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ensaios:2016 [2016/03/23 06:14] – [Coexistência: Ecologia e Evolução] luisa.goncalves | ensaios:2016 [2016/07/26 22:43] (atual) – paulo |
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====Adeus bagunça! Quatro processos que organizam a ecologia de comunidades==== | ====Adeus bagunça! Quatro processos que organizam a ecologia de comunidades==== |
===Samanta Iop=== | ===Samanta Iop=== |
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==== O nicho entre competição e facilitação ==== | ==== O nicho entre competição e facilitação ==== |
==== Renan Parmigiani ==== | == Renan Parmigiani == |
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A evolução do conceito de nicho passou por várias discussões ao longo do último século, Joseph Grinnell foi um dos primeiro a utilizá-lo, no sentido de buscar descrever o “papel” de determinadas espécies no meio, fazendo uma descrição de suas adaptações físicas e comportamentais, e propondo que o nicho é o lugar que a espécie ocupa no ambiente (Grinnell, 1917; Chase & Leibold, 2003). Outra discussão que Grinnell trouxe em suas obras é a possibilidade de haver um nicho vago, ou seja, a ausência de uma espécie que teria plenas condições de sobreviver em um determinado local. Em 1927 Elton trouxe outra abordagem no conceito de nicho, focando no efeito da espécie no ambiente e na cadeia alimentar, enquanto Grinnell propunha o efeito do ambiente nas espécies (Chase & Leibold, 2003). A abordagem de Elton foi utilizada por J. E. Hutchinson na sua definição de nicho, na qual afirma que as espécies possuem um intervalo de valores no eixo de cada variável ambiental (por ex.: temperatura, umidade, insolação), que permite que ela cresça ou se mantenha constante em determinado local. Sendo o nicho o hipervolume formado pelo conjunto de intervalos desses eixos, a Fig 1 mostra o exemplo do nicho de uma espécies, nesse caso o nicho não é um hipervolume, e sim uma área pois há dois eixos ambientais. Dentro da definição de Hutchinson as espécies possuem dois nichos: o primeiro é o nicho fundamental que é a porção do nicho que uma população consegue se manter na ausência de competidores; o segundo é o nicho realizado, que representa uma porção do nicho que não se sobrepõem ao de outras espécies (Hutchinson, 1957; Schoener, 2009). | A evolução do conceito de nicho passou por várias discussões ao longo do último século, Joseph Grinnell foi um dos primeiro a utilizá-lo, no sentido de buscar descrever o “papel” de determinadas espécies no meio, fazendo uma descrição de suas adaptações físicas e comportamentais, e propondo que o nicho é o lugar que a espécie ocupa no ambiente (Grinnell, 1917; Chase & Leibold, 2003). Outra discussão que Grinnell trouxe em suas obras é a possibilidade de haver um nicho vago, ou seja, a ausência de uma espécie que teria plenas condições de sobreviver em um determinado local. Em 1927 Elton trouxe outra abordagem no conceito de nicho, focando no efeito da espécie no ambiente e na cadeia alimentar, enquanto Grinnell propunha o efeito do ambiente nas espécies (Chase & Leibold, 2003). A abordagem de Elton foi utilizada por J. E. Hutchinson na sua definição de nicho, na qual afirma que as espécies possuem um intervalo de valores no eixo de cada variável ambiental (por ex.: temperatura, umidade, insolação), que permite que ela cresça ou se mantenha constante em determinado local. Sendo o nicho o hipervolume formado pelo conjunto de intervalos desses eixos, a Fig 1 mostra o exemplo do nicho de uma espécies, nesse caso o nicho não é um hipervolume, e sim uma área pois há dois eixos ambientais. Dentro da definição de Hutchinson as espécies possuem dois nichos: o primeiro é o nicho fundamental que é a porção do nicho que uma população consegue se manter na ausência de competidores; o segundo é o nicho realizado, que representa uma porção do nicho que não se sobrepõem ao de outras espécies (Hutchinson, 1957; Schoener, 2009). |
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=====Mr. Vellend, onde se encaixa o efeito antropogênico no seu framework?===== | ====Mr. Vellend, onde se encaixa o efeito antropogênico no seu framework?==== |
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===Camila A. Islas=== | ===Camila A. Islas=== |
Wiens J.J. 2011. The niche, biogeography and species interactions. Phil. Trans. R. Soc. B 366: 2336-2350. | Wiens J.J. 2011. The niche, biogeography and species interactions. Phil. Trans. R. Soc. B 366: 2336-2350. |
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==== Equilíbrio e não-equilíbrio na ecologia e nas ciências sociais : dos paralelos históricos e epistemológicos às novas abordagens ==== | ==== Equilíbrio e não-equilíbrio na ecologia e nas ciências sociais : dos paralelos históricos e epistemológicos a novas abordagens ==== |
=== Ramiro Campelo Araújo Ribeiro === | === Ramiro Campelo Araújo Ribeiro === |
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A ideia de equilíbrio e não-equilíbrio permeia, essencialmente, toda a história do pensamento ecológico e evolutivo. Em razão dessa enorme abrangência, ficam evidentes as ambiguidades em seu emprego e certas dificuldades na delimitação de uma definição precisa, que compreenda as várias formas tomadas ao longo de sua ampla recorrência histórica. Contudo, independente das conotações historicamente específicas, em sua essência a noção de equilíbrio implica em constância no tempo; um sistema em estado de equilíbrio, portanto, responde a uma perturbação retornando ao estado inicial [1] . Essas concepções estão presentes nas bases filosóficas de diversas perspectivas e abordagens dessas ciências, fazendo parte de hipóteses formativas primordiais, figurando como pano de fundo de debates cruciais à transições de paradigmas, assim como no cerne de novos programas de pesquisa. A presença dessas premissas em muitos aspectos retóricos e teórico-metodológicos torna a análise desse conceito de grande relevância epistemológica e prática. As transformações paradigmáticas relacionadas com a permanência dessas ideias no centro dos debates em ecologia dizem respeito a importantes eventos de sua história, mas essas mudanças de ênfase - do equilíbrio estático, ao equilíbrio dinâmico e não-equilíbrio - nas abordagens refletem processos muito mais amplos do desenvolvimento da tradição intelectual ocidental, e evidenciam o fato de que seus antecedentes são tão antigos quanto a mesma. | A ideia de equilíbrio e não-equilíbrio permeia, essencialmente, toda a história do pensamento ecológico e evolutivo. Em razão dessa enorme abrangência, ficam evidentes as ambiguidades em seu emprego e certas dificuldades na delimitação de uma definição precisa, que compreenda as várias formas tomadas ao longo de sua ampla recorrência. Contudo, independente das conotações historicamente específicas, em sua essência a noção de equilíbrio implica em constância no tempo; um sistema em estado de equilíbrio, portanto, responde a uma perturbação retornando ao estado inicial [1]. Essas concepções estão presentes nas bases filosóficas de diversas perspectivas e abordagens dessas ciências, fazendo parte de hipóteses formativas primordiais, figurando como pano de fundo de debates cruciais à transições de paradigmas, assim como no cerne de novos programas de pesquisa. A presença dessas premissas em muitos aspectos retóricos e teórico-metodológicos torna a análise desse conceito de grande relevância epistemológica e prática. As transformações paradigmáticas relacionadas com a permanência dessas ideias no centro dos debates em ecologia dizem respeito a importantes eventos de sua história, mas essas mudanças de ênfase - do equilíbrio estático, ao equilíbrio dinâmico e não-equilíbrio - nas abordagens refletem processos muito mais amplos do desenvolvimento da tradição intelectual ocidental, e evidenciam o fato de que seus antecedentes são tão antigos quanto a mesma. |
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A pervasividade dessas concepções na ecologia é notável, seja na forma de premissas intimamente articuladas aos modelos e teorias, seja na forma de corolários, ou como uma noção presente de forma mais difusa e menos formal nas perspectivas adotadas [2, 3]. Do nível menos inclusivo, autoecológico, da ecofisiologia de indivíduos - na forma de modelos de equilíbrio termodinâmico e ontogenético - ao nível mais inclusivo, macroecológico, das dinâmicas de comunidades e ecossistemas, diversos programas de pesquisa atuais incorporam os debates acerca dos conceitos de equilíbrio e não-equilíbrio. No gradiente de abordagens entre esses extremos, o conceito repercute nos modelos de ecologia de populações, na ideia da estabilidade numérica do equilíbrio demográfico, regulando tamanhos populacionais; no contexto das teorias de interações entre organismos, em um grande número de formas, como nos modelos de equilibrio das dinâmicas predador-presa, planta-herbívoro, hospedeiro-parasitóide; no contexto da teoria genética de microevolução, no equilíbrio de Hardy-Weinberg, manifestando-se nos polifmorfismos balanceados; no âmbito macroevolutivo, na dinâmica dos processos biogeográficos históricos. A princípio seriamos inclinados a pensar que a introdução dessas noções deve-se à influência matemática durante o período formativo da ecologia moderna, sobretudo no programa de pesquisa da ecologia de populações, quando o sentido metafórico de ‘balanço’ foi fundido ao equilíbrio matemático, dando início ao debate de denso-dependência vs. denso-independência [4]. Contudo, a metáfora do balanço não é meramente uma