Ambos lados da revisão anteriorRevisão anteriorPróxima revisão | Revisão anterior |
ensaios:2022:start [2022/03/12 02:22] – estudante2022 | ensaios:2022:start [2022/03/18 19:38] (atual) – estudante2022 |
---|
====== Ensaios 2022 ====== | ====== Ensaios 2022 ====== |
| |
| ===== Reconciliação entre a teoria de nicho e a teoria neutra através da teoria moderna da coexistência e dos grupos emergentes ===== |
| == Luisa Truffi de Oliveira Costa == |
| |
| A coexistência de diferentes espécies em comunidades ecológicas sempre intrigou ecólogos. Historicamente, a teoria de nicho foi utilizada para explicar a coexistência de diferentes espécies em uma mesma comunidade. O nicho de uma espécie pode ser definido de diferentes maneiras, neste trabalho utilizarei o conceito de nicho proposto por Hutchinson (1957) que define nicho como um hipervolume com n dimensões onde uma espécie pode manter populações estáveis, sendo cada dimensão uma condição ou quantidade de recurso necessários para a ocorrência da espécie em um local. Nesse contexto, caso as espécies tenham nichos similares, elas irão necessitar de recursos e condições semelhantes para permanecer na comunidade. Como tais recursos são limitados, a competição interespecífica entre elas será intensa e uma espécie deve excluir a outra da comunidade por consumir mais efetivamente os recursos (Hardin 1960, MacArthur & Levins 1967). Logo, segundo a teoria de nicho, caso as espécies tenham grande sobreposição de nicho, a melhor competidora deve excluir a pior da comunidade de maneira determinística (Hardin 1960, MacArthur & Levins 1967). Portanto, segundo a teoria de nicho existiria um limite para a similaridade de nicho entre espécies para que ocorra a coexistência estável. Para a teoria de nicho a coexistência na comunidade seria determinada por interações de competição por recursos, sendo a intensidade da competição determinada pelo grau de sobreposição de nicho entre as espécies. |
| |
| A teoria de nicho foi uma pedra fundamental para teoria ecológica e possibilitou uma explicação para a coexistência por meio da limitação de similaridade ecológica. A relevância limitação de similaridade de nicho para explicar a coexistência entre espécies foi desafiada pela publicação da teoria neutra da biodiversidade (Hubbell, 2001). Isso porque um dos pressupostos da teoria neutra é que as espécies de um mesmo grupo trófico podem ser consideradas equivalentes ecológicas e assume-se que elas possuem fitness idênticos. Para teoria neutra, as diferenças entre os nichos não são consideradas e a diversidade de espécies é explicada somente através da variação estocástica entre nascimentos, mortes, imigração e uma taxa de especiação fixa que atua sobre o pool regional de espécies. Para construção da teoria neutra Hubbell se baseou na teoria de biogeografia de ilhas (MacArthur and Wilson 1967) e em suas próprias pesquisas em florestas tropicais (Hubbell 1979). A teoria neutra buscava explicar a diversidade e coexistência a partir apenas da deriva, dispersão e especiação, processos pouco explorados na teoria de nicho. A equivalência entre as espécies de um mesmo nível trófico foi uma proposta radical que abandonou o papel do nicho e competição. Surpreendentemente a teoria neutra foi capaz de explicar padrões complexos como a distribuição de abundâncias de espécies em uma comunidade (Hubbell, 1997) e a taxa de turnover de espécies em uma comunidade (Condit et al, 2012). |
| |
