permitiriam a resposta a estes fatores (LEIBOLD, 1995). Nesta definição, Grinnell considerou nicho uma propriedade do meio e não do organismo que o ocupa e apenas cita ou mesmo ignora os impactos em outras espécies, tópico fortemente discutido anos mais tarde.
Charles S. Elton (1927) contribuiu para a discussão com uma visão distinta e propôs nicho como papel funcional da espécie na cadeia alimentar, assim nesta definição animais que se alimentam de corais constituem um nicho ecológico; a raposa do ártico e a hiena pintada que se alimentam de ovos de aves e carniças ocupam os mesmos dois nichos, o nicho dos comedores de ovos e o nicho dos comedores de carniça (GRAY; LOWERY, 1996). Segundo Leibold (1995), Elton fez uma fina descrição do papel do organismo na comunidade e preocupou-se em descrever como o organismo afeta o ambiente ao invés de descrever quais fatores ambientais o afetam. Contudo, apesar de visões distintas, Elton e Grinnell consideraram nicho como um lugar ou papel a ser preenchido no ambiente ou na comunidade em determinado tempo e espaço por diferentes espécies sendo, portanto atributo do ambiente, podendo ser vazio em algumas localidades (COLWELL; RANGEL, 2009). Tal visão seria logo substituída pela forte discussão em torno dos efeitos da competição sobre a persistência das espécies e determinação da comunidade. Na década de 1950, a competição por recursos limitantes entre espécies com ancestral comum próximo era um tópico em alta em ecologia. Os modelos matemáticos desenvolvidos por Lotka e Volterra décadas antes e os experimentos de Gause em 1930 demonstraram que a competição neste caso poderia levar uma das espécies a extinção local (FERNANDEZ, 2011). Mas ainda faltavam respostas para uma pergunta recorrente: quão semelhantes duas espécies podem ser e ainda coexistirem? No entanto, uma resposta cabível exigia uma reformulação da teoria de nicho vigente, ainda muito vaga.
Tal resposta veio de E. G. Hutchinson (1957) e MacArthur e Levins (1967) através de uma definição revolucionária, mais objetiva e quantificável (FERNANDEZ, 2011). Hutchinson (1957) representou o nicho como um espaço abstrato com dimensões correspondendo aos fatores ambientais que afetam o organismo, sendo cada ponto neste espaço abstrato um conjunto de condições do ambiente que permitem esta espécie persistir (HOLT, 2009). Este espaço constitui o nicho fundamenta,l que raramente é ocupado completamente, devido à presença de espécies competidoras, e a parte ocupada constitui o nicho realizado (GRAY; LOWERY, 1996). MacArthur e Levins (1967) somaram à descrição quantitativa e multidimensional de nicho de Hutchinson (1957) a história natural das espécies focando em como elas utilizam os recursos (hábitat, tipo de alimento, período de atividade, etc.), fatores mais facilmente medidos que as condições ambientais propostas por Hutchinson, e que podem ser colocados ao longo de eixos como uma distribuição de frequências ou histograma (SCHOENER, 2003). Com base nisso, propuseram uma forma de medir o quão próximas as espécies podem ser e ainda coexistirem, a similaridade limitante (limiting similarity), parâmetro calculado a partir dos histogramas ou distribuição de frequências dos recursos compartilhados pelas espécies competidoras. Segundo os autores, se o grau de sobreposição dos recursos compartilhados for grande e ultrapassar a similaridade limitante (valor geralmente em torno de 1, embora varie) não há possibilidade de coexistência, pois o melhor competidor eliminará o inferior (MACARTHUR; LEVINS, 1967, SCHOENER, 2003). Considero este último conceito de nicho particularmente relevante para o projeto de pesquisa que desenvolvo no momento, apesar de abordar indivíduos e não populações de espécies competidoras.
O objetivo geral do meu projeto de doutorado é determinar a dieta e uso do espaço (uso do habitat, área de vida e padrão de movimentação) de jaguatiricas (Leopardus pardalis) em uma paisagem silvicultural (Angatuba/SP) formada por matriz de eucaliptal (em via de corte), áreas de vegetação nativa e áreas de capoeiras (áreas abandonadas para revegetação no início do plantio). O uso do espaço e dieta são provavelmente os processos mais prontamente afetados pela mudança no uso da terra, sendo por isso, mais intimamente ligados aos processos adaptativos de uma espécie a estas mudanças. Seu conhecimento é essencial ao processo de tomada de decisões ligado à conservação desta espécie fora de unidades de conservação.
Um ponto importante do trabalho é avaliar a influência da matriz de eucaliptal sobre os indivíduos monitorados. Apenas uma matriz permeável pode manter processos necessários à manutenção das populações de carnívoros já que estes, por possuírem áreas de vida maiores, utilizam a matriz para forrageio e dispersão de juvenis (ELMHAGEN; ANGERBJÖRN, 2001; HENSEN et al., 2005). É possível que após determinadas alterações na paisagem (por exemplo, corte dos eucaliptos) as novas condições não se encontrem dentro da faixa que permite algumas espécies persistirem, levando-as a extinção local. Em outros casos, como ocorre com as jaguatiricas na paisagem silvicultural estudada, a espécie ainda persiste sob tais mudanças devido à presença de áreas de vegetação nativa e sua habilidade em utilizar a matriz para processos essenciais, porém pouco se sabe sobre como elas de fato respondem às alterações constantes e bruscas na paisagem e seus efeitos em longo prazo para a espécie. Em resumo, não há conhecimento sobre o efeito das alterações cíclicas de áreas de silvicultura sobre o nicho ocupado por L. pardalis, ou sobre a forma como utilizam os recursos disponíveis (hábitat, tipo de alimento, período de atividade, etc.) durante as variações recorrentes do ambiente de forma a persistirem nestes locais.
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Entender o porquê de existirem tantas ou tão poucas espécies, sobre toda a variação de escalas que vai da comunidade local à biosfera, tem sido um dos maiores focos de interesse na ecologia (Loreau, 2000). Uma importante mudança no paradigma em Ecologia de Comunidades tem ocorrido durante os últimos anos com o reconhecimento de que as comunidades locais não são governadas somente por processos locais, mas também regionais e biogeográficos (Ricklefs & Schluter, 1993). Esses processos eram, há até pouco tempo, completamente desprezados pela Ecologia de Comunidades. Os ecólogos estavam interessados apenas nas diversidades locais, reguladas somente por processos locais (muitas vezes condições físicas do ambiente ou interações como a predação) dentro da comunidade biológica (Ricklefs, 1987). Não havia interesse no pool regional de espécies e como esse pool influenciava na comunidade como um todo.
Algumas questões agravavam esta divisão entre as abordagens históricas e ecológicas para os padrões de diversidade. Hipóteses históricas foram consideradas por muitos como hipóteses científicas não testáveis e, portanto, não válidas (eg, Francis & Currie, 1998). Além disso, uma forte correlação entre a diversidade e as condições ecológicas locais foi consistente com a ideia de que as interações locais restringem a diversidade, e que, portanto, parecia fornecer uma explicação suficiente (Ricklefs, 2004).
Apenas a análise da comunidade local muitas vezes não é o suficiente para explicar algumas disparidades como locais semelhantes, com composições abióticas similares possuindo diversidades totalmente distintas. Como explicar o fato dos manguezais do Atlântico e do Caribe possuírem sete espécies distribuídas em quatro gêneros e, ambientes extremamente semelhantes nas condições abióticas, como os manguezais do Pacífico Indo-oeste, possuírem 40 espécies em 17 gêneros, 14 dos quais são endêmicos do local (Ricklefs, 2010)? Essa diferença deve-se, talvez, a um pool distinto de espécies capazes de colonizar cada região. No final da década de 80 a relação entre a diversidade local e regional, então, começou a ser proposta em alguns estudos que buscavam outras maneiras de entender a diversidade local e sua relação com a paisagem regional a qual estava inserida. Cornell (1985), em um trabalho pioneiro, mostrou que a diversidade de vespas galhadoras especialistas em carvalhos do gênero Quercus na Califórnia é intimamente influenciada pelo pool de espécies presentes na região.
A inserção da análise regional influenciando na comunidade local trouxe uma visão muito mais ampla na Ecologia de Comunidades. Processos como a especiação, muitas vezes deixados de lado por terem um peso pequeno nas comunidades locais, passam a ter maior importância quando analisado o pool regional (Ricklefs, 2010). De acordo com Vellend (2010) não podemos mais nos dar ao luxo de excluir a especiação da ecologia de comunidades assim como não excluímos a mutação de genética de populações. Assim, processos regionais em larga escala influenciam a diversidade regional e a diversidade regional e local são diretamente conectadas (Ricklefs, 2004).