versão pré-teórica do equilíbrio matemático [4, 5] e essa discussão exemplifica o papel das metáforas para o desenvolvimento de teorias científicas [4,5,6,7]. De fato, o ‘’balanço’’ ou a ‘’economia da natureza’’ sintetiza a visão paradigmática de natureza como força benéfica, evocando uma ideia metafísica de estabilidade determinística, ordenação e previsibilidade [4], e isso influenciou tanto o desenvolvimento quanto práticas atuais em ecologia e a dimensão política de seu discurso. | A pervasividade dessas concepções na ecologia é notável, seja na forma de premissas intimamente articuladas aos modelos e teorias, seja na forma de corolários, ou como uma noção presente de forma mais difusa e menos formal nas perspectivas adotadas [2, 3]. Do nível menos inclusivo, autoecológico, da ecofisiologia de indivíduos - na forma de modelos de equilíbrio termodinâmico e ontogenético - ao nível mais inclusivo, macroecológico, das dinâmicas de comunidades e ecossistemas, diversos programas de pesquisa atuais incorporam os debates acerca dos conceitos de equilíbrio e não-equilíbrio. No gradiente de abordagens entre esses extremos, o conceito repercute nos modelos de ecologia de populações, na ideia da estabilidade numérica do equilíbrio demográfico, regulando tamanhos populacionais; no contexto das teorias de interações entre organismos, em um grande número de formas, como nos modelos de equilíbrio das dinâmicas predador-presa, planta-herbívoro, hospedeiro-parasitóide; no contexto da teoria genética de microevolução, no equilíbrio de Hardy-Weinberg, manifestando-se nos polimorfismos balanceados; no âmbito macroevolutivo, na dinâmica dos processos biogeográficos históricos. |
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Equilíbrio e não equilíbrio são algumas das contrapartes modernas dessa noção metafórica de ‘’balanço da natureza’’ da antiguidade clássica, elemento fundamental dos mais importantes tratados filosóficos sobre as relações sociedade-ambiente da filosofia e história natural grega. Nas obras de Hipócrates, Tucícides, Aristóteles e Plínio, noções de equilíbrio determinístico estão atreladas às proposições sobre relações entre diferenças ambientais e culturais, clima e desenvolvimento político, produtividade da terra e instabilidades na organização social [8] . Assim, a premissa do balanço chegou à ecologia moderna por meio de suas raízes na história natural [3,6] e resultou em uma série de tensões intelectuais. No século XVIII, a ideia de equilíbrio aparece na obra de Gilbert White (1720 - 1793) como um dos elementos fundamentais de sua ecologia árcade [9]. Na '' História Natural de Selborne'' o equilíbrio entre homem e natureza incorpora os ideias idílicos que seriam contrapostos pela tradição antiarcadista [9] . Essa oposição toma uma forma um tanto ambivalente na obra de Lineu, e sua tentativa de reconcilição entre o ideal de ''amor pela natureza'' e a busca pelas ambições humanas por meio do racionalismo científico e crenças religiosas. Em seu influente tratado teológico '' The Oeconomy of Nature'', um marco dos primórdios do pensamento ecológico, as interações geo-biológicas são representadas por meio de um retrato estático,como se todo movimento tomasse lugar em uma esfera confinada [9]. Assim como nos naturalistas gregos da antiguidade clássica, a ideia de equilíbrio é preponderante: há apenas um tipo de mudança na ordem natural, que são os padrões cíclicos que tornam a voltar ao seu ponto de partida. Na obra de Lineu, esse modelo é tido como um paradigma a partir do qual todos fenômenos ambientais tomam forma [9]. Na primeira metade do século XIX, essa noção toma um novo lugar na ''ecologia romântica'' de Henry Thoreau (1817-1862) . A visão de natureza como um sistema de relações obrigatórias que não podem ser perturbadas sem destruir o '' equilibrio do todo'' e o ''perpétuo balanço'' é herdada em parte do legado árcade de Gilbert White [9]. Em meados do século XIX, a ecologia Darwiniana marcou uma transição ideológica da ‘’ecologia romântica’’ para os ideias Victorianos da '' dominação da natureza''. A ideia de equilibrio está contida como parte da influência Malthusiana na história natural desse século, e marca a primeira reação materialista ao essencialismo metafísico das filosofias gregas, no que Simberloff (1982)[10] chama de a revolução materialista e probabilística. No século XX, contudo, as ideias de interdependência e holismo alcançariam novamente proeminência . A hipótese de que comunidades ecológicas tendem ao equilíbrio foi uma das hipóteses iniciais definidoras da ecologia [2], estando presente tanto nos primeiros modelos de ampla aceitação como nos debates polarizadores formativos iniciais.A metafísica grega reaparece como uma base filosófica do paradigma de ‘’superorganismo’’ e de ‘’sucessão determinística’’ de Clements [11,12] , altamente influente na escola americana de ecologia vegetal que, embora contrapostos por Gleason, foi uma das ideias mais impactantes para a ecologia na primeira metade do século XX. [9,6,13] | A princípio seriamos inclinados a pensar que a introdução dessas noções deve-se à influência matemática durante o período formativo da ecologia moderna, sobretudo no programa de pesquisa da ecologia de populações, quando o sentido metafórico de equilíbrio foi fundido ao equilíbrio matemático, dando assim início aos debates acerca das questões de denso-dependência vs. denso-independência [4]. Contudo, a metáfora de equilíbrio não é meramente uma versão pré-teórica do equilíbrio matemático [4, 5] e essa discussão exemplifica o papel das metáforas no desenvolvimento de teorias científicas [4-7]. De fato, o ‘’equilíbrio’’ ou a ‘’economia da natureza’’ sintetiza a visão paradigmática de natureza como força benévola, evocando uma ideia metafísica de estabilidade determinística, ordenação e previsibilidade [4], e essas noções influenciaram tanto o desenvolvimento da ecologia como ciência quanto suas práticas atuais e a dimensão política de seu discurso. |
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Aspectos históricos das ideias correntes em ecologia revelam uma associação muito íntima com a ‘’paisagem intelectual’’ do pensamento ocidental e, dessa maneira, o dito ‘’pensamento ecológico’’ não diz respeito apenas ao âmbito disciplinar da área, incluindo importante conexões literárias, econômicas e filosóficas indosociáveis dos valores de época e de grande importância nos momentos formativos da ecologia moderna [9]. Essas marcantes transições de referenciais intelectuais, vistas nesse contexto mais amplo do desenvolvimento do pensamento ocidental, também revelam significantes transições na história das ciências sociais. Observar os paralelos entre essas transformações paradigmáticas é interessante não só para visualizar a evolução das ideias como também para evidenciar os empréstimos interdisciplinares ocorridos na gênese dessas áreas. Assim como o Darwinismo exerceu um profundo impacto nas ciências sociais, houve muitas importantes interações entre sociólogos e ecólogos do começo do século XX [2,9], visualizadas sobretudo na obra de Clements, que é particularmente instrutiva para exemplificar essas relações interdisciplinares. Nas suas influentes hipóteses, as teorias de organização de comunidades ecológicas é fortemente orientada por sociólogos do século XIX, como Henri Saint-Simon (1760-1825) e Auguste Comte (1798-1857), e, principalmente, pela filosofia evolucionista de Herbert Spencer (1820 - 1903). Assimilando as analogias orgânicas entre organização de sociedades humanas e o desenvolvimento de organismos [20], Clements iguala a ontogenia do organismo com sua ideia de sucessão; concepções Spencerianas de progressismo e equilíbrio em movimento são incorporadas tanto como fundamentos filosóficos quanto no arcabouço de termos e conceitos, e essa visão ainda repercutiria no desenvolvimento inicial da Ecologia humana. [2] e da antropologia social de Gluckman (1968) [14]. Do início dos anos 1960, com a hipótese de equilíbrio da teoria de biogeografia de ilhas de MacArthur e Wilson [15] ao final dos anos 1970, o pensamento ecológico finalmente passa por uma transição chave, e gradualmente a ênfase nos modelos matemáticos clássicos é abandonada e substituida pela ênfase no não-equilíbrio e indeterminação, com importantes consequências para a ecologia de comunidades, e as formulações sobre sua persistência e organização [3]. | Na ecologia, equilíbrio e não-equilíbrio são algumas das contrapartes modernas dessa noção metafórica de ‘’equilíbrio da natureza’’ proveniente da antiguidade clássica. Elemento fundamental dos mais importantes tratados filosóficos sobre as relações sociedade-ambiente da filosofia e história natural grega, nas obras de Hipócrates, Tucídides, Aristóteles e Plínio, noções de equilíbrio determinístico estão atreladas às proposições sobre relações entre diferenças ambientais e culturais, como clima e desenvolvimento político, produtividade da terra e estabilidade na organização social [8]. Assim, a premissa do equilíbrio chegou à ecologia moderna por meio de suas raízes na história natural [3,6] e resultou em uma série de tensões intelectuais ao longo do tempo. |
