Diferenças

Aqui você vê as diferenças entre duas revisões dessa página.

Link para esta página de comparações

Ambos lados da revisão anteriorRevisão anterior
Próxima revisão
Revisão anterior
ensaios:2022:start [2022/03/11 21:46] estudante2022ensaios:2022:start [2022/03/18 19:38] (atual) estudante2022
Linha 1: Linha 1:
 ====== Ensaios 2022 ====== ====== Ensaios 2022 ======
  
-=== Resiliência ecológica em agroecossistemas===+===== Reconciliação entre a teoria de nicho e a teoria neutra através da teoria moderna da coexistência e dos grupos emergentes ===== 
 +== Luisa Truffi de Oliveira Costa ==  
 + 
 +A coexistência de diferentes espécies em comunidades ecológicas sempre intrigou ecólogos. Historicamente, a teoria de nicho foi utilizada para explicar a coexistência de diferentes espécies em uma mesma comunidade. O nicho de uma espécie pode ser definido de diferentes maneiras, neste trabalho utilizarei o conceito de nicho proposto por Hutchinson (1957) que define nicho como um hipervolume com n dimensões onde uma espécie pode manter populações estáveis, sendo cada dimensão uma condição ou quantidade de recurso necessários para a ocorrência da espécie em um local. Nesse contexto, caso as espécies tenham nichos similares, elas irão necessitar de recursos e condições semelhantes para permanecer na comunidade. Como tais recursos são limitados, a competição interespecífica entre elas será intensa e uma espécie deve excluir a outra da comunidade por consumir mais efetivamente os recursos (Hardin 1960, MacArthur & Levins 1967). Logo, segundo a teoria de nicho, caso as espécies tenham grande sobreposição de nicho, a melhor competidora deve excluir a pior da comunidade de maneira determinística (Hardin 1960, MacArthur & Levins 1967). Portanto, segundo a teoria de nicho existiria um limite para a similaridade de nicho entre espécies para que ocorra a coexistência estável. Para a teoria de nicho a coexistência na comunidade seria determinada por interações de competição por recursos, sendo a intensidade da competição determinada pelo grau de sobreposição de nicho entre as espécies.  
 + 
 +A teoria de nicho foi uma pedra fundamental para teoria ecológica e possibilitou uma explicação para a coexistência por meio da limitação de similaridade ecológica. A relevância limitação de similaridade de nicho para explicar a coexistência entre espécies foi desafiada pela publicação da teoria neutra da biodiversidade (Hubbell, 2001). Isso porque um dos pressupostos da teoria neutra é que as espécies de um mesmo grupo trófico podem ser consideradas equivalentes ecológicas e assume-se que elas possuem fitness idênticos. Para teoria neutra, as diferenças entre os nichos não são consideradas e a diversidade de espécies é explicada somente através da variação estocástica entre nascimentos, mortes, imigração e uma taxa de especiação fixa que atua sobre o pool regional de espécies. Para construção da teoria neutra Hubbell se baseou na teoria de biogeografia de ilhas (MacArthur and Wilson 1967) e em suas próprias pesquisas em florestas tropicais (Hubbell  1979). A teoria neutra buscava explicar a diversidade e coexistência a partir apenas da deriva, dispersão e especiação, processos pouco explorados na teoria de nicho. A equivalência entre as espécies de um mesmo nível trófico foi uma proposta radical que abandonou o papel do nicho e competição. Surpreendentemente a teoria neutra foi capaz de explicar padrões complexos como a distribuição de abundâncias de espécies em uma comunidade (Hubbell, 1997) e a taxa de turnover de espécies em uma comunidade (Condit et al, 2012). 
 + 
 +Um dos principais méritos da teoria neutra foi abrir o debate e propor que outros processos também são tão influentes quanto a competição para explicar a coexistência entre espécies e que mesmo que as espécies fossem iguais elas poderiam coexistir (Chase & Leibold, 2003). Apesar das duas teorias serem aparentemente antagônicas por possuírem pressupostos distintos, é equivocado julgar que a teoria de nicho e a teoria neutra sejam mutuamente exclusivas. Foi proposto por Adler e colaboradores (2007) que seria possível reconciliar as propostas da teoria de nicho e da teoria neutra ao analisar as teorias como situações dentro da proposta da teoria moderna da coexistência (Chesson, 2000). Para Chesson (2000) a coexistência estável é mediada por um balanço entre mecanismos equalizadores, que minimizam a diferença de fitness entre as espécies, e mecanismos estabilizadores, que aumentam o efeito negativo das interações intra-específicas em relação às interespecíficas. Os mecanismos estabilizadores são comumente associados à teoria de nicho (Adler et al, 2007); por exemplo, a partição de recursos e processos denso-dependentes negativos são processos considerados estabilizadores. No framework de Chesson, a coexistência entre espécies não depende somente dos mecanismos de estabilização, mas também é necessário considerar a diferença entre os fitness das espécies. Conforme representado na figura 1, é o balanço entre diferença de fitness e processos de nicho (estabilizadores) que permitem a coexistência de espécies em um local. Nesse cenário, espécies com grandes diferenças de fitness podem co-existir somente quando ocorrem processos estabilizadores fortes. Por outro lado, se as diferenças de fitness são pequenas, até mesmo pequenas forças estabilizadores conseguem manter a coexistência entre as espécies. A teoria neutra se encaixa nesse framework, apenas como um caso específico em que não existe diferença de fitness, ou seja, os fitness das espécies são equivalentes, e não existe ação de mecanismos estabilizadores (Fig. 1, ponto A) (Adler et al, 2007). Ao colocar a teoria neutra dentro do framework da teoria moderna da coexistência é possível compreender mais claramente que tanto processos neutros quanto de nicho podem atuar para gerar a coexistência entre espécies. A inserção da teoria neutra dentro do framework da teoria moderna da coexistência promove uma alternativa de reconciliação entre essas linhas de pensamento e fomenta a integração dos conceitos para o avanço do conhecimento na área. Contudo, como essa proposta espera que o cenário neutro seja apenas um ponto dentro de inúmeros possibilidades de coexistência, essa proposta ainda não integra as teorias em um sentido de elaborar explicações em que esses processos atuem de modo conjunto para manutenção da coexistência.  
 + 
 + 
 +{{:ensaios:2022:fig.adler.png}} 
 + 
 + 
 +Figura 1.   (Retirada de Adler et al 2007). Esse gráfico representa a relação esperada entre um par de espécies competidoras simétricas (efeito da espécie 1 sobre a 2  é igual a da 2 sobre a 1) e em que a competição intra-específica é fixa e igual (efeito da competição intra-específica para espécie 1 é igual ao efeito da competição intra-específica para espécie 2). O eixo y representa a equivalência de fitness das espécies, quando é igual a 1 as espécies têm fitness equivalentes. O eixo x representa a força de estabilização, quando ela é igual a 1 representa que a taxa de crescimento das espécies é independente de densidade, quanto mais próximo de 2 maior o efeito da denso-dependência negativa sobre o crescimento populacional para essas espécies .   
 + 
 +Outras propostas de integração entre as teorias neutra e de nicho foram propostas nos anos subsequentes a publicação do livro de Hubbell (2001), uma que destaco como uma perspectiva intrigante é a proposta de grupos emergentes (Scheffer & Van Nes 2006). Esses autores utilizaram um modelo de competição com múltiplas espécies, similar ao modelo clássico de Lotka-Volterra. Nesse modelo, inicialmente as espécies foram distribuídas de modo aleatório em um eixo de nicho e após milhares de rodadas foi observado um padrão emergente e auto-organizado de grupos de espécies que tinham um nicho funcional similar. Entre esses grupos existia uma lacuna, espaço de nicho, que não era ocupado por nenhuma espécie (Fig 2). Foi proposto como explicação para esse padrão que as espécies podem coexistir em 2 situações distintas: quando são suficientemente similares funcionalmente ou quando as espécies são suficientemente diferentes funcionalmente. No primeiro caso, a coexistência seria possível porque as espécies teriam uma sobreposição de nicho quase completa e mesma capacidade competitiva; portanto, entrariam em uma dinâmica quase neutra e a exclusão competitiva ocorreria de modo muito lento. Já no segundo caso as espécies quase não teriam sobreposição de nicho e, por isso, a competição por recursos seria menos intensa e a exclusão por competição não ocorreria. As lacunas entre os grupos não seriam ocupadas porque seriam posições em que a competição seria mais intensa, uma vez que nelas a sobreposição de nicho entre as espécies é parcial, o que levaria a um forte efeito da limitação de similaridade e a exclusão da espécie. Nesse mesmo artigo, Scheffer e van Ness (2006) também elaboraram um modelo de evolução de nicho no qual as espécies foram inicialmente distribuídas de modo aleatório no eixo de nicho e a cada geração poderiam experienciar um deslocamento de nicho de modo a minimizar a competição por recursos. Nesse modelo, o mesmo padrão de grupos emergiu, com espécies convergindo a nichos similares e uma lacuna entre os grupos (Fig 3). Em estudos empíricos, observaram-se padrões similares aos obtidos por esses modelos para tamanho corporal de besouros e aves (Scheffer et al, 2015, Thibault et al 2011), ou seja, que as espécies que coexistem são ou funcionalmente distintas ou muito similares. Apesar desses modelos serem simples e de que possivelmente hipóteses alternativas também possam explicar os padrões empíricos encontrados, considero a proposta dos grupos emergente intrigante porque ela consegue, a partir de conceitos tradicionais da teoria de nicho, como competição, sobreposição de nicho e partição de nicho, obter um padrão emergente de coexistência que é explicado pela atuação conjunta de processos de nicho e processos neutros. Considero essa uma proposta interessante de integração porque ambos conceitos da teoria de nicho e  da teoria neutra são utilizadas conjuntamente e simultaneamente para explicar um padrão de coexistência. 
 + 
 + {{:ensaios:2022:scheffer.png}} 
 + 
 + 
 + 
 +Figura 2. (Retirada de Scheffer e van Ness, 2006). Padrão de distribuição de abundância (biomassa) de espécies competidoras ao longo do eixo do nicho.  (a) Padrão observado na simulação após 1.000 rodadas. (b) Padrão observado na simulação após 5.000 rodadas.  
 + 
 + 
 +{{:ensaios:2022:scheffer2.png|}} 
 + 
 +Figura 3. (Retirada de Scheffler et al, 2018). Resultado da simulação de evolução de nicho de espécies competidoras a partir do modelo proposto por Scheffler e van Ness (2006).  
 + 
 +A teoria de nicho foi e ainda é fundamental para ecólogos, no entanto, é equivocado persistir tentando compreender os padrões ecológicos somente a partir de processos associados à teoria de nicho. Há duas décadas, a teoria neutra mostrou uma nova perspectiva de explicação e as propostas de integração entre teoria neutra e de nicho que surgiram posteriormente ampliaram ainda mais os horizontes de como diferentes processos podem atuar em comunidades ecológicas. Ao fazer essa reflexão, percebi que quando elaborei minha proposta de projeto de mestrado ela continuava muito restrita a explorar processos atrelados somente à teoria de nicho, e agora tenho como objetivo refletir sobre hipóteses alternativas que consigam abranger outros processos. Em meu mestrado irei analisar se as relações filogenéticas podem ser utilizadas para prever o saldo das interações entre plantas em planícies arenosas costeiras. A princípio, me baseando na teoria de nicho e na conservação de nicho na filogenia (Wiens et al, 2010), esperava que a limitação de similaridade fosse muito relevante e que, consequentemente, espécies filogeneticamente próximas tivessem maior probabilidade de ter interações negativas porque seus nichos seriam mais similares e a competição por recursos seria mais intensa que entre espécies filogeneticamente mais distantes. As propostas de integração entre teoria de nicho e teoria neutra me fizeram reavaliar que outros mecanismos, além da limitação de similaridade, poderiam estar envolvidos na interação entre pares de espécies de plantas. Por exemplo, agora, à luz das propostas de Scheffer e van Ness (2006), percebo que seria possível pensar em hipóteses alternativas em que a competição é mais intensa entre espécies com sobreposição de nicho parcial. Contudo, ainda preciso refletir com cautela sobre como as ideias elaboradas para pensar sobre a coexistência entre espécies em comunidades podem ser traduzidas de modo coerente para um contexto de interação entre pares de indivíduos de espécies diferentes. Essa transposição não é tão simples porque a coexistência de espécies não ocorre somente quando as espécies possuem interações neutras ou positivas; são possíveis, por exemplo, interações negativas quando a intensidade da competição não seja suficiente para gerar a exclusão de uma delas da comunidade. Considerando que as propostas de reconciliação entre teoria neutra e teoria de nicho que explorei são referentes à coexistência entre espécies e que não irei trabalhar diretamente com isso em meu mestrado, ainda acredito que essa reflexão foi inspiradora para buscar ampliar minha visão para além dos processos clássicos de nicho. 