Trabalhos que tentam analisar a comunidade sob diferentes escalas geográficas tiveram início através do uso de um simples modelo gráfico proposto por Cornell (1985) (eg. Fox et al. 2000, Gering & Crist 2002, Arita & Rodríguez 2004). A ideia é que, traçando a riqueza de espécies das comunidades locais contra a riqueza de espécies das regiões em que estão embutidas, poder-se-ia inferir se interações entre espécies locais são fortes o suficiente para limitar a adesão da comunidade local. O grande problema de tal interpretação, como relatado no trabalho de Hillebrand (2005) e, mais recentemente, nas revisões de Gonçalves-Souza et al. (2013) e Szava-Kovats et al. (2013), é que interações fortes e abertura ao enriquecimento ambiental não são mutuamente excludentes e a definição de escalas locais e regionais são extremamente complicadas e arbitrárias pela simples inexistência de bordas naturais. Os ecólogos de comunidade ainda estão tentando encontrar a melhor maneira da análise da comunidade levando em consideração o seu pool regional. As abordagens iniciais feitas nas propostas de Ricklefs (1987) e Cornell (1985) foram extremantes importantes na ideia de tentar abordar a comunidade em diferentes escalas e observar a relação entre elas. Mas ainda há muita discussão à cerca do melhor modo de avaliar tais relações.
Durante minha vida acadêmica, me interessei por sistemas de nidificação de abelhas, principalmente abelhas solitárias. Cerca de 85% das espécies de abelhas descritas são solitárias (Batra, 1984), exibindo um comportamento caracterizado pela independência das fêmeas na construção e aprovisionamento de seus ninhos. Não há cooperação ou divisão de trabalhos entre fêmeas de uma mesma geração, ou entre mãe e filhas (Michener, 1974). A estreita relação coevolutiva entre abelhas e plantas é baseada na troca de recompensas e, na maioria das vezes, a visita floral é motivada pelo néctar, pólen, fragrâncias e outros recursos utilizados tanto pelas abelhas adultas quanto pela prole (Morgado et al., 2002). Dentre as abelhas solitárias, em torno de 330 espécies coletam óleo em flores e utilizam esse recurso para alimentar as larvas e revestir as células de cria (Alves-dos-Santos et al. 2007). O óleo é utilizado no alimento larval como substituto do néctar, devido ao seu valor energético superior (Simpson et al. 1977). Das poucas famílias de plantas secretoras de óleo, a mais numerosa é Malpighiaceae (Alves-dos-Santos et al. 2007), sendo extremamente importante entre os grupos neotropicais de abelhas coletoras de óleo.
Vários estudos têm apontado a importância de abelhas do gênero Centris como polinizadoras, com a preferência por plantas da família Malpighiaceae quando essas se encontram presentes na região (eg. Rêgo & Albuquerque 1989, Freitas et al. 1999, Aguiar et al. 2003). Essas relações estreitas entre as espécies podem ser decorrentes de processos históricos e biogeográficos como levantado por Ricklefs (2010) e, no caso de Centris, se estende por toda a região neotropical.
Minha tese de doutoramento é com Centris burgdorfi, até então uma abelha a qual se tem pouco conhecimento na literatura. Silva et al. (2012) localizaram uma agregação desta espécie em Natal, RN e obtiveram vários dados preliminares acerca da biologia e interação com plantas através da análise polínica. Algo que chamou a atenção foi o fato das análises mostrarem que a espécie está utilizando óleo exclusivamente de Krameria tomentosa (Krameriaceae), mesmo tendo poucos indivíduos dessa planta, em detrimento de duas espécies de Byrsonima (Malpighiaceae), muito mais numerosas e que ocorrem em grandes manchas no local. A grande pergunta da tese é: por que tal preferência por óleo de Krameria? Será que esse padrão de utilização do óleo é exclusivo àquela região, ou vale para outras agregações em locais distintos do Brasil? Para obter essas respostas é essencial que sejam encontradas outras agregações em outras localidades, para então confirmar ou refutar as hipóteses do trabalho. Condições físicas semelhantes correspondem a padrões semelhantes de nidificação e de interação entre as espécies presentes no local? O recente interesse dos Ecólogos para algo mais além das interações locais nos permite olhar com mais atenção e curiosidade para algo maior.
Antes da disciplina não havia pensado no fato de que outras espécies de Centris do local podem também estarem exibindo preferência ao óleo de Krameriaceae em detrimento ao de Malpighiaceae. Isso seria uma coisa muito interessante de se avaliar, porque poderia significar um pool diferente de espécies na região. Essa diferença poderia se dar tanto nas espécies de Centris em si, e como elas utilizam o recurso presente no ambiente, como em alguma diferença na composição química do óleo floral de Krameria em comparação ao presente em Byrsonima. Processos históricos e biogeográficos podem estar agindo por trás disso, e devem ser levados em consideração. Algo ocorreu, em algum momento, para que acontecesse tal divergência.
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A Ecologia de Comunidades busca compreender os padrões de distribuição e abundância das espécies. Muitos trabalhos nesta disciplina estão focados em uma escala espacial local e consideram que as comunidades são fechadas, de acordo com os modelos clássicos de dinâmica populacional (Leibold et al., 2004). Entretanto, existem processos ecológicos que envolvem escalas espaciais mais abrangentes. O reconhecimento de que estas dinâmicas espaciais são importantes está ligado ao desenvolvimento da teoria de metacomunidades (Leibold, 2009).
Uma metacomunidade pode ser definida como um conjunto de comunidades locais conectadas por meio de dispersão (Wilson, 1992). Diversas abordagens sobre como a dispersão pode afetar as interações entre espécies em comunidades biológicas foram desenvolvidas e podem ser agrupadas em quatro paradigmas (Leibold et al., 2004): (1) O paradigma da dinâmica de manchas assume que existem múltiplas manchas idênticas de hábitat em uma paisagem e que as comunidades que as ocupam sofrem eventos estocásticos e determinísticos de extinção, bem como são influenciadas por interações interespecíficas e pela dispersão entre as manchas; (2) o paradigma de triagem de espécies parte da montagem inicial das comunidades por meio da dispersão e visa compreender como a força das interações locais e as características abióticas determinam a composição final destas comunidades; (3) o paradigma do efeito de massa coloca que a dispersão pode fazer com que populações persistam em comunidades locais, ainda que a mancha de habitat não seja capaz de manter a população, desde que haja imigração suficiente de outras populações; (4) o paradigma de dinâmica neutra está baseado na premissa de que as diferenças entre as espécies são negligenciáveis e que os eventos estocásticos são mais importantes para determinar a composição das comunidades locais.
Estes paradigmas reunidos na teoria de metacomunidades trouxeram contribuições importantes para a teoria ecológica. Eles favoreceram novas maneiras de pensar aspectos teóricos já conhecidos, fornecendo um quadro conceitual mais realista para abordar processos ecológicos em larga escala. Isto representou um avanço na compreensão de mecanismos capazes de explicar como a composição da comunidade em um determinado local é afetada por interações locais e por processos regionais, reconhecendo a interdependência entre ambas as escalas (Logue et al., 2011).
Por meio da teoria de metacomunidades, é possível explicar padrões observados que destoam do esperado pelas teorias clássicas. Por exemplo, a partir do trabalho clássico de Hutchinson (1959), que propõe a existência de um limite na similaridade ecológica entre espécies coexistentes, desenvolveu-se um arcabouço teórico preconizando que espécies coexistentes localmente devem ser menos similares do que o esperado ao se amostrar ao acaso o pool de espécies regional (Strong et al., 1979). Porém, conforme aponta Leibold (1998) muitos trabalhos encontraram o padrão oposto, isto é, espécies coexistentes localmente mais similares do que seria esperado por acaso. O autor argumenta, segundo a perspectiva de metacomunidades, que este padrão oposto resulta de combinações de espécies que são mais similares no uso dos recursos, o que as torna menos suscetíveis a serem invadidas por novas espécies de comunidades vizinhas. Portanto, é mais provável que comunidades compostas por combinações deste tipo persistam diante da colonização por novas espécies.
Outro exemplo está ligado à forma de interpretar a relação entre a diversidade local e regional de espécies. O formato da curva formada por essa relação tem sido utilizado para se inferir a importância relativa de processos locais e regionais na constituição de comunidades naturais (Mouquet & Loreau, 2003). Classicamente, uma relação saturada era interpretada como indicadora de que processos locais estão agindo, enquanto uma relação linear sugeriria que processos regionais são mais importantes. No entanto, Mouquet e Loreau (2003) demonstram, por meio de um modelo de metacomunidades, que o padrão de abundância das espécies pode variar de acordo com o grau de dispersão entre as comunidades e com as habilidades competitivas locais e regionais das espécies. Além disso, a escala espacial tem um efeito crucial no formato destes padrões. Assim, o formato da curva da relação entre a riqueza local e regional não é capaz de revelar os processos ecológicos envolvidos.
