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ensaios:2017 [2019/01/10 12:37] – [Referências bibliográficas] pauloensaios:2017 [2019/01/10 12:38] – [Diz-me quem és e dir-te-ei onde estás: nicho, filogenia e composição de comunidades de serpentes] paulo
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-==== **Diz-me quem és e dir-te-ei onde estás:** nicho, filogenia e composição de comunidades de serpentes==== +==== "Diz-me quem és e dir-te-ei onde estás": nicho, filogenia e composição de comunidades de serpentes==== 
 === Filipe A. Cabreirinha Serrano === === Filipe A. Cabreirinha Serrano ===
  
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 +==== O Conceito de Especiação e as Interações entre Plantas e Grandes Mamíferos ====
 +=== Lucas Ferreira do Nascimento ===
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 +Especiação, dispersão, seleção e deriva ecológica podem ser consideradas as quatro classes de processos organizadores das comunidades (Vellend 2010). A diversidade de espécies de um determinado local depende fundamentalmente da composição e da diversidade regional de espécies (Cornell 1985; Ricklefs 1987) que, por sua vez, dependem dos processos de especiação (Vellend 2010). Tendo isso em vista, Vellend 2010 propõe que os processos de diversificação e dispersão da biota ao longo do tempo (responsáveis pelo surgimento de espécies num dado local) sejam tratados em ecologia de comunidades dentro da classe especiação. Desse modo, neste presente ensaio, o conceito de especiação engloba o contexto histórico e biogeográfico em que o pool regional de espécies originou-se.  O meu objetivo aqui é discorrer sobre a importância do conceito de especiação na ecologia de comunidades e como esse conceito pode nos ajudar a fazer perguntas e previsões nos estudos de interações entre plantas e grandes mamíferos. 
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 +Em quase todo o século XX,  as interpretações dos padrões das comunidades ignoraram os efeitos dos processos evolutivos e tiveram como  premissa que a diversidade local é um resultado determinístico dos processos locais dentro de uma comunidade (Ricklefs 1987). Entre as décadas de 20 e 50, a competição foi vista como o principal processo organizador das comunidades, principalmente sob forte influência das formulações matemáticas de competição interespecífica de Lotka & Volterra, dos experimentos de exclusão competitiva de Gause e da teoria de nicho de Hutchinson. Na década de 60, a partir do desenvolvimento da Biogeografia de Ilhas, o contexto histórico e geográfico começou a ter uma maior presença na ecologia de comunidades. A teoria de Biogeografia de Ilhas  incorporou explicitamente um contexto regional, pelo qual a imigração de espécies a partir de um continente fonte de colonizadores compensa processos locais responsáveis pela coexistência e extinção (MacArthur & Wilson 1967). Mais tarde,  na década de 80, alguns trabalhos que investigaram a relação entre padrões locais e regionais ganharam mais destaque (Cornell 1985, Ricklefs 1987). Ricklefs 1987 não considerou explicitamente a especiação mas chamou atenção para a questão dos trabalhos em ecologia de comunidades não considerarem processos históricos em grande escala espacial e temporal que, por sua vez, estão relacionados aos processos de especiação. De um modo geral, ao longo do século XX, a especiação e os processos históricos que levaram ao surgimento de novas espécies num dado local não tiveram um papel central  na ecologia de comunidades, sendo que  o contexto histórico de como as espécies surgem num determinado local teve mais destaque no campo da Biogeografia e Macroevolução (Ricklefs 1987). Por fim, a especiação foi finalmente incorporada de forma explícita em ecologia de comunidades com os modelos de metacomunidades e a teoria neutra de Hubbell. De acordo com a teoria neutra de Hubbell, o número de espécies no equilíbrio dentro de uma metacomunidade depende de uma taxa constante de especiação e do número total de indivíduos, pelo qual pode variar com o tamanho da região (Hubbel 2001). 
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 +Especiação parece ser crítica para o entendimento de pelo menos dois padrões de diversidade de espécies em comunidades (Vellend 2010): (1) áreas de mesmo tamanho, sob condições ambientais similares e em regiões geográficas diferentes contém números de espécies diferentes (Ricklefs 2008); (2) a diversidade de espécies de um determinado local está relacionada aos gradientes ambientais desse local (Ricklefs 2004). Por exemplo, Brown et al. 2000 documentou uma maior riqueza de donzelinhas (Enallagma) em lagos com peixes predadores do que em lagos sem peixes predadores. Eles reconstruíram a preferência de habitat sob a filogenia de donzelinhas e sugeriram que a grande diversidade de espécies nos lagos com peixes refletem a mudança recente para os lagos sem peixes, embora as taxas de diversificação podem ter atuado como mecanismo adicional. Em outro estudo com abordagens filogenéticas, Wiens et al. 2007 investigaram um padrão recorrente, no qual há uma  maior riqueza de espécies em elevações médias. Usando salamandras como modelo de estudo, eles encontraram que a taxa de diversificação das salamandras não foi diferente em diferentes elevações mas as elevações médias foram colonizadas primeiro, assim eles concluíram que  houve mais tempo para um maior número de espécies acumularem nas áreas de elevações médias, mostrando a importância de processos históricos em ecologia de comunidades.