 + 
 +==Referências bibliográficas:== 
 + 
 +Adler, P.B., HilleRisLambers, J. and Levine, J.M., 2007. A niche for neutrality. Ecology Letters, 10: 95-104. 
 + 
 +Chase, J. M., & Leibold, M. A., 2003. Ecological Niches: Linking Classical and Contemporary Approaches. Chicago University Press. 
 + 
 +Chesson, P., 2000. Mechanisms of maintenance of species diversity. Annual Review of Ecology, Evolution and Systematics 31: 343–66. 
 + 
 +Condit, R., Chisholm, R.A. and Hubbell, S.P., 2012. Thirty years of forest census at Barro Colorado and the importance of immigration in maintaining diversity. PloS one, 7(11): e49826. 
 + 
 +Hardin, G. 1960. The competitive exclusion principle. Science. 131(3409),1292-1297. 
 + 
 +Hubbell, S.P. 1979. Tree dispersion, abundance, and diversity in a tropical dry forest. Science 203: 1299-1309.  
 + 
 +Hubbell, S. 1997. A unified theory of biogeography and relative species abundance and its application to tropical rain  
 +forests and coral reefs. Coral Reefs 16, S9–S21.  
 + 
 +Hubbell, S. P.,  2001. The unified neutral theory of biodiversity and biogeography. Princeton University Press.  
 + 
 +Hutchinson, G.E., 1957. Concluding remarks. Population Studies: Animal Ecology and Demography. Cold Spring Harbor Symposium on Quantitative Biology, 22, 415–457 
 + 
 +MacArthur, R. H. & Wilson, E. O. , 1967. The Theory of Island Biogeography. [s.l.] Princeton University Press. 
 + 
 +MacArthur, R & Levins, R., 1967. The Limiting Similarity, Convergence, and Divergence of Coexisting Species. The American Naturalist. 101(921), 377–385.  
 + 
 +Scheffer, M., & van Nes, E. H., 2006. Self-organized similarity, the evolutionary emergence of groups of similar species. Proceedings of the National Academy of Sciences, 103(16), 6230-6235.  
 + 
 +Scheffer, M., Vergnon, R., van Nes, E., Cuppen, J., Peeters, E., Leijs, R., & Nilsson, A., 2015. The Evolution of Functionally Redundant Species; Evidence from Beetles. PLOS ONE, 10(10), e0137974. doi: 10.1371/journal.pone.0137974 
 + 
 +Scheffer M, Van Nes EH, Vergnon R. 2018. Toward a unifying theory of biodiversity. Proceedings of the National Academy of Sciences of the United States of America 115(4):639-641 
 + 
 +Thibault, K.M., White, E.P., Hurlbert, A.H. and Ernest, S.K.M. , 2011. Multimodality in the individual size distributions of bird communities. Global Ecology and Biogeography, 20: 145-153.  
 + 
 +Wiens, J. J., Ackerly, D. D., Allen, A. P., Anacker, B. L., Buckley, L. B., Cornell, H. V., Damschen, E. I., Jonathan Davies, T., Grytnes, J. A., Harrison, S. P., Hawkins, B. A., Holt, R. D., McCain, C. M., & Stephens, P. R., 2010. Niche conservatism as an emerging principle in ecology and conservation biology. Ecology letters, 13(10), 1310–1324. 
 + 
 + 
 +==== Resiliência ecológica em agroecossistemas====
 == Julie Christine Scaloppi== == Julie Christine Scaloppi==
  
Linha 246: Linha 312:
 Os ecossistemas nem sempre estão em equilíbrio porque as condições ambientais mudam, e podem responder de diferentes maneiras a essas mudanças. Em sistemas dinâmicos, essa resposta pode ser gradativa ou de forma rápida se atinge um valor crítico da condição dada (figura 1a e b). Um terceiro caso é apresentar mais de um estado de equilíbrio possível em um mesmo conjunto de condições, chamados de estados alternativos estáveis (Scheffer & Carpenter, 2003). Nesse sentido, o sistema pode apresentar dois estados de equilíbrio estáveis separados por um estado instável, como aparece na figura 1c. Observando na figura, se o sistema se encontra no ramo superior e a condição vai aumentando, o estado não muda, mas vai chegando no ponto crítico (f2), onde uma leve mudança ocasiona a transição abrupta para o estado inferior, chamado de “catástrofe”. Quanto mais perto do ponto crítico menor é a resiliência, ou seja, a capacidade do sistema de permanecer no mesmo estado, e assim ocorre essa transição brusca (May, 1977; Scheffer et al., 2001). Os ecossistemas nem sempre estão em equilíbrio porque as condições ambientais mudam, e podem responder de diferentes maneiras a essas mudanças. Em sistemas dinâmicos, essa resposta pode ser gradativa ou de forma rápida se atinge um valor crítico da condição dada (figura 1a e b). Um terceiro caso é apresentar mais de um estado de equilíbrio possível em um mesmo conjunto de condições, chamados de estados alternativos estáveis (Scheffer & Carpenter, 2003). Nesse sentido, o sistema pode apresentar dois estados de equilíbrio estáveis separados por um estado instável, como aparece na figura 1c. Observando na figura, se o sistema se encontra no ramo superior e a condição vai aumentando, o estado não muda, mas vai chegando no ponto crítico (f2), onde uma leve mudança ocasiona a transição abrupta para o estado inferior, chamado de “catástrofe”. Quanto mais perto do ponto crítico menor é a resiliência, ou seja, a capacidade do sistema de permanecer no mesmo estado, e assim ocorre essa transição brusca (May, 1977; Scheffer et al., 2001).
  
-{{:ensaios:2022:figura_1.png?200|}} Figura 1. Representação esquemática de como o estado de equilíbrio de um ecossistema pode variar dependendo das condições (Scheffer, 2009). A figura a e b são sistemas com um equilíbrio estável e a figura c representa um sistema com dois equilíbrios estáveis (linhas cheias) e um instável (linha tracejada). As setas representam a direção do sistema quando não está em equilíbrio.+{{ :ensaios:2022:figura_1.png? |}} 
 +Figura 1. Representação esquemática de como o estado de equilíbrio de um ecossistema pode variar dependendo das condições (Scheffer, 2009). A figura a e b são sistemas com um equilíbrio estável e a figura c representa um sistema com dois equilíbrios estáveis (linhas cheias) e um instável (linha tracejada). As setas representam a direção do sistema quando não está em equilíbrio.
  
 Em resumo, quando as condições mudam, o estado instável fica cada vez mais perto do estado estável até colidir e mudar de estado. Para voltar ao estado original, não basta voltar apenas para as condições originais, é necessário recuar ainda mais nas condições para chegar ao equilíbrio original. Esse processo é chamado de histerese. Em resumo, quando as condições mudam, o estado instável fica cada vez mais perto do estado estável até colidir e mudar de estado. Para voltar ao estado original, não basta voltar apenas para as condições originais, é necessário recuar ainda mais nas condições para chegar ao equilíbrio original. Esse processo é chamado de histerese.
Linha 304: Linha 371:
 Vellend, M. (2010). Conceptual Synthesis in Community Ecology. The Quarterly Review of Biology, 85(2), 183–206. https://doi.org/10.1017/CBO9781107415324.004 Vellend, M. (2010). Conceptual Synthesis in Community Ecology. The Quarterly Review of Biology, 85(2), 183–206. https://doi.org/10.1017/CBO9781107415324.004
  
 +==== Restauração ecológica como transição entre estados estáveis alternativos ====
 +== Joyce Fernandes Ferreira ==
 +
 +Na segunda metade do século passado emergiu-se a ideia de que sistemas ecológicos pudessem ocorrer como estados estáveis alternativos (May, 1977), sendo que estados estáveis resultam de um balanço de processos que geram equilíbrios estáveis (Scheffer, 2009). Um exemplo de estado estável pode ser dado por uma população hipotética que tem a densidade regulada pelo equilíbrio das taxas de nascimento e mortalidade (figura 1a) (Scheffer, 2009). Nesse caso, o equilíbrio estável é atingido na capacidade de suporte (K) da população, na qual as taxas de natalidade e mortalidade se equivalem (figura 1a). Assim, esse sistema pode ser representado por uma bola em uma bacia de atração (figura 1b), onde mesmo com perturbações ela retornará ao fundo da bacia. Em sistemas com estados estáveis alternativos existe mais de uma bacia de atração (Scheffer, 2009). Um exemplo de tais sistemas pode ser dado por populações com Efeito Allee, ou seja, que em densidades baixas a taxa de mortalidade da população é maior que a de natalidade (figura 2a). Nesse caso, existe um ponto onde as taxas de mortalidade e natalidade se igualam que se trata de um ponto de equilíbrio instável, sendo o limiar a partir do qual a população tenderá aos estados estáveis de densidade 0 ou K (figura 2a). Nesse sistema, para que haja uma mudança de um estado para outro, a bola tem que sofrer uma perturbação grande o suficiente para fazê-la passar de uma bacia de atração para outra (figura 2b) (Beisner et al., 2003; Scheffer, 2009). Assim, o tamanho da bacia de atração pode ser definida como a resiliência de um estado, que também pode ser definida como a perturbação máxima que pode ser exercida sobre um sistema sem que ele mude para um estado estável alternativo (Scheffer, 2009).
 +
 +{{ :ensaios:2022:fig1.png?300 |}}
 +Figura 1: (a) População hipotética que tem sua densidade definida pelo balanço das taxas de natalidade e mortalidade. Essas taxas se encontram no ponto onde a densidade está na capacidade de suporte (k), um ponto de equilíbrio estável. Nesse ponto, caso a população aumente, a taxa de mortalidade passará a ser maior que a de natalidade, retornando a população a K; caso a população diminua, o inverso ocorrerá e a população também retornará a K. (b) Modelo de paisagem de densidade representando um sistema com um único estado estável (vale ou fundo da bacia de atração) para o qual a bolinha sempre retornará, mesmo que sofra perturbações. Figura adaptada de: Scheffer 2009.
 +
 +{{ :ensaios:2022:fig2.png?300 |}}
 +Figura 2: (a) População hipotética que tem sua densidade definida pelo balanço das taxas de natalidade e mortalidade com Efeito Allee, que faz com que, em densidades baixas, a taxa de mortalidade seja maior que a de natalidade. Dessa forma, existem dois estados estáveis e um ponto de equilíbrio instável (representado pelo círculo aberto onde as taxas de natalidade e mortalidade se encontram pela primeira vez, à esquerda), no qual qualquer perturbação pode fazer com que a população vá para um dos estados estáveis de densidade populacional: 0 ou K. (b) Modelo de paisagem de densidade representando um sistema com dois estados estáveis (duas bacias de atração) e um instável (crista ou borda da bacia de atração). No ponto instável, onde se encontra a bolinha branca, qualquer perturbação pode fazer com ela seja atraída para o fundo de uma das bacias de atração. Figura adaptada de: Scheffer 2009.
 +
 +Feedbacks positivos são peças necessárias - mas não suficientes - para a existência de estados estáveis alternativos (Kéfi et al., 2016; Scheffer, 2009) e um mecanismo ecológico que comumente está por trás desses feedbacks positivos são as interações de facilitação (Scheffer, 2009).  Feedbacks positivos ocorrem quando o resultado das relações ecológicas entre componentes bióticos e abióticos de um sistema promove a manutenção do seu estado (Kéfi et al., 2016). Um exemplo clássico de sistema com estados estáveis alternativos ocorre em lagos rasos que podem apresentar um estado com águas límpidas ou com águas túrbidas (Blindow et al., 1993; Scheffer et al., 1993). O estado de águas límpidas permite que a luz atinja maiores profundidades na coluna d’água, permitindo o estabelecimento de plantas submersas que, por sua vez, mantêm o estado da água límpida por uma série de mecanismos. Um aumento de nutrientes no lago, pode fazer com que o lago mude para o estado de águas túrbidas, aumentando a densidade de fitoplâncton e impedindo o estabelecimento da vegetação submersa.
 +
 +Além de perturbações, variações nas condições externas ao sistema podem levar a mudanças entre estados estáveis alternativos (Beisner et al., 2003). Isso porque essas condições externas podem alterar a estabilidade do sistema, afetando a resiliência e possibilitando que exista apenas um estado estável ou estados estáveis alternativos (figura 3). Assim, a resposta do sistema às condições externas se apresenta na forma de uma curva dobrada (figura 3) em que um estado pode ser insensível a mudanças externas, até que elas ultrapassem um limite, resultando em uma transição crítica de estado (mudança catastrófica) (Scheffer, 2009). Uma característica importante de estados estáveis alternativos é a histerese (Beisner et al., 2003; Scheffer, 2009), fenômeno que faz com que, para reverter uma mudança catastrófica, seja necessário retornar as condições a níveis mais inferiores do que aquele no qual a mudança ocorreu (figura 3). Esse efeito das condições externas sobre o sistema pode fazer com que variações pequenas nas condições ou pequenas perturbações causem mudanças catastróficas de estados, sendo que o sistema pode não apresentar sinais de que está próximo de uma mudança catastrófica até que ela ocorra.
