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 ====== Ensaios 2021 ====== ====== Ensaios 2021 ======
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 +====Tradeoffs na busca pela morte: uma explicação para a coexistência de espécies de urubus====
 +==Caetano Mourão==
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 +Um dos principais objetivos da ecologia de comunidades é explicar como  diferentes espécies podem coexistir em um mesmo tempo e espaço, principalmente espécies com atributos e demandas muito semelhantes. De acordo com o Princípio da Exclusão Competitiva (ou Princípio de Gause) duas espécies que demandam os mesmos recursos e condições (isto é, possuem nichos ecológicos suficientemente semelhantes) não poderiam coexistir indefinidamente em uma mesma área. O princípio pode ser justificado da seguinte maneira: para duas populações não intercruzantes que utilizam os mesmos recursos limitantes e que existem em simpatria, existirá uma desigualdade (mesmo que pequena) na taxa de crescimento populacional entre elas. Dentre as populações, aquela que apresentar a maior taxa de crescimento populacional alocará os recursos limitantes de maneira a torná-los indisponíveis para a outra população, excluindo a pior competidora. (1) Contudo, não é raro encontrar espécies que se utilizam dos mesmos recursos limitantes ocorrendo lado a lado na natureza — pelo contrário, encontramos na maioria das matas espécies vegetais que necessitam de luz, água e os mesmos minerais do solo coexistindo plenamente. (2)
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 +Modelos teóricos de competição podem nos auxiliar a compreender como a coexistência é possível em comunidades biológicas. O modelo de competição de Tilman prevê que se múltiplas espécies competem por um único recurso limitante, aquela capaz de manter uma população estável com a menor disponibilidade de recursos (isto é, apresentar o menor valor de R*) excluirá competitivamente todas as outras. Entretanto, se na presença de dois recursos limitantes duas espécies diferentes apresentarem o menor R* para cada um dos recursos, observaremos um equilíbrio estável nas duas populações, permitindo assim a coexistência. (3) Tilman observou suas previsões de exclusão competitiva e de coexistência em experimentos controlados, utilizando culturas de algas do lago Michigan com quantidades limitadas de fosfato e sílica, demonstrando que seu modelo é capaz de descrever cenários reais em algumas situações. (4) 
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 +O que impede, então, que uma espécie tenha o menor R* para todos os recursos limitantes possíveis? Por que é impossível um espécie alocar com máxima eficiência todos os recursos do meio? Tal espécie se aproximaria do que Law chamou de “Demônio Darwiniano”: um organismo capaz de maximizar todos os seus aspectos de aptidão simultaneamente. (5) Demônios Darwinianos não são encontrados na natureza graças ao que chamamos de //tradeoffs//. //Tradeoffs// relações de comprometimento de atributos diferentes, isto garante que determinadas vantagens sejam compensadas por desvantagens associadas (6,7). Os //tradeoffs// são causados, em última instância, por limitações físicas de leis universais. A conservação de energia garante que o estoque energético de um indivíduo seja limitado, de maneira que toda energia dispendida em determinado órgão, estrutura ou prole, torna-se indisponível. Do mesmo modo, é impossível para uma ave ter um peso mínimo para facilitar o seu vôo e um tamanho máximo para combater adversários, simultaneamente, etc.