Nenhuma outra ciência social foi tão influenciada pela ecologia quanto a antropologia, e a transição entre perspectivas de equilíbrio para não-equilíbrio teve importantes paralelos no desenvolvimento da antropologia ecológica. Do período formativo às vertentes atuais, a maneira com que o ambiente é tido como um produto histórico e cultural das interações humano-natureza passa a ser gradualmente enfatizada, e a relação dicotômica entre cultura e natureza abandonada, substituida por essa visão de ambiente como um produto contingencial [16, 8]. Clássicos desse período inicial, como ‘’ Os Nuer’’ de Evans-Pritchard (1940) [17], retratavam as sociedades estudadas evocando representações de estados ahistóricos de equilíbrio social. Nesses estágios iniciais, as teorias neo-evolucionistas da Ecologia Cultural de Julian Steward (1955) e Marvin Harris (1966) [19] enxergavam mudança social como adaptações unilineares ao ambiente, tido como estático e determinístico [8,16]. As sociedades estudadas eram descritas de forma essencialmente apolítica, e tidas como harmônicas e estáticas. Essa visão ainda perduraria até os anos 60 e 70 por meio da adoção da abordagem ecossistêmica no funcionalismo ecológico de Rappaport (1967) [21], que ressaltava homeostasis e equilíbrio dinâmico, evocando entidades cibernéticas para explicar a capacidade auto-regulatória da cultura nos sistemas estudados. A noção de sistemas socionaturais [22] substitui o conceito de ecossistema - que implica em homeostasis, equilibrio e delimitação - em favor de uma perspectiva que combina a tomada de decisão individual com os reflexos ambientais de forças sociais. Como uma reação ao determinismo ambiental, o programa da Ecologia Histórica passa a operar a partir de um entendimento dialético das relações entre populações humanas e o ambiente [23,24,25] . Embora tenha marcado uma grande transição entre abordagens sincrônicas e diacrônicas, assim como no discurso da ecologia da conservação, a antropologia ecológica viu, nos trabalhos em etnoecologia de Darrel Posey[26] , uma semelhante ênfase na noção de equilíbrio na advogação política do ativismo indígena. | |
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O final dos anos 1970 é o período mais representativo dessa grande mudança epistemológica, e o trabalho de May (1976)[27] pode ser visto como um marco por incorporar a crescente influência de ramos da matemática e física da teoria dos sistemas dinâmicos. O avanço no campo das teorias de não-equilíbrio, com as técninas de análises não-linerares [28, 29, 30] dá ao estudo dos sistemas complexos uma posição proemienente em campos interdisciplinares, assim como um grande destaque para os debates entre teoria do caos e anti-caos dos anos 1980. Nesta década, a teoria de sistemas dinâmicos reconfigura o conceito de equilíbrio e não-equilíbrio desdobrando-o nos conceitos de estabilidade e instabilidade [33] e constituindo o ponto de partida para teorias de estados estáveis alternativos e transições críticas [32]. Nas perspectivas atuais, o impacto desses avanços deu um novo fôlego às análises das dinâmicas complexas envolvendo interações humano-ambiente [31, 32, 30]. Para a antropologia, a teoria dos sistemas complexos revelou uma instigante forma de visualizar propriedades emergentes em sistemas sociais e comportamentais [30], melhor representada pela vertente dos Sistemas Adaptativos Complexos [30]. O impacto dessas revoluções também foi incisivo na economia política que, igualmente, passou a relacionar atores sociais à dinâmicas globais de economias e sociedades no contexto da teoria dos jogos. Às novas formas de abordar sistemas ecológicos e sociais subjaz a transição entre os modelos de causalidade linear, as dinâmicas não-lineares simples e as dinâmicas complexas. Em face da nova ideia de ‘’antropoceno’’, o desenvolvimento dessas novas formas de entender o papel do distúrbio antrópico na estruturação da paisagem e a compreensão de resiliência em sistemas socioecológicos [34] é de grande relevância. | No século XVIII, a ideia de equilíbrio aparece na obra do naturalista britânico Gilbert White (1720 - 1793) como um dos elementos fundamentais de sua ecologia árcade [9]. Na obra ''The Natural History and Antiquities of Selborne'' a ideia de equilíbrio entre homem e natureza incorpora os ideias idílicos que seriam contrapostos pela tradição antiarcadista [9] . Essa oposição toma uma forma um tanto ambivalente na obra de Lineu (1707-1778), e sua tentativa de reconciliação entre o ideal de ''amor pela natureza'' e a busca pelas ambições humanas por meio do racionalismo científico e crenças religiosas. Em seu influente tratado teológico '' The Oeconomy of Nature'', um marco dos primórdios do pensamento ecológico, as interações geo-biológicas são representadas por meio de um retrato estático, como se todo movimento tomasse lugar em uma esfera confinada [9]. Assim como para os naturalistas gregos da antiguidade clássica, a ideia de equilíbrio é preponderante: há apenas um tipo de mudança na ordem natural, os padrões cíclicos que tornam a voltar ao seu ponto de partida. Na obra de Lineu, esse modelo é tido como um paradigma a partir do qual todos fenômenos ambientais tomam forma [9]. Na primeira metade do século XIX, essa noção toma um novo lugar na ''ecologia romântica'' de Henry David Thoreau (1817-1862) . A visão de natureza como um sistema de relações obrigatórias que não podem ser perturbadas sem que se destrua o '' equilíbrio perpétuo'' é herdada em parte do legado árcade de Gilbert White [9]. Em meados do século XIX, a ecologia Darwiniana marcou uma transição ideológica da ‘’ecologia romântica’’ para os ideias Victorianos de '' dominação da natureza''. A ideia de equilibrio está contida como parte da influência Malthusiana na história natural desse século, e marca a primeira reação materialista ao essencialismo metafísico das filosofias gregas, no que Simberloff (1982)[10] chama de a revolução materialista e probabilística da ecologia. No século XX, contudo, as ideias de interdependência e holismo alcançariam novamente proeminência . A hipótese de que comunidades ecológicas tendem ao equilíbrio foi uma das hipóteses iniciais definidoras da ecologia [2], estando presente tanto nos primeiros modelos de ampla aceitação como nos polarizadores debates formativos iniciais.A metafísica grega reaparece como uma base filosófica do paradigma de ‘’superorganismo’’ e de ‘’sucessão determinística’’ de Clements [11,12],figura chave altamente influente na escola americana de ecologia vegetal que, embora contrapostos por Gleason, foi uma das ideias mais impactantes na ecologia da primeira metade do século XX [6,9,13]. |
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| Aspectos históricos das ideias correntes em ecologia revelam uma associação muito íntima com a ‘’paisagem intelectual’’ do pensamento ocidental e, dessa maneira, o dito ‘’pensamento ecológico’’ não diz respeito apenas ao âmbito disciplinar da área, incluindo importante conexões literárias, econômicas e filosóficas indosociáveis dos valores de época e de grande importância nos momentos formativos da ecologia moderna [9]. Essas marcantes transições de referenciais intelectuais, vistas nesse contexto mais amplo do desenvolvimento do pensamento ocidental, também revelam significantes transições na história das ciências sociais. Observar os paralelos entre essas transformações paradigmáticas é interessante não só para visualizar a evolução das ideias como também para evidenciar os empréstimos interdisciplinares ocorridos na gênese dessas ciências. Assim como o Darwinismo exerceu um profundo impacto nas ciências sociais, houve muitas importantes interações entre sociólogos e ecólogos do começo do século XX [2,9], visualizadas sobretudo na obra de Clements, que é particularmente instrutiva para exemplificar essas relações interdisciplinares. Nas suas influentes hipóteses, as teorias de organização de comunidades ecológicas é fortemente orientada por sociólogos do século XIX, como Henri Saint-Simon (1760-1825) e Auguste Comte (1798-1857), e, principalmente, pela filosofia evolucionista de Herbert Spencer (1820 - 1903). Assimilando as analogias orgânicas entre organização de sociedades humanas e o desenvolvimento de organismos [20], Clements elabora sua ideia de sucessão como um paralelo a ontogenia do organismo; concepções Spencerianas de progressismo e equilíbrio em movimento são incorporadas tanto como fundamentos filosóficos quanto no arcabouço de termos e conceitos, e essa visão ainda repercutiria no desenvolvimento inicial da Ecologia humana [2] e da antropologia social de Gluckman (1968) [14]. |
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| Do início dos anos 1960, com a hipótese de equilíbrio da teoria de biogeografia de ilhas de MacArthur e Wilson [15] ao final dos anos 1970, o pensamento ecológico finalmente passa por uma transição chave, e gradualmente a ênfase nos modelos matemáticos clássicos é abandonada e substituida pela ênfase no não-equilíbrio e indeterminação, com importantes consequências para a ecologia de comunidades, e as formulações sobre sua persistência e organização [3]. |