| Um dos principais méritos da teoria neutra foi abrir o debate e propor que outros processos também são tão influentes quanto a competição para explicar a coexistência entre espécies e que mesmo que as espécies fossem iguais elas poderiam coexistir (Chase & Leibold, 2003). Apesar das duas teorias serem aparentemente antagônicas por possuírem pressupostos distintos, é equivocado julgar que a teoria de nicho e a teoria neutra sejam mutuamente exclusivas. Foi proposto por Adler e colaboradores (2007) que seria possível reconciliar as propostas da teoria de nicho e da teoria neutra ao analisar as teorias como situações dentro da proposta da teoria moderna da coexistência (Chesson, 2000). Para Chesson (2000) a coexistência estável é mediada por um balanço entre mecanismos equalizadores, que minimizam a diferença de fitness entre as espécies, e mecanismos estabilizadores, que aumentam o efeito negativo das interações intra-específicas em relação às interespecíficas. Os mecanismos estabilizadores são comumente associados à teoria de nicho (Adler et al, 2007); por exemplo, a partição de recursos e processos denso-dependentes negativos são processos considerados estabilizadores. No framework de Chesson, a coexistência entre espécies não depende somente dos mecanismos de estabilização, mas também é necessário considerar a diferença entre os fitness das espécies. Conforme representado na figura 1, é o balanço entre diferença de fitness e processos de nicho (estabilizadores) que permitem a coexistência de espécies em um local. Nesse cenário, espécies com grandes diferenças de fitness podem co-existir somente quando ocorrem processos estabilizadores fortes. Por outro lado, se as diferenças de fitness são pequenas, até mesmo pequenas forças estabilizadores conseguem manter a coexistência entre as espécies. A teoria neutra se encaixa nesse framework, apenas como um caso específico em que não existe diferença de fitness, ou seja, os fitness das espécies são equivalentes, e não existe ação de mecanismos estabilizadores (Fig. 1, ponto A) (Adler et al, 2007). Ao colocar a teoria neutra dentro do framework da teoria moderna da coexistência é possível compreender mais claramente que tanto processos neutros quanto de nicho podem atuar para gerar a coexistência entre espécies. A inserção da teoria neutra dentro do framework da teoria moderna da coexistência promove uma alternativa de reconciliação entre essas linhas de pensamento e fomenta a integração dos conceitos para o avanço do conhecimento na área. Contudo, como essa proposta espera que o cenário neutro seja apenas um ponto dentro de inúmeros possibilidades de coexistência, essa proposta ainda não integra as teorias em um sentido de elaborar explicações em que esses processos atuem de modo conjunto para manutenção da coexistência. |
| |
| |
| {{:ensaios:2022:fig.adler.png}} |
| |
| |
| Figura 1. (Retirada de Adler et al 2007). Esse gráfico representa a relação esperada entre um par de espécies competidoras simétricas (efeito da espécie 1 sobre a 2 é igual a da 2 sobre a 1) e em que a competição intra-específica é fixa e igual (efeito da competição intra-específica para espécie 1 é igual ao efeito da competição intra-específica para espécie 2). O eixo y representa a equivalência de fitness das espécies, quando é igual a 1 as espécies têm fitness equivalentes. O eixo x representa a força de estabilização, quando ela é igual a 1 representa que a taxa de crescimento das espécies é independente de densidade, quanto mais próximo de 2 maior o efeito da denso-dependência negativa sobre o crescimento populacional para essas espécies . |
| |
| Outras propostas de integração entre as teorias neutra e de nicho foram propostas nos anos subsequentes a publicação do livro de Hubbell (2001), uma que destaco como uma perspectiva intrigante é a proposta de grupos emergentes (Scheffer & Van Nes 2006). Esses autores utilizaram um modelo de competição com múltiplas espécies, similar ao modelo clássico de Lotka-Volterra. Nesse modelo, inicialmente as espécies foram distribuídas de modo aleatório em um eixo de nicho e após milhares de rodadas foi observado um padrão emergente e auto-organizado de grupos de espécies que tinham um nicho funcional similar. Entre esses grupos existia uma lacuna, espaço de nicho, que não era ocupado por nenhuma espécie (Fig 2). Foi proposto como explicação para esse padrão que as espécies podem coexistir em 2 situações distintas: quando são suficientemente similares funcionalmente ou quando as espécies são suficientemente