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 +====Tradeoffs na busca pela morte: uma explicação para a coexistência de espécies de urubus====
 +==Caetano Mourão==
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 +Um dos principais objetivos da ecologia de comunidades é explicar como  diferentes espécies podem coexistir em um mesmo tempo e espaço, principalmente espécies com atributos e demandas muito semelhantes. De acordo com o Princípio da Exclusão Competitiva (ou Princípio de Gause) duas espécies que demandam os mesmos recursos e condições (isto é, possuem nichos ecológicos suficientemente semelhantes) não poderiam coexistir indefinidamente em uma mesma área. O princípio pode ser justificado da seguinte maneira: para duas populações não intercruzantes que utilizam os mesmos recursos limitantes e que existem em simpatria, existirá uma desigualdade (mesmo que pequena) na taxa de crescimento populacional entre elas. Dentre as populações, aquela que apresentar a maior taxa de crescimento populacional alocará os recursos limitantes de maneira a torná-los indisponíveis para a outra população, excluindo a pior competidora. (1) Contudo, não é raro encontrar espécies que se utilizam dos mesmos recursos limitantes ocorrendo lado a lado na natureza — pelo contrário, encontramos na maioria das matas espécies vegetais que necessitam de luz, água e os mesmos minerais do solo coexistindo plenamente. (2)
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 +Modelos teóricos de competição podem nos auxiliar a compreender como a coexistência é possível em comunidades biológicas. O modelo de competição de Tilman prevê que se múltiplas espécies competem por um único recurso limitante, aquela capaz de manter uma população estável com a menor disponibilidade de recursos (isto é, apresentar o menor valor de R*) excluirá competitivamente todas as outras. Entretanto, se na presença de dois recursos limitantes duas espécies diferentes apresentarem o menor R* para cada um dos recursos, observaremos um equilíbrio estável nas duas populações, permitindo assim a coexistência. (3) Tilman observou suas previsões de exclusão competitiva e de coexistência em experimentos controlados, utilizando culturas de algas do lago Michigan com quantidades limitadas de fosfato e sílica, demonstrando que seu modelo é capaz de descrever cenários reais em algumas situações. (4) 
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 +O que impede, então, que uma espécie tenha o menor R* para todos os recursos limitantes possíveis? Por que é impossível um espécie alocar com máxima eficiência todos os recursos do meio? Tal espécie se aproximaria do que Law chamou de “Demônio Darwiniano”: um organismo capaz de maximizar todos os seus aspectos de aptidão simultaneamente. (5) Demônios Darwinianos não são encontrados na natureza graças ao que chamamos de //tradeoffs//. //Tradeoffs// relações de comprometimento de atributos diferentes, isto garante que determinadas vantagens sejam compensadas por desvantagens associadas (6,7). Os //tradeoffs// são causados, em última instância, por limitações físicas de leis universais. A conservação de energia garante que o estoque energético de um indivíduo seja limitado, de maneira que toda energia dispendida em determinado órgão, estrutura ou prole, torna-se indisponível. Do mesmo modo, é impossível para uma ave ter um peso mínimo para facilitar o seu vôo e um tamanho máximo para combater adversários, simultaneamente, etc.
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 +//Tradeoffs// são pervasivos na natureza, e parte crucial na dinâmica de comunidades para a coexistência das espécies. De fato, a maior parte das teorias capazes de explicar a coexistência de espécies assume a existência de //tradeoffs// de alguma maneira. (3, 8, 9, 10, 11, 12) Esse tipo de custo no investimento em estruturas ou comportamento age indiscutivelmente como força estabilizadora na natureza, e pode nos ajudar a compreender como guildas ecomorfológicas coexistem em um mesmo ambiente, sem se excluírem competitivamente. (6)
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 +Urubus e abutres são exemplos dessas guildas. Os urubus são em sua maioria carniceiros obrigatórios, os únicos entre os vertebrados (13), e são frequentemente encontrados simultaneamente consumindo uma mesma carcaça. (14) Em florestas neotropicais os urubus chegam a consumir 95% das carcaças obrigatórias. (15) Devemos então supor que deve haver competição intensa por alimento entre essas aves, principalmente ao considerarmos o quão efêmera e imprevisível é da disponibilidade de carcaças na natureza. (16) Uma possível explicação para a coexistência de espécies de urubus na América do sul é que há particionamento de nicho. Em um estudo observacional foi constatado que há uma ordem na chegada de espécies de urubus em florestas neotropicais, além de diferenças nos tipos de tecido consumido pelas aves. (14) Espécies do gênero //Cathartes// (//C. aura// e //C. Burrovianus//, conhecidos popularmente como urubu-de-cabeça-vermelha e urubu-de-cabeça-amarela, respectivamente) são “pioneiras” nas carcaças, graças ao seu olfato aguçado e vôo de altitude mais baixa. (14, 17, 18) Em contrapartida urubus-de-cabeça-preta (//Coragyps attratus//) e urubus-rei (//Sarcorhamphus papa//), espécies visualmente orientadas e de vôo mais alto, costumam chegar posteriormente nas carcaças. Apesar de chegar mais tardiamente nas carcaças, o urubu-rei apresenta uma hierarquia dominante sobre as demais espécies, além de ser mais eficiente em romper tecidos mais duros o único capaz de revirar grandes carcaças, graças à sua maior força física. (14)
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 +É possível que haja um //tradeoff// entre espécies pequenas, de vôo baixo e orientadas pelo olfato e espécies maiores, de vôo mais alto e orientadas visualmente, que seja causador do particionamento de nicho constatado. As espécies mais olfativas parecem investir em uma busca mais eficiente por carcaças, chegando antes de eventuais competidores, se locomovendo com mais eficiência dentro da floresta graças ao menor tamanho, e consumindo porções de tecido mais macias. Por outro lado, espécies maiores e visualmente orientadas buscam aglomerados de urubus, o seu voo alto permite uma cobertura visual mais ampla, e elas não encontram dificuldades em se alimentar de porções de tecido mais duro que restam e nem são intimidadas por outras espécies já presentes no local.