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 +O conceito de especiação, sensu Vellend, também têm contribuído para um melhor entendimento de como as interações entre plantas e grandes mamíferos moldaram determinados caracteres das plantas. Numa floresta tropical da Costa Rica, a existência de plantas nativas com frutos grandes e carnosos que só poderiam ser dispersos efetivamente por megafauna (> 44 kg) parecia não fazer sentido, uma vez que quase não há megafauna nativa na Costa Rica (Janzen & Martin 1982). Desta forma, Janzen & Martin 1982, ao considerar o contexto histórico dessas comunidades propuseram que estes frutos poderiam ser resultado de seleção exercida pela megafauna extinta no final do pleistoceno. Esses autores propuseram o termo "anacronismo" para designar caracteres que foram moldados por interações extintas. Muitos caracteres anacrônicos têm sido identificados em plantas (Barlow 2002, Galetti et al. 2017, Guimarães et al. 2008, Janzen & Martin 1982, Janzen 1986). Por exemplo, espinhos de espécies de cactos do gênero Opuntia  do deserto de Nopaleras, no México, podem ser resultado de seleção natural exercida pela herbivoria da megafauna extinta (Janzen 1986). Em Madagascar e na Nova Zelândia também não há grandes herbívoros atualmente, contudo algumas espécies de plantas dessas regiões  possuem uma arquitetura que parece ser anacrônica e provavelmente moldada pela pressão de herbivoria exercida por grandes aves extintas (família Ratite) (Bond & Silander 2007). Tanto os espinhos dos cactos de Nopaleras quanto a arquitetura das plantas de Madagascar e Nova Zelândia eram tidas como adaptações ao clima árido destas regiões. Isso exemplifica a importância de considerar o contexto histórico  e o conceito de especiação para a investigação da evolução dos caracteres de plantas. 
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 +No meu projeto de mestrado, estamos  tentando entender como as interações entre plantas e  megafauna moldaram determinados caracteres de plantas, usando como modelo de estudo as espécies de palmeiras (Arecaceae) neotropicais. Desse modo, a especiação é um conceito central no meu projeto que, por sua vez, tem duas perguntas principais: 1) Quais espécies de palmeiras neotropicais possuem frutos com características selecionadas pela megafauna extinta no final do pleistoceno? 2) Uma vez que muitas espécies da megafauna  extinta também poderiam consumir ou machucar  outras partes das plantas (Göldel et al. 2016, Owen-Smith 1992), há uma relação positiva entre frutos anacrônicos e defesas anacrônicas em palmeiras neotropicais? Para responder essas perguntas, estamos investigando a história evolutiva dos caracteres dos frutos e defesas (principalmente espinhos) e como a evolução desses caracteres foram correlacionados ao longo da filogenia das palmeiras. Outra questão importante é como o surgimento desses caracteres podem ter influenciado as taxas de especiação das palmeiras. Tendo isso em vista, Onstein et al. 2017 encontraram que as palmeiras com frutos pequenos tiveram uma maior taxa de especiação do que as palmeiras com frutos grandes e carnosos (provavelmente dispersas pela megafauna). 
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 +Em adição ao contexto histórico, o efeito da especiação no contexto biogeográfico e no pool regional  das espécies podem nos ajudar a entender melhor a distribuição geográfica das espécies de palmeiras. Por exemplo, Galetti et al. 2013 investigaram como o os frutos do palmito Juçara (Euterpe edulis) variaram de tamanho em áreas diferentes com dispersores de sementes de tamanhos diferentes. Eles concluíram que  nas áreas onde há maiores dispersores de sementes o tamanho dos frutos do palmito Juçara são maiores do que nas áreas com menores dispersores de sementes. Nesse sentido, sabendo que a megafauna dos neotrópicos era mais abundante em áreas abertas como o cerrado (Owen-Smith 1992), será que demograficamente há mais indivíduos de palmeiras anacrônicas no cerrado? Adicionalmente, podemos nos perguntar qual foi o efeito da extinção da megafauna na distribuição geográfica das palmeiras. Podemos esperar que houve maiores mudanças geográficas nas palmeiras com frutos anacrônicas do que em outras espécies de mesmo habitat mas não dispersas por megafauna. Por fim, através do conceito de especiação podemos investigar se a ocorrência de palmeiras com frutos grandes e carnosos nos neotrópicos é devido a especiação dessas palmeiras nos neotrópicos ou é simplesmente devido ao contexto histórico de dispersão de outra região (África por exemplo). Desse modo, investigaríamos se os caracteres anacrônicos de espécies de palmeiras neotropicais são necessariamente um resultado da seleção exercida pela megafauna neotropical. 