diferentes funcionalmente. No primeiro caso, a coexistência seria possível porque as espécies teriam uma sobreposição de nicho quase completa e mesma capacidade competitiva; portanto, entrariam em uma dinâmica quase neutra e a exclusão competitiva ocorreria de modo muito lento. Já no segundo caso as espécies quase não teriam sobreposição de nicho e, por isso, a competição por recursos seria menos intensa e a exclusão por competição não ocorreria. As lacunas entre os grupos não seriam ocupadas porque seriam posições em que a competição seria mais intensa, uma vez que nelas a sobreposição de nicho entre as espécies é parcial, o que levaria a um forte efeito da limitação de similaridade e a exclusão da espécie. Nesse mesmo artigo, Scheffer e van Ness (2006) também elaboraram um modelo de evolução de nicho no qual as espécies foram inicialmente distribuídas de modo aleatório no eixo de nicho e a cada geração poderiam experienciar um deslocamento de nicho de modo a minimizar a competição por recursos. Nesse modelo, o mesmo padrão de grupos emergiu, com espécies convergindo a nichos similares e uma lacuna entre os grupos (Fig 3). Em estudos empíricos, observaram-se padrões similares aos obtidos por esses modelos para tamanho corporal de besouros e aves (Scheffer et al, 2015, Thibault et al 2011), ou seja, que as espécies que coexistem são ou funcionalmente distintas ou muito similares. Apesar desses modelos serem simples e de que possivelmente hipóteses alternativas também possam explicar os padrões empíricos encontrados, considero a proposta dos grupos emergente intrigante porque ela consegue, a partir de conceitos tradicionais da teoria de nicho, como competição, sobreposição de nicho e partição de nicho, obter um padrão emergente de coexistência que é explicado pela atuação conjunta de processos de nicho e processos neutros. Considero essa uma proposta interessante de integração porque ambos conceitos da teoria de nicho e da teoria neutra são utilizadas conjuntamente e simultaneamente para explicar um padrão de coexistência. |
| |
| {{:ensaios:2022:scheffer.png}} |
| |
| |
| |
| Figura 2. (Retirada de Scheffer e van Ness, 2006). Padrão de distribuição de abundância (biomassa) de espécies competidoras ao longo do eixo do nicho. (a) Padrão observado na simulação após 1.000 rodadas. (b) Padrão observado na simulação após 5.000 rodadas. |
| |
| |
| {{:ensaios:2022:scheffer2.png|}} |
| |
| Figura 3. (Retirada de Scheffler et al, 2018). Resultado da simulação de evolução de nicho de espécies competidoras a partir do modelo proposto por Scheffler e van Ness (2006). |
| |
| A teoria de nicho foi e ainda é fundamental para ecólogos, no entanto, é equivocado persistir tentando compreender os padrões ecológicos somente a partir de processos associados à teoria de nicho. Há duas décadas, a teoria neutra mostrou uma nova perspectiva de explicação e as propostas de integração entre teoria neutra e de nicho que surgiram posteriormente ampliaram ainda mais os horizontes de como diferentes processos podem atuar em comunidades ecológicas. Ao fazer essa reflexão, percebi que quando elaborei minha proposta de projeto de mestrado ela continuava muito restrita a explorar processos atrelados somente à teoria de nicho, e agora tenho como objetivo refletir sobre hipóteses alternativas que consigam abranger outros processos. Em meu mestrado irei analisar se as relações filogenéticas podem ser utilizadas para prever o saldo das interações entre plantas em planícies arenosas costeiras. A princípio, me baseando na teoria de nicho e na conservação de nicho na filogenia (Wiens et al, 2010), esperava que a limitação de similaridade fosse muito relevante e que, consequentemente, espécies filogeneticamente próximas tivessem maior probabilidade de ter interações negativas porque seus nichos seriam mais similares e a competição por recursos seria mais intensa que entre espécies filogeneticamente mais distantes. As propostas de integração entre teoria de nicho