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| Nenhuma outra ciência social foi tão influenciada pela ecologia quanto a antropologia, e a transição entre perspectivas de equilíbrio para não-equilíbrio teve importantes paralelos no desenvolvimento da antropologia ecológica. Do período formativo às vertentes atuais, a maneira com que o ambiente é tido como um produto histórico e cultural de interações humano-natureza passa a ser gradualmente enfatizada, e a relação dicotômica entre cultura e natureza abandonada, substituída por uma visão de ambiente como um produto contingencial [16, 8]. Clássicos desse período inicial, como ‘’ Os Nuer’’ de Evans-Pritchard (1940) [17], retratam as sociedades estudadas evocando representações de estados ahistóricos de equilíbrio social. Nesses estágios iniciais, as teorias neo-evolucionistas da Ecologia Cultural de Julian Steward (1955)[18] e Marvin Harris (1966) [19] enxergavam mudança social como adaptações unilineares ao ambiente, tido como estático e determinístico [8,16]. As sociedades estudadas eram descritas de forma essencialmente apolítica, e consideradas como harmoniosas e estáticas. Essa visão ainda persistiria até os anos 60 e 70 por meio da adoção da abordagem ecossistêmica no funcionalismo ecológico de Rappaport (1967) [21], que ressaltava homeostase e equilíbrio dinâmico, evocando entidades cibernéticas para explicar a capacidade auto-regulatória da cultura nos sistemas estudados. A noção de sistemas socionaturais [22] substitui o conceito de ecossistema - que implica em homeostase, equilíbrio e delimitação - em favor de uma perspectiva que combina a tomada de decisão individual com os reflexos ambientais de forças sociais. Como uma reação ao determinismo ambiental, o programa da Ecologia Histórica passa a operar a partir de um entendimento dialético das relações entre populações humanas e o ambiente [23-25] . Embora tenha marcado uma grande transição entre abordagens sincrônicas e diacrônicas, assim como no discurso da ecologia da conservação, a antropologia ecológica viu, nos trabalhos em etnoecologia de Darrell Posey[26] , uma semelhante ênfase na noção de equilíbrio na militância política do ativismo indígena. |
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| O final dos anos 1970 é o período mais representativo dessa grande mudança epistemológica, e o trabalho de May (1976)[27] pode ser visto como um marco por incorporar a crescente influência de ramos da matemática e física da teoria dos sistemas dinâmicos. O avanço no campo das teorias de não-equilíbrio, com as técnicas de análises não-lineares [28-30] dá ao estudo dos sistemas complexos uma posição proeminente em campos interdisciplinares, assim como um grande destaque para os debates entre teoria do caos e anti-caos dos anos 1980. Nesta década, a teoria de sistemas dinâmicos reconfigura o conceito de equilíbrio e não-equilíbrio desdobrando-o nos conceitos de estabilidade e instabilidade [33] e constituindo o ponto de partida para teorias de estados estáveis alternativos e transições críticas [32]. Nas perspectivas atuais, o impacto desses avanços deu um novo fôlego às análises das dinâmicas complexas envolvendo interações humano-ambiente [31, 32, 30]. Para a antropologia, a teoria dos sistemas complexos revelou uma instigante forma de visualizar propriedades emergentes em sistemas sociais e comportamentais [30], melhor representada pela vertente dos Sistemas Adaptativos Complexos [30]. O impacto dessas revoluções também foi incisivo na economia política que, igualmente, passou a relacionar atores sociais à dinâmicas globais de economias e sociedades no contexto da teoria dos jogos. |
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| Às novas formas de abordar sistemas ecológicos e sociais subjaz a transição entre os modelos de causalidade linear, as dinâmicas não-lineares simples e as dinâmicas complexas. Em face da nova ideia de ‘’antropoceno’’, o desenvolvimento dessas novas formas de entender o papel do distúrbio antrópico na estruturação da paisagem e a compreensão de resiliência em sistemas socioecológicos [34] é de grande relevância. |
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34. Berkes, F., Colding, J., & Folke, C. (Eds.). (2008). Navigating social-ecological systems: building resilience for complexity and change. Cambridge University Press | 34. Berkes, F., Colding, J., & Folke, C. (Eds.). (2008). Navigating social-ecological systems: building resilience for complexity and change. Cambridge University Press |
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Dentro de Ecologia de Comunidades, a coexistência pode ser abordada de duas formas diferentes. Uma delas, identificada como coexistência instável, se refere à manutenção temporal da diversidade (riqueza e abundância relativa), ainda que a composição da comunidade se altere [1]. A segunda, chamada de coexistência estável, se refere à persistência de um conjunto específico de espécies em determinada área [2] e é caracterizada pela presença de feedbacks denso-dependentes negativos, em que a densidade das espécies tende a aumentar em níveis baixos e a reduzir em níveis altos [1]. Os mecanismos que geram estes feedbacks denso-dependentes devem aumentar os efeitos negativos intraespecíficos em relação aos interespecíficos, permitindo que cada espécie atue limitando mais a si própria do que a outras e então se perpetue no sistema sem excluir as demais [1]. Esses mecanismos, chamados de estabilizadores, compensam as diferenças de fitness entre as espécies, possibilitando que espécies com menor habilidade competitiva coexistam com melhores competidoras [3]. Os mecanismos estabilizadores incluem partição de recursos, predação dependente de frequência e outros componentes que diferenciam o nicho das espécies, por isso são comumente chamados de “diferenças de nicho” [4]. Outro tipo de mecanismo que facilita a coexistência são aqueles que atuam diretamente reduzindo as diferenças de fitness entre as espécies, chamados de equalizadores [1]. Esses mecanismos reduzem a intensidade de mecanismos estabilizadores necessária para promover a coexistência estável. Dessa forma, diz-se que a coexistência é regulada por um balanço entre desigualdade de fitness e diferenças de nicho [4], o que significa que a coexistência é possibilitada quando os efeitos estabilizadores das diferenças de nicho superam as diferenças na habilidade competitiva entre as espécies [3]. | Dentro de Ecologia de Comunidades, a coexistência pode ser abordada de duas formas diferentes. Uma delas, identificada como coexistência instável, se refere à manutenção temporal da diversidade (riqueza e abundância relativa), ainda que a composição da comunidade se altere [1]. A segunda, chamada de coexistência estável, se refere à persistência de um conjunto específico de espécies em determinada área [2] e é caracterizada pela presença de feedbacks denso-dependentes negativos, em que a densidade das espécies tende a aumentar em níveis baixos e a reduzir em níveis altos [1]. Os mecanismos que geram estes feedbacks denso-dependentes devem aumentar os efeitos negativos intraespecíficos em relação aos interespecíficos, permitindo que cada espécie atue limitando mais a si própria do que a outras e então se perpetue no sistema sem excluir as demais [1]. Esses mecanismos, chamados de estabilizadores, compensam as diferenças de fitness entre as espécies, possibilitando que espécies com menor habilidade competitiva coexistam com melhores competidoras [3]. Os mecanismos estabilizadores incluem partição de recursos, predação dependente de frequência e outros componentes que diferenciam o nicho das espécies, por isso são comumente chamados de “diferenças de nicho” [4]. Outro tipo de mecanismo que facilita a coexistência são aqueles que atuam diretamente reduzindo as diferenças de fitness entre as espécies, chamados de equalizadores [1]. Esses mecanismos reduzem a intensidade de mecanismos estabilizadores necessária para promover a coexistência estável. Dessa forma, diz-se que a coexistência é regulada por um balanço entre desigualdade de fitness e diferenças de nicho [4], o que significa que a coexistência é possibilitada quando os efeitos estabilizadores das diferenças de nicho superam as diferenças na habilidade competitiva entre as espécies [3]. |
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{{:ensaios:fig1_luisa.png?400 |Figura 1}} | {{:ensaios:fig1_luisa.png?400 |Figura 1. Segundo a Teoria Moderna da Coexistência [1], a coexistência é possível quando as diferenças de nicho (mecanismos estabilizadores) contrabalanceam ou superam as diferenças na capacidade competitiva (diferenças de fitness) entre as espécies (retirada de [9]).}} |
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O conceito de coexistência desenvolvido acima constitui o componente central da Teoria Moderna da Coexistência [1, 4], que propõe um framework único para abarcar diferentes teorias que tentam explicar a coexistência de espécies. A definição e distinção matemática de mecanismos equalizadores e estabilizadores proposta é exaustiva, possibilitando que os modelos já desenvolvidos sejam interpretados sob esta nova ótica [1]. Em outras palavras, a Teoria Moderna da Coexistência traduz situações descritas por diferentes modelos para o contínuo de possibilidades de coexistência delimitado pelo equilíbrio entre diferença de fitness e diferença de nicho (Figura 1). Ao relacionar diferenças de fitness pequenas ou nulas a uma condição neutra e mecanismos estabilizadores a diferenças de nicho, desconstrói-se a dicotomia entre a Teoria de Nicho e a Teoria Neutra, tratando-as como descritoras de diferentes cenários do mesmo contínuo. Assim, comunidades estruturadas predominantemente por processos neutros seriam aquelas em que as espécies apresentam fitness equivalentes e há pouca ou nenhuma atuação de mecanismos estabilizadores, enquanto comunidades estruturadas principalmente por processos de nicho seriam aquelas em que as espécies apresentam fitness diferentes que são contrabalanceados por fortes mecanismos estabilizadores [4]. A síntese da teoria neutra com a teoria de nicho clássica oferecida pela Teoria Moderna da Coexistência permite formularmos a pergunta: em que medida a diversidade que observamos nas comunidades naturais resultam de mecanismos de estabilização fortes (nichos) superando grandes diferenças de fitness contra estabilização fraca operando em espécies de fitness