Quem tem menos, perde mais?

Em biologia da conservação, quanto maior, melhor. Com base nessa idéia, vemos um grande esforço e investimento na proteção de grandes áreas de floresta, enquanto os pequenos fragmentos florestais recebem pouca atenção. Isso se deve em grande parte à idéia de que, após a perda inicial de habitat florestal, há uma tendência à rápida degradação desses pequenos remanescentes, e que, portanto, não faria sentido investir na sua preservação. Mas será que a velocidade da perda de habitat após a fragmentação é realmente maior nos pequenos fragmentos do que nos grandes remanescentes? A resposta a essa pergunta ajuda a elucidar o que ocorre nesses locais após a fragmentação, e pode derrubar um forte preconceito existente na área de ecologia da paisagem. Além disso, tal resposta tem grande potencial para influenciar a tomada de decisões com relação à criação e ao manejo de unidades de conservação. Para responder a essa pergunta, serão utilizadas imagens de satélite da Mata Atlântica nas últimas décadas para calcular e comparar as taxas de perda de habitat em remanescentes florestais de diferentes tamanhos.

Há duas maneiras gerais pelas quais os pequenos remanescentes poderiam apresentar um ritmo acelerado de perda de área: uma natural e uma antrópica. A primeira está ligada às alterações que ocorrem no ambiente após a fragmentação, como a redução da umidade, o aumento da temperatura e da entrada de luz e vento no fragmento, ao que chamamos “efeito de borda”. Essas alterações causam a morte de várias árvores na borda dos remanescentes, e esse efeito pode ir se alastrando para o interior do fragmento, causando a sua destruição de fora para dentro e reduzindo sua área florestal. A segunda causa de perda de área está ligada ao aumento da acessibilidade ao local, já que a princípio seria mais fácil explorar pequenos remanescentes do que o interior de grandes florestas. Isso poderia levar a um aumento da exploração humana nas pequenas áreas através de desmatamento, queimadas ou outros processos que acelerariam a perda de habitat. No entanto, apesar de intuitivo, esse aumento da exploração antrópica pode não ocorrer de fato na maioria dos casos. Como exemplo, podemos imaginar que essas pequenas porções de floresta restantes podem estar localizadas em áreas de difícil acesso, o que desestimularia sua exploração pelo homem. Apesar de bastante discutidas, essas questões relacionadas à perda de habitat após a fragmentação ainda permanecem pouco compreendidas, e esse estudo ajudará a esclarecer qual a principal causa de destruição dos remanescentes e corroborar ou não a visão geral de que os pequenos fragmentos estariam sendo destruídos mais rapidamente que os grandes.

A resposta a essa questão pode ter efeitos opostos sobre as estratégias de criação e manejo de unidades de conservação. Caso o ritmo da perda de habitat seja realmente maior nas pequenas áreas, torna-se importante compreender qual a principal causa dessa destruição. Se a exploração humana for a principal causa, o investimento de recursos na proteção dessas áreas seria justificado como forma de parar ou reduzir sua destruição, protegendo as espécies que ali ocorrem. Porém, se o efeito de borda for o principal responsável pela perda de habitat nos pequenos remanescentes, então os investimentos devem ser direcionados para a proteção das grandes áreas florestais. No entanto, a análise das taxas de perda de habitat pode surpreender e mostrar que, na realidade, os pequenos fragmentos não apresentam um ritmo de destruição mais acelerado, podendo inclusive estar aumentando sua área ao longo dos anos devido à regeneração natural da vegetação após o abandono da região. Esse resultado derrubaria a idéia dominante atualmente, trazendo uma nova perspectiva acerca da importância dos pequenos remanescentes para a conservação das florestas tropicais.

A Mata Atlântica brasileira pode ser usada como modelo para responder a essa pergunta. Esse bioma foi severamente fragmentado ao longo dos últimos séculos, de forma que atualmente restam poucos fragmentos grandes e inúmeros pequenos, fornecendo um bom modelo para a avaliação das taxas de perda de habitat. Com base em imagens de satélites da região nas últimas cinco décadas, podemos acompanhar a variação na área dos remanescentes nesse período. Os fragmentos seriam selecionados de forma a amostrar um gradiente contínuo de tamanhos variando desde fragmentos muito pequenos (<10 hectares) até grandes remanescentes florestais (>5000 hectares). Calculando as áreas dos remanescentes no começo de cada década, pode-se calcular uma taxa de perda de habitat para cada fragmento (área de habitat perdido/década), o que permitirá avaliar se a relação entre o tamanho dos remanescentes e a taxa de perda de habitat é positiva, negativa ou inexistente. Esses resultados mostrarão se há realmente uma tendência geral com relação à perda de habitat em fragmentos pequenos e grandes, e onde esse ritmo é mais acelerado.

Muitas vezes, idéias aparentemente intuitivas acabam tornando-se preconceitos estabelecidos dentro da comunidade científica, mesmo que tais idéias jamais tenham sido testadas. A crença de que os pequenos remanescentes florestais sofrem perda de habitat mais aceleradamente que os grandes é um exemplo, e acaba por sugerir que essas pequenas áreas estão fadadas à destruição e que portanto não teriam valor para a conservação. No entanto, em biomas muito degradados como a Mata Atlântica, esses pequenos fragmentos podem ser de grande importância, pois são capazes de manter populações de diversas espécies que ali vivem. Sendo assim, avaliar as reais taxas de perda de habitat de pequenos e grandes remanescentes poderia derrubar ou corroborar a idéia existente previamente, trazendo novas reflexões sobre o tema e auxiliando nas decisões sobre o investimento dos recursos destinados às unidades de conservação. Seria muito interessante descobrir, por exemplo, que os remanescentes vêm aumentando de área com o passar dos anos, o que representaria uma guinada na atual forma de compreender as paisagens fragmentadas. Com base nesse resultado, as futuras unidades de conservação nessas paisagens deveriam incluir não apenas as áreas florestadas, mas também as matrizes que as circundam e que potencialmente poderiam voltar a ser áreas de floresta no futuro. Dessa forma, estaríamos contribuindo para aumentar a área florestal existente, ao invés de apenas tentar conservar o que resta.

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