e teoria neutra me fizeram reavaliar que outros mecanismos, além da limitação de similaridade, poderiam estar envolvidos na interação entre pares de espécies de plantas. Por exemplo, agora, à luz das propostas de Scheffer e van Ness (2006), percebo que seria possível pensar em hipóteses alternativas em que a competição é mais intensa entre espécies com sobreposição de nicho parcial. Contudo, ainda preciso refletir com cautela sobre como as ideias elaboradas para pensar sobre a coexistência entre espécies em comunidades podem ser traduzidas de modo coerente para um contexto de interação entre pares de indivíduos de espécies diferentes. Essa transposição não é tão simples porque a coexistência de espécies não ocorre somente quando as espécies possuem interações neutras ou positivas; são possíveis, por exemplo, interações negativas quando a intensidade da competição não seja suficiente para gerar a exclusão de uma delas da comunidade. Considerando que as propostas de reconciliação entre teoria neutra e teoria de nicho que explorei são referentes à coexistência entre espécies e que não irei trabalhar diretamente com isso em meu mestrado, ainda acredito que essa reflexão foi inspiradora para buscar ampliar minha visão para além dos processos clássicos de nicho. |
| |
| ==Referências bibliográficas:== |
| |
| Adler, P.B., HilleRisLambers, J. and Levine, J.M., 2007. A niche for neutrality. Ecology Letters, 10: 95-104. |
| |
| Chase, J. M., & Leibold, M. A., 2003. Ecological Niches: Linking Classical and Contemporary Approaches. Chicago University Press. |
| |
| Chesson, P., 2000. Mechanisms of maintenance of species diversity. Annual Review of Ecology, Evolution and Systematics 31: 343–66. |
| |
| Condit, R., Chisholm, R.A. and Hubbell, S.P., 2012. Thirty years of forest census at Barro Colorado and the importance of immigration in maintaining diversity. PloS one, 7(11): e49826. |
| |
| Hardin, G. 1960. The competitive exclusion principle. Science. 131(3409),1292-1297. |
| |
| Hubbell, S.P. 1979. Tree dispersion, abundance, and diversity in a tropical dry forest. Science 203: 1299-1309. |
| |
| Hubbell, S. 1997. A unified theory of biogeography and relative species abundance and its application to tropical rain |
| forests and coral reefs. Coral Reefs 16, S9–S21. |
| |
| Hubbell, S. P., 2001. The unified neutral theory of biodiversity and biogeography. Princeton University Press. |
| |
| Hutchinson, G.E., 1957. Concluding remarks. Population Studies: Animal Ecology and Demography. Cold Spring Harbor Symposium on Quantitative Biology, 22, 415–457 |
| |
| MacArthur, R. H. & Wilson, E. O. , 1967. The Theory of Island Biogeography. [s.l.] Princeton University Press. |
| |
| MacArthur, R & Levins, R., 1967. The Limiting Similarity, Convergence, and Divergence of Coexisting Species. The American Naturalist. 101(921), 377–385. |
| |
| Scheffer, M., & van Nes, E. H., 2006. Self-organized similarity, the evolutionary emergence of groups of similar species. Proceedings of the National Academy of Sciences, 103(16), 6230-6235. |
| |
| Scheffer, M., Vergnon, R., van Nes, E., Cuppen, J., Peeters, E., Leijs, R., & Nilsson, A., 2015. The Evolution of Functionally Redundant Species; Evidence from Beetles. PLOS ONE, 10(10), e0137974. doi: 10.1371/journal.pone.0137974 |
| |
| Scheffer M, Van Nes EH, Vergnon R. 2018. Toward a unifying theory of biodiversity. Proceedings of the National Academy of Sciences of the United States of America 115(4):639-641 |
| |
| Thibault, K.M., White, E.P., Hurlbert, A.H. and Ernest, S.K.M. , 2011. Multimodality in the individual size distributions of bird communities. Global Ecology and Biogeography, 20: 145-153. |
| |
| Wiens, J. J., Ackerly, D. D., Allen, A. P., Anacker, B. L., Buckley, L. B., Cornell, H. V., Damschen, E. I., Jonathan Davies, T., Grytnes, J. A., Harrison, S. P., Hawkins, B. A., Holt, R. D., McCain, C. M., & Stephens, P. R., 2010. Niche conservatism as an emerging principle in ecology and conservation biology. Ecology letters, 13(10), 1310–1324. |
