Quanto mais alto, menor?

Montanhas sempre chamaram a atenção de ecólogos, por apresentarem mudanças drásticas em distâncias curtas, que podem ser percorridas em algumas horas. À medida que a altitude varia, encontramos mudanças na ocorrência de espécies e nas características dos organismos, como por exemplo, no tamanho corporal. Ao verificar a distribuição de espécies de aranhas ao longo de uma montanha, imagina-se que o tamanho dos animais deve estar relacionado com a altitude, e que a importância relativa de espécies de maior tamanho diminui conforme a altitude aumenta. O resultado esperado parece contrariar padrões observados em gradientes latitudinais para mamíferos, o que levanta a questão sobre a abrangência de alguns modelos utilizados em ecologia. Também será interessante observar se as mudanças esperadas seriam causadas pela ausência, nas porções mais altas do gradiente, de alguns grupos de aranha que possuem um tamanho médio maior, ou se, dentro de todos grupos, há uma substituição de espécies maiores por menores, ou ambos. Para investigar essas questões vamos analisar o material obtido em um inventário aracnológico realizado no Pico da Neblina (AM), no qual a coleta foi realizada em seis diferentes altitudes, do pé da montanha até próximo de seu topo. O estudo de gradientes altitudinais já conta com uma série de modelos, alguns deles propostos originalmente para o gradiente latitudinal, com quem guarda uma série de semelhanças. Alguns desses modelos estão entre os mais bem documentados da ecologia, tendo sido observados em vários grupos taxonômicos, inclusive aranhas. O melhor exemplo é a diminuição da riqueza que se observa em maiores latitudes (ou altitudes), que seria causada por condições climáticas mais rigorosas e extremas. Em outros casos, no entanto, características particulares de alguns grupos ou locais fazem com que as generalizações não se apliquem. Por exemplo, é sabido que mamíferos de latitudes mais altas são maiores do que seus equivalentes que ocorrem em menores latitudes, tanto entre diferentes espécies de um mesmo grupo (ex: ursos, cervídeos), como entre populações de uma mesma espécie (ex: onça-parda, tigre). Podemos imaginar que isso seja uma característica de animais de sangue quente, que necessitam gerar sua temperatura corpórea, de maneira que um maior tamanho constitui uma vantagem. No caso de animais de sangue frio, como as aranhas, a situação provavelmente seria diferente, uma vez que esses animais necessitam do calor do meio ambiente, e que animais maiores precisam de mais calor que menores. Neste caso, portanto, o maior tamanho seria uma desvantagem em climas mais rigorosos, exatamente o contrário do que se observa para mamíferos As aranhas constituem um grupo muito diversificado, tanto no que diz respeito ao número de espécies quanto à variação observada no grupo em vários aspectos. O tamanho corpóreo, por exemplo, pode ir de alguns poucos milímetros até mais de 10 centímetros. Embora todas aranhas sejam predadoras, elas também exibem uma enorme diversidade de métodos de forrageio, tanto pela variedade de microhabitats ocupados por espécies diferentes (solo, serapilheira, vegetação, troncos), quanto pela maneira de caçar em si (emprego de teias, caçadoras ativas, caçadoras de emboscada). Dessa maneira, uma outra questão interessante seria observar se a diminuição do tamanho seria observada dentro de todos os grupos, ou se alguns grupos de aranhas seriam mais afetados pela altitude do que outros. Por exemplo, aranhas caçadoras de solo costumam apresentar maior tamanho corpóreo do que aranhas construtoras de teias. A diminuição do tamanho médio da comunidade de aranhas poderia ser causada tanto por uma substituição de espécies de aranhas de solo e de teia maiores por espécies menores, como pela ausência de aranhas de solo em maiores altitudes, enquanto as de teia sofreriam poucas alterações. Caso a segunda possibilidade fosse observada, teríamos um indício de que algum outro fator, além da temperatura, estaria influindo no resultado, alguma mudança no ambiente que o tornaria menos propício aos animais que ocupam o solo do que às construtoras de teia, que em geral ocorrem na vegetação. Ainda seria interessante verificar se essas mudanças poderiam estar relacionadas ao estrato ocupado pelos diferentes grupos (soloXvegetação, por exemplo), ou ao método de captura em si (caçadoras ativasXconstrutoras de teias). Para responder essas questões, dispomos dos dados de um inventário aracnológico realizado no Pico da Neblina (AM) que, com 2.994 metros de altitude, é a mais alta montanha do Brasil. Ao longo do gradiente foi possível observar uma grande variação no ambiente, indo de florestas densas nas porções mais baixas até uma vegetação herbácea e arbustiva nas porções mais altas. As coletas foram realizadas em seis diferentes altitudes, e em cada uma delas foi realizado o mesmo esforço de coleta. O inventário contou com dois métodos de coleta, que priorizam a amostragem no subosque e no solo. Todas as aranhas avistadas foram capturadas, de maneira que teremos uma amostra bastante significativa de vários grupos de aranhas que ocorrem nesses ambientes. A temperatura também foi medida em todos os pontos de coleta. Durante os trabalhos de laboratório, os animais serão identificados e medidos, e então poderá ser feita a comparação das comunidades encontradas nas diferentes altitudes amostradas.

O estudo de gradientes ambientais constitui um campo muito fértil de trabalho, envolvendo várias questões. Essas questões podem estar relacionadas à distribuição da diversidade ao longo desse gradiente, às mudanças que ocorrem na composição da comunidade, ou a algum outro caráter da comunidade, como no presente caso. Espera-se que o aumento da altitude leve a uma diminuição no tamanho médio da comunidade de aranhas, por conta sobretudo de mudanças nas condições climáticas, que se tornam mais duras e extremas conforme se avança no gradiente. Um dos aspectos mais interessantes desse resultado, é que ele representaria o oposto do que já foi observado para grupos de mamíferos. Nesse sentido, o resultado obtido para as aranhas poderia representar um novo modelo para a relação entre tamanho corpóreo e condições climáticas, referente a animais de sangue frio. Seria interessante verificar a abrangência desse resultado para outros grupos de animais de sangue frio, incluindo até animais vertebrados, como répteis e anfíbios. Por fim, caso seja verificada a relação negativa entre tamanho corpóreo das aranhas e altitude, também será interessante investigar exatamente como se dá esse processo. Imaginamos que isso possa ser causado pela substituição de espécies maiores por menores dentro de cada grupo, pela ausência de grupos maiores nas porções mais altas do gradiente, ou até mesmo por mudanças de tamanho intraespecíficas. Logicamente, também é possível que os três resultados, em maior ou menor grau ocorram simultaneamente. Por fim, também poderemos relacionar as mudanças observadas na comunidade com alguns outros fatores ambientais, como a estrutura da vegetação, que pode favorecer de maneira diferente grupos de aranhas de diferente tamanhos.
exemplo2.txt · Última modificação: 2024/01/09 18:17 por 127.0.0.1
www.chimeric.de Creative Commons License Valid CSS Driven by DokuWiki do yourself a favour and use a real browser - get firefox!! Recent changes RSS feed Valid XHTML 1.0