 +
 +{{ :ensaios:2022:fig3.png?200 |}}
 +Figura 3: Representação esquemática da resposta de um sistema a mudanças nas condições externas. As curvas contínuas representam dois estados de equilíbrio estável diferentes. Se o sistema se encontrar fora dessas curvas ele tenderá a retornar para um dos estados estáveis de acordo com a direção das setas. Se o sistema se encontrar no estado de equilíbrio estável superior e as condições ultrapassarem o ponto F2, haverá uma mudança catastrófica para o outro estado de equilíbrio estável. Porém, para retornar ao estado inicial, as condições deverão ser revertidas a níveis bem mais inferiores do que aquele no qual a mudança ocorreu, ou seja, deverão ultrapassar o ponto F1, fenômeno chamado de histerese. Figura adaptada de: Scheffer 2009.
 +       
 +A possibilidade de sistemas ecológicos apresentarem estados estáveis alternativos e de sofrerem mudanças catastróficas difíceis de serem previstas e revertidas pode ter um impacto sobre o manejo de ecossistemas e comunidades (Folke et al., 2002; Suding et al., 2004). O conhecimento sobre os possíveis estados alternativos e sobre os mecanismos que os regulam pode impulsionar estratégias de manejo com objetivos de evitar transições críticas de estados (Scheffer, 2009). Pode-se, por exemplo, criar cenários para visualizar possíveis futuros alternativos e o que pode desencadeá-los, assim como fazer estimativas de risco acerca de tomadas de decisões sobre determinado sistema. Dessa forma, estratégias de manejo podem ser feitas visando aumentar a resiliência de um sistema e diminuir a chance de uma transição crítica (Folke et al., 2002; Scheffer, 2009). Além disso, estratégias de manejo podem ter o objetivo de promover transições críticas de estado, por exemplo, promovendo a transição de um estado degradado para um restaurado (Scheffer, 2009; Suding et al., 2004). Uma maneira de fazer isso é realizando perturbações que impulsionam a mudança de estado em situações em que a resiliência do estado degradado é menor (Scheffer, 2009). Pode-se, por exemplo, aproveitar períodos de El Niño para restaurar ecossistemas de climas secos, pois a maior precipitação causada pelo El Niño poderia diminuir a resiliência do sistema degradado, facilitando o estabelecimento da vegetação que se pretende restaurar (Scheffer, 2009).
 +
 +Muitos projetos de restauração não são bem-sucedidos em atingir todos seus objetivos (Lockwood & Pimm, 1999), e modelos de estados estáveis alternativos podem explicar o porquê de sistemas degradados poderem ser resilientes à restauração (Suding et al., 2004). Algumas estratégias de restauração são focadas em restabelecer as condições abióticas prévias à mudança de regime, para assim promover um retorno natural da vegetação (Suding et al., 2004). Em algumas situações essas estratégias podem ser bem-sucedidas, porém, em outras, é necessário que ações ativas de manejo sejam realizadas, sugerindo que a situação degradada possa se tratar de um estado estável alternativo (Suding et al., 2004). Dessa forma, seria então necessária uma quebra de seus mecanismos de feedbacks para que haja uma mudança de estado. Dentre os mecanismos de feedbacks que podem aumentar a resiliência de sistemas degradados estão os efeitos gerados pelas espécies presentes no sistema degradado, que podem mudar as características do ecossistema beneficiando a si mesmas (Suding et al., 2004). Além disso, em sistemas degradados, a fragmentação e perda de conectividade na paisagem pode limitar a recolonização do sistema por espécies nativas, também aumentando a resiliência do sistema degradado (Suding et al., 2004). 
 +
 +De acordo com a hipótese do gradiente de estresse, interações de facilitação podem se tornar mais importantes em condições mais severas (Bertness & Callaway, 1994), como pode ser o caso de ambientes degradados, por terem condições muito diferentes das condições da vegetação original. Dessa forma, a facilitação entre plantas pode ser um mecanismo importante para o estabelecimento da comunidade em restaurações ecológicas (Padilla & Pugnaire, 2006), nas quais a presença de um indivíduo pode melhorar as condições microclimáticas e edáficas (Callaway, 1995) e favorecer o desenvolvimento de plantas vizinhas (Bueno & Llambí, 2015; Gómez-Aparicio et al., 2004). Interações de facilitação podem atuar como componentes de feedbacks positivos de estados estáveis (Kéfi et al., 2016), podendo então beneficiar a transição do estado degradado para o restaurado. Assim, projetos de restauração podem se beneficiar de mecanismos de facilitação (Padilla & Pugnaire, 2006) e contar com métodos com o potencial de promovê-los, como plantios em que as espécies são plantadas de forma agrupada, com menor espaçamento entre si (Silliman et al., 2015; Corbin & Holl, 2012).
 +
 +Entretanto, interações de competição também podem ocorrer entre plantas vizinhas, de forma que o efeito de vizinhança entre elas seja dado pelo saldo entre as interações de competição e facilitação (Callaway & Walker, 1997), que pode ser positivo ou negativo. Além disso, os efeitos de vizinhança podem ser influenciados pelas condições ambientais, pelas características das espécies e pelo estágio ontogenético dos indivíduos envolvidos (Armas & Pugnaire, 2009; Callaway & Walker, 1997; Miriti, 2006). Assim, penso que o resultado da dinâmica de feedback, além de depender do sinal e intensidade dos diferentes efeitos de vizinhança entre os indivíduos presentes no sistema (Kéfi et al., 2016), pode variar de acordo com as espécies escolhidas para a restauração ou mesmo com o passar do tempo. 
 +
 +Em meu projeto de mestrado vamos trabalhar com dados do monitoramento de um plantio de restauração de floresta de restinga que contou com um delineamento experimental com dois tratamentos. Em um deles as mudas foram plantadas em agrupamentos multiespecíficos incluindo espécies pioneiras e não pioneiras e, no outro, mudas das mesmas espécies foram plantadas isoladamente. Temos como objetivo avaliar os efeitos de vizinhança entre as espécies que estão nos agrupamentos multiespecíficos, considerando os grupos sucessionais das espécies e o tempo transcorrido desde o início do plantio. Assim, acredito que explorar como os efeitos de vizinhança podem ser influenciados pela identidade das espécies e como podem variar ao longo do tempo, pode fornecer indicativos sobre a possibilidade da ocorrência de mecanismos de feedbacks positivos nesse tipo de plantio, que poderiam então beneficiar a transição de um estado degradado para um restaurado.
 +
 +== Referências bibliográficas ==
 +
 +Armas, C., & Pugnaire F. I. (2009). Ontogenetic shifts in interactions of two dominant shrub species in a semi-arid coastal sand dune system. Journal of Vegetation Science, 20(3), 535–546
 +
 +Beisner, B. E., Haydon, D. T., & Cuddington, K. (2003). Alternative stable states in ecology. Frontiers in Ecology and the Environment, 1(7), 376-382.
 +
 +Bertness, M. D., & Callaway, R. (1994). Positive interactions in communities. Trends in Ecology and Evolution, 9(5), 191–193.
 +
 +Blindow I., Andersson, G., Hargeby, A., & Johansson, S. (1993). Long-term pattern of alternative stable states in two shallow eutrophic lakes. Freshwater Biology, 30(1): 159-167.
 +
 +Bueno, A., & Llambí, L. D. (2015). Facilitation and edge effects influence vegetation regeneration in old-fields at the tropical Andean forest line. Applied Vegetation Science, 18(4), 613–623.
 +
 +Callaway, R. M. (1995). Positive interactions among plants. The Botanical Review, 61(4), 306–349.
 +
 +Callaway, R. M., & Walker, L. R. (1997). Competition and facilitation: A synthetic approach to interactions in plant communities. Ecology, 78(7), 1958–1965.
 +
 +Corbin, J. D., & Holl, K. D. (2012). Applied nucleation as a forest restoration strategy. Forest Ecology and Management, 265, 37–46.
 +
 +Folke, C., Carpenter, S., Elmqvist, T., Gunderson, L., Holling, C. S., & Walker, B. (2002). Resilience and sustainable development: building adaptive capacity in a world of transformations. AMBIO: A journal of the human environment, 31(5), 437-440.
 +
 +Gómez-Aparicio, L., Zamora, R., Gómez, J. M., Hódar, J. A., Castro, J., & Baraza, E. (2004). Applying plant facilitation to forest restoration: a meta-analysis of the use of shrubs as nurse plants. Ecological Applications, 14(4), 1128–1138.
 +
 +Kéfi, S., Holmgren, M., & Scheffer, M. (2016). When can positive interactions cause alternative stable states in ecosystems?. Functional Ecology, 30(1), 88-97.
 +
 +May, R. M. (1977). Thresholds and breakpoints in ecosystems with a multiplicity of stable states. Nature, 269(5628), 471-477.
 +
 +Miriti, M. N. (2006). Ontogenetic shift from facilitation to competition in a desert shrub. Journal of Ecology, 94(5), 973–979.
 +
 +Padilla, F. M., & Pugnaire, F. I. (2006). The role of nurse plants in the restoration of degraded environments. Frontiers in Ecology and the Environment, 4(4), 196–202.
 +
 +Scheffer, M. 2009. Alternative Stable States. In: Critical Transitions in Nature and Society, Chapter II, pp. 11-36, Princenton University Press.
 +
 +Scheffer, M., Hosper, S. H., Meijer, M. L., Moss, B., & Jeppesen, E. (1993). Alternative equilibria in shallow lakes. Trends in ecology & evolution, 8(8), 275-279.
 +
 +Silliman, B. R., Schrack, E., He, Q., Cope, R., Santoni, A., Van Der Heide, T., Jacobi, M., & Van De Koppel, J. (2015). Facilitation shifts paradigms and can amplify coastal restoration efforts. Proceedings of the National Academy of Sciences, 112(46), 14295-14300.
 +
 +Suding, K. N., Gross, K. L., & Houseman, G. R. (2004). Alternative states and positive feedbacks in restoration ecology. Trends in ecology & evolution, 19(1), 46-53.
 +
 +=== A importância de diferentes escalas na dinâmica de comunidades em sistemas parasita-hospedeiro ===
 +== Giovanni Cardoso dos Santos Correia ==
 +
 +Comunidades podem ser entendidas como o conjunto de espécies ocupando o mesmo local (Hubert et al., 2015). Algo a ser considerado é que o “local” pode ser uma grande variedade de sistemas e escalas,  como subamostras de uma matriz contínua (e.g. 1ha em uma floresta) a manchas de hábitat (e.g. cadáveres de baleias no mar profundo) (Hubert et al., 2015). Apesar disso, muitas das teorias existentes em ecologia de comunidades assumem que comunidades locais são sistemas fechados e isolados (Leibold et al., 2004). Porém, dinâmicas ecológicas que ocorrem em uma comunidade local não são necessariamente independentes das que ocorrem em outra comunidade local, e há processos ecológicos que podem ocorrer em escalas maiores do que a escala da comunidade local (Leibold, 2011). Portanto, para entender todos os processos ocorrendo em uma comunidade, é necessário olhar também para a metacomunidade. Metacomunidades podem ser entendidas como um conjunto de comunidades locais que são conectadas por pelo menos um de seus componentes (Leibold et al., 2004). Esse aumento na escala do estudo de comunidades nos leva a considerar como a dispersão entre comunidades locais afeta as dinâmicas ecológicas em uma comunidade local (Leibold, 2011). 
 +
 +A capacidade de dispersão é um processo importante quando se pensa em metacomunidades, e tanto a estruturação do hábitat quanto características do organismo possuem grande influência sobre essa capacidade (Heino et al., 2015). Por décadas foram utilizadas teorias exclusivamente sobre o local para explicar a composição de uma comunidade (Vellend, 2010). Apesar disso, mesmo pesquisadores que são considerados criadores da visão “nichocêntrica” em comunidades estavam atentos a processos que não consideravam apenas a comunidade local (Leibold & Chase, 2017). Hutchinson (1959), ao estudar insetos da família Corixidae em poças de água doce, comentou que Corixa dentipes poderia ser uma espécie “fugitiva”, por ser uma pior competidora localmente, mas possuir maior capacidade de dispersão. Outro pesquisador importante para a teoria dos nichos, MacArthur, também prestou muita atenção para a dispersão como um processo importante em comunidades. Junto com Wilson, formulou a Teoria da Biogeografia de Ilhas (MacAthur & Wilson 1963; Wilson & MacArthur, 1967), teoria em que os processos básicos para a formação de comunidades são a dispersão e a extinção. Durante os anos 70 e 80, estudos sobre processos espaciais foram deixados de lado pela maioria dos ecologistas (Leibold & Chase, 2017). Entretanto, nos anos 90 e 2000, houve um renascimento no interesse das relações entre processos espaciais e composição de comunidades, tendo a Teoria Neutra de Hubbell (2001), como seu maior estímulo (Leibold & Chase, 2017). 