| |
| |
==== Resiliência ecológica em agroecossistemas==== | ==== Resiliência ecológica em agroecossistemas==== |
Pensando em uma floresta tropical, a coexistência de espécies que utilizam recursos muito similares em uma comunidade vegetal pode ser abordada por diferentes pontos de partida. Os diversos mecanismos propostos para explicar essa coexistência (Wright 2002) podem ser compreendidos sob a visão dos quatro processos fundamentais (Vellend 2016) que unificam todas as explicações voltadas à diversidade ecológica. Os mecanismos também podem ser classificados como estabilizadores ou equalizadores (Chesson 2000) a depender das diferenças de aptidão entre as espécies e da força de estabilização. A abordagem de metacomunidades também incorpora alguns desses mecanismos dentro das quatro perspectivas centrais (PD, SS, NT e ME) e suas interfaces. No ciclo de vida de uma planta, a transição de semente para plântula, a fase de recrutamento, é uma etapa crítica para a regeneração florestal. Em minha pesquisa, a estruturação de uma comunidade de plântulas foi pensada com base nas características das sementes. Sob a ótica da seleção, espécies com sementes de diferentes tamanhos teriam diferentes habilidades competitivas. Mais especificamente, plântulas de sementes maiores são melhores competidoras, fazendo com que haja uma hierarquia competitiva entre as plântulas influenciada pelo tamanho da semente (Westoby //et al.// 2002; Leishman //et al.// 2000; Leishman 2001). A coexistência entre espécies com diferentes habilidades competitivas é gerada pela limitação de dispersão, que diminui a assimetria competitiva, uma vez que a espécie com a maior aptidão não está em todos os lugares disponíveis. Ou seja, a limitação de dispersão equaliza as diferenças de aptidão entre as espécies. | Pensando em uma floresta tropical, a coexistência de espécies que utilizam recursos muito similares em uma comunidade vegetal pode ser abordada por diferentes pontos de partida. Os diversos mecanismos propostos para explicar essa coexistência (Wright 2002) podem ser compreendidos sob a visão dos quatro processos fundamentais (Vellend 2016) que unificam todas as explicações voltadas à diversidade ecológica. Os mecanismos também podem ser classificados como estabilizadores ou equalizadores (Chesson 2000) a depender das diferenças de aptidão entre as espécies e da força de estabilização. A abordagem de metacomunidades também incorpora alguns desses mecanismos dentro das quatro perspectivas centrais (PD, SS, NT e ME) e suas interfaces. No ciclo de vida de uma planta, a transição de semente para plântula, a fase de recrutamento, é uma etapa crítica para a regeneração florestal. Em minha pesquisa, a estruturação de uma comunidade de plântulas foi pensada com base nas características das sementes. Sob a ótica da seleção, espécies com sementes de diferentes tamanhos teriam diferentes habilidades competitivas. Mais especificamente, plântulas de sementes maiores são melhores competidoras, fazendo com que haja uma hierarquia competitiva entre as plântulas influenciada pelo tamanho da semente (Westoby //et al.// 2002; Leishman //et al.// 2000; Leishman 2001). A coexistência entre espécies com diferentes habilidades competitivas é gerada pela limitação de dispersão, que diminui a assimetria competitiva, uma vez que a espécie com a maior aptidão não está em todos os lugares disponíveis. Ou seja, a limitação de dispersão equaliza as diferenças de aptidão entre as espécies. |
| |