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 +Por fim, tal possível //tradeoff// ainda não explicaria a coexistência de espécies competidoras intraguilda que pertencem ao mesmo gênero, em especial as espécies do gênero //Cathartes//. Os urubus-de-cabeça-vermelha e cabeça-amarela apresentam estratégias de procura e de alimentação extremamente semelhante, e é difícil supor diferenças causadas por //tradeoffs// entre as duas espécies. Tais urubus, no entanto, se diferenciam na área de vida, sendo que os urubus-de-cabeça-amarela são mais abundantes em regiões de savana, enquanto urubus-de-cabeça-vermelha circulam por diferentes habitats, desde savanas a florestas úmidas e são migratórios. (14) Sistemas biológicos são extremamente complexos, e vários processos agem sobre os padrões observados na natureza, inclusive a coexistência de espécies semelhantes. Processos históricos e biogeográficos, bem como processos neutros são explicações alternativas para a enorme biodiversidade que observamos.
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 +== Referências bibliográficas ==
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 +(1) HARDIN, Garrett. The competitive exclusion principle. science, v. 131, n. 3409, p. 1292-1297, 1960.
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 +(2) HARPER, John L. et al. Population biology of plants. Population biology of plants., 1977.
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 +(3) TILMAN, David. Resource competition and community structure. Princeton university press, 1982.
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 +(4) TILMAN, David. Tests of resource competition theory using four species of Lake Michigan algae. Ecology, v. 62, n. 3, p. 802-815, 1981.
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 +(5) LAW, Richard. Optimal life histories under age-specific predation. The American Naturalist, v. 114, n. 3, p. 399-417, 1979.
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 +(6) TILMAN, David. Constraints and tradeoffs: toward a predictive theory of competition and succession. Oikos, p. 3-15, 1990.
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 +(7) VINCENT, T. L. S. et al. Trade-offs and coexistence in consumer-resource models: it all depends on what and where you eat. The American Naturalist, v. 148, n. 6, p. 1038-1058, 1996.
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 +(8) GRUBB, Peter J. The maintenance of species‐richness in plant communities: the importance of the regeneration niche. Biological reviews, v. 52, n. 1, p. 107-145, 1977.
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 +(9) CONNELL, Joseph H. Diversity in tropical rain forests and coral reefs. Science, v. 199, n. 4335, p. 1302-1310, 1978.
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 +(10) HUSTON, Michael. A general hypothesis of species diversity. The American Naturalist, v. 113, n. 1, p. 81-101, 1979.
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 +(11) CODY, Martin L. Structural niches in plant communities. Community ecology, v. 381, p. 405, 1986.
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 +(12) CHESSON, Peter L. Environmental variation and the coexistence of species. Community ecology, v. 240, p. 54, 1986.
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 +(13) RUXTON, Graeme D.; HOUSTON, David C. Obligate vertebrate scavengers must be large soaring fliers. Journal of theoretical biology, v. 228, n. 3, p. 431-436, 2004.
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 +(14) HOUSTON, DAVID C. Competition for food between Neotropical vultures in forest. Ibis, v. 130, n. 4, p. 402-417, 1988.
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 +(15) HOUSTON, David C. Scavenging efficiency of turkey vultures in tropical forest. The Condor, v. 88, n. 3, p. 318-323, 1986.
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 +(16) MORENO-OPO, Rubén; TRUJILLANO, Ana; MARGALIDA, Antoni. Behavioral coexistence and feeding efficiency drive niche partitioning in European avian scavengers. Behavioral Ecology, v. 27, n. 4, p. 1041-1052, 2016.
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 +(17) BANG, Betsy Garrett. Anatomical evidence for olfactory function in some species of birds. Nature, v. 188, n. 4750, p. 547-549, 1960.
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 +(18) BANG, Betsy Garrett. The nasal organs of the Black and Turkey Vultures; a comparative study of the cathartid species Coragyps atratus atratus and Cathartes aura septentrionalis (with notes on Cathartes aura falklandica, Pseudogyps bengalensis, and Neophron percnopterus). Journal of Morphology, v. 115, p. 153-183, 1964.
  
 ==== Dispersão e diversidade: um parênteses. ==== ==== Dispersão e diversidade: um parênteses. ====
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 Woolhouse, M. E. J.; D. T. Haydon; R. Antia (2005) Emerging pathogens: the epidemiology and evolution of species jumps. Trends in Ecology and Evolution 20(5): 238–244. Woolhouse, M. E. J.; D. T. Haydon; R. Antia (2005) Emerging pathogens: the epidemiology and evolution of species jumps. Trends in Ecology and Evolution 20(5): 238–244.
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