 +
 +Mas quais são os padrões esperados quando se estuda metacomunidades? Leibold et al. (2004) reconhecem 4 principais padrões de dinâmica em metacomunidades: a dinâmica de manchas, onde existem manchas de hábitat idênticas e comunidades com interações interespecíficas determinísticas (ex. Uma espécie A que é predadora  da espécie B, e A sempre leva a espécie B à extinção quando chega a uma mancha). Devido à capacidade de dispersão diferente entre a espécie A e a espécie B, é possível haver coexistência entre as duas espécies quando se analisa a metacomunidade, pois se a espécie B for mais eficiente na dispersão do que a espécie A, haverá manchas de hábitat em que a espécie A ainda não alcançou, mas já há uma população estável da espécie B. A seleção de espécies, em que as manchas de hábitat em uma região são diferentes entre si, o que permite que espécies possuam fitness diferente em cada mancha de hábitat. Apesar da heterogeneidade espacial possuir um papel importante nesse padrão de metacomunidade, a dispersão também é um processo importante, principalmente por permitir recolonização de comunidades locais após distúrbios e para conectar manchas de hábitat semelhantes, quando essas não são adjacentes. O terceiro padrão que pode ser encontrado é o efeito de massa, onde, em uma metacomunidade com manchas de hábitat diferentes, espécies consigam estar presentes em comunidades locais mesmo que as interações interespecíficas eventualmente fossem levar essa espécie à extinção. Isso ocorre se a chegada de indivíduos da espécie em uma localidade seja maior do que o número de mortes devido às interações, criando relações fonte-sumidouro entre diferentes manchas de hábitat na metacomunidade. O último padrão que os autores evidenciam é o neutro, onde as relações de nicho apresentam pouca ou nenhuma importância, e os processos mais importantes para a dinâmica da comunidade são dispersão e extinção.
 +
 +Em minha pesquisa, irei trabalhar com comunidade de parasitas de peixes de riachos. Os riachos já foram previamente escolhidos, e são representantes de microbacias de terceira ordem presentes na bacia do Alto Tietê. Microbacias são bons sistemas para estudar metacomunidades, pois estão inseridas em uma matriz ambiental que é inóspita para organismos aquáticos, o que facilita a definição de comunidades locais (Heino et al., 2015), apresentam variáveis abióticas bem definidas, um pool de espécies local e regional facilmente separável e heterogeneidade ambiental considerável (Heino, 2013). Em relação aos hospedeiros, há evidência na literatura de que gradientes espaciais e ambientais são importantes para sua distribuição espacial e dinâmica das comunidades; Vieira et al. (2020) encontraram que, para ictiofauna neotropical, os padrões mais adequados para a análise de metacomunidades são o de efeito de massa e a seleção de espécies. Há a chance do padrão de metacomunidade ser o mesmo tanto para o hospedeiro quanto para o parasita, mas essa não pode ser a única explicação, devido a diferenças de escala. 
 +
 +Em interações simbióticas, como a relação parasita-hospedeiro, há três escalas possíveis de estudo de comunidades (Bush et al., 1997, Poulin, 2007): Infracomunidades, que são a comunidade de parasitas presentes em um determinado hospedeiro e em um determinado tempo; comunidade de componentes, que são todas as infracomunidades presentes em um subconjunto dos hospedeiros (ex. hospedeiros em uma localidade X, hospedeiros da espécie Y durante sua fase larval); e supracomunidades, que são todos os indivíduos em todas as fases de desenvolvimento em um determinado tempo e espaço. Cada uma dessas três escalas, apesar de estarem relacionadas, possuem estrutura e dinâmica diferentes, devido principalmente à diferença do tempo de existência de cada uma delas (Poulin, 2007); enquanto uma infracomunidade está restrita ao tempo de vida do indivíduo que é hospedeiro, comunidades de componentes e supracomunidades podem durar enquanto as populações ou comunidades de hospedeiros existirem. O conceito de metacomunidades permite estudar as diferentes escalas de comunidades tanto no nível do parasita quanto no nível do hospedeiro, e também permite considerar os dois níveis simultaneamente (Brown et al., 2019).
 +
 +Boa parte dos estudos de comunidade de parasitas são feitos examinando padrões em um ou poucos indivíduos de uma espécie de hospedeiro (Poulin, 2007). Mas é importante considerar que parasitas podem ter ciclo de vida complexo, passando obrigatoriamente por mais de um hospedeiro durante sua vida. É possível que cada um dos hospedeiros tenha capacidades de dispersão diferentes dentro das microbacias. Como exemplo, pode ser difícil para um peixe transitar entre diferentes microbacias, seja devido à baixa capacidade dispersão, seja devido à heterogeneidade ambiental. Mas para uma ave que utiliza os riachos para alimentação, diferentes microbacias podem ser facilmente alcançáveis. Caso um parasita utilize ambos os organismos (o peixe e a ave) como hospedeiros, a capacidade de dispersão do parasita deve considerar a capacidade de dispersão de ambos os hospedeiros. Portanto, ferramentas de estudo de metacomunidades são importantes para entender a dinâmica das comunidades de parasitas, pois certas propriedades dessas comunidades podem aparecer apenas quando se considera escalas diferentes como a escala local. Além disso, é importante ter em mente como as diferentes escalas apresentam diferentes estruturas espaciais, e como essas diferentes escalas interagem para criar padrões de estrutura e dinâmica de comunidades. 
 +
 +
 +== Referências bibliográficas ==
 +BROWN, J. J. et al. Metacommunity theory for transmission of heritable symbionts within insect communities. Ecology and evolution, v. 10, n. 3, p. 1703-1721, 2020.
 +
 +BUSH, A. O. et al. Parasitology meets ecology on its own terms: Margolis et al. revisited. The Journal of parasitology, p. 575-583, 1997.
 +
 +HEINO, J. The importance of metacommunity ecology for environmental assessment research in the freshwater realm. Biological Reviews, v. 88, n. 1, p. 166-178, 2013.
 +
 +HEINO, J. et al. A comparative analysis of metacommunity types in the freshwater realm. Ecology and Evolution, v. 5, n. 7, p. 1525-1537, 2015.
 +
 +HUBBELL, S. P. The unified neutral theory of biodiversity and biogeography. Princeton University Press, 2001
 +.
 +HUBERT, N. et al. Metacommunity speciation models and their implications for diversification theory. Ecology letters, v. 18, n. 8, p. 864-881, 2015.
 +
 +HUTCHINSON, G. E. Homage to Santa Rosalia or why are there so many kinds of animals?. The American Naturalist, v. 93, n. 870, p. 145-159, 1959.
 +
 +LEIBOLD, M. A. et al. The metacommunity concept: a framework for multi‐scale community ecology. Ecology letters, v. 7, n. 7, p. 601-613, 2004.
 +
 +LEIBOLD, M. A. The metacommunity concept and its theoretical underpinnings. The theory of ecology, p. 163-184, 2011.
 +
 +LEIBOLD, M. A.; CHASE, J. M. Metacommunity ecology, volume 59. Princeton University Press, 2017.
 +
 +MACARTHUR, R. H.; WILSON, E. O. An equilibrium theory of insular zoogeography. Evolution, p. 373-387, 1963.
 +
 +POULIN, R. Evolutionary ecology of parasites. Princeton University Press, 2007.
 +
 +VELLEND, M. Conceptual synthesis in community ecology. The Quarterly review of biology, v. 85, n. 2, p. 183-206, 2010.
 +
 +VIEIRA, T. B. et al. Elements of fish metacommunity structure in Neotropical freshwater streams. Ecology and Evolution, v. 10, n. 21, p. 12024-12035, 2020.
 +
 +WILSON, E. O.; MACARTHUR, R. H. The theory of island biogeography. Princeton, NJ: Princeton University Press, 1967.
 +
 +
 +==== Metacomunidades e dispersão: a busca por explicações sobre os padrões abióticos que influenciam a persistência de espécies em habitats perturbados ====
 +== Mariana Eiko Mendes ==
 +
 +A busca pelo entendimento de como as espécies interagem no ambiente é uma inquietação antiga dentro da ecologia. O estudo sobre comunidades ecológicas foca em resolver essas dúvidas, entendendo como essa interação entre diferentes espécies pode determinar seus padrões de distribuições e abundâncias (Leibold & Chase, 2017). Já a ideia sobre metacomunidades surgiu na década de 60, com influência do trabalho de Levins (1969). No entanto, outras teorias ganharam mais força e espaço na época, fazendo com que apenas mais tarde, na década de 1990 e 2000, a ideia sobre metacomunidades fosse retomada e crescesse (Leibold & Chase, 2017). Leibold e colaboradores em 2004 incorporaram outros processos ou teorias já aceitos, dentro da ecologia, no conceito de metacomunidades, possibilitando o entendimento do espaço e do processo de dispersão como importantes componentes. Os quatro importantes paradigmas considerados na definição de metacomunidades são o de dinâmica de manchas (patch dynamics), efeito de massa (mass efects), seleção de espécies (species sorting) e dinâmica neutra (neutral dynamics). O processo de dispersão, caracterizado como um movimento dos organismos de um local para outro (Vellend, 2016), dentro de uma escala espacial, perpassa por todos os paradigmas citados acima. Essa é uma área de estudo em expansão (Logue et al., 2011) e os eixos que compõem a abordagem de matacomunidades nem sempre são coerentes entre si, o que dificulta o seu entendimento de modo mais global, como uma teoria (Leibold, 2011).
 +
 +Segundo Leibold e colaboradores (2004), o paradigma da dinâmica de manchas considera que em um determinado espaço, ou paisagem, existem manchas idênticas, com capacidade para suportar uma população, mas, no entanto, elas não necessariamente precisam estar ocupadas. Os processos de extinção e colonização local regularão as dinâmicas das manchas de modo regional e a dispersão será o limitador para da diversidade local. Já o paradigma do efeito de massa coloca que a migração entre as machas regula a dinâmica local, ou seja, a dispersão afeta as densidades locais, mantendo dinâmicas de fonte-sumidouro e possibilita que uma espécie má competidora consiga persistir em uma determinada mancha na qual, sem essa dinâmica, ela seria extinta, por exemplo. O eixo da seleção de espécies, ou sorting species, coloca que as espécies se dispersam e se estabelecem no espaço de acordo com a heterogeneidade do espaço, modificando a composição das comunidades de acordo com a variação contínua de características abióticas. Por último, o paradigma da dinâmica neutra segue a proposição de Hubbell (2011), colocando que a composição das comunidades locais é determinada por eventos estocásticos, no qual não há diferença de fitness ou de capacidades de movimentação entre os indivíduos de diferentes espécies.
 +
 +De modo geral, cada um dos paradigmas, de modo individual, abarca um ou outro aspecto interessante relacionado à ecologia de comunidades, e, por isso, dependendo da pergunta e do estudo, um ou outro eixo pode ser melhor utilizado e contextualizado. Ao utilizar a abordagem moderna de Metacomunidades alguns pontos positivos podem ser ressaltados, como, por exemplo, o entendimento do espaço como contínuo, no qual as espécies se distribuem e se dispersam por diferentes áreas, inclusive podendo utilizar a matriz (Boesing et al., 2018; Hatfield et al., 2020) e de que há uma relação entre diferentes escalas (Logue et al., 2011). A metacomunidade pode ser entendida como um conjunto de comunidades locais, no qual diferentes espécies podem dispersar e interagir no espaço (Wilson, 1992; Leibold & Chase, 2017). Incorporar características mais realistas das comunidades com relação a dinâmicas espaciais foi uma importante contribuição do conceito de metacomunidades. Outras teorias muito utilizadas na Ecologia de comunidades consideram as comunidades como fechadas, limitando ou até mesmo impedindo a incorporação de escalas mais amplas e mecanismos de dispersão, por exemplo, nos modelos de dinâmica populacional (Leibold et al., 2004; Logue et al., 2011). Considerar esses paradigmas nos permite olhar para a paisagem e analisar como comunidades interagem no espaço e no tempo. O entendimento de que a matriz não é um ambiente inóspito, de impossível transposição para todas as espécies permitiu avanço de trabalhos de conservação na área da ecologia de paisagens.