semelhante (neutralidade) [4]? | O conceito de coexistência desenvolvido acima constitui o componente central da Teoria Moderna da Coexistência [1, 4], que propõe um framework único para abarcar diferentes teorias que tentam explicar a coexistência de espécies. A definição e distinção matemática de mecanismos equalizadores e estabilizadores proposta é exaustiva, possibilitando que os modelos já desenvolvidos sejam interpretados sob esta nova ótica [1]. Em outras palavras, a Teoria Moderna da Coexistência traduz situações descritas por diferentes modelos para o contínuo de possibilidades de coexistência delimitado pelo equilíbrio entre diferença de fitness e diferença de nicho (Figura 1, legenda sobre a imagem). Ao relacionar diferenças de fitness pequenas ou nulas a uma condição neutra e mecanismos estabilizadores a diferenças de nicho, desconstrói-se a dicotomia entre a Teoria de Nicho e a Teoria Neutra, tratando-as como descritoras de diferentes cenários do mesmo contínuo. Assim, comunidades estruturadas predominantemente por processos neutros seriam aquelas em que as espécies apresentam fitness equivalentes e há pouca ou nenhuma atuação de mecanismos estabilizadores, enquanto comunidades estruturadas principalmente por processos de nicho seriam aquelas em que as espécies apresentam fitness diferentes que são contrabalanceados por fortes mecanismos estabilizadores [4]. A síntese da teoria neutra com a teoria de nicho clássica oferecida pela Teoria Moderna da Coexistência permite formularmos a pergunta: em que medida a diversidade que observamos nas comunidades naturais resultam de mecanismos de estabilização fortes (nichos) superando grandes diferenças de fitness contra estabilização fraca operando em espécies de fitness semelhante (neutralidade) [4]? |
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A resposta a essa pergunta pode ser obtida por meio da parametrização experimental ou observacional de modelos teóricos que permitem quantificar os mecanismos estabilizadores e as diferenças de fitness, método que também foi desenvolvido por expoentes da Teoria Moderna da Coexistência [3, 4, 5]. Considerando que mecanismos estabilizadores fazem com que efeitos intraespecíficos sejam mais negativos do que efeitos interespecíficos, um teste simples da presença de mecanismos estabilizadores é comparar efeitos intra e interespecíficos em taxas vitais como germinação, crescimento e sobrevivência de espécies que coocorrem [3, 4, 5]. Para isso, pode-se medir a relação entre as taxas vitais de cada espécie e sua frequência relativa na comunidade, que deve ser negativa quando mecanismos estabilizadores estão operando. Já para quantificar as diferenças de fitness - inequalidades nas capacidades competitivas persistentes na ausência de qualquer mecanismo estabilizador - pode-se utilizar como proxy a taxa de crescimento da população de cada espécie quando os efeitos intraespecíficos e interespecíficos são equivalentes [3, 4, 5]. Para isso, é necessário parametrizar modelos teóricos que calculam a taxa de crescimento das populações com as taxas vitais medidas empiricamente e ajustar os parâmetros correspondentes aos efeitos intraespecíficos para que sejam equivalentes aos parâmetros correspondentes aos efeitos interespecíficos. Por fim, pode-se quantificar a importância dos mecanismos estabilizadores na manutenção da coexistência ao comparar, por meio de experimentos ou simulações, o número e a taxa de exclusões competitivas que ocorrem na presença e na ausência dos mecanismos estabilizadores [3, 4, 5]. Neste contexto, é possível perceber que a maneira como a Teoria Moderna da Coexistência foi modelada estimula a integração entre teoria, observação e experimentação, o que lhe confere coerência [6] e possibilita a geração de hipóteses sólidas que direcionam os pesquisadores à fronteira do conhecimento [7]. | A resposta a essa pergunta pode ser obtida por meio da parametrização experimental ou observacional de modelos teóricos que permitem quantificar os mecanismos estabilizadores e as diferenças de fitness, método que também foi desenvolvido por expoentes da Teoria Moderna da Coexistência [3, 4, 5]. Considerando que mecanismos estabilizadores fazem com que efeitos intraespecíficos sejam mais negativos do que efeitos interespecíficos, um teste simples da presença de mecanismos estabilizadores é comparar efeitos intra e interespecíficos em taxas vitais como germinação, crescimento e sobrevivência de espécies que coocorrem [3, 4, 5]. Para isso, pode-se medir a relação entre as taxas vitais de cada espécie e sua frequência relativa na comunidade, que deve ser negativa quando mecanismos estabilizadores estão operando. Já para quantificar as diferenças de fitness - inequalidades nas capacidades competitivas persistentes na ausência de qualquer mecanismo estabilizador - pode-se utilizar como proxy a taxa de crescimento da população de cada espécie quando os efeitos intraespecíficos e interespecíficos são equivalentes [3, 4, 5]. Para isso, é necessário parametrizar modelos teóricos que calculam a taxa de crescimento das populações com as taxas vitais medidas empiricamente e ajustar os parâmetros correspondentes aos efeitos intraespecíficos para que sejam equivalentes aos parâmetros correspondentes aos efeitos interespecíficos. Por fim, pode-se quantificar a importância dos mecanismos estabilizadores na manutenção da coexistência ao comparar, por meio de experimentos ou simulações, o número e a taxa de exclusões competitivas que ocorrem na presença e na ausência dos mecanismos estabilizadores [3, 4, 5]. Neste contexto, é possível perceber que a maneira como a Teoria Moderna da Coexistência foi modelada estimula a integração entre teoria, observação e experimentação, o que lhe confere coerência [6] e possibilita a geração de hipóteses sólidas que direcionam os pesquisadores à fronteira do conhecimento [7]. |
Ao permitir a formulação de hipóteses testáveis e predições quantificáveis acerca da coexistência de espécies, a Teoria Moderna da Coexistência confrontou diversas hipóteses verbais ou intuitivas bastante difundidas dentro de Ecologia de Comunidades até então. Um pressuposto chave para isso foi a constatação de que as diferenças entre as espécies podem apresentar naturezas e efeitos distintos (aquelas relacionadas ao fitness, que dificultam a coexistência, e relacionadas ao nicho, que promovem a coexistência) [8]. Uma das predições confrontada bastante difundida é a de que comunidades estruturadas por competição seriam filogeneticamente dispersas, já que espécies mais aparentadas competiriam mais intensamente entre si, e comunidades estruturadas por filtragem ambiental seriam filogeneticamente agrupadas, já que espécies mais aparentadas compartilhariam do atributo que lhes permitiria sobreviver em determinado local. Entretanto, considerando que o atributo importante para o sucesso das espécies pode estar relacionado à sua habilidade competitiva e não a seu nicho, espécies distantes filogeneticamente daquelas que apresentam tal atributo teriam menor fitness e seriam excluídas competitivamente, gerando comunidades estruturadas por competição, mas com um padrão de agrupamento filogenético [9, 10]. Assim, com o advento da Teoria Moderna da Coexistência, os estudos que visam inferir os processos que governam a montagem das comunidades com base em sua estrutura filogenética devem ser repensados [8]. A abordagem mecanística da Teoria Moderna da Coexistência integrada ao estudo dos padrões emergentes de dispersão de atributos e de dispersão filogenética, além de confrontar antigas predições, permite que sejam feitas generalizações sobre a importância dos atributos para a coexistência das espécies em diversas comunidades, sustentando predições relacionadas às mudanças na biodiversidade em curso atualmente [11]. O poder de generalização conferido por abordagens mecanísticas já havia sido enfatizado por Werner [6]. | Ao permitir a formulação de hipóteses testáveis e predições quantificáveis acerca da coexistência de espécies, a Teoria Moderna da Coexistência confrontou diversas hipóteses verbais ou intuitivas bastante difundidas dentro de Ecologia de Comunidades até então. Um pressuposto chave para isso foi a constatação de que as diferenças entre as espécies podem apresentar naturezas e efeitos distintos (aquelas relacionadas ao fitness, que dificultam a coexistência, e relacionadas ao nicho, que promovem a coexistência) [8]. Uma das predições confrontada bastante difundida é a de que comunidades estruturadas por competição seriam filogeneticamente dispersas, já que espécies mais aparentadas competiriam mais intensamente entre si, e comunidades estruturadas por filtragem ambiental seriam filogeneticamente agrupadas, já que espécies mais aparentadas compartilhariam do atributo que lhes permitiria sobreviver em determinado local. Entretanto, considerando que o atributo importante para o sucesso das espécies pode estar relacionado à sua habilidade competitiva e não a seu nicho, espécies distantes filogeneticamente daquelas que apresentam tal atributo teriam menor fitness e seriam excluídas competitivamente, gerando comunidades estruturadas por competição, mas com um padrão de agrupamento filogenético [9, 10]. Assim, com o advento da Teoria Moderna da Coexistência, os estudos que visam inferir os processos que governam a montagem das comunidades com base em sua estrutura filogenética devem ser repensados [8]. A abordagem mecanística da Teoria Moderna da Coexistência integrada ao estudo dos padrões emergentes de dispersão de atributos e de dispersão filogenética, além de confrontar antigas predições, permite que sejam feitas generalizações sobre a importância dos atributos para a coexistência das espécies em diversas comunidades, sustentando predições relacionadas às mudanças na biodiversidade em curso atualmente [11]. O poder de generalização conferido por abordagens mecanísticas já havia sido enfatizado por Werner [6]. |