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 +Além de nos ajudar a fazer novas perguntas, o conceito de especiação proposto por Vellend 2010 nos ajuda a entender melhor como  o estudo da seleção de caracteres de plantas por grandes mamíferos está inserido na ecologia de comunidades. Investigar as interações entre plantas e grandes mamíferos pode nos ajudar a entender melhor a distribuição geográfica, evolução de caracteres e as taxas de diversificação das plantas. Consequentemente, o estudo das interações entre plantas e grandes mamíferos pode nos ajudar a compreender os processos responsáveis pelos padrões de diversidade das comunidades, pelo qual é o principal objetivo da ecologia de comunidades. 
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 +== Referências bibliográficas ==
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 +Barlow, C. (2002). The ghosts of evolution: nonsensical fruit, missing partners, and other ecological anachronisms. Basic Books.
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 +Bond, W. J., & Silander, J. A. (2007). Springs and wire plants: anachronistic defences against Madagascar’s extinct elephant birds. Proceedings of the Royal Society B: Biological Sciences, 274(May), 1985–1992. https://doi.org/10.1098/rspb.2007.0414
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 +Brown, J. M., McPeek, M. A., & May, M. L. (2000). A phylogenetic perspective on habitat shifts and diversity in the north American Enallagma damselflies. Systematic Biology, 49(4), 697–712. https://doi.org/10.1080/106351500750049789
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 +Cornell, H. V. (1985). Local and Regional Richness of Cynipine Gall Wasps on California Oaks. Ecology, 66(4), 1247–1260.
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 +Galetti, M., Guevara, R., Côrtes, M. C., Fadini, R., Matter, S. Von, Leite, A. B., … Jordano, P. (2013). Functional Extinction of Birds Drives Rapid Evolutionary Changes in Seed Size. Science, 340(May).
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 +Galetti, M., Mole, M., Jordano, P., Pires, M. M., Paulo, R., Pape, T., … Marquis, R. J. (2017). Ecological and evolutionary legacy of megafauna extinctions. https://doi.org/10.1111/brv.12374
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 +Göldel, B., C. Araujo, A., Kissling, W. D., & Svenning, J.-C. (2016). Impacts of large herbivores on spinescence and abundance of palms in the Pantanal, Brazil. Botanical Journal of the Linnean Society, 182, 465–479.
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 +Guimarães, P. R., Galetti, M., & Jordano, P. (2008). Seed dispersal anachronisms: Rethinking the fruits extinct megafauna ate. PLoS ONE, 3(3). https://doi.org/10.1371/journal.pone.0001745
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 +Hubbell, S. P. (2001). The unified neutral theory of biodiversity and biogeography. Monographs in Population Biology 32. Princeton University Press, Princeton, NJ.
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 +Janzen, D. H., & Martin, P. S. (1982). Neotropical Anachronisms: The Fruits the Gomphotheres Ate. Science. https://doi.org/10.1126/science.215.4528.19
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 +Janzen, D. H. (1986). Chihuanhuan desert nopaleras: defaunated big mammal vegetation.Ann.Rev.Ecol.Syst.,17,595–636. https://doi.org/0066-4162/86/1120-0595$02.00
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 +MacArthur R. H., Wilson E. O. (1967). The theory of island biogeography. Princeton (NJ): Princeton University Press
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 +Onstein, R. E., Baker, W. J., Couvreur, T. L. P., Faurby, S., Svenning, J.-C., & Kissling, W. D. (2017). Frugivory-related traits promote speciation of tropical palms. Nature Ecology & Evolution. https://doi.org/10.1038/s41559-017-0348-7
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 +Owen-Smith, R. N. (1992). Megaherbivores: the influence of very large body size on ecology. Cambridge university press.
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 +Ricklefs, R. E. (1987). Community Diversity: Relative Roles of Local and Regional Processes. Science, 235, 167–171.
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 +Ricklefs, R. E. (2004). A comprehensive framework for global patterns in biodiversity. Ecology Letters, 7(1), 1–15. https://doi.org/10.1046/j.1461-0248.2003.00554.x
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 +Ricklefs, R. E. (2008). Disintegration of the Ecological Community. The American Naturalist, 172(6), 741–750. https://doi.org/10.1086/593002
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 +Vellend, M. (2010). Conceptual Synthesis in Community Ecology. The Quarterly Review of Biology, 85(2), 183–206. https://doi.org/10.1086/652373
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 +Wiens, J. J., Parra-Olea, G., Garcia-Paris, M., & Wake, D. B. (2007). Phylogenetic history underlies elevational biodiversity patterns in tropical salamanders. Proceedings of the Royal Society B: Biological Sciences, 274(1612), 919–928. https://doi.org/10.1098/rspb.2006.0301
ensaios/2017.txt · Última modificação: 2019/01/10 12:45 por paulo
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