Aqui você vê as diferenças entre duas revisões dessa página.
Ambos lados da revisão anteriorRevisão anteriorPróxima revisão | Revisão anterior | ||
ensaios:2022:start [2022/03/12 11:37] – estudante2022 | ensaios:2022:start [2022/03/18 19:38] (atual) – estudante2022 | ||
---|---|---|---|
Linha 1: | Linha 1: | ||
====== Ensaios 2022 ====== | ====== Ensaios 2022 ====== | ||
+ | |||
+ | ===== Reconciliação entre a teoria de nicho e a teoria neutra através da teoria moderna da coexistência e dos grupos emergentes ===== | ||
+ | == Luisa Truffi de Oliveira Costa == | ||
+ | |||
+ | A coexistência de diferentes espécies em comunidades ecológicas sempre intrigou ecólogos. Historicamente, | ||
+ | |||
+ | A teoria de nicho foi uma pedra fundamental para teoria ecológica e possibilitou uma explicação para a coexistência por meio da limitação de similaridade ecológica. A relevância limitação de similaridade de nicho para explicar a coexistência entre espécies foi desafiada pela publicação da teoria neutra da biodiversidade (Hubbell, 2001). Isso porque um dos pressupostos da teoria neutra é que as espécies de um mesmo grupo trófico podem ser consideradas equivalentes ecológicas e assume-se que elas possuem fitness idênticos. Para teoria neutra, as diferenças entre os nichos não são consideradas e a diversidade de espécies é explicada somente através da variação estocástica entre nascimentos, | ||
+ | |||
+ | Um dos principais méritos da teoria neutra foi abrir o debate e propor que outros processos também são tão influentes quanto a competição para explicar a coexistência entre espécies e que mesmo que as espécies fossem iguais elas poderiam coexistir (Chase & Leibold, 2003). Apesar das duas teorias serem aparentemente antagônicas por possuírem pressupostos distintos, é equivocado julgar que a teoria de nicho e a teoria neutra sejam mutuamente exclusivas. Foi proposto por Adler e colaboradores (2007) que seria possível reconciliar as propostas da teoria de nicho e da teoria neutra ao analisar as teorias como situações dentro da proposta da teoria moderna da coexistência (Chesson, 2000). Para Chesson (2000) a coexistência estável é mediada por um balanço entre mecanismos equalizadores, | ||
+ | |||
+ | |||
+ | {{: | ||
+ | |||
+ | |||
+ | Figura 1. | ||
+ | |||
+ | Outras propostas de integração entre as teorias neutra e de nicho foram propostas nos anos subsequentes a publicação do livro de Hubbell (2001), uma que destaco como uma perspectiva intrigante é a proposta de grupos emergentes (Scheffer & Van Nes 2006). Esses autores utilizaram um modelo de competição com múltiplas espécies, similar ao modelo clássico de Lotka-Volterra. Nesse modelo, inicialmente as espécies foram distribuídas de modo aleatório em um eixo de nicho e após milhares de rodadas foi observado um padrão emergente e auto-organizado de grupos de espécies que tinham um nicho funcional similar. Entre esses grupos existia uma lacuna, espaço de nicho, que não era ocupado por nenhuma espécie (Fig 2). Foi proposto como explicação para esse padrão que as espécies podem coexistir em 2 situações distintas: quando são suficientemente similares funcionalmente ou quando as espécies são suficientemente diferentes funcionalmente. No primeiro caso, a coexistência seria possível porque as espécies teriam uma sobreposição de nicho quase completa e mesma capacidade competitiva; | ||
+ | |||
+ | | ||
+ | |||
+ | |||
+ | |||
+ | Figura 2. (Retirada de Scheffer e van Ness, 2006). Padrão de distribuição de abundância (biomassa) de espécies competidoras ao longo do eixo do nicho. | ||
+ | |||
+ | |||
+ | {{: | ||
+ | |||
+ | Figura 3. (Retirada de Scheffler et al, 2018). Resultado da simulação de evolução de nicho de espécies competidoras a partir do modelo proposto por Scheffler e van Ness (2006). | ||
+ | |||
+ | A teoria de nicho foi e ainda é fundamental para ecólogos, no entanto, é equivocado persistir tentando compreender os padrões ecológicos somente a partir de processos associados à teoria de nicho. Há duas décadas, a teoria neutra mostrou uma nova perspectiva de explicação e as propostas de integração entre teoria neutra e de nicho que surgiram posteriormente ampliaram ainda mais os horizontes de como diferentes processos podem atuar em comunidades ecológicas. Ao fazer essa reflexão, percebi que quando elaborei minha proposta de projeto de mestrado ela continuava muito restrita a explorar processos atrelados somente à teoria de nicho, e agora tenho como objetivo refletir sobre hipóteses alternativas que consigam abranger outros processos. Em meu mestrado irei analisar se as relações filogenéticas podem ser utilizadas para prever o saldo das interações entre plantas em planícies arenosas costeiras. A princípio, me baseando na teoria de nicho e na conservação de nicho na filogenia (Wiens et al, 2010), esperava que a limitação de similaridade fosse muito relevante e que, consequentemente, | ||