 +
 + A perda e a degradação do habitat, com muitas áreas de vegetação nativa sendo convertidas em áreas de agricultura, por exemplo, são ameaças à biodiversidade distribuída pelo planeta (Mittermeier et al., 2011; WWF, 2020). As mudanças climáticas podem modificar os ambientes favoráveis às espécies e potencialmente os ambientes para dispersão, rumo a novos ambientes adequados (Faleiro et al., 2013; Loyola et al., 2013; Lemes et al., 2014). Desse modo, entender a dinâmica populacional nesses ambientes perturbados é de suma importância para a conservação, assim como entender como as espécies podem fazer uso do espaço ao longo de suas distribuições potenciais. Por exemplo, quando pensamos em limiares de extinção, temos que alguns grupos faunísticos podem sumir do habitat a partir de um determinado valor de cobertura florestal é alcançado (Banks et al., 2014), reduzindo a diversidade de uma região. No entanto, espécies especialistas em habitat florestal irão desaparecer da região (Dos Anjos et al., 2010; Martensen et al., 2012), abrindo espaço para espécies generalistas, capazes de ocupar ambientes mais abertos e transitar pela matriz de modo mais tranquilo, facilitando a ocupação de manchas espalhadas numa paisagem. Desse modo, haverá uma troca da composição de espécies, entendendo que processos de dispersão podem atuar para que esses espaços deixados pelas espécies especialistas em habitat possam ser ocupados por outras espécies mais resistentes a habitats perturbados. Assim, percebemos como as comunidades vão se modificando de acordo com a variação das características ambientais, sejam naturais ou já modificadas pelas atividades humanas (Dixo et al., 2009; Pfeifer et al., 2017; Regolin et al., 2021). Olhando para a paisagem, também é possível pensar em maneiras de diminuir a distância entre as manchas, permitindo e facilitando o processo de dispersão de espécies na paisagem, garantindo a persistência de espécies mais sensíveis, mesmo em regiões perturbadas, já que a configuração delas pode interferir nos processos de colonização e abundância os indivíduos (Awade et al., 2012; Villard e Metzger, 2014; Regolin et al., 2020). As chances de colonização de uma área também aumentam em regiões de melhores condições climáticas dentro das distribuições potenciais das espécies, reduzindo também as chances de extinção (White et al., 2018).
 +
 +A partir do momento que enxergamos a matriz como um importante componente para os processos de dispersão e de manutenção das espécies numa determinada área, podemos pensar quais outros aspectos abióticos relacionados a ela podem influenciar nos processos de dispersão das espécies, de distribuição e de persistência no habitat. A variação espacial juntamente com a quantidade de habitat pode influenciar na capacidade de uma espécie persistir em determinada localidade (Pimentel, 2009), sendo que os riscos de extinção de algumas espécies podem ser atenuados de acordo com a qualidade da matriz (Ruffell et al., 2017; Arroyo-Rodrigues et al., 2020; Leite et al., 2021). A presença de stepping stones pode influenciar? E a adequabilidade climática dentro da distribuição das espécies ou a idade dos fragmentos? Essas são algumas das perguntas que guiam minha pesquisa de doutorado. Pensar em como a teoria moderna de metacomunidades é importante nesses processos foi um importante despertar para ampliar o meu entendimento sobre as próprias perguntas e sobre os processos que inferem minha pesquisa. A persistência das espécies diante das mudanças ambientais, tanto no presente quanto no futuro, depende do nosso entendimento de como as comunidades interagem e podem dispersar, no espaço e no tempo, adequando-se a tais mudanças.
 +
 +== Referências Bibliográficas ==
 +
 +ARROYO‐RODRÍGUEZ, V. et al. Designing optimal human‐modified landscapes for forest biodiversity conservation. Ecology Letters, 2020. ISSN 1461-023X.
 +
 +AWADE, M.; BOSCOLO, D.; METZGER, J. P. Using binary and probabilistic habitat availability indices derived from graph theory to model bird occurrence in fragmented forests. Landscape Ecology, v. 27, n. 2, p. 185-198, 2012. ISSN 1572-9761.
 +
 +BANKS-LEITE, C. et al. Using ecological thresholds to evaluate the costs and benefits of set-asides in a biodiversity hotspot. Science, v. 345, n. 6200, p. 1041-1045, 2014. ISSN 0036-8075.
 +
 +BOESING, A. L.; NICHOLS, E.; METZGER, J. P. Biodiversity extinction thresholds are modulated by matrix type. Ecography, v. 41, n. 9, p. 1520-1533, 2018. ISSN 0906-7590.
 +
 +DIXO, M. et al. Habitat fragmentation reduces genetic diversity and connectivity among toad populations in the Brazilian Atlantic Coastal Forest. Biological Conservation, v. 142, n. 8, p. 1560-1569, 2009. ISSN 0006-3207.
 +
 +DOS ANJOS, L.; HOLT, R. D.; ROBINSON, S. Position in the distributional range and sensitivity to forest fragmentation in birds: a case history from the Atlantic forest, Brazil. Bird Conservation International, v. 20, n. 4, p. 392-399, 2010. ISSN 1474-0001.
 +
 +FALEIRO, F. V.; MACHADO, R. B.; LOYOLA, R. D. Defining spatial conservation priorities in the face of land-use and climate change. Biological Conservation, v. 158, p. 248-257, 2013. ISSN 0006-3207.
 +
 +HATFIELD, J. H. et al. Mediation of area and edge effects in forest fragments by adjacent land use. Conservation Biology, v. 34, n. 2, p. 395-404, 2020. ISSN 0888-8892.
 +
 +HUBBELL, S. P. (2001). The unified neutral theory of biodiversity and biogeography (MPB-32) (Vol. 32). Princeton University Press.
 +
 +LEIBOLD, M. A., Chase, J. M. (2017) Metacommunity ecology. Princeton University Press, Princeton, NJ.
 +
 +LEIBOLD, M. A. The metacommunity concept and its theoretical underpinnings. The theory of ecology, p. 163-184, 2011.
 +
 +LEIBOLD, M.A. et al. 2004. The metacommunity concept: a framework for multi-scale community ecology. Ecology Letters 7: 601–613.
 +
 +LEITE, M. D. S. et al. Matrix quality determines the strength of habitat loss filtering on bird communities at the landscape scale. Preprint, 2021.
 +
 +LEMES, P.; MELO, A. S.; LOYOLA, R. D. Climate change threatens protected areas of the Atlantic Forest. Biodiversity and conservation, v. 23, n. 2, p. 357-368, 2014. ISSN 0960-3115.
 +
 +LEVINS, R. 1969. Some demographic and genetic consequences of environmental heterogeneity for biological control. Bulletin of the Entomological Society of America 15: 237–240.
 +
 +LOGUE, J.B. et al. 2011. Empirical approaches to metacommunities: a review and comparison with theory. Trends in Ecology & Evolution 26(9).
 +
 +LOYOLA, R. D. et al. A straightforward conceptual approach for evaluating spatial conservation priorities under climate change. Biodiversity and conservation, v. 22, n. 2, p. 483-495, 2013. ISSN 0960-3115.
 +
 +MARTENSEN, A. C. et al. Associations of forest cover, fragment area, and connectivity with neotropical understory bird species richness and abundance. Conservation Biology, v. 26, n. 6, p. 1100-1111, 2012. ISSN 1523-1739.
 +
 +MITTERMEIER, R. A. et al. Global biodiversity conservation: the critical role of hotspots. In: (Ed.). Biodiversity hotspots: Springer, 2011. p.3-22.
 +
 +PIMENTEL, R. G. Influência de fatores biogeográficos sobre a sensibilidade das espécies de aves à fragmentação. 2009. 97p – Dissertação de mestrado; Instituto de Biosciências, Departamento de Ecologia – Universidade de São Paulo, São Paulo – Brasil, 2009.
 +
 +PFEIFER, M. et al. Creation of forest edges has a global impact on forest vertebrates. Nature, v. 551, n. 7679, p. 187-191, 2017. ISSN 1476-4687.
 + 
 +REGOLIN, A. L. et al. Habitat quality, not habitat amount, drives mammalian habitat use in the Brazilian Pantanal. Landscape Ecology, p. 1-15, 2021. ISSN 1572-9761.
 +
 +REGOLIN, A. L. et al. Spatial heterogeneity and habitat configuration overcome habitat composition influences on alpha and beta mammal diversity. Biotropica, v. 52, n. 5, p. 969-980, 2020. ISSN 0006-3606.
 +
 +RUFFELL, J.; CLOUT, M. N.; DIDHAM, R. K. The matrix matters, but how should we manage it? Estimating the amount of high‐quality matrix required to maintain biodiversity in fragmented landscapes. Ecography, v. 40, n. 1, p. 171-178, 2017. ISSN 0906-7590.
 +
 +VELLEND, M. (2016). The theory of ecological communities (MPB-57) (Vol. 75). Princeton University Press.
 +
 +VILLARD, M. A.; METZGER, J. P. Beyond the fragmentation debate: a conceptual model to predict when habitat configuration really matters. Journal of Applied Ecology, v. 51, n. 2, p. 309-318, 2014. ISSN 0021-8901.
 +
 +WILSON, D.S. 1992. Complex interactions in metacommunities, with implications for biodiversity and higher levels of selection. Ecology 73: 1984–2000.
 +
 +WHITE, H. J.; MONTGOMERY, I. W.; LENNON, J. J. Contribution of local rarity and climatic suitability to local extinction and colonization varies with species traits. Journal of Animal Ecology, v. 87, n. 6, p. 1560-1572, 2018. ISSN 0021-8790.
 +
 +WWF – World Wide Fund for Nature. WWF (2020), Living Planet Report 2020 - Bending the curve of biodiversity loss. Almond, R.E.A., Grooten M. and Petersen, T. (Eds). WWF, Gland, Switzerland.
 +
 +
 +=== Conectando pela dispersão: ideias de metacomunidades e coexistência de espécies ===
 +== Larissa Lotti ==
 +
 +Uma metacomunidade é um conjunto de comunidades locais que estão conectadas pela dispersão de múltiplas espécies que potencialmente interagem entre si (Leibold //et al.// 2004). Por sua vez, a dispersão pode ser definida como o movimento de organismos através do espaço (Vellend 2010), que embora simples em formulação, tem consequências diversas e complexas para a estruturação de comunidades (Vellend 2016). Uma vez que comunidades locais são formadas por conjuntos de espécies circunscritas a um único local ou mancha, a dispersão é capaz de conectar diferentes comunidades locais em uma metacomunidade, estabelecendo uma relação espacial entre diferentes escalas, nesse caso, entre local e regional. Assim, a abordagem de metacomunidades se estrutura como uma forma importante de pensar nas conexões entre diferentes escalas espaciais em ecologia. De forma geral, é uma abordagem que se assemelha ao domínio da ecologia de comunidades ao buscar entender os processos que geram padrões de diversidade, abundância e composição de espécies em uma comunidade (Vellend 2010). Contudo, olhando para uma escala de metacomunidades, a atenção está em entender como as comunidades locais variam de um lugar para o outro ao invés de focar na estruturação de uma comunidade em particular (Leibold 2011). 
 +
 +O desenvolvimento da abordagem de metacomunidades ocorreu a partir de vários mecanismos propostos para explicar a estruturação de comunidades locais. Modelos baseados em processos locais e determinísticos foram predominantes a partir das décadas de 1950 e 1960, seguindo as ideias de nicho desenvolvidas por G. Evelyn Hutchinson e Robert MacArthur. A estruturação de comunidades foi explorada sob a visão da seleção, uma diferença de aptidão determinística entre indivíduos de  diferentes espécies (Vellend 2010). Processos espaciais como a dispersão entre diferentes locais ou dispersão de longo alcance, ficaram em segundo plano, enquanto as atenções estavam voltadas para entender como os processos de partição de nicho estavam influenciando a coexistência de espécies. A Teoria de Biogeografia de Ilhas (MacArthur & Wilson 1967) e depois, a Teoria Neutra (Hubbell 2001) colocaram a dispersão como um processo importante para a estruturação de comunidades. Essas ideias se concentraram no papel da dispersão (e limitação da dispersão) e estocasticidade (//i.e// deriva) nos eventos de colonização e extinção, ao invés de focar nas características das espécies. Nesse contexto, a deriva pode ser definida como mudanças aleatórias que ocorrem nas abundâncias relativas das espécies (Vellend 2010). Assim, além de incorporar os processos de dispersão e deriva, essas teorias estabeleceram uma perspectiva espacial, com dinâmicas de dispersão continente-ilha ou a partir de um //pool// regional para comunidades locais. Outra ideia importante para sair do foco nos processos locais é a ideia de interação entre processos locais e regionais e o reconhecimento da importância dos processos históricos (Ricklefs 1987; Ricklefs & Schluter 1993). Todas essas ideias foram importantes para ressaltar a importância dos processos que ocorrem em escalas espaciais e temporais mais amplas do que as escalas tipicamente consideradas na ecologia de comunidades tradicional. 
 +
 +A abordagem de metacomunidades, influenciada pelas ideias predecessoras, consolidou a importância da dispersão para a estruturação de comunidades. Não só resgatou essa ideia de modelos anteriores, como estabeleceu formas pelas quais a dispersão interage com outros processos ecológicos para afetar as comunidades locais (Leibold 2011). Além disso, essa abordagem estabelece uma dinâmica espacial intimamente ligada ao processo de dispersão. Uma vez que o movimento de organismos no espaço afeta as populações locais e as interações entre as espécies (Leibold 2009), cria-se uma estrutura espacial na qual a posição dos organismos no espaço é importante. É uma maneira de pensar nas ligações entre diferentes escalas espaciais (Leibold //et al.// 2004). Portanto, a abordagem de metacomunidades combina ideias clássicas da ecologia de comunidades (focadas na escala local) com dispersão (Leibold 2011), escalas espaciais e heterogeneidade espacial (Leibold & Chase 2016). Também incorpora os processos de seleção e deriva. Entretanto essa abordagem não é uma teoria geral e unificada. Ao invés disso, é um conjunto de modelos teóricos que incorporam esses diferentes aspectos para explicar a ocorrência e coexistência de espécies (//i.e// a estrutura de comunidades). Todos esses processos (dispersão, seleção e deriva) podem interagir entre si, diferindo na sua importância relativa dentro de uma metacomunidade ou entre metacomunidades (Leibold & Chase 2016). 