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A Teoria Moderna da Coexistência pode então ser utilizada para pensar diversos processos e fatores pervasivos na natureza como potenciais mecanismos de manutenção da coexistência. O efeito na coexistência de alguns desses fatores, como trade-offs relacionados à estratégia de vida e à ocorrência de distúrbios, está sujeito a constantes reconsiderações [12, 13, 14, 15,16], potencialmente em função da ausência de um framework que identifique e defina com precisão os mecanismos que o regulam. Os trade-offs entre fecundidade e longevidade podem ser pensados como mecanismos que reduzem a diferença potencial de fitness entre espécies com estratégias de vida distintas, identificando-se como mecanismos equalizadores [1, 4]. O trade-off atuaria prevenindo o surgimento evolutivo de “demônios de Darwin” [17], que neste caso seriam espécies com estratégias de vida de longevidade e fecundidade elevadas. Trade-offs equalizadores podem promover a coexistência ao reduzir a força de processos estabilizadores necessária para superar as diferenças de fitness [4]. Já a ocorrência de distúrbios abióticos afeta todas as espécies de forma proporcional, e dessa forma não há promoção da coexistência, uma vez que os fitness de todas as espécies seriam reduzidos sem alterar a diferença entre eles [16]. Entretanto, quando consideramos o trade-off entre longevidade e fecundidade simultaneamente, é possível que a ocorrência de distúrbios atue como um mecanismo equalizador. Isso ocorreria quando as piores competidoras fossem aquelas com maior fecundidade (em detrimento de longevidade) e assim conseguissem ocupar os espaços abertos pelos eventos de distúrbio com seus propágulos. Neste caso, o fitness dessas espécies aumentaria, reduzindo a diferença em relação às melhores competidoras. Dessa forma, o trade-off atuaria como um mecanismo de manutenção de coexistência que seria potencializado pelo distúrbio. | A Teoria Moderna da Coexistência pode então ser utilizada para pensar diversos processos e fatores pervasivos na natureza como potenciais mecanismos de manutenção da coexistência. O efeito na coexistência de alguns desses fatores, como trade-offs relacionados à estratégia de vida e à ocorrência de distúrbios, está sujeito a constantes reconsiderações [12, 13, 14, 15,16], potencialmente em função da ausência de um framework que identifique e defina com precisão os mecanismos que o regulam. Os trade-offs entre fecundidade e longevidade podem ser pensados como mecanismos que reduzem a diferença potencial de fitness entre espécies com estratégias de vida distintas, identificando-se como mecanismos equalizadores [1, 4]. O trade-off atuaria prevenindo o surgimento evolutivo de “demônios de Darwin” [17], que neste caso seriam espécies com estratégias de vida de longevidade e fecundidade elevadas. Trade-offs equalizadores podem promover a coexistência ao reduzir a força de processos estabilizadores necessária para superar as diferenças de fitness [4]. Já a ocorrência de distúrbios abióticos afeta todas as espécies de forma proporcional, e dessa forma não há promoção da coexistência, uma vez que os fitness de todas as espécies seriam reduzidos sem alterar a diferença entre eles [16]. Entretanto, quando consideramos o trade-off entre longevidade e fecundidade simultaneamente, é possível que a ocorrência de distúrbios atue como um mecanismo equalizador. Isso ocorreria quando as piores competidoras fossem aquelas com maior fecundidade (em detrimento de longevidade) e assim conseguissem ocupar os espaços abertos pelos eventos de distúrbio com seus propágulos. Neste caso, o fitness dessas espécies aumentaria, reduzindo a diferença em relação às melhores competidoras. Dessa forma, o trade-off atuaria como um mecanismo de manutenção de coexistência que seria potencializado pelo distúrbio. |
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Os processos que atuam como mecanismos de manutenção da diversidade e da coexistência, seja de forma equalizadora ou estabilizadora, podem ser pensados ainda como mecanismos geradores de diversidade e promotores de coexistência quando ampliamos o recorte de coexistência local e ecológica dado pela Teoria Moderna. Ao tratarmos as espécies como populações que evoluem e não como entidades imutáveis, podemos estudar o efeito de alguns processos na coexistência a longo prazo de diferentes estratégias de vida não pela via ecológica [1] mas pela via evolutiva [18, 19, 20]. A existência de um trade-off entre longevidade e fecundidade, por exemplo, possibilita a evolução de espécies com estratégias distintas, já que estas teriam fitness equivalentes. Na ausência do trade-off, apenas um tipo de estratégia de vida seria favorecido. A adaptação a um tipo específico de estratégia ou a possibilidade do surgimento evolutivo de mais de uma devem ser moduladas por meio da pressão exercida pelo distúrbio. Novamente, o trade-off apresenta um papel essencial para a diversidade e o distúrbio pode potencializá-lo, mas aqui falamos de geração no lugar de manutenção da coexistência. As vias ecológica e evolutiva podem diferir nas escalas temporais e de organização em que atuam e de intensidade do processo pelas quais são influenciadas [18, 20]. Em geral, o efeito de processos em dinâmicas ecológicas apresenta escala temporal menor e se dá na abundância relativa de populações dentro da comunidade, enquanto que o efeito dos mesmos processos em dinâmicas evolutivas apresenta escala temporal maior e se dá na frequência relativa de genótipos ou fenótipos dentro das populações. Ainda, diferentes intensidades dos processos podem influenciar mais as vias ecológicas ou as evolutivas, fazendo com que haja alguns intervalos em que a estrutura e a montagem da comunidade é influenciada mais pela dinâmica evolutiva e outros mais pela dinâmica ecológica (Figura 2). | {{ :ensaios:fig2.png?400|Figura 2. Relação entre o ajuste atributo-ambiente e a dispersão em populações e comunidades e sua consequência na montagem de comunidades. Aqui, a dispersão é usada como exemplo de processo que atua na estrutura da comunidade por duas vias distintas: a evolutiva e a ecológica, que diferem na intensidade do processo em que apresentam maior efeito (retirada de [20]).}} |
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{{:ensaios:fig2.png?400| Figura 2}} | Os processos que atuam como mecanismos de manutenção da diversidade e da coexistência, seja de forma equalizadora ou estabilizadora, podem ser pensados ainda como mecanismos geradores de diversidade e promotores de coexistência quando ampliamos o recorte de coexistência local e ecológica dado pela Teoria Moderna. Ao tratarmos as espécies como populações que evoluem e não como entidades imutáveis, podemos estudar o efeito de alguns processos na coexistência a longo prazo de diferentes estratégias de vida não pela via ecológica [1] mas pela via evolutiva [18, 19, 20]. A existência de um trade-off entre longevidade e fecundidade, por exemplo, possibilita a evolução de espécies com estratégias distintas, já que estas teriam fitness equivalentes. Na ausência do trade-off, apenas um tipo de estratégia de vida seria favorecido. A adaptação a um tipo específico de estratégia ou a possibilidade do surgimento evolutivo de mais de uma devem ser moduladas por meio da pressão exercida pelo distúrbio. Novamente, o trade-off apresenta um papel essencial para a diversidade e o distúrbio pode potencializá-lo, mas aqui falamos de geração no lugar de manutenção da coexistência. As vias ecológica e evolutiva podem diferir nas escalas temporais e de organização em que atuam e de intensidade do processo pelas quais são influenciadas [18, 20]. Em geral, o efeito de processos em dinâmicas ecológicas apresenta escala temporal menor e se dá na abundância relativa de populações dentro da comunidade, enquanto que o efeito dos mesmos processos em dinâmicas evolutivas apresenta escala temporal maior e se dá na frequência relativa de genótipos ou fenótipos dentro das populações. Ainda, diferentes intensidades dos processos podem influenciar mais as vias ecológicas ou as evolutivas, fazendo com que haja alguns intervalos em que a estrutura e a montagem da comunidade é influenciada mais pela dinâmica evolutiva e outros mais pela dinâmica ecológica (Figura 2, legenda sobre a imagem). |