+ | |||
+ | ==Referências bibliográficas: | ||
+ | |||
+ | Adler, P.B., HilleRisLambers, | ||
+ | |||
+ | Chase, J. M., & Leibold, M. A., 2003. Ecological Niches: Linking Classical and Contemporary Approaches. Chicago University Press. | ||
+ | |||
+ | Chesson, P., 2000. Mechanisms of maintenance of species diversity. Annual Review of Ecology, Evolution and Systematics 31: 343–66. | ||
+ | |||
+ | Condit, R., Chisholm, R.A. and Hubbell, S.P., 2012. Thirty years of forest census at Barro Colorado and the importance of immigration in maintaining diversity. PloS one, 7(11): e49826. | ||
+ | |||
+ | Hardin, G. 1960. The competitive exclusion principle. Science. 131(3409), | ||
+ | |||
+ | Hubbell, S.P. 1979. Tree dispersion, abundance, and diversity in a tropical dry forest. Science 203: 1299-1309. | ||
+ | |||
+ | Hubbell, S. 1997. A unified theory of biogeography and relative species abundance and its application to tropical rain | ||
+ | forests and coral reefs. Coral Reefs 16, S9–S21. | ||
+ | |||
+ | Hubbell, S. P., 2001. The unified neutral theory of biodiversity and biogeography. Princeton University Press. | ||
+ | |||
+ | Hutchinson, G.E., 1957. Concluding remarks. Population Studies: Animal Ecology and Demography. Cold Spring Harbor Symposium on Quantitative Biology, 22, 415–457 | ||
+ | |||
+ | MacArthur, R. H. & Wilson, E. O. , 1967. The Theory of Island Biogeography. [s.l.] Princeton University Press. | ||
+ | |||
+ | MacArthur, R & Levins, R., 1967. The Limiting Similarity, Convergence, | ||
+ | |||
+ | Scheffer, M., & van Nes, E. H., 2006. Self-organized similarity, the evolutionary emergence of groups of similar species. Proceedings of the National Academy of Sciences, 103(16), 6230-6235. | ||
+ | |||
+ | Scheffer, M., Vergnon, R., van Nes, E., Cuppen, J., Peeters, E., Leijs, R., & Nilsson, A., 2015. The Evolution of Functionally Redundant Species; Evidence from Beetles. PLOS ONE, 10(10), e0137974. doi: 10.1371/ | ||
+ | |||
+ | Scheffer M, Van Nes EH, Vergnon R. 2018. Toward a unifying theory of biodiversity. Proceedings of the National Academy of Sciences of the United States of America 115(4): | ||
+ | |||
+ | Thibault, K.M., White, E.P., Hurlbert, A.H. and Ernest, S.K.M. , 2011. Multimodality in the individual size distributions of bird communities. Global Ecology and Biogeography, | ||
+ | |||
+ | Wiens, J. J., Ackerly, D. D., Allen, A. P., Anacker, B. L., Buckley, L. B., Cornell, H. V., Damschen, E. I., Jonathan Davies, T., Grytnes, J. A., Harrison, S. P., Hawkins, B. A., Holt, R. D., McCain, C. M., & Stephens, P. R., 2010. Niche conservatism as an emerging principle in ecology and conservation biology. Ecology letters, 13(10), 1310–1324. | ||
+ | |||
==== Resiliência ecológica em agroecossistemas==== | ==== Resiliência ecológica em agroecossistemas==== | ||
Linha 665: | Linha 731: | ||
Wiens, J. J., Pyron, R. A. & Moen, D. S. (2011). Phylogenetic origins of local-scale diversity patterns and the causes of Amazonian megadiversity. Ecology Letters 14: 643–652. | Wiens, J. J., Pyron, R. A. & Moen, D. S. (2011). Phylogenetic origins of local-scale diversity patterns and the causes of Amazonian megadiversity. Ecology Letters 14: 643–652. | ||
+ | ==== A Teoria da Similaridade Limitante em Comunidades Viras ==== | ||
+ | ==Guilherme Barradas Morés== | ||
+ | |||
+ | No início do século XX, o biólogo soviético Georgy Gause mostrou que ao se colocar duas espécies diferentes de Paramecium no mesmo microcosmo, uma eventualmente exclui a outra graças à competição por recursos (1). Esses achados foram generalizados para toda Ecologia como o Princípio da Exclusão Competitiva, | ||
+ | |||
+ | Na proposição inicial de MacArthur e Levins, a similaridade limitante poderia ser calculada com base em uma fórmula que usa características quantitativas dos nichos das espécies e que seria universal para todos os sistemas ecológicos. Trabalhos teóricos posteriores mostraram que a similaridade limitante não poderia ser tão facilmente generalizada, | ||
+ | |||