 +
 +Quatro perspectivas centrais na abordagem de metacomunidades combinam esses processos. Na dinâmica de manchas (//patch dynamic// - PD) o ambiente é composto por manchas iguais, variando apenas na composição de espécies. Existe uma dinâmica interna de extinção e colonização para cada mancha, sendo que as espécies tem diferentes capacidades de dispersão. Deriva e dispersão são mais centrais do que a seleção nessa perspectiva. Na seleção de espécies (//species sorting// - SS) as manchas possuem diferentes condições ambientais (//i.e// heterogeneidade espacial) e a estruturação da comunidade depende de quais espécies conseguem se estabelecer nessas diferentes condições. Seleção é central, enquanto deriva e dispersão tem efeitos menores. Na perspectiva das dinâmicas neutras (//neutral theory// - NT) todas as manchas são iguais e todas as espécies são equivalentes, de modo que a estruturação da comunidade depende da estocasticidade demográfica em uma dinâmica de extinções e colonizações. Deriva e dispersão são essenciais, mas a seleção é desconsiderada. Por último, na perspectiva dos efeitos de massa (//mass effects// - ME) as manchas são heterogêneas e diferentes espécies são favorecidas em diferentes condições ambientais. A dispersão permite a persistência de espécies em manchas de habitat desfavoráveis e que, sem a dispersão, seriam excluídas da comunidade local. Essa perspectiva inclui dispersão e seleção, mas desconsidera a deriva.
 +
 +Pensando em uma floresta tropical, a coexistência de espécies que utilizam recursos muito similares em uma comunidade vegetal pode ser abordada por diferentes pontos de partida. Os diversos mecanismos propostos para explicar essa coexistência (Wright 2002) podem ser compreendidos sob a visão dos quatro processos fundamentais (Vellend 2016) que unificam todas as explicações voltadas à diversidade ecológica. Os mecanismos também podem ser classificados como estabilizadores ou equalizadores (Chesson 2000) a depender das diferenças de aptidão entre as espécies e da força de estabilização. A abordagem de metacomunidades também incorpora alguns desses mecanismos dentro das quatro perspectivas centrais (PD, SS, NT e ME) e suas interfaces. No ciclo de vida de uma planta, a transição de semente para plântula, a fase de recrutamento, é uma etapa crítica para a regeneração florestal. Em minha pesquisa, a estruturação de uma comunidade de plântulas foi pensada com base nas características das sementes. Sob a ótica da seleção, espécies com sementes de diferentes tamanhos teriam diferentes habilidades competitivas. Mais especificamente, plântulas de sementes maiores são melhores competidoras, fazendo com que haja uma hierarquia competitiva entre as plântulas influenciada pelo tamanho da semente (Westoby //et al.// 2002; Leishman //et al.// 2000; Leishman 2001). A coexistência entre espécies com diferentes habilidades competitivas é gerada pela limitação de dispersão, que diminui a assimetria competitiva, uma vez que a espécie com a maior aptidão não está em todos os lugares disponíveis. Ou seja, a limitação de dispersão equaliza as diferenças de aptidão entre as espécies.
 +
 +Olhar para a abordagem de metacomunidades organizou diferentes ideias e conectou diferentes teorias. De maneira mais organizada e centrada na dispersão, me levou a ver que (i) a dispersão pode ter vários efeitos na estruturação de comunidades, nem sempre relacionados com a limitação de dispersão. Por exemplo, efeitos de massa (ME), que podem promover a coexistência de espécies caso a espécie com a menor aptidão tenha maior dispersão (//trade-off// entre competição e colonização) ou pode levar à homogeneização da comunidade e dominação de uma ou poucas espécies (aquelas com a maior aptidão na média regional); (ii) dispersão pode interagir com deriva e gerar dinâmicas que não dependem de seleção (NT), assim como pode interagir com outros mecanismos de seleção, que não apenas a competição, mas também mecanismos de filtro ambiental (SS); (iii) estrutura espacial e dispersão estão intimamente ligadas e a posição dos adultos na comunidade é importante para entender os processos de dispersão de sementes. De forma geral, acredito que a novidade não seja exatamente nos mecanismos, uma vez que //trade-offs//, dinâmicas neutras e filtro ambiental estão incluídos em minha pesquisa, seja na construção teórica ou na proposição de explicações. A novidade que a abordagem de metacomunidades me trouxe é a forma como os mecanismos são organizados em torno da dispersão e da estrutura espacial da comunidade.
 +
 +
 +== Referências ==
 +
 +Chesson, P. Mechanisms of maintenance of species diversity. Annual Review of Ecology, Evolution and Systematics 31: 343–66, 2000. 
 +
 +Hubbell, S. P. The unified neutral theory of biodiversity and biogeography. Princeton University Press, 2001.
 +
 +Leibold, M. A. et al. The metacommunity concept: A framework for multi-scale community ecology. Ecology Letters, v. 7, n. 7, p. 601–613, 2004.
 +
 +Leibold, M. A. Spatial and Metacommunity Dynamics in Biodiversity. The Princeton Guide to Ecology. Princeton University Press, Princeton. p.312-319, 2009.
 +
 +Leibold, M. A. The metacommunity concept and its theoretical underpinnings. The theory of ecology, p. 163-184, 2011.
 +
 +Leibold, M. A., Chase, J. M. Metacommunity Ecology, Princeton University Press, p. 697, 2016.
 +
 +Leishman, M. R., Wright, I. J., Moles, A. T. & Westoby, M. Chapter 2: The evolutionary Ecology of Seed Size. Seeds: The ecology of regeneration in plant communities. 2000.
 +
 +Leishman, M. R. Does the seed size/number trade-off model determine plant community structure? An assessment of the model mechanisms and their generality. Oikos 93: 294–302, 2001. 
 +
 +MacArthur, R. H.; WILSON, E. O. The Theory of Island Biogeography. [s.l.] Princeton University Press, 1967.
 +
 +Ricklefs, R. E. Community diversity: Relative roles of local and regional processes. Science 235:167–171, 1987.
 +
 +Ricklefs, R. E., and D. Schluter. Species diversity in ecological communities: Historical and geographic perspectives. University of Chicago Press, Chicago. 1993.
 +
 +Vellend, M. Conceptual synthesis in community ecology. The Quarterly review of biology, v. 85, n. 2, p. 183–206, 2010.
 +
 +Vellend, M.. The theory of ecological communities (MPB-57). Princeton University Press. 2016.
 +
 +Westoby, M., Falster, D. S., Moles, A. T., Vesk, P. A. & Wright, I. J. Plant Ecological Strategies: some leading dimensions of variation between species. Annual review of Ecology, Evolution and Systematics 33: 125–59, 2002.
 +
 +Wright, S. J. Plant diversity in tropical forests: a review of mechanisms of species coexistence. Oecologia 130: 1–14, 2002.
 +
 +==== Dispersão, escalas e metacomunidades: o fim da ilusão de entidades independentes ====
 +== David Bogdanski ==
 +
 +Segundo Vellend (2010), um dos quatro principais componentes da teoria geral da ecologia é a dispersão. Este processo pode ser definido como a dinâmica de movimentação de organismos através do espaço, e opera tanto internamente na comunidade (através da distribuição de organismos dentro de um habitat contínuo) quanto externamente (através de dinâmicas de movimentação entre manchas de habitat). Não existe uma única escala padronizada na qual atuam os processos ecológicos (Levins 1992), e o recorte escolhido na concepção de qualquer estudo ecológico determina amplamente os processos e padrões detectados. É primariamente da junção do processo de dispersão com uma abordagem de múltiplas escalas simultâneas que emergiu o conceito de metacomunidades. Metacomunidades são aqui definidas como conjuntos de comunidades locais conectadas pela dispersão de múltiplas espécies com interações potenciais (Leibold et al. 2004).
 +
 +Apesar do robusto entendimento de processos locais, ainda existia uma enorme lacuna no conhecimento da ecologia de comunidades no que diz respeito a processos regionais (Lawton 1999). O conceito de metacomunidades foi desenvolvido para preencher essa lacuna, extrapolando a escala até então convencional do que constitui uma comunidade. Para tal, Leibold (2004) separa as abordagens do estudo de metacomunidades em quatro tipos de modelos: (i) modelos de dinâmica de manchas, em que as colonizações e extinções ocorrem dentro de manchas de habitat homogêneas entre si, mas a dispersão entre as manchas funciona como um veículo de recolonização, possibilitando que espécies com alto índice de dispersão mantenham populações dentro da metacomunidade, mesmo não sendo competidoras excepcionais; (ii) modelos de efeito de massa, onde manchas “inapropriadas” para dadas espécies podem vir a sustentar as mesmas temporariamente por influxo de organismos dispersando de outras manchas mais “apropriadas” (formando um sistema de fonte-sumidouro entre manchas heterogêneas); (iii) modelos de seleção de espécies, em que manchas heterogêneas vão favorecer espécies diferentes, e a dispersão atua como uma fonte de colonizadores potenciais, permitindo a comunidade responda a perturbações ambientais através da mudança da composição das manchas; e (iv) modelos neutros, onde as espécies são consideradas idênticas para fins de competição e dispersão e portanto a dinâmica dentro da metacomunidade regional está sujeita a flutuações estocásticas.
 +
 +Entre as várias contribuições do conceito de metacomunidades para a disciplina, uma das mais interessantes é o trabalho de Mouquet e Loreau (2003), em que foi construído um modelo de efeito de massa e foi medido o efeito da dispersão sobre a biodiversidade. Mouquet e Loreau demonstraram matematicamente que, em uma metacomunidade composta por manchas heterogêneas, o aumento da proporção de dispersão acarreta no aumento da diversidade α (riqueza local) junto com a queda da diversidade β (diferença entre riquezas locais) para uma mesma diversidade γ (riqueza regional) até um ponto intermediário, onde a diversidade α alcança a γ e β chega a 0. A partir desse ponto, o aumento subsequente da proporção de dispersão acarreta na perda de biodiversidade (tanto a diversidade α quanto a γ) até um ponto em que todas as manchas são monoespecíficas. O entendimento por trás deste trabalho é que a dispersão é um fator regulador importante para a biodiversidade, com uma relação não linear com a riqueza regional e local. Uma dispersão muito elevada dentro da metacomunidade torna o sistema homogêneo como se todas as manchas estivessem em interação constante e direta entre si.
 +
 +Em meu projeto de mestrado, irei investigar e medir a função de facilitação ecológica empenhada por 2 espécies de mexilhões que formam bancos no entremarés rochoso (Mytilaster solisianus e Brachidontes darwinianus). Os padrões de distribuição dos organismos que ocupam a zona entre-marés dos costões rochosos são em grande parte definidos pelo estresse térmico e o potencial de dessecação a que estão expostos. Dessa maneira, as espécies que prevalecem nos níveis mais altos tendem a ser mais resistentes a longos períodos de exposição a temperaturas elevadas e baixa umidade. Como resultado, os padrões de zonação vertical resultam do efeito combinado do estresse ambiental, determinando limites superiores de distribuição, e de interações biológicas interespecíficas, as quais estabelecem os limites inferiores de ocorrência para as espécies sésseis dominantes (Stephenson & Stephenson 1949). Entretanto, alguns organismos do costão rochoso formam habitats biogênicos em que os estressores ambientais têm seu efeito amenizado (Bruno & Bertness 2001). Dentre os chamados engenheiros ecossistêmicos do costão rochoso, os mexilhões formadores de bancos são os que desempenham o mais forte papel de facilitação ecológica (Bruno & Bertness 2001). A minha pesquisa pretende investigar se o efeito da facilitação ecológica está sujeito de maneira similar aos mesmos fatores ambientais estressores e em que condições ocorreria uma potencial mudança de estado de equilíbrio acarretando um colapso da facilitação ecológica.