Um terceiro exemplo são as alterações nas interpretações de atributos ecossistêmicos em grandes escalas espaciais, uma das contribuições mais importantes da teoria de metacomunidades (Leibold, 2009). Novamente, a partir de trabalhos como o de Mouquet e Loreau (2003), fica claro que é possível enriquecer a compreensão sobre a relação entre a riqueza de espécies e as funções ecossistêmicas considerando a dinâmica de metacomunidades. O trabalho ressalta a influência das espécies dominantes em funções ecossistêmicas em uma escala de comunidade, relacionando a produtividade à biodiversidade. Neste caso, quando há um aumento na dispersão entre comunidades de baixa para intermediária, a riqueza local de espécies aumenta de modo inversamente proporcional à diminuição numérica do melhor competidor local, que também é o maior produtor. O resultado é uma relação negativa entre a riqueza local e a produtividade. Em uma escala regional, no entanto, a riqueza não varia e não tem relação com a produtividade. Quando a dispersão aumenta ainda mais, as riquezas local e regional se aproximam e diminuem, assim como a produtividade, gerando uma relação positiva entre a produtividade e a riqueza de espécies em ambas as escalas.
A taxa de dispersão em uma metacomunidade pode, portanto, impactar processos ecossistêmicos. Por sua vez, o fluxo de organismos entre comunidades é influenciado por perturbações humanas sobre paisagens naturais, que podem tanto reduzi-lo como aumentá-lo, adicionando obstáculos à dispersão ou criando corredores (Mouquet & Loreau, 2003). Logo, nossa compreensão das consequências das perturbações de hábitat pode ser alterada se olharmos para o sistema sob uma perspectiva de metacomunidades. Diante de um mundo em que os sistemas naturais sofrem forte pressão das atividades humanas, esta constatação é de suma importância, afinal, o intenso processo de fragmentação - “quebra” de paisagens contínuas ou de seus elementos pelas atividades humanas –transformou profundamente o padrão espacial de grande parte das paisagens naturais ao redor do mundo e se tornou uma das maiores ameaças à biodiversidade e às funções ecossistêmicas (Wu, 2009).
A dinâmica de metacomunidades em paisagens fragmentadas pode ser afetada por diversos fatores como a composição, a configuração, as características da matriz, a conectividade, a diversidade e a geometria de manchas de habitat (Biswass & Wagner, 2012). A redução das manchas de hábitat resulta em populações menores e em aumento da distância média entre as comunidades remanescentes. Além disso, muitos organismos não são capazes de cruzar a matriz. Estes fatores podem elevar as extinções e reduzir a dispersão entre comunidades, inibindo a colonização de novos substratos e dificultando a manutenção de populações já estabelecidas (Zartman & Nascimento, 2006).
Em escala local, um dos processos mais importantes decorrentes da fragmentação é o efeito de borda, ou seja, o conjunto de alterações ecológicas associado à criação de fronteiras artificias e abruptas na floresta (Laurance et al., 2011) . As fronteiras expõem partes do ambiente florestal, reduzindo a capacidade da floresta em barrar as condições macroclimáticas externas (Ewers & Banks-Leite, 2013). Dentre as consequências destas alterações microclimáticas, há um aumento na mortalidade de árvores nas bordas (Laurance et al., 1998), principalmente as de grande porte, mais suscetíveis à turbulência dos ventos e ao estresse fisiológico (Laurance et al. 2000, D'Angelo et al., 2004). Assim, árvores grandes declinam em abundância e espécies pioneiras de crescimento rápido e lianas são favorecidas (Laurance et al., 2001, Laurance et al., 2006, Laurance et al., 2011).
Somados, os processos regionais e locais desencadeados pela fragmentação de paisagens naturais podem levar a alterações na composição das comunidades e da riqueza de uma metacomunidade. Dentre as inúmeras funções ecossistêmicas impactadas, a redução da biomassa acima do solo (Laurance et al., 1997) é considerada como uma das mais importantes do ponto de vista de serviços ecossistêmicos (de Groot et al., 2002). Neste contexto, meu projeto de mestrado tem como objetivo investigar a influência do efeito de borda no serviço de estoque de carbono provido por árvores e palmeiras em paisagens fragmentadas. Para isso, utilizarei como modelo de estudos a Mata Atlântica, cujos remanescentes florestais estão majoritariamente em fragmentos isolados com menos de 50 ha (Ribeiro et al., 2009).
A maior parte dos trabalhos que avaliam a reestruturação das comunidades de plantas pós-fragmentação enfatiza a ação do efeito de borda como agente de alterações ecológicas (Zartman & Nascimento, 2006). Desse modo, partindo de uma análise da bacia de captação de água do Sistema Cantareira, irei estimar a BAS em fragmentos que apresentaram variações em seus limites nos últimos 50 anos. Classificarei as bordas destes fragmentos em três categorias de idade e irei comparar a BAS com os valores estimados para o interior dos fragmentos. Além disso, irei fazer a mesma comparação entre interior com bordas em locais sob influência combinada de bordas em diferentes intensidades (efeitos de borda múltiplo, Ries et al., 2004).
A ênfase no efeito de borda fez com que a influência da dispersão entre manchas nas funções ecossistemas em paisagens fragmentadas tenham sido pouco considerados (France & Duffy, 2006). Entretanto, é possível que muitos trabalhos tenham apontado um menor efeito da insularidade de habitat em árvores adultas e palmeiras devido a uma discrepância temporal entre o período de existência da maior parte dos fragmentos remanescentes de florestas tropicais e o tempo de geração lento dos grupos de plantas focais (Laurance et al., 1998; Scariot, 1999; Zartman & Nascimento, 2006). Desse modo, não houve tempo para que alterações na dispersão se refletissem em mudanças em atributos ecossistêmicos. Assim, apesar da importância reconhecida do efeito de borda, processos regionais devem ser considerados ao se avaliar a redução da biomassa em fragmentos de Mata Atlântica. A ampliação e integração de diferentes escalas de análise, tanto espacial como temporal, são importantes para se compreender as propriedades ecológicas de paisagens fragmentadas, assim como podem auxiliar a fazer predições mais acuradas e dar subsídio a um planejamento mais eficiente do uso da terra a longo prazo.
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Recentemente, a ecologia parece estar enfrentando um processo de unificação de conceitos em uma tentativa de criar uma teoria geral (Hubbel, 2001; Chase, 2005; Scheiner & Willig, 2007; Roughgarden, 2009; Vellend, 2010; Brown et al. 2012). Existem algumas proposições de que uma integração teórica pode contribuir para um desenvolvimento mais rápido dessa ciência (Picket, Kolasa & Jones, 2007; Lundholm, 2009), entretanto para que as diversas áreas da ecologia dialoguem, talvez exista uma necessidade de esses desenvolvimentos conceituais relativamente recentes já comecem a sua história em um diálogo coerente.
Para este ensaio eu fiz uma breve revisão de artigos que usam os termos “teoria geral”, “teoria unificada”, “unificação de conceitos” associados ao termo “ecologia”. O objetivo deste ensaio é fazer uma comparação entre algumas propostas de unificação de conceitos dentro de áreas da ecologia. Essa comparação envolve identificação de argumentos divergentes ou convergentes e compreensão de quais propostas teóricas pode ser considerada uma “teoria constituinte” (sensu Scheiner & Willig, 2007) a uma teoria mais abrangente.
Os artigos selecionados para a comparação podem ser divididos em grupos de acordo com a proposta geral dos artigos. Há artigos que discutem de um ponto de vista histórico-epistemológico o quão a ecologia pode ser considerada uma “ciência dura” e ser comparada a outras ciências (McIntosh, 1985; Lawton, 1999; El-Hani, 2006). Os artigos de Scheiner e Willig (2005, 2007) trazem uma proposição de que uma teoria geral da ecologia deve existir e propões maneiras de fazer ou identificar essa teoria geral. Outros artigos falam de propostas de unificação dentro de uma área específica da ecologia, teoria unificada da macroecologia (Mcgill & Collins, 2003), teoria geral da ecologia de comunidades (Roughgarden, 2009; Vellend, 2010), ou subjacente a esta última teoria unificada da ecologia de metacomunidades (Chase 2005) que tenta unir conceitos da teoria de nicho com a teoria neutra unificada da biodiversidade (Hubbel, 2001). Há ainda uma proposta mais ousada de unificação da ecologia através de mecanismos mais restritos que explicariam todos os padrões observados na ecologia como a teoria metabólica da ecologia(Brown et al., 2012 ).