Olhar para a abordagem de metacomunidades organizou diferentes ideias e conectou diferentes teorias. De maneira mais organizada e centrada na dispersão, me levou a ver que (i) a dispersão pode ter vários efeitos na estruturação de comunidades, nem sempre relacionados com a limitação de dispersão. Por exemplo, efeitos de massa (ME), que podem promover a coexistência de espécies caso a espécie com a menor aptidão tenha maior dispersão (//trade-off// entre competição e colonização) ou pode levar à homogeneização da comunidade e dominação de uma ou poucas espécies (aquelas com a maior aptidão na média regional); (ii) dispersão pode interagir com deriva e gerar dinâmicas que não dependem de seleção (NT), assim como pode interagir com outros mecanismos de seleção, que não apenas a competição, mas também mecanismos de filtro ambiental (SS); (iii) estrutura espacial e dispersão estão intimamente ligadas e a posição dos adultos na comunidade é importante para entender os processos de dispersão de sementes. De forma geral, acredito que a novidade não seja exatamente nos mecanismos, uma vez que //trade-offs//, dinâmicas neutras e filtro ambiental estão incluídos em minha pesquisa, seja na construção teórica ou na proposição de explicações. A novidade que a abordagem de metacomunidades me trouxe é a forma como os mecanismos são organizados em torno da dispersão e da estrutura espacial da comunidade (esquematizados na Figura 1). | Olhar para a abordagem de metacomunidades organizou diferentes ideias e conectou diferentes teorias. De maneira mais organizada e centrada na dispersão, me levou a ver que (i) a dispersão pode ter vários efeitos na estruturação de comunidades, nem sempre relacionados com a limitação de dispersão. Por exemplo, efeitos de massa (ME), que podem promover a coexistência de espécies caso a espécie com a menor aptidão tenha maior dispersão (//trade-off// entre competição e colonização) ou pode levar à homogeneização da comunidade e dominação de uma ou poucas espécies (aquelas com a maior aptidão na média regional); (ii) dispersão pode interagir com deriva e gerar dinâmicas que não dependem de seleção (NT), assim como pode interagir com outros mecanismos de seleção, que não apenas a competição, mas também mecanismos de filtro ambiental (SS); (iii) estrutura espacial e dispersão estão intimamente ligadas e a posição dos adultos na comunidade é importante para entender os processos de dispersão de sementes. De forma geral, acredito que a novidade não seja exatamente nos mecanismos, uma vez que //trade-offs//, dinâmicas neutras e filtro ambiental estão incluídos em minha pesquisa, seja na construção teórica ou na proposição de explicações. A novidade que a abordagem de metacomunidades me trouxe é a forma como os mecanismos são organizados em torno da dispersão e da estrutura espacial da comunidade. |
| |
{{ :ensaios:2022:fig1a.png?nolink&300 |}} | |
| |
{{ :ensaios:2022:fig1b.png?nolink&300 |}} | |
| |
**Figura 1. (a)** //Como era meu entendimento antes?// Existe uma hierarquia competitiva baseada no tamanho das sementes que define as espécies com maior ou menor aptidão. Espécies com menor aptidão só se estabelecem na ausência de competição, cenário que ocorre quando as melhores competidoras tem uma limitação em sua dispersão. ** (b)** //E como está agora?// Competição por hierarquia competitiva e limitação de dispersão continuam influenciado a estruturação de comunidades. Mas agora, a deriva (rosa) e o filtro ambiental (laranja), por exemplo, podem levar espécies à extinções locais. Efeitos de massa (azul) podem permitir o estabelecimento de espécies em condições desfavoráveis. | |
| |
| |
Vellend, M. (2010). Conceptual synthesis in community ecology. The Quarterly review of biology, 85(2), 183-206. | Vellend, M. (2010). Conceptual synthesis in community ecology. The Quarterly review of biology, 85(2), 183-206. |
| |
== Conservadorismo de Nicho: importância para as escalas regionais e local e suas possíveis aplicações === | ==== Conservadorismo de Nicho: importância para as escalas regional e local e sua possível aplicação ==== |
== Salatiel Gonçalves Neto == | == Salatiel Gonçalves Neto == |
| |
Wiens, J. J., Pyron, R. A. & Moen, D. S. (2011). Phylogenetic origins of local-scale diversity patterns and the causes of Amazonian megadiversity. Ecology Letters 14: 643–652. | Wiens, J. J., Pyron, R. A. & Moen, D. S. (2011). Phylogenetic origins of local-scale diversity patterns and the causes of Amazonian megadiversity. Ecology Letters 14: 643–652. |