 +
 +O delineamento experimental original da minha pesquisa envolvia o tratamento de cada banco de mexilhões como uma entidade isolada sujeita a condições ambientais distintas. Dessa maneira, os únicos fatores que determinam a composição das comunidades locais associadas aos bancos de mexilhões são as condições ambientais específicas de cada banco. Entretanto, mesmo nesse sistema em que bancos de mexilhões ao longo do Canal de São Sebastião não estão proximamente localizados nem diretamente conectados, ainda há uma escala maior que pode ser explorada: o Canal pode funcionar como uma matriz que permite dispersão entre bancos diferentes através do recrutamento por larvas planctônicas. Várias das espécies envolvidas na agora metacomunidade em questão (tanto os mexilhões quanto as cracas necessárias para seu assentamento e os organismos da fauna associada) possuem uma fase larval planctônica, e sua dispersão depende amplamente de dinâmicas de massas de água costeiras. Roughgarden et al. (1988) já demonstrou que organismos com ciclos de vida complexos do costão rochoso possuem muitas vezes padrões de dispersão também complexos ligados a processos físicos costeiros e oceânicos na escala regional, como a movimentação através de células de circulação oceânica. No caso de São Sebastião, o sistema estudado não é tão aberto, mas já foi provado que a dinâmica sazonal das massas de água dentro do canal possuem forte influência sobre os padrões de recrutamento larval de espécies costeiras (Oliveira & Marques 2007). Tendo isso em mente, um possível caminho para o melhor entendimento dos padrões e das limitações da facilitação ecológica por bancos de mexilhões pode vir através do estudo que integre também as dinâmicas físicas e geográficas das massas de água do Canal de São Sebastião e seu potencial de conectar bancos distintos em uma escala não antes investigada.
 +
 +== Referências Bibliográficas ==
 +
 +Bruno, J. F. (2001). Habitat modification and facilitation in benthic marine communities. Marine community ecology.
 +
 +Heino, J., Melo, A. S., Siqueira, T., Soininen, J., Valanko, S., & Bini, L. M. (2015). Metacommunity organisation, spatial extent and dispersal in aquatic systems: patterns, processes and prospects. Freshwater Biology, 60(5), 845-869.
 +
 +Lawton, J. H. (1999). Are there general laws in ecology?. Oikos, 177-192.
 +
 +Leibold, M. A. (2011). The metacommunity concept and its theoretical underpinnings. The theory of ecology, 163-184.
 +
 +Leibold, M. A., Holyoak, M., Mouquet, N., Amarasekare, P., Chase, J. M., Hoopes, M. F., ... & Gonzalez, A. (2004). The metacommunity concept: a framework for multi‐scale community ecology. Ecology letters, 7(7), 601-613.
 +
 +Leibold, M. A., & Chase, J. M. (2017). Metacommunity ecology, volume 59. Princeton University Press.
 +
 +Levin, S. A. (1992). The problem of pattern and scale in ecology: the Robert H. MacArthur award lecture. Ecology, 73(6), 1943-1967.
 +
 +Mouquet, N., & Loreau, M. (2003). Community patterns in source-sink metacommunities. The american naturalist, 162(5), 544-557.
 +
 +Oliveira, O. M. P., & Marques, A. C. (2007). Dinâmica sazonal das massas de água no canal de São Sebastião (SE Brasil) de março de 2005 a maio de 2006. In XII Congresso Latino-Americano de Ciências do Mar-XII COLACMAR.
 +
 +Roughgarden, J., Gaines, S., & Possingham, H. (1988). Recruitment dynamics in complex life cycles. Science, 241(4872), 1460-1466.
 +
 +Ricklefs, R. E. (1987). Community diversity: relative roles of local and regional processes. Science, 235(4785), 167-171.
 +
 +Stephenson, T. A., & Stephenson, A. (1949). The universal features of zonation between tide-marks on rocky coasts. The Journal of Ecology, 289-305.
 +
 +Vellend, M. (2010). Conceptual synthesis in community ecology. The Quarterly review of biology, 85(2), 183-206.
 +
 +==== Conservadorismo de Nicho: importância para as escalas regional e local e sua possível aplicação ====
 +== Salatiel Gonçalves Neto ==
 +
 +A composição das comunidades biológicas é determinada por processos biogeográficos, evolutivos e ecológicos (Ricklefs 1987; Vellend 2010). Ao longo da história da ecologia de comunidades os processos em escalas local tiveram uma maior atenção, resultando na produção de trabalhos clássicos e de grande relevância como: os modelos populacionais de Lotka e Volterra, os experimento de Gause e o princípio de exclusão competitiva e o conceito de nicho de Hutchinson (Ricklefs 1987). Eles auxiliaram na compreensão dos mecanismo locais que estruturam as comunidades biológicas (Ricklefs 1987). Entretanto, os processos regionais foram negligenciados e apenas com os trabalhos de Ricklefs (1987), Ricklefs & Schluter (1993) e Brown (1995) a necessidade de compreender os processos e padrões em escalas espaciais e temporais maiores começou a ser evidenciada. Entre as contribuições dessa nova maneira de enxergar a ecologia de comunidades foi entendimento que a composição e diversidade de espécies na escala local depende da composição e diversidade do pool regional de espécies que, por sua vez, depende de processos como especiação, deriva, seleção e dispersão, que são fatores afetados pelos atributos da região, como por exemplo, barreiras geográficas, área da região, história biogeográfica e heterogeneidade ambiental (Ricklefs 1987; Webb et al. 2002; Harrison & Cornell 2008; Vellend 2010). 
 +
 +Com o passar das décadas a relevância dos processos regionais ficou evidente conforme novos estudos foram realizados (Harrison & Cornell 2008). Como exemplo nós temos o trabalho de Partel (2002) e o trabalhos relacionados com as taxas de diversificação. Em seu trabalho Partel (2002) evidenciou a importância da escala regional  na composição das comunidades. Ele foi capaz de demostrar que o pH do solo era, para regiões geográficas maiores, positivamente relacionado com a riqueza de espécies de plantas, locais onde o solo era alcalino, porém a relação era negativa em regiões onde o pH era ácido, como explicação ele atribuiu essa diferença ao maior conjunto de espécies adaptadas ao pH predominante em cada região. Em outro exemplo de como a escala regional pode influenciar a comunidade local, utilizando uma abordagem filogenética, estudos encontraram evidencia que maiores taxas de diversificação podem explicar a maior riqueza de espécies em regiões de menores latitudes, assim como a diferença entre outras regiões e entre táxons dentro da mesma região (Mittelbach et al. 2007; Ricklefs 2007; Wiens 2007). Como é possível observar pelos trabalhos, os padrões de distribuição dos organismos são influenciados por processos regionais, assim como por processos locais, que podem ser históricos e ecológicos (Wiens & Donoghue 2004). Com o objetivo de compreender esses padrões e os processos que estruturam as comunidades é necessário a integração entre a ecológica de comunidade, biogeografia e filogenética (Webb et al. 2002; Wiens & Donogheu 2004). O conceito de “Conservadorismo de Nicho” ou “Conservadorismo de Nicho Filogenético” é considerado como uma potencial ponte entre os processos históricos e ecológicos (Brown 2004) e um exemplo dessa integração entre diferentes áreas de estudo (Wiens & Donogheu 2004). 
 +
 +Peterson et al (1999) demostraram que nichos poderiam ser conservador ao longo do tempo, ou seja, as espécies possuem uma tendencia a reter os aspectos do seu nicho fundamental ao longo do tempo. Neste contexto, espera-se que espécies filogeneticamente mais próximas possuam uma maior similaridade ecológica, ou seja, tenham conservação de nicho filogenético (PNC – Phylogenetic niche conservatism). Mais formalmente PNC é definido como “a tendencia de espécies reterem características ecológicas ancestrais ao longo do tempo”, onde duas espécies com alto grau de parentesco são mais similares ecologicamente do que seriam baseando-se apenas em suas relações filogenéticas (Wiens & Graham 2005; Losos 2008). Logo, a identificação do conservadorismo de nicho filogenético durante a diversificação de um grupo de espécies requer a demonstração de que a similaridade ecológica de espécies próximas filogeneticamente seja significativamente maior do que aquela esperada com base apenas no seu grau de parentesco (Losos 2008).
 +
 +Wiens (2004) sugere que a conservação de nicho é um reflexo da incapacidade adaptativa de uma população em expandir a sua distribuição. Quatro fatores são considerados como causadores do conservantismo de nicho: (1) Seleção estabilizadora, que poderia reduzir o fitness impedindo que as espécies expandam a sua distribuição fora do seu nicho ancestral; (2 ) fluxo gênico, onde as populações das bordas da distribuição das espécies poderiam estar recebendo indivíduos das populações centrais e dessa forma homogeneizando as populações prevenindo a adaptações dessas populações da borda a diferentes condições; (3) caracteres que permitiram a expansão da distribuição, porém estão pletoricamente ligados, reduzindo o fitness da espécie e (4) a falta de variabilidade genética (Wiens 2004; Wiens & Graham 2005). Outros dois fatores são apontados por Harvey & Pagel (1991): (1) preenchimento do nicho por espécies ecologicamente semelhantes ao longo da história evolutiva  e  (2) considerando que o ambiente está totalmente ocupado, a presença de espécies simpátricas melhores adaptadas ao uso de outros aspectos do ambiente, pode impedir outras espécies de saírem de seu nicho ancestral.
 + 
 +O PNC é um princípio de grande importância em diversas áreas de ecologia e evolução (Wiens et al. 2011; Condamine et al. 2012; Stegen, Ferriere & Enquist 2012). O conservadorismo de nicho pode explicar os padrões de riqueza de espécies, como o gradiente latitudinal e a diversidade de comunidades (Ricklefs & Latham 1992; Wiens et al. 2007; Pyron & Burbrink 2009) é utilizado na definição e identificação de espécies (Sites & Marshall, 2003), na compreensão da estrutura de comunidades (Webb et al 2002), além de auxiliar na compreensão dos impactos das mudanças climáticas na distribuição de espécies (Wiens & Graham, 2005) e PNC é utilizado, porém normalmente não reconhecido, em muitos modelos de distribuição de espécies (Elith & Leathwick 2009; Peterson 2011).
 +
 +O meu interesse de pesquisa está relacionado com o processo de extinção, especificamente a hipótese da Rainha Vermelha (RV). Van Valen (1973) analisando a curva de sobrevivência de espécies e gêneros fosseis, encontrou uma relação linear entre a probabilidade de extinção e a idade da linhagem. Para explicar esse padrão ele propôs um mecanismo - A Rainha Vermelha (RV).  De acordo com a RV, as linhagens ecologicamente similares devem evoluir continuamente para acompanhar as mudanças do ambiente, pois sempre que uma espécie tem alguma vantagem evolutiva ela causa uma desvantagem nas outras espécies com quem ela interage, criando uma dinâmica de soma não zero (Van Valen 1973; Liow et al 2011). Logo, RV é uma hipótese onde as interações ecológicas possuem grande importância para a dinâmica das linhagens (Van Valen 1973; Liow et al. 2011).
 +
 + A definição do grupo de estudo é uma dos obstáculos que é preciso superar para testar a hipótese da RV (Liow et al. 2011). A maioria dos estudos empíricos (Jones & Nicol 1986; Doran et al. 2006; Finnegan et al. 2008; Ezard et al. 2011)  após o trabalho seminal de Van Valen (1973) delimitou seu grupo de estudo a partir de uma abordagem filogenética, supondo que o parentesco filogenético seria uma evidencia de similaridade ecológica, ignorando possíveis diferenças ecológicas dos grupos envolvidos. Nestes estudos foram obtidos diferentes resultados dos encontrados por Van Valen indicando que a extinção é dependente da idade da linhagem. Entretanto, Liow et al (2011) afirmam que o parentesco filogenético não é suficiente para a definição de um grupo de estudo adequado para a análise da hipótese da rainha vermelha, concordando com as conclusões de Losos (2008), que argumenta que a existência de parentesco filogenético ou sinal filogenético não é suficiente para definir a existência de similaridade ecológica. Liow et al (2011) propõem que a análise de similaridade ecológica deveria ser feita a partir da similaridade ecológica e não do parentesco filogenético. Neste contexto, acredito que incluir o conservadorismo de nicho pode ser de grande valor para os estudos relacionados à RV. Utilizando dos testes necessários para identificar o conservadorismo de nicho poderíamos delimitar os grupos de estudos pela similaridades ecológicas auxiliando a superar o obstáculo que é a definição dos grupos de estudos. 
 +
 +== Referências Bibliográficas: ==
 +
 +Brown J. H. (1995). Macroecology. Chicago (IL): Chicago University Press.
 +
 +Brown, J.H. (2014). Why are there so many species in the tropics? Journal of Biogeography 41: 8–22
 +
 +Condamine, F. L., Sperling, F. A. H., Wahlberg, N., Rasplus, J. Y. & Kergoat, G. J. (2012). What causes latitudinal gradients in species diversity? Evolutionary processes and ecological constraints on swallowtail biodiversity. Ecology Letters 15, 267–277.
 +
 +Doran, N. A., Arnold, A. J., Parker, W. C., Huffer, F. W. (2006). Is extinction age-dependent? Palaios 21:571–579.
 +
 +Elith, J. & Leathwick, J. R. (2009). Species distribution models: ecological explanation and prediction across space and time. Annual Review of Ecology, Evolution, and Systematics 40, 677–697.
 +
 +Ezard, T. H. G., Aze, T., Pearson, P. N., Purvis, A. (2011). Interplay between changing climate and species’ ecology drives macroevolutionary dynamics. Science 332:349–351.