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Ao considerar tanto a dinâmica ecológica quanto a dinâmica evolutiva, é possível perceber as maneiras distintas em que os mesmos processos podem atuar quando tratamos de diversidade e coexistência [18, 20]. A importância de se considerar ambas as dinâmicas é evidenciada quando seus efeitos na diversidade são opostos ou interativos. Quando há sobreposição ainda que parcial das escalas de atuação das dinâmicas ecológica e evolutiva, ocorrem interações que alteram os padrões de diversidade e coexistência previstos sob a análise das dinâmicas em separado [18]. Isso significa dizer que mudanças ecológicas podem gerar mudanças evolutivas, como na emergência de espécies com fitness semelhantes a partir de interações competitivas [21, 22, 23], e mudanças evolutivas podem gerar mudanças ecológicas, como na contingência do sinal das interações bióticas em relação à trajetória evolutiva das espécies [24]. É possível pensar, por exemplo, que a constante adaptação ao cenário seletivo presente leva ao surgimento de espécies com fitness cada vez maiores [25], entre as quais ocorre uma dinâmica ecológica neutra, mas que estabelecem interações não neutras com espécies mais antigas [26]. A Teoria Moderna da Coexistência, se ampliar seu escopo de manutenção para geração de diversidade, pode ajudar a identificar o efeito da relação entre as dinâmicas ecológicas e evolutivas para a coexistência, assim como estudos evolutivos se aprofundarão no entendimento de processos que geram a diversidade ao incluírem o contexto de comunidades dado pela Teoria Moderna. O estreitamento entre Ecologia e Evolução se faz necessário ao constatarmos que os mesmos processos que geram mudanças ecológicas geram também mudanças evolutivas e que há interação entre as dinâmicas [18, 19]. Além disso, essa aproximação é esperada em um contexto em que esses processos que atuam na diversidade das comunidades ganham destaque em relação aos padrões [2]. | Ao considerar tanto a dinâmica ecológica quanto a dinâmica evolutiva, é possível perceber as maneiras distintas em que os mesmos processos podem atuar quando tratamos de diversidade e coexistência [18, 20]. A importância de se considerar ambas as dinâmicas é evidenciada quando seus efeitos na diversidade são opostos ou interativos. Quando há sobreposição ainda que parcial das escalas de atuação das dinâmicas ecológica e evolutiva, ocorrem interações que alteram os padrões de diversidade e coexistência previstos sob a análise das dinâmicas em separado [18]. Isso significa dizer que mudanças ecológicas podem gerar mudanças evolutivas, como na emergência de espécies com fitness semelhantes a partir de interações competitivas [21, 22, 23], e mudanças evolutivas podem gerar mudanças ecológicas, como na contingência do sinal das interações bióticas em relação à trajetória evolutiva das espécies [24]. É possível pensar, por exemplo, que a constante adaptação ao cenário seletivo presente leva ao surgimento de espécies com fitness cada vez maiores [25], entre as quais ocorre uma dinâmica ecológica neutra, mas que estabelecem interações não neutras com espécies mais antigas [26]. A Teoria Moderna da Coexistência, se ampliar seu escopo de manutenção para geração de diversidade, pode ajudar a identificar o efeito da relação entre as dinâmicas ecológicas e evolutivas para a coexistência, assim como estudos evolutivos se aprofundarão no entendimento de processos que geram a diversidade ao incluírem o contexto de comunidades dado pela Teoria Moderna. O estreitamento entre Ecologia e Evolução se faz necessário ao constatarmos que os mesmos processos que geram mudanças ecológicas geram também mudanças evolutivas e que há interação entre as dinâmicas [18, 19]. Além disso, essa aproximação é esperada em um contexto em que esses processos que atuam na diversidade das comunidades ganham destaque em relação aos padrões [2]. |
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[26] Rosindell, J.; Harmon, L.J. & Etienne, R. S. (2015). Unifying ecology and macroevolution with individual-based theory. Ecology letters, 18(5): 472-482. | [26] Rosindell, J.; Harmon, L.J. & Etienne, R. S. (2015). Unifying ecology and macroevolution with individual-based theory. Ecology letters, 18(5): 472-482. |
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| ====Potenciais consequências de impactos não letais de cães domésticos sobre comunidades nativas==== |
| ===Caio Filipe da Motta Lima=== |
| Há tempos é reconhecido que os efeitos de um predador sob a estrutura de uma comunidade podem se estender muito além das populações das espécies que ele consome, podendo afetar indiretamente populações de outros predadores, outras espécies de presas e seus recursos. Tradicionalmente ecólogos tem descrito estes efeitos indiretos como sendo decorrentes quase exclusivamente do impacto dos predadores sobre a densidade de presas. Estes efeitos são classificados como Interações Indiretas Mediadas por Densidade (IIMD) e representam as consequências dos efeitos letais dos predadores. No entanto, a mortalidade direta é apenas uma das muitas formas através das quais os predadores governam a organização da comunidade. As presas podem responder de forma adaptativa para evitar a predação, por exemplo, mudando habitats, taxas de forrageamento, ou até mesmo atributos morfológicos. Estas respostas podem reduzir a predação, mas ao custo de prejudicar, por exemplo, a aquisição de recursos e habilidade competitiva, levando a impactos para população da presa e também à interferências indiretas em outras populações da comunidade dentro da cadeia trófica. Estes tipos de interações indiretas tem sido denominados Interações Indiretas Mediadas por Atributos (IIMA) e representam as consequências dos efeitos não letais dos predadores. Estas interações tem recebido maior atenção dos ecólogos recentemente e se destaca como uma área muito ativa atualmente na ecologia de comunidades. (Holt 2009; Schmitz, et al. 2004). Peacor & Werner (2001) demostraram que os efeitos não letais de um predador podem contribuir substancialmente para os efeitos de teia indiretos através da evidência de que respostas fenotípicas da presa tem um papel muito grande na determinação das consequências das interações entre as espécies. Efeitos não letais ocorrem independentemente dos efeitos letais, portanto as IIMA surgem através de presas potenciais que permanecem no sistema, enquanto as IIMD surgem devido à remoção de presas do sistema. A taxa de forrageamento devido à presença do predador (efeito não letal) é imediata, afeta a população inteira, e ocorre durante todo o tempo de vida de uma população. Portanto, o efeito cumulativo de um predador sobre o tempo de vida de um grupo de presas pode ser muito significante. Já os efeitos letais de redução de densidade ocorrem gradualmente ao longo do tempo e são transmitidos apenas na proporção da remoção dos indivíduos e não na população inteira de presas. |
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| ==Plasticidade Fenotípica== |
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| Pode-se questionar portanto, se muitos dos efeitos indiretos que são tradicionalmente atribuídos à ingestão de presas e consequente redução de suas densidades, podem na realidade ser devido aos predadores induzirem mudanças nos atributos das presas. Mas para elaboração desta hipótese é importante que se compreenda de que forma podem ocorrer estas alterações de atributos. E para isto podemos recorrer ao conceito de plasticidade fenotípica, que pode ser definida como a produção de múltiplos fenótipos a partir de um único genótipo, dependendo das condições ambientais. (Miner, et al. 2005). Estas respostas plásticas incluem mudanças no comportamento, fisiologia, morfologia, crescimento, história de vida e demografia, e podem ser expressadas durante o tempo de vida de um único indivíduo ou através de gerações. Há uma vasta literatura documentando padrões de expressão de plasticidade e interações entre genótipos e o ambiente, testando se as respostas são adaptativas, e modelando como a evolução afeta a plasticidade. No entanto, é muito pouco compreendido o impacto ecológico da plasticidade fenotípica. Como a plasticidade pode alterar uma variedade de interações diretas e indiretas entre os indivíduos e o ambiente que os cerca, pode portanto afetar muitos processos ecológicos, como dinâmicas de populações e comunidades, e aspectos funcionais de comunidades e ecossistemas (Miner, et al. 2005). |
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| Tais respostas plásticas são frequentemente induzidas por pistas ambientais, no entanto, estas podem ficar potencialmente menos confiáveis e afetar negativamente as populações, por exemplo como resultado de efeitos antropogênicos. Quando isso ocorre denomina-se armadilha evolucionária. Embora armadilhas evolucionárias possam surgir sempre que um organismo que é plástico utiliza uma pista que se torna menos confiável, efeitos negativos são propensos a ser maiores quando pistas para plasticidades neutras ou adaptativas são alteradas, pois o que eram respostas benéficas ou neutras passam a ser respostas deletérias. Supondo que muitas espécies tem plasticidades adaptativas em relação a outras espécies, espécies invasoras podem ser uma causa comum e importante de armadilhas evolucionárias (Miner, et al. 2005). |
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| ==Paisagem do Medo== |
| Embora diversos estudos apontem que as IIMA são importantes para modulação da estrutura e dinâmica da comunidade, na natureza é muito difícil distinguir e quantificar os efeitos específicos de IIMA e IIMD. Dentro deste contexto é proposta a hipótese de que fatores como o habitat, o uso do espaço, e as estratégias de caça podem determinar se os efeitos do comportamento anti-predador da presa persiste ou é atenuado no nível da comunidade, ou seja, se IIMA ou IIMD dominam (Figura 1). Diferentes predadores apenas criam diferentes padrões de interação baseados em seu modo de caça e domínio do espaço. Estes diferentes padrões determinam se IIMA ou IIMD aparecem nos níveis de população e comunidade (Schmitz, et al. 2004). Uma concepção promissora neste cenário é olhar para sistemas ecológicos como “paisagens de medo” (landscape of fear). Supondo que é comum a heterogeneidade de habitats e terrenos ao longo da paisagem e que predadores específicos não são adaptados para ser habilidosos em todos os tipos de paisagens, é fácil conceber um sistema onde a letalidade do predador e consequentemente o risco de predação, varia com mudanças espaciais no tipo de habitat ou estrutura. Esta é, portanto, a “paisagem de medo”, uma paisagem tridimensional a qual os picos e vales são definidos pelo nível do risco de predação relacionado com mudanças no habitat quando estas afetam a letalidade do predador (Figura 2). Quantificando a “paisagem de medo” para um sistema predador-presa específico, poderemos realizar predições mais precisas quanto aos resultados da relação predador-presa. (Laundré et al. 2010). |