+ | Frente a essas críticas a Teoria da Similaridade Limitante poderia se tornar obsoleta. Porém, Abrams (10) defendeu a pertinência da teoria para compreender certos aspectos das comunidades biológicas. Para ele, a similaridade limitante é útil para compreender a riqueza de espécies em uma comunidade, já que em sistemas parecidos, uma maior sobreposição de nichos resultaria num maior número de espécies. A similaridade limitante também faria parte do corpo teórico necessário para determinar a possibilidade de uma espécie invadir determinada comunidade e qual seria a consequência dessa invasão. Entretanto, para ajudar nessas questões e continuar relevante, a teoria deve sacrificar seu generalismo e focar em modelos detalhados mecanísticos de sistemas específicos. | ||
+ | |||
+ | A comunidade de diferentes vírus, ou variantes virais, circulantes que afetam o ser humano pode ser vista como um destes sistemas particulares afetados pela Teoria da Similaridade Limitante. Numa perspectiva de Ecologia de Populações, | ||
+ | |||
+ | A perspectiva descrita acima pode ser útil para compreender aspectos das comunidades de vírus com relevância para a saúde pública, como por exemplo, prever a possibilidade de um novo vírus ou variante viral se estabelecer em determinada comunidade, e qual será seu impacto nela. Apesar disso ela foi muito pouco explorada ainda. Pesquisando no Google Acadêmico, achei somente um artigo que envolve explicitamente vírus e similaridade limitante, e não no contexto de imunidade cruzada (17). Estudos de comunidades de vírus interagindo através da imunidade cruzada são diversos ( exemplo: 18,19,20). Esses estudos demonstram a possibilidade de ocorrer ou não exclusão competitiva, | ||
+ | |||
+ | |||
+ | ==Referências bibliográficas== | ||
+ | |||
+ | 1. Gause, GF. 1932. Experimental studies on the struggle for existence. Journal of Experimental Biology. 9, 389–402. | ||
+ | |||
+ | 2. Hardin, G. 1960. The competitive exclusion principle. Science. 131(3409), | ||
+ | |||
+ | 3. Hutchinson, GE. 1959. Homage to Santa Rosalia, or Why are there so many kinds of animals?. The American Naturalist. 93(870), 145–159. | ||
+ | |||
+ | 4. MacArthur, R & Levins, R. 1967. The Limiting Similarity, Convergence, | ||
+ | |||
+ | 5. Abrams, PA. 1975. Limiting similarity and the fonn of the competition coefficient. Theoretical Population BioIogy. 8, 356-75. | ||
+ | |||
+ | 6. Abrams, PA. 1976. Niche overlap and environmental variability. Mathematical | ||
+ | |||
+ | 7. Levin, S. 1974. Dispersion and population interactions. The American Naturalist. 108, 207-28. | ||
+ | |||
+ | 8. Chesson, PL & Warner, RR. 1981. Environmental variability promotes coexistence in lottery competitive systems. The American Naturalist. 1(17), 923-43 | ||
+ | |||
+ | 9. Simberloff, DS & Boeclden, W. 1981. Santa Rosalia reconsidered. Evolution. 35, 126-128. | ||
+ | |||
+ | 10. Abrams, P. 1983. The Theory of Limiting Similarity. Annual Review of Ecology and Systematics. 14(1), 359–376. | ||
+ | |||
+ | 11. Slatkin, M. 1980. Ecological character displacement. Ecology. 61, | ||
+ | |||
+ | 12. Anderson, R. & May, R. 1979. Population biology of infectious diseases: Part I. Nature. 280, 361–367. | ||
+ | |||
+ | 13. Hofstad, MS. 1981. Cross-Immunity in Chickens Using Seven Isolates of Avian Infectious Bronchitis Virus. Avian Diseases. 25(3), | ||
+ | 650-654. | ||
+ | |||
+ | 14. Ackleh, AS & ALLEN, LJS. 2005. Competitive exclusion in SIS and SIR epidemic models with total cross immunity and density-dependent host mortality. Discrete & Continuous Dynamical Systems-B. 5(2), 175-188. | ||
+ | |||
+ | 15. Coutinho, RM et al.2001. Model-based estimation of transmissibility and reinfection of SARS-CoV-2 P.1 variant. | ||
+ | |||
+ | 16. Campbell, F et al. 2021. Increased transmissibility and global spread of SARS-CoV-2 variants of concern as at June 2021. Euro Surveill.26(24), | ||
+ | |||
+ | 17. Kawaguchi, I et al. 2003. Why are dengue virus serotypes so distantly related? Enhancement and limiting serotype similarity between dengue virus strains.Proceedings of the Royal Society of London. Series B: Biological Sciences. 270(1530), 2241-2247. | ||
+ | |||
+ | 18. Bremermann, HJ & Thieme, HR. 1989. A competitive exclusion principle for pathogen virulence. Journal of Mathematical Biology. 27(2), 179–190. | ||
+ | |||
+ | 19. Feng, Z & Velasco-Hernández, | ||
+ | 20. Garba, SM & Gumel, AB. 2010. Effect of cross-immunity on the transmission dynamics of two strains of dengue. International Journal of Computer Mathematics. 87(10), 2361-2384. | ||