Um ponto importante que perpassa esses artigos é a pergunta “porque unificar?” Por que dedicar tempo tentando juntar ideias que já foram desenvolvidas, quando poderíamos estar gerando novas ideias ou obtendo dados empíricos que ajudassem a testar essas ideias? Os artigos mais teóricos fazem uma análise comparativa entre outras ciências, e afirmam que ter uma teoria unificada implica em ter leis. As “ciências duras” como o são a física e a química, são altamente preditivas e explicativas, e possuem leis, portanto possuindo uma teoria geral, a ecologia pode também se tornar uma ciência dura e gozar do seu alto poder preditivo. Entretanto, Scheiner e Willig (2007) descrevem qual a utilidade de uma teoria geral e unificada de maneira mais pragmática e palpável no que concerne o momento atual da ecologia. Eles argumentam que uma teoria geral ajuda a comparar teorias constituintes divergentes e identificar até que ponto elas são de fato divergentes ou se estão falando sobre aspectos diferentes de um mesmo processo. Além disso, uma teoria unificada pode ser confrontada com maior facilidade por uma segunda teoria, já que os seus postulados e princípios estariam explícitos. Segundo eles isso faz com que o debate seja mais sistematizado o que facilita a síntese de novos conceitos nesse debate. Se uma teoria consegue fazer isso com eficiência ela pode ser considerada uma teoria madura (Scheiner & Willig, 2005).
Começando a comparação pelos temas mais dissertativos e menos metodológicos, é possível perceber que de maneira geral os artigos de McIntosh (1985) e Lawton (1999) seguem uma linha de argumentação que questiona o local da ecologia no que diz respeito sobre a sua qualidade como ciência. El-Hani (2006) utiliza argumentos desses dois autores para argumentar que a comparação da ecologia com outras ciências mais antigas pode ser equivocada e ele conclui que (1) mesmo a física não é tão dura em algumas de suas áreas como a astrofísica e a física quântica; (2) uma disciplina não precisa de leis universais (sendo que nenhuma lei é universal) e um alto poder preditivo para ser considerada uma ciência; (3) a ecologia sim pode ser considerada uma ciência robusta que possui suas generalizações, mas por causa da natureza do seu objeto de estudo o seu poder preditivo é menor. Mas essa diferença é basicamente uma diferença quantitativa e não qualitativa.
O diálogo dos três artigos citados com os subsequentes é feito de maneira indireta. O objetivo dos artigos subsequentes não é mais um questionamento sobre o estado da ecologia enquanto ciência, mas sim propostas explicitas de unificação da ecologia ou de alguma parte dela. Isso não é uma evidência forte de que esses artigos estão dialogando entre si, mas indica que os artigos que propõem unificações consideram que a ecologia é de fato uma ciência robusta, mas que desenvolver teorias gerais iria acelerar o desenvolvimento desta ciência. A partir deste ponto, promover o diálogo entre essas literaturas parece ser um ponto crítico, pois aqui começam a surgir propostas reais de unificação.
A primeira tarefa na promoção desse diálogo é criar uma classificação das teorias entre mais abrangente e menos abrangente. A minha classificação sobre a abrangência dos temas dos artigos foi com base em critérios de inclusão de processos. Uma proposta que busque unificação de teorias que incluem mais processos será considerada uma proposta de unificação de um campo mais amplo, no qual outras teorias que também estão sofrendo propostas de unificação estão incluídas.
Existe, entretanto, uma contingência temporal no desenvolvimento das questões de unificação, os artigos não foram publicados em uma ordem lógica de unificação de mais abrangentes para áreas mais restritas ou o contrário. Por isso tentar identificar relações lógicas não intencionais entre eles também é um passo importante na promoção do diálogo. Scheiner e Willig começam em 2005 com uma proposta de como fazer unificações dentro da ecologia exemplificando com a “teoria de gradientes”, e em 2007 eles argumentam que a ecologia já possui uma teoria geral, mas que só precisam de organização. Eles então elencam uma lista de sete princípios (ver Tabela 2 em Scheiner & Willig, 2007) os quais serviriam de base para gerar todos os postulados dentro da teoria geral da ecologia. Segundo eles essa lista de princípios deve fazer parte da elaboração teórica tanto da ecologia de populações, quanto da ecologia de comunidades, quanto da macroecologia. Roughgarden (2009) disserta sobre a necessidade ou não de uma teoria geral da ecologia de comunidades e lança uma proposta de unificação bem cautelosa, Vellend (2010) usa esse artigo como ponto de partida e faz uma proposta mais sofisticada de unificação dentro dessa área. Paralelamente McGill e Collins (2003), lançam uma proposta de unificação da macro ecologia. Essas duas propostas, apesar de buscarem explicações para processos comuns (e.g. dinâmicas de gradientes de distribuição), não abrangem todos os processos envoltos dentro da ecologia, portanto são propostas subjacentes à proposta de Scheiner e Willig (2007). Chase (2005) faz uma propostas de unificação de duas teorias concorrentes que explicavam padrões de distribuições das espécies ele chamou essa nova proposta de “teoria unificada de metacomunidades”. As dinâmicas de metacomunidades não abrangem todos os modelos contidos na ecologia de comunidades de maneira geral e nem na macroecologia, apesar de ser um tema aparentemente comum às duas áreas. As duas teorias subjacentes são compilações de conjuntos diferentes de modelos que explicam a distribuição de espécies por mecanismos diferentes. A teoria de nicho, que não sofreu uma processo de unificação de maneira explicita, mas foi uma teoria amplamente aceita e debatida durante muito tempo na ecologia (Leiboldt, 1995); e a proposta concorrente que é a teoria neutra unificada da biodiversidade e biogeografia (Hubbel, 2001). Claramente essas duas teorias estão inclusas na proposta de unificação de Chase (2005).
Estabelecida essa hierarquia, o próximo passo é identificar a relação lógica entre essas propostas e, quando conveniente, propor modos de fortalecer o diálogo entre elas. Scheiner e Willig (2007) afirmam que os postulados de uma teoria subjacente devem ser consequência ou um refinamento de um ou mais princípios fundamentais da teoria geral. Apesar de não ter recebido muita ênfase o refinamento de um princípio é um componente essencial para entender qual o limite explicativo de uma teoria subjacente dentro da sua teoria geral.
Na proposta de unificação da ecologia de comunidades feita por Vellend (2010), ele não aventa nenhum princípio básico da ecologia de comunidades, portanto existe uma dificuldade de fazer essa análise. Mas é possível refinar os princípios da ecologia geral de Scheiner e Willig (2007) e tentar chegar a princípios para os quais os quatro processos básicos, seleção, deriva, especiação e dispersão, sejam consequências.
1. [Os organismos estão distribuídos de uma maneira heterogênea no espaço e tempo]
—-1.1. [As espécies estão distribuídas de maneira heterogênea no espaço e tempo]
2. [Organismos interagem com seus meios bióticos e abióticos]
3. [A distribuição dos organismos e suas interações dependem de contingências]
4. [Condições ambientais são heterogêneas no espaço e tempo]
5. [Recursos são finitos e heterogêneos no espaço e tempo]
6. [Todos os organismos são mortais]
7. [As propriedades ecológicas dos organismos são resultado da evolução.]
Quando essas essa condição para os princípios 1 for atendidas, então estamos entrando na competência da ecologia de comunidades, mesmo quando os outros princípios se mantiverem inalterados. E portanto, os processos propostos por Vellend devem ter por princípio esse refinamento do princípio de ecologia geral. Nomologicamente, para os casos nos quais esse refinamento não é um princípio (estudo de variação de organismos de uma mesma espécie) a teoria proposta por Vellend (2010) não deve gerar modelos explicativos. Caso contrário a teoria de Vellend, sobre ecologia de comunidades seria tão geral quanto a teoria geral da ecologia proposta por Scheiner e Willig (2007).
Para serem consideradas teorias constituintes da ecologia de comunidades, uma teoria precisa ter mais refinamentos dos princípios da ecologia geral do que os refinamentos feitos na teoria de ecologia de comunidades, partindo desses refinamentos. Caso os princípios refinados sejam outros, estaremos falando de uma teoria complementar, concorrente, ou constituinte de uma outra área da ecologia geral. Assim, se eu vou considerar que a teoria unificada de metacomunidades (Chase, 2005) é uma teoria constituinte da teoria de comunidades (Vellend, 2010), os princípios que a regem devem ser refinados a partir dos sete princípios básicos (Scheiner & Willig, 2007) já refinados para ecologia de comunidades. Assim, podemos arriscar uma refinamentos para listar os princípios da ecologia de metacomunidades.
1. [Os organismos estão distribuídos de uma maneira heterogênea no espaço e tempo]
—-1.1. [As espécies estão distribuídas de maneira heterogênea no espaço e tempo]
———1.1.1. [A diferença no número de espécies de um espaço e/ou tempo é consequência dos princípios 2 e/ou 3]
2. [Organismos interagem com seus meios bióticos e abióticos]
3. [A distribuição dos organismos e suas interações dependem de contingências]
4. [Condições ambientais são heterogêneas no espaço e tempo]
5. [Recursos são finitos e heterogêneos no espaço e tempo]
6. [Todos os organismos são mortais]
7. [As propriedades ecológicas dos organismos são resultado da evolução.]