 +
 +Finnegan, S., Payne, J. L., Wang, S. C. (2008). The Red Queen revisited: reevaluating the age selectivity of Phanerozoic marine genus extinctions. Paleobiology 34:318–341.
 +
 +Harrison, S; Cornell, H. (2008). Toward a better understanding of the regional causes of local community richness. Ecology Letters
 +
 +Harvey, P.H. and Pagel, M.D. (1991). The comparative method in evolutionary biology. Oxford University Press
 +
 +Jones, D. S., Nicol, D. (1986). Origination, survivorship, and extinction of rudist taxa. Journal of Paleontology 60:107–115.
 +
 +Liow, L. H., Van Valen, L., Stenseth, N. C. (2011). Red Queen: from population to taxa and communities. Trends in Ecology & Evolution 26:349–358.
 +
 +Losos, J. B. (2008). Phylogenetic niche conservatism, phylogenetic signal and the relationship between phylogenetic relatedness and ecological similarity among species. Ecology Letters 11: 995–1003.
 +
 +Mittelbach, G.G., Steiner, C.F., Scheiner, S.M., Gross, K.L., Reynolds, H.L., Waide, R.B. et al. (2001). What is the observed relationship between species richness and productivity? Ecology 82: 2381–2396.
 +
 +Partel, M. (2002). Local plant diversity patterns and evolutionary history at the regional scale. Ecology 83: 2361–2366.
 +
 +Peterson, A. T. (2011). Ecological Niches and Geographic Distributions. Princeton University Press, Princeton.
 +
 +Peterson, A.T., Soberón, J.J., Sánchez-Cordero, V. (1999). Conservatism of ecological niches in evolutionary time. Science 285:1265-1267.
 +
 +Pyron, R. A. & Burbrink, F. T. (2009). Can the tropical conservatism hypothesis explain temperate species richness patterns? An inverse latitudinal biodiversity gradient in the New World snake tribe Lampropeltini. Global Ecology and Biogeography 18: 406–415.
 +
 +Ricklefs R. E., Schluter D. (1993). Species Diversity in Ecological Communities: Historical and Geographical Perspectives. Chicago (IL): University of Chicago Press.
 +
 +Ricklefs, R. E. & Latham, R. E. (1992). Intercontinental correlation of geographical ranges suggests stasis in ecological traits of relict genera of temperate perennial herbs. American Naturalist 139: 1305–1321
 +
 +Ricklefs, R.E. (1987). Community diversity: the relative roles of regional and local processes. Science 235: 167–171.
 +
 +Ricklefs, R.E. (2007). History and diversity: explorations at the intersection of ecology and evolution. American Naturalist 170: 56–70.
 +
 +Sites JW Jr, Marshall JC. (2003). Species delimitation: a renaissance issue in systematic biology. Trends in Ecology and Evolution 18:462-70
 +
 +Stegen, J. C., Ferriere, R. & Enquist, B. J. (2012). Evolving ecological networks and the emergence of biodiversity patterns across temperature gradients. Proceedings of the Royal Society B: Biological Sciences 279: 1051–1060.
 +
 +Van Valen, L. (1973). A new evolutionary law. Evolutionary Theory 1:1–30.
 +
 +Vellend, M. (2010). Conceptual synthesis in community ecology. The Quaterly Review of Biology 85: 183-206.
 +
 +Webb, C.O; Ackerly, D; McPeek, M.A; Donoghue, M.J. (2002). Phylogenies and Community Ecology. Annual Review of Ecology and Systematics 33: 475-505.
 +
 +Wiens, J. J. (2004). Speciation and ecology revisited: phylogenetic niche conservatism and the origin of species. Evolution 58: 193–197.
 +
 +Wiens, J. J. & Graham, C. H. (2005). Niche conservatism: integrating evolution, ecology, and conservation biology. Annual Review of Ecology, Evolution, and Systematics 36: 519–539.
 +
 +Wiens, J. J., Parra-Olea,G., Garcia-Paris,M. & Wake,D. B. (2007). Phylogenetic history underlies elevational biodiversity patterns in tropical salamanders. Proceedings of the Royal Society B: Biological Sciences 274: 919–928.
 +
 +Wiens, J; Donoghue, M.J. (2004) Historical biogeography, ecology and species richness. Trends in Ecology and Evolution: 19 No.12
 +
 +Wiens, J.J. (2007). Global patterns of diversification and species richness in amphibians. American Naturalist 170: 86–106.
 +
 +Wiens, J. J., Pyron, R. A. & Moen, D. S. (2011). Phylogenetic origins of local-scale diversity patterns and the causes of Amazonian megadiversity. Ecology Letters 14: 643–652.
 +
 +==== A Teoria da Similaridade Limitante em Comunidades Viras ====
 +==Guilherme Barradas Morés==
 +
 +No início do século XX, o biólogo soviético Georgy Gause mostrou que ao se colocar duas espécies diferentes de Paramecium no mesmo microcosmo, uma eventualmente exclui a outra graças à competição por recursos (1). Esses achados foram generalizados para toda Ecologia como o Princípio da Exclusão Competitiva, que determina que se duas espécies ocupam o mesmo nicho, elas não podem coexistir (2). Explorando os motivos de existirem tantas espécies diferentes de animais, Hutchinson supôs que deve haver uma diferença mínima de nicho para que duas espécies possam coexistir (3). MacArthur e Levins formalizaram matematicamente esta ideia e nomearam  essa diferença mínima de nicho(que também pode ser visto como uma sobreposição máxima de nicho) de similaridade limitante (4). 
 +
 +Na proposição inicial de MacArthur e Levins, a similaridade limitante poderia ser calculada com base em uma fórmula que usa características quantitativas dos nichos das espécies e que seria universal para todos os sistemas ecológicos. Trabalhos teóricos posteriores mostraram que a similaridade limitante não poderia ser tão facilmente generalizada, tendo valores diferentes dependendo das características do sistema (5,6). Outros trabalhos mostraram situações em que duas espécies competidoras por um único recurso poderiam coexistir, o que resulta na ausência de similaridade limitante (7,8). As tentativas de medir a similaridade limitante em campo (como os diversos estudos agregados por 9) também foram criticadas. A razão das críticas era de que não é só porque determinada sobreposição de nicho é observada na natureza que ela deve corresponder à sobreposição máxima possível (10). Ao invés disso, as similaridades observadas entre as espécies devem ser menores que a similaridade limitante e corresponder a um ótimo evolutivo, explicado por outra teoria, a Teoria do Deslocamento de Caracteres (11).
 +
 +Frente a essas críticas a Teoria da Similaridade Limitante poderia se tornar obsoleta. Porém, Abrams (10)  defendeu a pertinência da teoria para compreender certos aspectos das comunidades biológicas. Para ele, a similaridade limitante é útil para compreender a riqueza de espécies em uma comunidade, já que em sistemas parecidos, uma maior sobreposição de nichos resultaria num maior número de espécies. A similaridade limitante também faria parte do corpo teórico necessário para determinar a possibilidade de uma espécie invadir determinada comunidade e qual seria a consequência dessa invasão. Entretanto, para ajudar nessas questões e continuar relevante, a teoria deve sacrificar seu generalismo e focar em modelos detalhados mecanísticos de sistemas específicos.
 +
 +A comunidade de diferentes vírus, ou variantes virais, circulantes que afetam o ser humano pode ser vista como um destes sistemas particulares afetados pela Teoria da Similaridade Limitante. Numa perspectiva de Ecologia de Populações, cada vírus consome apenas um recurso: hospedeiros suscetíveis(i.e. que não possuem imunidade) (12). Via de regra,depois que um vírus infecta um hospedeiro, ele desenvolve uma memória imune que o tornará resistente a novas infecções, ainda que essa resistência possa ser temporária (12). Essa memória imune é específica para cada vírus, porém vírus parecidos podem gerar uma memória imune parecida, chamada de imunidade cruzada (13). Assim, vírus semelhantes acabariam competindo por hospedeiros suscetíveis, o que poderia levar o melhor competidor (i. e. aquele com maior transmissão) a excluir os outros (14).Um exemplo desta situação é a sequência em que variantes mais infectantes do SARS-CoV-2, ao surgirem, excluíram as anteriores (15,16). Num sistema de competição viral, a similaridade limitante pode ser definida como o máximo de imunidade cruzada possível entre dois vírus que coexistem.
 +
 +A perspectiva descrita acima pode ser útil para compreender aspectos das comunidades de vírus com relevância para a saúde pública, como por exemplo, prever a possibilidade de um novo vírus ou variante viral se estabelecer em determinada comunidade, e qual será seu impacto nela. Apesar disso ela foi muito pouco explorada ainda. Pesquisando no Google Acadêmico, achei somente um artigo que envolve explicitamente vírus e similaridade limitante, e não no contexto de imunidade cruzada (17). Estudos de comunidades de vírus interagindo através da imunidade cruzada são diversos ( exemplo: 18,19,20). Esses estudos demonstram a possibilidade de ocorrer ou não exclusão competitiva, mas não explicitam a similaridade limitante como um fator decisivo.  É necessário criar uma linha de pesquisa que teste explicitamente a Teoria da Similaridade Limitante para comunidades virais. Essa linha de pesquisa poderia trazer informações importantes para compreender as doenças virais que existem hoje em dia ou que possam surgir no futuro. 
 +
 +
 +==Referências bibliográficas==
 +
 +1. Gause, GF. 1932. Experimental studies on the struggle for existence. Journal of Experimental Biology. 9, 389–402.
 +
 +2. Hardin, G. 1960. The competitive exclusion principle. Science. 131(3409),1292-1297.
 +
 +3. Hutchinson, GE. 1959. Homage to Santa Rosalia, or Why are there so many kinds of animals?. The American Naturalist. 93(870), 145–159.
 +
 +4. MacArthur, R & Levins, R. 1967. The Limiting Similarity, Convergence, and Divergence of Coexisting Species. The American Naturalist. 101(921), 377–385.
 +
 +5. Abrams, PA. 1975. Limiting similarity and the fonn of the competition coefficient. Theoretical Population BioIogy. 8, 356-75.
 +
 +6. Abrams, PA. 1976. Niche overlap and environmental variability. Mathematical  Biosciences. 28, 357-75.
 +
 +7. Levin, S. 1974. Dispersion and population interactions. The American Naturalist. 108, 207-28.
 +
 +8. Chesson, PL & Warner, RR. 1981. Environmental variability promotes coexistence in lottery competitive systems. The American Naturalist. 1(17), 923-43
 +
 +9. Simberloff, DS & Boeclden, W. 1981. Santa Rosalia reconsidered. Evolution. 35, 126-128.
 +
 +10. Abrams, P. 1983. The Theory of Limiting Similarity. Annual Review of Ecology and Systematics. 14(1), 359–376.
 +
 +11. Slatkin, M. 1980. Ecological character displacement. Ecology. 61,163-77 
 +
 +12. Anderson, R. &  May, R. 1979. Population biology of infectious diseases: Part I. Nature. 280, 361–367.
 +
 +13. Hofstad, MS. 1981. Cross-Immunity in Chickens Using Seven Isolates of Avian Infectious Bronchitis Virus. Avian Diseases. 25(3), 
 +650-654.
 +
 +14. Ackleh, AS &  ALLEN, LJS. 2005. Competitive exclusion in SIS and SIR epidemic models with total cross immunity and density-dependent host mortality. Discrete & Continuous Dynamical Systems-B. 5(2), 175-188.
 +
 +15. Coutinho, RM et al.2001. Model-based estimation of transmissibility and reinfection of SARS-CoV-2 P.1 variant.  Communications Medicine. 1,48. 
 +
 +16. Campbell, F et al. 2021. Increased transmissibility and global spread of SARS-CoV-2 variants of concern as at June 2021. Euro Surveill.26(24), 2100509.
 +
 +17. Kawaguchi, I et al. 2003. Why are dengue virus serotypes so distantly related? Enhancement and limiting serotype similarity between dengue virus strains.Proceedings of the Royal Society of London. Series B: Biological Sciences. 270(1530), 2241-2247.
  
 +18. Bremermann, HJ & Thieme, HR. 1989. A competitive exclusion principle for pathogen virulence. Journal of Mathematical Biology. 27(2), 179–190.
  
 +19. Feng, Z &  Velasco-Hernández, J. 1997. Competitive exclusion in a vector-host model for the dengue fever. Journal of Mathematical Biology. 35, 523–544. 
  
 +20. Garba, SM & Gumel, AB. 2010. Effect of cross-immunity on the transmission dynamics of two strains of dengue. International Journal of Computer Mathematics. 87(10), 2361-2384.
  
ensaios/2022/start.1647035187.txt.gz · Última modificação: 2022/03/11 21:46 por estudante2022
CC Attribution-Noncommercial-Share Alike 4.0 International
www.chimeric.de Valid CSS Driven by DokuWiki do yourself a favour and use a real browser - get firefox!! Recent changes RSS feed Valid XHTML 1.0