| |
| ==== A Teoria da Similaridade Limitante em Comunidades Viras ==== |
| ==Guilherme Barradas Morés== |
| |
| No início do século XX, o biólogo soviético Georgy Gause mostrou que ao se colocar duas espécies diferentes de Paramecium no mesmo microcosmo, uma eventualmente exclui a outra graças à competição por recursos (1). Esses achados foram generalizados para toda Ecologia como o Princípio da Exclusão Competitiva, que determina que se duas espécies ocupam o mesmo nicho, elas não podem coexistir (2). Explorando os motivos de existirem tantas espécies diferentes de animais, Hutchinson supôs que deve haver uma diferença mínima de nicho para que duas espécies possam coexistir (3). MacArthur e Levins formalizaram matematicamente esta ideia e nomearam essa diferença mínima de nicho(que também pode ser visto como uma sobreposição máxima de nicho) de similaridade limitante (4). |
| |
| Na proposição inicial de MacArthur e Levins, a similaridade limitante poderia ser calculada com base em uma fórmula que usa características quantitativas dos nichos das espécies e que seria universal para todos os sistemas ecológicos. Trabalhos teóricos posteriores mostraram que a similaridade limitante não poderia ser tão facilmente generalizada, tendo valores diferentes dependendo das características do sistema (5,6). Outros trabalhos mostraram situações em que duas espécies competidoras por um único recurso poderiam coexistir, o que resulta na ausência de similaridade limitante (7,8). As tentativas de medir a similaridade limitante em campo (como os diversos estudos agregados por 9) também foram criticadas. A razão das críticas era de que não é só porque determinada sobreposição de nicho é observada na natureza que ela deve corresponder à sobreposição máxima possível (10). Ao invés disso, as similaridades observadas entre as espécies devem ser menores que a similaridade limitante e corresponder a um ótimo evolutivo, explicado por outra teoria, a Teoria do Deslocamento de Caracteres (11). |
| |
| Frente a essas críticas a Teoria da Similaridade Limitante poderia se tornar obsoleta. Porém, Abrams (10) defendeu a pertinência da teoria para compreender certos aspectos das comunidades biológicas. Para ele, a similaridade limitante é útil para compreender a riqueza de espécies em uma comunidade, já que em sistemas parecidos, uma maior sobreposição de nichos resultaria num maior número de espécies. A similaridade limitante também faria parte do corpo teórico necessário para determinar a possibilidade de uma espécie invadir determinada comunidade e qual seria a consequência dessa invasão. Entretanto, para ajudar nessas questões e continuar relevante, a teoria deve sacrificar seu generalismo e focar em modelos detalhados mecanísticos de sistemas específicos. |
| |
| A comunidade de diferentes vírus, ou variantes virais, circulantes que afetam o ser humano pode ser vista como um destes sistemas particulares afetados pela Teoria da Similaridade Limitante. Numa perspectiva de Ecologia de Populações, cada vírus consome apenas um recurso: hospedeiros suscetíveis(i.e. que não possuem imunidade) (12). Via de regra,depois que um vírus infecta um hospedeiro, ele desenvolve uma memória imune que o tornará resistente a novas infecções, ainda que essa resistência possa ser temporária (12). Essa memória imune é específica para cada vírus, porém vírus parecidos podem gerar uma memória imune parecida, chamada de imunidade cruzada (13). Assim, vírus semelhantes acabariam competindo por hospedeiros suscetíveis, o que poderia levar o melhor competidor (i. e. aquele com maior transmissão) a excluir os outros (14).Um exemplo desta situação é a sequência em que variantes mais infectantes do SARS-CoV-2, ao surgirem, excluíram as anteriores (15,16). Num sistema de competição viral, a similaridade limitante pode ser definida como o máximo de imunidade cruzada possível entre dois vírus que coexistem. |