E seguindo a mesma lógica, se se quer incluir as teorias de nicho e teoria neutra como teorias constituintes da ecologia de metacomunidades temos que refinar os princípios necessários para a ecologia de metacomunidades.
1. [Os organismos estão distribuídos de uma maneira heterogênea no espaço e tempo]
—-1.1. [As espécies estão distribuídas de maneira heterogênea no espaço e tempo]
———1.1.1. [A diferença no número de espécies de um determinado espaço e/ou tempo é consequência dos princípios 2 e/ou 3]
—————-1.1.1.1. [A diferença no número de espécies de um determinado espaço e ou tempo é consequência do princípio 2 (NICHO)]
—————-1.1.1.2. [A diferença no número de espécies de determinado espaço e/ou tempo é consequência do princípio 3 (NEUTRA)]
2. [Organismos interagem com seus meios bióticos e abióticos]
3. [A distribuição dos organismos e suas interações dependem de contingências]
4. [Condições ambientais são heterogêneas no espaço e tempo]
5. [Recursos são finitos e heterogêneos no espaço e tempo]
6. [Todos os organismos são mortais]
7. [As propriedades ecológicas dos organismos são resultado da evolução.]
Note que os princípios elencados para a teoria de nicho e a teoria neutra estão no mesmo nível hierárquico quer dizer que não é necessário assumir o princípio de uma para se estudar a outra. Nesse caso elas seriam teorias complementares os modelos explicativos gerados pelas duas teorias ajudam a entender os processos da teoria geral. Se para que o princípio de uma seja aceito o da outra tivesse que ser falso, elas seriam consideradas teorias concorrentes. Esse é um bom exemplo de como organizar as teorias pode ser útil para evitar discussões espúrias em torno de um determinado tema.
O mesmo vale para a teoria unificada da macroecologia. A macroecologia possui princípios diferentes da ecologia de comunidades, mas ainda assim eles são refinamentos dos princípios da ecologia geral. Eu traçaria o quadro de princípios da macroecologia assim:
1. [Os organismos estão distribuídos de uma maneira heterogênea no espaço e tempo]
2. [Organismos interagem com seus meios bióticos e abióticos]
3. [A distribuição dos organismos e suas interações dependem de contingências]
—-3.1. [A distribuição dos organismos e suas interações dependem de escala]
———3.1.1. [A distribuição dos organismos e suas interações são especiais em escalas globais]
4. [Condições ambientais são heterogêneas no espaço e tempo]
5. [Recursos são finitos e heterogêneos no espaço e tempo]
6. [Todos os organismos são mortais]
7. [As propriedades ecológicas dos organismos são resultado da evolução.]
Aqui vale notar que o princípio 3.1 não está em um nível intermediário entre a teoria geral da ecologia e a teoria unificada da macroecologia. Talvez aqui valha a pena uma exploração teórica para conferir se não existe uma “teoria de escalas da ecologia” a qual o princípio 3.1 pertença.
A teoria metabólica de ecologia (Brown et al., 2012), apesar de ter sido considerada como uma teoria unificadora de conceitos, parece bem restrita. Dentro desse quadro de pensamento, o lugar mais razoável para ela seria como uma teoria constituinte da teoria de nicho. Já que todos os princípios refinados até lá precisam ser assumidos para começar a explorar essa teoria.
O objetivo desse ensaio não foi criticar cada uma das propostas e analisar a relação dos seus princípios com os dados empíricos, mas sim organizar um quadro de trabalho sistematizado através do qual se possa aumentar o poder heurístico das propostas unificadoras dos autores citados. Utilizar esse quadro de trabalho me leva a crer que talvez seja necessário incluir um novo princípio aos sete iniciais propostos por Scheiner e Willig (2007) que estabeleça as relações de deslocamento no tempo e espaço. 8 [Organismos podem estar em espaços diferentes em tempos diferentes]. Esse oitavo princípio é necessário para incluir as discussões sobre dispersão no tempo.
Em suma, podemos observar que (1) teorias constituintes terão mais refinamentos que as teorias gerais que as incluam. (2) Se uma teoria constituinte não necessita de um princípio da sua teoria geral, ela não deve ser considerada uma teoria constituinte dessa teoria geral e o quadro precisa ser reanalisado. (3) Se o refinamento de um princípio de uma teoria se dá em dois passos, talvez exista espaço para unificação de teorias entre uma teoria geral e uma teoria constituinte. A “bagunça” na ecologia, como cunhado por Lawton (1999), parece estar cada vez menor, mas é importante que as pessoas que querem organizar essa bagunça também se organizem entre si.
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Em Ecologia de Comunidades estuda-se os padrões de riqueza, abundância e composição de espécies em comunidades ecológicas e quais mecanismos gerariam estes padrões (Vellend, 2010). Por muito tempo, a comunidade científica defendeu que estes padrões eram gerados, principalmente, devido às interações bióticas (Conell, 1961; Paine, 1966), sendo o conceito de nicho, proposto por Hutchinson, em 1957, um dos principais pilares para essa discussão. Paralelamente, os investigadores voltados a biogeografia propuseram mecanismos distintos para explicar o mesmo padrão de diversidade (Wiens; Donoghue, 2004; Jenkins; Ricklefs, 2011). Recentemente, os pesquisadores observaram que essas duas áreas não caminham separadas quando os processos ocorrem na natureza, começando então a realizar a integração do conhecimento acumulado para ambas.
Vellend (2010), em uma revisão recente acerca da organização das teorias estudadas e propostas em Ecologia de Comunidades, destaca que atualmente há uma boa aceitação por parte da comunidade científica de que não só as interações bióticas locais, mas também a dispersão, a deriva e fatores históricos atuam juntos na estruturação das comunidades ecológicas. Desta forma, com a integração de processos evolutivos e ecológicos para explicar os padrões de diversidade, hipóteses mais completas e sólidas puderam ser propostas.
Contudo, apesar da atual integração entre essas disciplinas, observa-se uma diferenciação dependente de escala quanto aos padrões de diversidade, sendo a diversidade local, muitas vezes, distinta da diversidade regional. Esta constatação levou a teoria de que os processos causadores de diversidade local são, principalmente, processos ecológicos (interações bióticas locais, como por exemplo competição, predação, entre outros e fatores abióticos), e os causadores de diversidade regional são, sobretudo, processos evolutivos (dispersão, deriva e especiação) (Conell, 1985; Ricklefs, 1987; Rickelfs; Schluter, 1993).
Entretanto, é um tanto reducionista explicar a evolução sem a ecologia. Esta conclusão se evidencia facilmente analisando o livro “A Origem das espécies” de Charles Darwin, reconhecido como o pai da “Evolução” (Darwin, 1859). Se olharmos mais atentamente, no terceiro capítulo deste livro, Darwin se dedica principalmente a explicar como a manutenção de uma espécie ao ambiente está relacionada ao ambiente em que esta vive e como se dá seu desempenho neste. Desta forma, a evolução, quando ocorre por meio da seleção natural (mecanismo proposto por Darwin), não está desconectada da ecologia e representa nada mais que o resultado das características do ambiente que atuam como filtro ambiental e restringem o crescimento, a sobrevivência e reprodução de variados indivíduos em uma população.
Neste momento, é relevante destacar que a Seleção Natural leva a adaptação da população às condições particulares em que ela está submetida, tanto do ponto de vista espacial como temporal (Schemske, 2010). E essa adaptação, quando reunida com a minimização de fluxo gênico entre populações, leva a especiação (Sobel et al. 2010). Este fator é de grande impacto nos padrões de diversidade que observamos e muitos trabalhos não investigam o papel da ecologia para o surgimento de uma nova linhagem, deixando esse questionamento somente acerca da Biogeografia e Macroevolução.
Me encantam os padrões de diversidade e um dos meus grandes nortes está em tentar compreender quais processos estão atuando ou atuaram para que ocorra a diversificação de linhagens. Em meu estudo de mestrado investigo como populações, quando adaptadas a diferentes ambientes, podem se diversificar em espécies distintas. Especificamente, tenho me voltado a entender como a adaptação de diferentes populações a ambientes distintos pode se tornar uma fonte de isolamento reprodutivo entre elas e favorecer o processo de especiação.
Em geral, o estudo da origem de novas espécies é muito ligado a diferenciação alopátrica, onde a minimização do fluxo gênico ocorre devido a barreiras geográficas. No entanto, quando fatores ecológicos seletivos atuam sobre indivíduos que ocorrem em uma mesma área geográfica, pode-se observar a diferenciação simpátrica.