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| Figura 1 - Natureza hipotética de cascata trófica emergente em casos envolvendo diferentes respostas comportamentais de presas a predadores com diferentes modos de caça e domínios de habitat. S & P, A e S & W representam as seguintes estratégias de caça sentar-e-perseguir, ativo e sentar-e-esperar, respectivamente. Espécies com um domínio de habitat estreito selecionam apenas parte de todo o habitat disponível. Espécies com um domínio habitat amplo utilizam toda a gama de habitat. TMII representa sigla em inglês para Interação Indireta Mediada por Atributo e DMII para Interação Indireta Mediada por Densidade. (Schmitz et al. 2004) |
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| {{:ensaios:figura2.jpg}} |
| Figura 2 - Representação visual da paisagem do medo, onde o eixo X e Y representam as coordenadas físicas de uma área e podem ser em metros ou quilômetros, dependendo da escala. O eixo z é o nível de risco de predação, como medido pelos índices de medo, por exemplo, vigilância, dando-se densidades (Guds), etc. (Laundré et al. 2010). |
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| ==Potenciais efeitos não letais de cães domésticos== |
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| Tendo em vista o panorama apresentado, o objetivo do presente ensaio é propor a utilização de tais conceitos ecológicos como potenciais ferramentas para uma melhor compreensão do impacto de cães domésticos (Canis lúpus familiaris) em comunidades de animais silvestres em áreas rurais. Em países em desenvolvimento, cães mantidos soltos e cães ferais em áreas rurais representam um problema cada dia mais importante, uma vez que as populações humanas estão expandindo as fronteiras em direção de áreas naturais e de produção rural (Vanak & Gompper, 2009; Wittemyer, et al., 2008; Young, et al., 2011). Estudos recentes demonstraram que cães em áreas rurais podem representar ameaça aos animais silvestres, e é amplamente relatado em literatura que estes impactos poderiam se dar através de predação, competição ou como fonte de doenças infecciosas (K. a Alexander & McNutt, 2010; Hughes & Macdonald, 2013; Sepúlveda, et al., 2014; Vanak & Gompper, 2009; Young et al., 2011). No entanto, após a compreensão do potencial das IIMA em modular a estrutura e a dinâmica de comunidades, proponho que este conceito seja aplicado também no estudo das interações dos cães domésticos dentro de comunidades ecológicas. Levando em conta o potencial de plasticidade fenotípica de possíveis presas e competidores de cães domésticos e tendo em vista comportamentos dos cães domésticos como, por exemplo, proteção do território, predação, caça recreativa, e formação de grupos, pode-se imaginar que a presença destes animais em uma comunidade poderia levar a impactos que vão muito além do efeito sobre a densidade de populações específicas através de predação ou transmissão de parasitas. Minha hipótese é de que a introdução destes animais em comunidades ecológicas podem alterar atributos (plasticidade) em diversas populações de animais silvestres, podendo levar à muitas das consequências descritas anteriormente. A introdução destes animais, portanto, poderia criar um novo padrão de “paisagem de medo” dentro da comunidade. Estas adaptações poderiam levar a alterações comportamentais como área e taxa de forrageiro e até mesmo a plasticidades fisiológicas como estresse crônico e consequentes alterações em taxas reprodutivas. Estas mudanças nas populações afetadas poderiam desencadear diversas IIMA que, como destacado previamente, podem levar à mudanças significativas na estrutura e dinâmica das comunidades. |
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| A influência dos cães domésticos pode se estender para diversos grupos de animais silvestres, mas ressalto uma comunidade específica a qual constitui meu objeto de pesquisa: a comunidade de carnívoros silvestres em áreas rurais antropizadas. Neste caso, as interações entre os cães e os diferentes carnívoros, dependendo da espécie e do contexto em questão, poderiam ser classificadas como predação intraguilda (considerando a predação de carnívoros silvestres por cães) ou como competição por interferência (considerando alimentação e principalmente território). No entanto, para o ponto destacado neste ensaio, esta diferenciação não se faz necessária. Independente da interação ecológica específica, os efeitos não letais dos cães domésticos poderiam ter um impacto significativo na comunidade de carnívoros silvestres através de mudanças em seus atributos, podendo levar inclusive à alterações nas interações pré estabelecidas entre os carnívoros silvestres. |
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| Ao se estudar cães domésticos, no entanto, alguns outros fatores devem ser incorporados na análise dos dados buscando uma visão ampla das interações ecológicas. Primeiramente, deve-se considerar questões socioculturais, pois o padrão de uso de espaço dos cães está diretamente relacionado com a localização das comunidades humanas, a forma de criação destes e o seu papel na família. Tendo isto em mente podemos levantar algumas questões importantes. Em geral as plasticidades fenotípicas das presas levam à uma redução na taxa de predação, que em contrapartida reduz a densidade de predadores, mantendo um equilíbrio da relação predador-presa (Miner et al. 2005). Mas será que este padrão se aplica a cães domésticos? Como os cães não coevoluiram com as espécies silvestres, será que estas desenvolvem adaptações à presença dos cães ou esta poderia representar uma armadilha evolutiva para determinadas espécies? Caso haja o desenvolvimento da plasticidade fenotípica das presas, será que haveria uma redução na densidade de cães? Caso os humanos representem o fator que determina a densidade de cães na comunidade, qual seria o impacto da falta deste feedback negativo para a populações de presas? São inúmeras as perguntas sobre o papel de cães domésticos em comunidades de animais silvestres, mas após me aprofundar nos conceitos apresentados neste ensaio, acredito que as respostas para muitas destas perguntas passam por um melhor entendimento de fatores ligados à plasticidade fenotípica e “paisagens de medo”, assim poderemos compreender os diferentes efeitos de IIMA e IIMD e consequentemente ampliar o conhecimento do impacto dos cães para o nível de comunidades. |
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| == Referências bibliográficas == |
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| Alexander, K. a, & McNutt, J. W. (2010). Human behavior influences infectious disease emergence at the human–animal interface. Frontiers in Ecology and the Environment, 8(10), 522–526. |
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| Holt, R.D. (2009). Predation and community organization. In: Levin, S.A. The Princeton guide of ecology. Princeton university press, Princeton. 274-281. |
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| Hughes, J., & Macdonald, D. W. (2013). A review of the interactions between free-roaming domestic dogs and wildlife. Biological Conservation, 157, 341–351. |
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| Laundré, J.W., Hernández, L., & Ripple, W.J. (2010). The landscape of fear: ecological implications of being afraid. The Open Ecology Journal, 3, 1-7. |
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| Miner, B.G., Sultan, S.E., Morgan, S.G., Padilla, D.K. & Relyea, R.A. (2005). Ecological consequences of phenotypic plasticity. Trends in Ecology and Evolution, 20, 685-692. |
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| Peacor, S.D. & Werner, E.E. (2001). The contribution of trait-mediated indirect effects to the net effects of a predator. PNAS, 98, 7, 3904-3908. |
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| Schmitz, O.J., Krivan, V., & Ovadia, O. (2004). Trophic cascades: the primacy of trait-mediated indirect interactions. Ecology Letters, 7, 153-163. |
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| Sepúlveda, M., Singer, R. S., Silva-Rodríguez, E., Stowhas, P., & Pelican, K. (2014). Domestic dogs in rural communities around protected areas: conservation problem or conflict solution? PloS One, 9(1), e86152. |
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| Vanak, A. T., & Gompper, M. E. (2009). Dogs Canis familiaris as carnivores: their role and function in intraguild competition. Mammal Review, 39(4), 265–283. |
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| Wittemyer, G., Elsen, P., Bean, W. T., Burton, a C. O., & Brashares, J. S. (2008). Accelerated human population growth at protected area edges. Science (New York, N.Y.), 321(5885), 123–6. |
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| Young, J. K., Olson, K. a., Reading, R. P., Amgalanbaatar, S., & Berger, J. (2011). Is Wildlife Going to the Dogs? Impacts of Feral and Free-roaming Dogs on Wildlife Populations. BioScience, 61(2), 125–132. |