| |
| A perspectiva descrita acima pode ser útil para compreender aspectos das comunidades de vírus com relevância para a saúde pública, como por exemplo, prever a possibilidade de um novo vírus ou variante viral se estabelecer em determinada comunidade, e qual será seu impacto nela. Apesar disso ela foi muito pouco explorada ainda. Pesquisando no Google Acadêmico, achei somente um artigo que envolve explicitamente vírus e similaridade limitante, e não no contexto de imunidade cruzada (17). Estudos de comunidades de vírus interagindo através da imunidade cruzada são diversos ( exemplo: 18,19,20). Esses estudos demonstram a possibilidade de ocorrer ou não exclusão competitiva, mas não explicitam a similaridade limitante como um fator decisivo. É necessário criar uma linha de pesquisa que teste explicitamente a Teoria da Similaridade Limitante para comunidades virais. Essa linha de pesquisa poderia trazer informações importantes para compreender as doenças virais que existem hoje em dia ou que possam surgir no futuro. |
| |
| |
| ==Referências bibliográficas== |
| |
| 1. Gause, GF. 1932. Experimental studies on the struggle for existence. Journal of Experimental Biology. 9, 389–402. |
| |
| 2. Hardin, G. 1960. The competitive exclusion principle. Science. 131(3409),1292-1297. |
| |
| 3. Hutchinson, GE. 1959. Homage to Santa Rosalia, or Why are there so many kinds of animals?. The American Naturalist. 93(870), 145–159. |
| |
| 4. MacArthur, R & Levins, R. 1967. The Limiting Similarity, Convergence, and Divergence of Coexisting Species. The American Naturalist. 101(921), 377–385. |
| |
| 5. Abrams, PA. 1975. Limiting similarity and the fonn of the competition coefficient. Theoretical Population BioIogy. 8, 356-75. |
| |
| 6. Abrams, PA. 1976. Niche overlap and environmental variability. Mathematical Biosciences. 28, 357-75. |
| |
| 7. Levin, S. 1974. Dispersion and population interactions. The American Naturalist. 108, 207-28. |
| |
| 8. Chesson, PL & Warner, RR. 1981. Environmental variability promotes coexistence in lottery competitive systems. The American Naturalist. 1(17), 923-43 |
| |
| 9. Simberloff, DS & Boeclden, W. 1981. Santa Rosalia reconsidered. Evolution. 35, 126-128. |
| |
| 10. Abrams, P. 1983. The Theory of Limiting Similarity. Annual Review of Ecology and Systematics. 14(1), 359–376. |
| |
| 11. Slatkin, M. 1980. Ecological character displacement. Ecology. 61,163-77 |
| |
| 12. Anderson, R. & May, R. 1979. Population biology of infectious diseases: Part I. Nature. 280, 361–367. |
| |
| 13. Hofstad, MS. 1981. Cross-Immunity in Chickens Using Seven Isolates of Avian Infectious Bronchitis Virus. Avian Diseases. 25(3), |
| 650-654. |
| |
| 14. Ackleh, AS & ALLEN, LJS. 2005. Competitive exclusion in SIS and SIR epidemic models with total cross immunity and density-dependent host mortality. Discrete & Continuous Dynamical Systems-B. 5(2), 175-188. |
| |
| 15. Coutinho, RM et al.2001. Model-based estimation of transmissibility and reinfection of SARS-CoV-2 P.1 variant. Communications Medicine. 1,48. |
| |
| 16. Campbell, F et al. 2021. Increased transmissibility and global spread of SARS-CoV-2 variants of concern as at June 2021. Euro Surveill.26(24), 2100509. |
| |
| 17. Kawaguchi, I et al. 2003. Why are dengue virus serotypes so distantly related? Enhancement and limiting serotype similarity between dengue virus strains.Proceedings of the Royal Society of London. Series B: Biological Sciences. 270(1530), 2241-2247. |
| |
| 18. Bremermann, HJ & Thieme, HR. 1989. A competitive exclusion principle for pathogen virulence. Journal of Mathematical Biology. 27(2), 179–190. |
| |
| 19. Feng, Z & Velasco-Hernández, J. 1997. Competitive exclusion in a vector-host model for the dengue fever. Journal of Mathematical Biology. 35, 523–544. |
| |
| 20. Garba, SM & Gumel, AB. 2010. Effect of cross-immunity on the transmission dynamics of two strains of dengue. International Journal of Computer Mathematics. 87(10), 2361-2384. |
| |