Para conhecer mais sobre o processo de diversificação em linhagens simpátricas, eu estou realizando um experimento de transplante recíproco com duas espécies irmãs de Cactaceaes, endêmicas da Mata Atlântica. Para fazer este tipo de estudo é interessante trabalhar com espécies que apresentam distribuições geográficas similares, pois assim é possível investigar o papel que as condições ecológicas às quais as espécies estão adaptadas possuem na diversificação de linhagens. Isso porque, se trabalhamos com espécies pertencentes a um mesmo grupo filogenético, os resultados vão sugerir conclusões sobre a evolução da diversidade no complexo, uma vez que compartilham sua história evolutiva. As espécies escolhidas para o trabalho pertencem ao gênero Rhipsalis, o qual é o mais abundante em epífitas na família Cactaceae (Hunt et al., 2006). Este grupo possui a região sudeste do Brasil, considerada como seu centro de diversidade, com aproximadamente 81% de suas espécies endêmicas do Brasil (Taylor;Zappi, 2004). Este gênero possui uma sistemática complexa e as duas espécies selecionadas permitem o estudo da especiação simpátrica, uma vez que apresentam um padrão muito restrito de condições ambientais para ocorrerem. Assim, considerando que a diferenciação adaptativa ao longo de um gradiente ecológico pode contribuir para o isolamento reprodutivo (Ramsey et al. 2003) e a origem de espécies, busco responder como varia a aptidão de duas espécies irmãs sob diferentes condições de micro-habitat na Floresta Atlântica do Sudeste do Brasil.
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O início do desenvolvimento teórico da ecologia de comunidades envolvia abordar os conceitos de nicho e interações ecológicas (competição e predação principalmente) para explicar a manutenção da diversidade em pequenas localidades. Porém, o acúmulo de trabalhos com esse foco, até a década de 1980, levou à percepção da idiosincrasia dos processos ecológicos importantes para cada comunidade local (Ricklefs, 1987). Esse “viés”ficou conhecido como efeito da contingência ecológica, pois os processos ecológicos em um determinado local dependem do contexto em que este está inserido (Lessard et al., 2012). Isso é, a diversidade de um local é resultado tanto das interações que possibilitam ou impedem a ocorrência das espécies (processos ecológicos) quanto da história evolutiva e biogeográfica que levou as espécies a ocuparem a região (processos evolutivos). Dessa forma cada comunidade difere das outras nos processos que geram e mantém a diversidade. Nesse sentido, a contingência ecológica é um fator que dificulta propostas de regras gerais na ecologia de comunidades e persiste como um desafio para o desenvolvimento da disciplina. No entanto, compreender que existe contingência trouxe a idéia de que as composições das comunidades locais pode ser amostras provenientes de um pool regional de espécies que engloba toda a biota onde a comunidade local está inserida.
As primeiras tentativas de separar os efeitos evolutivos e ecológicos em comunidades locais vieram da comparação entre a riqueza local com o pool regional (Cornell, 1985). Um importante passo para se fazer essas análises é definir quais são as espécies que formam o pool regional. No entanto, o que é considerado local e regional pode variar de acordo com a escala do estudo e os objetivos da pesquisa. Em alguns estudos o pool regional é formado por uma lista de todas as espécies que podem alcançar um determinado local, mesmo que algumas dessas espécies não consigam permanecer no local. Em outros casos, o pool regional é definido como a lista de espécies que podem alcançar e efetivamente permanecer em um local. No entanto essa informação é mais difícil de ser obtida com precisão. Então, a abordagem mais frequente para inferir um pool regional é usar a lista combinada de espécies de uma coleção de locais. Nesse caso é importante que os locais sejam similares o suficiente para que as espécies tenham alguma chance de permanecer nas comunidades locais. Porém, essa maneira de desenhar o pool pode acabar englobando espécies com capacidades de dispersão muito distintas, e incluir algumas que talvez não consigam alcançar um dado local (Cornell & Harrison, 2013). Podemos observar um exemplo: em um dos primeiros trabalhos que estudou a relação regional-local, Cornell (1985) definiu o pool regional como todas as espécies de vespa que podem induzir a formação de galhas em uma espécie de carvalho, enquanto a diversidade local foi aferida pela riqueza em um indivíduo de carvalho (ou poucos indivíduos que estavam muito próximos). Nesse caso, o pool regional é definido como todas as espécies que conseguem efetivamente permanecer na comunidade local (indivíduo de carvalho), mas não se sabe se todas as espécies de vespa tem capacidade dispersiva para atingir todas as comunidades locais.
Uma vez que o pool regional de espécies está definido é possível observar se as comunidades locais estão ou não saturadas. Uma comunidade saturada pode ser interpretada como um conjunto de espécies que estão disputando todo o espaço de nicho disponível no local, ou seja, essa seria uma comunidade onde a diversidade é predominantemente limitada por competição. Em comunidades saturadas, por mais que se aumente o pool de espécies regional, a riqueza não aumenta. Por outro lado, uma comunidade insaturada mantém uma relação linear com o pool de espécies, isso é, quanto maior o pool regional maior será a riqueza local. Essa relação pode ser interpretada como comunidades abertas a novas espécies tanto por invasões ou por especiações. Essa interpretação carrega a idéia de que existem nichos vagos, ou recursos que estão disponíveis. Por mais que essa abordagem permita inferir se as comunidades estão ou não saturadas, é possível imaginar que podem existir diferentes “regras de montagem” para diferentes comunidades. Isso poderia resultar, por exemplo, em diferentes riquezas de saturação (SM) ou diferentes ângulos de inclinação (θ) das retas de comunidades insaturadas. Esses dois quesitos (SM e θ) podem variar tanto devido à diferentes processos ecológicos (que filtram as espécies que ocorrem em escala local) quanto devido a dinâmicas neutras relacionadas à abundância das espécies. Porém, qualquer interpretação da relação local-regional depende de como a comunidade local é definida, e um grande problema, é que muitas vezes os limites dessa são arbitrários. Esse motivo (e alguns outros que estão além do escopo desse texto) levaram Ricklefs (2008) a questionar o conceito de comunidade local, e propor que qualquer análise em ecologia de comunidades deveria ser feita em uma escala abaixo (das populações) ou acima (das comunidades regionais e da macroecologia - mas ver Brooker et al., 2009).
As comparações local-regional acima apresentadas tiveram um papel importante em abrir o campo de discussão da influência que a história evolutiva pode ter na estrutura das comunidades locais. Porém, ainda não parece possível esclarecer uma maneira geral para como os processos ecológicos atuam na manutenção da biodiversidade, talvez pela dificuldade que ainda existe em se encontrar padrões gerais na ecologia de comunidades. A procura de novos padrões pode ser mais facilmente abordada em escalas espaciais maiores do que a comunidade local, um campo onde se concentram estudos de macroecologia. A extrapolação de perguntas fundamentalmente da ecologia de comunidades para a macroecologia e a comunicação entre essas duas áreas pode ajudar na compreensão do problema e também oferecer novas ferramentas para aborda-lo.
Atualmente eu estou desenvolvendo um projeto em macroecologia que tem como grande pergunta compreender se as regiões mais diversas estão mais saturadas de espécies. Para responder essa pergunta serão utilizadas informações de massa corpórea e área de distribuição para todas as espécies de mamíferos terrestres que apresentam dados disponíveis. Será utilizada como unidade amostral o conjunto de espécies que ocorrem dentro de uma mesma área de 1 grau de latitude e longitude, que totalizam mais de 5 mil áreas amostradas. A distribuição de massas de cada conjunto de espécies será usada para medir a disparidade morfológica (Erwin, 2007) das espécies ali presentes.
Afim de compreender se as medidas de disparidade estão de acordo com o que seria esperado por uma amostragem aleatória, dado o pool regional de espécies, essas medidas serão comparadas com medidas tiradas de um modelo nulo de massas corpóreas de mamíferos. Esse modelo nulo será formado para cada conjunto de espécies, amostrando milhares de vezes a mesma quantidade de espécies do conjunto em questão. O pool de onde serão realizadas as amostragens será composto por todas as espécies que ocorrem no mesmo bioma que o conjunto sendo analisado. Além disso, a probabilidade de cada espécie ser amostrada será proporcional ao tamanho da sua área de ocupação. Ao comparar a distribuição de massas observada em um local com a distribuição nula será testada a influência do pool de espécies regional. Dessa maneira será possível inferir se a disparidade morfológica em locais mais diversos difere mais ou menos do seu próprio pool regional do que locais menos diversos, o que nos permitirá comparar a disparidade morfológica de regiões muito diferentes. Os resultados de disparidade podem ser extrapolados para inferir qual a maneira que as regiões acumulam espécies, isso é, se regiões mais ricas apresentam uma gama maior de variantes ecológicas (insaturação) ou apresentam maior semelhança entre as espécies (saturação).
Brooker, R. W., R. M. Callaway, L. A. Cavieres, Z. Kikvidze, C. J. Lortie, R. Michalet, F. I. Pug- naire, A. Valiente-Banuet, & T. G. Whitham, 2009. Don’t diss integration: a comment on ricklefs’s disintegrating communities. Am Nat 174:919–27; discussion 928–31.
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A ecologia de comunidades estuda os padrões de abundância e de composição de espécies em comunidades e os processos responsáveis por gerar tais padrões. Este ramo da ecologia sempre atraiu muito interesse entre os ecólogos e o vasto número de trabalhos realizados em comunidades ecológicas - só nos últimos 10 anos foram públicados 3.470 papers sobre o tema - levou ao desenvolvimento de uma grande variedade de teorias e modelos para tentar explicar os padrões de diversidade de espécies encontrados na natureza (eg., teoria de nicho, r- e K-estrategista, dinâmica de metacomunidades, teoria neutra da biodiversidade). Muitas dessas teorias e modelos surgiram de forma independente das demais e eram interpretadas como alternativas excludentes para explicar os padrões encontrados. Recentemente, Vellend (2010) propôs uma nova maneira de olhar para ecologia de comunidades, de modo que estas teorias e modelos podem ser interpretadas com base em apenas quatro processos; a saber: seleção, deriva, dispersão e especiação. A seleção é representada pela ecologia de comunidades clássica, baseada na teoria de nicho. De acordo com esta visão, a composição e abundância das espécies de uma comunidade seriam determinadas pela interação de uma espécie com as demais bem como sua interação com o ambiente. Em contrapartida, o conceito de deriva vem da teoria neutra da biodiversidade. A deriva ecológica foi proposta para uma comunidade onde as espécies fossem demograficamente idênticas, situação muito difícil de se encontrar na natureza (Vellend, 2010). Contudo, atualmente sabe-se que a deriva pode ser relevante mesmo quando não é o único processo ocorrendo e em grupos com pouca diferenciação funcional a deriva desempenha um papel importante. Já a dispersão envolve o movimento de organismos ao longo do espaço e, portanto, sua influência na comunidade depende diretamente do tamanho e composição das comunidades envolvidas no processo. Desse modo, as consequências da dispersão para uma dada comunidade estão atreladas a outros processos, principalmente seleção e deriva. Por fim, a especiação é o processo de surgimento de novas espécies, o qual em última análise é a fonte de todas as espécies que compõem as comunidades ecológicas. Em uma escala local, com uma abrangência espacial e temporal mais restrita, a especiação não tem tanta relevância e a dispersão pode ser interpretada como a fonte de espécies. Contudo, para comparar padrões de distribuição entre regiões ou ao longo de um gradiente, o processo pelo qual as espécies se originaram passa a ser muito relevante.
Utilizando esses quatro processos é possível tecer uma narrativa para comunidades ecológicas: “espécies são acrescentadas a comunidades via especiação e dispersão, e a abundância relativa dessas espécies são moldadas por deriva e seleção, sob a influência da dispersão, os quais governam a dinâmica de comunidades” (Vellend, 2010:202). Esta narrativa geral e muito pouco específica pode parecer de pouca valia. Contudo, diversos ecólogos não acreditavam que uma teoria geral de ecologia de comunidades fosse plausível (e.g., Lawton, 1999), de modo que este arcabouço teórico representa um grande avanço para a área.
É possível, então, reavaliar os modelos e teorias vigentes em ecologia de comunidades e classificá-los de acordo com a ênfase que dão a cada um dos quatro processos, de maneira que estes modelos e teorias deixam de ser independentes e a ecologia de comunidades deixa de ser uma “bagunça” conceitual. Modelos tradicionalmente considerados como competidores (eg., competição e predação) podem ser interpretados como variações de um mesmo processo (nesse caso, seleção). O mesmo pode ser dito com relação a teorias, de modo que mais de uma teoria pode ser utilizada para explicar a dinâmica de uma comunidade (e.g., teoria de nicho e teoria neutra da biodiversidade podem ser utilizadas para compreender diferentes aspectos de uma mesma comunidade). O foco deixa de ser qual modelo ou teoria mais se adequa a cada sistema estudado e passa a ser qual(is) processo(s) governa(m) a dinâmica da comunidade, assim como ocorre em outras áreas da biologia. Por exemplo, em populações naturais cada indivíduo possui um genótipo diferente dos demais. As mutações, bem como as inversões e recombinações, somadas à história de vida modificam as características dos indivíduos e, por consequência, o seu fitness. Contudo, ao estudar genética de populações os cientistas não se prendem aos detalhes e, ao invés de tentar explicar todas as peculiaridades de cada genótipo e qual o efeito dessas singularidades sobre o fitness, buscam entender quais processos regem aquela população e como estes interagem entre si.
Alguns ecólogos podem argumentar que esta abordagem reduz o realismo com que os modelos descrevem a natureza e é melhor estudar relações de causa-e-efeito (e.g., Simberloff, 2004). De fato, em algumas situações e para determinadas perguntas este nível de detalhe é adequado, como por exemplo em estudos voltados para o manejo. Contudo, esta redução do realismo é compensada por um ganho em precisão e generalidade, de modo que os modelos e teorias deixam de estar atrelados a cada comunidade estudada e podem ser aplicados em outros contextos. Como destacado por Levin (1992): “um bom modelo não tenta reproduzir todos os detalhes do sistema biológico; o sistema em si já é suficiente como o melhor modelo de si mesmo” (p. 1944). Portanto, a questão é definir o quanto de detalhe pode ser ignorado para maximizar a precisão e a generalidade, mas sem perder o realismo a ponto de ser incapaz de compreender os padrões de interesse. A meu ver, quando os ecólogos começarem a utilizar este novo arcabouço teórico, as comunidades ecológicas serão muito melhor compreendidas. Então, será possível integrar de maneira mais satisfatória a ecologia de comunidades com outras áreas da biologia, principalmente com a biologia evolutiva.
As comunidades ecológicas são compostas por populações de diferentes espécies que interagem entre si. Estas espécies foram geradas e suas características foram moldadas pelo processo evolutivo. Por outro lado, toda espécie interage com espécies diferentes e, portanto, está inserida em uma comunidade ecológica. De modo que estas duas áreas da biologia estão intimamente ligadas: alterações na composição e abundância relativa das espécies influenciam o processo evolutivo, assim como mudanças evolutivas em uma dada espécie influenciam a dinâmica da comunidade (Johnson & Stincombe, 2007; Haloin & Strauss, 2008). Este feedback pode acontecer em diferentes escalas, desde a variação genética afetando a dinâmica da comunidade, até as interações no nível da comunidade afetando a diversificação de espécies.
Particularmente, uma área que tem muito a ganhar com esta integração é a macroevolução (i.e., ramo da biologia evolutiva que estuda padrões e processos que ocorrem acima do nível da espécie). Grande parte dos estudos macroevolutivos tentam explicar padrões de diversificação de espécies. Estes estudos focam na diversificação de uma ou mais linhagens ao longo do tempo (e.g., aves; Jetz et al., 2012) ou na diversificação de várias linhagens em um momento específico (e.g., cinco grandes extinções em massa; Bambach et al., 2004), e as variações encontradas são explicadas em função das taxas de especiação e extinção. Porém, o surgimento de uma nova espécie (i.e., especiação), bem como o desaparecimento de uma dada espécie (i.e., extinção), são processos complexos e utilizar essas taxas para explicar um fenômeno é uma abordagem um tanto quanto grosseira (e algo que sempre me incomodou). Tanto a especiação quanto a extinção ocorrem no nível da comunidade, logo, teorias bem fundamentadas sobre a dinâmica das comunidades podem ajudar a entender esta “caixa preta” da macroevolução. Por exemplo, o equilíbrio pontuado é um padrão muito característico do registro fóssil, no qual as linhagens apresentam uma estagnação prolongada no número de espécies e na morfologia. Esta estagnação é intercalada por períodos muito rápidos (em termos geológicos) de diversificação, tanto em número de espécies quanto de formas. Uma das teorias para explicar este padrão de diversificação é baseada na dinâmica de metacomunidades. Imagine uma dada espécie que possui diversas populações, cada uma inserida em uma comunidade diferente e conectadas por migração. Devido a diferenças na composição e abundância relativa de espécies entre as comunidades, é plausível supor que cada população esteja sob uma pressão seletiva diferente. Contudo, em virtude do fluxo gênico mantido pela migração, nenhuma população responde à pressão seletiva - este cenário fica ainda mais plausível caso a espécie possua acasalamento preferencial negativo - e a espécie como um todo não apresenta mudança morfológica significativa. Esta dinâmica se mantém estável, até o momento em que, devido a um evento de vicariância (e.g., uma alteração na composição da matriz), há a quebra do fluxo gênico entre uma população e o restante da metacomunidade. Nesse instante, a população responde rapidamente à pressão seletiva a qual estava sujeita, enquanto o restante da metacomunidade também começa a se alterar até ser atingido um novo ponto de equilíbrio entre as pressões seletivas específicas de cada população e o efeito homogeneizante da migração (Douglas J. Futuyma, comunicação pessoal).
Meu projeto visa compreender porquê determinadas linhagens são levadas à extinção. Mais especificamente, quero compreender se o declínio de diversidade está relacionado a alguma característica intrínseca a própria linhagem. Com este objetivo em mente, vou determinar quais ordens de mamíferos placentários estão em declínio de diversidade e correlacionar este declínio com a massa corporal média de cada ordem. A massa corporal de mamíferos (um indicativo do tamanho do corpo) influencia ou reflete diversos aspectos da biologia de uma espécie (Blueweiss et al., 1978; Roy, 2008), portanto, é esperado que a massa influencie nas taxas de especiação e extinção. Alguns estudos encontraram vantagens evolutivas associadas ao aumento do tamanho corporal (Brown & Maurer, 1986). Contudo, mesmo apresentando vantagens evolutivas, há poucas espécies grandes - a massa corporal de mamíferos placentários varia de 2g a 10^8g e a moda é 100g - e esta tendência de aumento corpóreo deve ser contrabalanceada por desvantagens associadas com o tamanho (Roy, 2008). Portanto, a evolução de espécies grandes seria o resultado de forças evolutivas conflitantes atuando em diferentes escalas temporais. A curto prazo o aumento da massa seria benéfico, porém este aumento levaria à redução na taxa de diversificação (i.e., taxa de especiação menos a taxa de extinção) e a longo prazo as espécies menores seriam beneficiadas (Clauset & Erwin, 2008). Tendo em vista que os processos de extinção e especiação ocorrem em comunidades ecológicas, pretendo tentar compreender especificamente como alterações na massa corporal podem afetar a dinâmica de comunidades de mamíferos. Uma hipótese para explicar a redução na taxa de diversificação seria a redução do número de eventos de especiação. Segundo essa hipótese quanto maior uma dada espécie menor seriam as oportunidades de especiação uma vez que a área total disponível seria também relativamente menor (Kozlowski & Gawelczyk, 2002). Em outras palavras, a grande capacidade de dispersão das espécies maiores, ao manter uma alta taxa de fluxo gênico, estaria atuando como um empecilho para o processo de especiação. Outra hipótese seria aumento na taxa de extinção. Diversas características associadas ao risco de extinção apresentam correlação positiva com a massa (p.ex., maior tempo de gestação, Cardillo et al., 2005), portanto é esperado que espécies maiores tenham maior taxa de extinção (Davies et al., 2008). Contudo, este estudo foi realizado com risco de extinção, uma métrica que leva em consideração a ação antrópica. No meu estudo, vou analisar uma série temporal em escala de milhões de anos, portanto, a ação do homem não irá interferir nos meus resultados e será muito interessante descobrir se estas mesmas características estão associadas com maior taxa de extinção em comunidades naturais.
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Desde a década de 60 se fala sobre a existência de estados de equilíbrio alternativos, ou seja, as comunidades podem ser encontradas em um ou múltiplos estados de equilíbrio alternativos (Holling 1973; Scheffer et al. 2001; Beisner et al. 2003). O conceito de estabilidade está ligado ao conceito de resiliência, que pode ser definida como a quantidade de perturbação que o sistema consegue absorver sem alteração de seu estado de equilíbrio (Holling, 1973; Scheffer, 2009). Entretanto, mudanças graduais diminuem o nível de resiliência, tornando o sistema mais frágil ao ponto de que, mesmo pequenas mudanças nas condições ambientais, podem ocasionar uma transição crítica, difícil de prever e reverter, para um estado de equilíbrio alternativo, por tempo indeterminado, que pode ser distinto do original e o retorno a este estado irá requerer mudanças ainda maiores, o que chamamos de histerese (Scheffer et al, 2001; Scheffer et al, 2009).
Ambientes aquáticos são extremamente vulneráveis aos impactos provocados pelas atividades humanas, as quais levam à diminuição da resiliência do sistema. O mesmo pode ser observado para os reservatórios, que são criados pelo represamento de um rio, formando um sistema cuja hidrodinâmica é intermediária entre o lótico e o lêntico. Tratam-se de ecossistemas modificados e complexos, construídos em resposta às demandas de crescimento econômico. Sofrem influências antrópicas, as quais refletem em diferentes níveis de impactos (Gibson et al., 2000; Dodds et al., 2006) que podem levar à eutrofização, problema central de gestão e manejo em reservatórios.
A eutrofização pode ser considerada como uma reação em cadeia de causas e efeitos bem evidentes, cuja principal característica é a quebra relativa de estabilidade do ecossistema (Steves, 2011). A grande questão aqui é que a eutrofização só é aparente depois da ocorrência de alterações que são difíceis de serem revertidas (Scheffer, 1990), já que estas alterações foram oriundas de mudanças graduais, imperceptíveis, mas que afetaram o nível de resiliência (Scheffer et al, 2009). A existência de equilíbrios alternativos, então, nos traz implicações sobre a gestão e manejo de reservatórios, já que muitas relações ecológicas em sistemas de água doce potencialmente fazem com que existam estes equilíbrios através de uma gama de concentrações de nutrientes (Scheffer, 1990). Estudos sugerem a existência de equilíbrios alternativos nestes sistemas, um apresentando turbidez (função da concentração de nutrientes) e outro água limpa (Timms & Moss, 1984; Scheffer, 1990).
A turbidez é causada pela presença de materiais em suspensão, de origem orgânica ou inorgânica e é o principal fator na determinação da espessura da zona eufótica. Desta forma, ao aumentar a turbidez você limita a quantidade de luz que estará disponível à comunidade fitoplanctônica, constituída de organismos que só se estabelecem se o hábitat for adequado e com requerimentos de crescimento e sobrevivência (Reynolds, 1984). O ambiente, então, age como um filtro, segregando espécies menos adaptadas. A composição da comunidade fitoplanctônica é, então, inicialmente aleatória e a sucessão autogênica é muitas vezes previsível ao conhecer o ambiente (Straskraba et al., 1999). Desta forma, como já é bem estabelecido que as principais forças que agem sobre a composição de uma comunidade pelágica são as restrições de recursos e energia (Reynolds, 2006), o aumento da turbidez faz com que diminua a quantidade de luz disponível para o fitoplâncton, o que acarretará em mudanças na sua composição.
Isto nos remete ao texto do Vellend (2010), onde ele procura realizar uma síntese conceitual da ecologia de comunidades. Sendo assim, os padrões na composição e diversidade de espécies seriam influenciados por quatro classes de processos: seleção (a diferença do fitness determinístico entre as espécies), deriva (mudanças estocásticas na abundância das espécies), especiação (criação de novas espécies) e deriva (movimento dos organismos pelo espaço). Equilíbrios alternativos e resiliência estão associados, ao meu ver, ao que Hutchinson e MacArthur chamavam de resultados determinísticos de interações locais entre espécies funcionalmente distintas e seus ambientes, o que para Vellend estaria relacionado com a seleção, onde a perturbação poderia ser originada por algum tipo de interação entre espécies ou simplesmente devido a alguma variação de fatores ambientais.
Na minha tese de doutorado, busco estabelecer um modelo espaço-temporal de fragilidade ambiental que possa medir o grau de impacto do uso e ocupação do solo, do escoamento superficial e do fluxo de sedimentos no estado trófico e na biota fitoplanctônica em reservatórios.
O entorno dos reservatórios apresentam um mosaico de cobertura e uso e ocupação influenciados pelas atividades antrópicas. Este mosaico reflete em diferentes níveis de impactos dentro do reservatório (Gibson et al., 2000; Dodds et al., 2006). Portanto, em um mesmo reservatório podem ser encontrados locais impactados e não impactados, dependendo das atividades no seu entorno. Partindo deste pressuposto, eu consigo mapear estes níveis de impacto, produzindo um mapa de fragilidade ambiental (oriundo do modelo), que será validado por meio de análises de concentração de fósforo, nitrogênio e clorofila a, turbidez, de análise da composição da comunidade fitoplanctônica e de índices de estado trófico. Com isto, consigo sugerir medidas de gestão e manejo de acordo com o grau de fragilidade determinado. A figura apresentada por Scheffer (1990), onde ele representa a turbidez como função do nível de nutrientes e faz também uma representação da estabilidade de cinco diferentes níveis de nutrientes, me fez refletir a aplicação desta abordagem no meu projeto.
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