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 +//Tradeoffs// são pervasivos na natureza, e parte crucial na dinâmica de comunidades para a coexistência das espécies. De fato, a maior parte das teorias capazes de explicar a coexistência de espécies assume a existência de //tradeoffs// de alguma maneira. (3, 8, 9, 10, 11, 12) Esse tipo de custo no investimento em estruturas ou comportamento age indiscutivelmente como força estabilizadora na natureza, e pode nos ajudar a compreender como guildas ecomorfológicas coexistem em um mesmo ambiente, sem se excluírem competitivamente. (6)
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 +Urubus e abutres são exemplos dessas guildas. Os urubus são em sua maioria carniceiros obrigatórios, os únicos entre os vertebrados (13), e são frequentemente encontrados simultaneamente consumindo uma mesma carcaça. (14) Em florestas neotropicais os urubus chegam a consumir 95% das carcaças obrigatórias. (15) Devemos então supor que deve haver competição intensa por alimento entre essas aves, principalmente ao considerarmos o quão efêmera e imprevisível é da disponibilidade de carcaças na natureza. (16) Uma possível explicação para a coexistência de espécies de urubus na América do sul é que há particionamento de nicho. Em um estudo observacional foi constatado que há uma ordem na chegada de espécies de urubus em florestas neotropicais, além de diferenças nos tipos de tecido consumido pelas aves. (14) Espécies do gênero //Cathartes// (//C. aura// e //C. Burrovianus//, conhecidos popularmente como urubu-de-cabeça-vermelha e urubu-de-cabeça-amarela, respectivamente) são “pioneiras” nas carcaças, graças ao seu olfato aguçado e vôo de altitude mais baixa. (14, 17, 18) Em contrapartida urubus-de-cabeça-preta (//Coragyps attratus//) e urubus-rei (//Sarcorhamphus papa//), espécies visualmente orientadas e de vôo mais alto, costumam chegar posteriormente nas carcaças. Apesar de chegar mais tardiamente nas carcaças, o urubu-rei apresenta uma hierarquia dominante sobre as demais espécies, além de ser mais eficiente em romper tecidos mais duros o único capaz de revirar grandes carcaças, graças à sua maior força física. (14)
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 +É possível que haja um //tradeoff// entre espécies pequenas, de vôo baixo e orientadas pelo olfato e espécies maiores, de vôo mais alto e orientadas visualmente, que seja causador do particionamento de nicho constatado. As espécies mais olfativas parecem investir em uma busca mais eficiente por carcaças, chegando antes de eventuais competidores, se locomovendo com mais eficiência dentro da floresta graças ao menor tamanho, e consumindo porções de tecido mais macias. Por outro lado, espécies maiores e visualmente orientadas buscam aglomerados de urubus, o seu voo alto permite uma cobertura visual mais ampla, e elas não encontram dificuldades em se alimentar de porções de tecido mais duro que restam e nem são intimidadas por outras espécies já presentes no local.
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 +Por fim, tal possível //tradeoff// ainda não explicaria a coexistência de espécies competidoras intraguilda que pertencem ao mesmo gênero, em especial as espécies do gênero //Cathartes//. Os urubus-de-cabeça-vermelha e cabeça-amarela apresentam estratégias de procura e de alimentação extremamente semelhante, e é difícil supor diferenças causadas por //tradeoffs// entre as duas espécies. Tais urubus, no entanto, se diferenciam na área de vida, sendo que os urubus-de-cabeça-amarela são mais abundantes em regiões de savana, enquanto urubus-de-cabeça-vermelha circulam por diferentes habitats, desde savanas a florestas úmidas e são migratórios. (14) Sistemas biológicos são extremamente complexos, e vários processos agem sobre os padrões observados na natureza, inclusive a coexistência de espécies semelhantes. Processos históricos e biogeográficos, bem como processos neutros são explicações alternativas para a enorme biodiversidade que observamos.
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 +== Referências bibliográficas ==
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 +(1) HARDIN, Garrett. The competitive exclusion principle. science, v. 131, n. 3409, p. 1292-1297, 1960.
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 +(2) HARPER, John L. et al. Population biology of plants. Population biology of plants., 1977.
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 +(3) TILMAN, David. Resource competition and community structure. Princeton university press, 1982.
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 +(4) TILMAN, David. Tests of resource competition theory using four species of Lake Michigan algae. Ecology, v. 62, n. 3, p. 802-815, 1981.
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 +(5) LAW, Richard. Optimal life histories under age-specific predation. The American Naturalist, v. 114, n. 3, p. 399-417, 1979.
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 +(6) TILMAN, David. Constraints and tradeoffs: toward a predictive theory of competition and succession. Oikos, p. 3-15, 1990.
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 +(7) VINCENT, T. L. S. et al. Trade-offs and coexistence in consumer-resource models: it all depends on what and where you eat. The American Naturalist, v. 148, n. 6, p. 1038-1058, 1996.
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 +(8) GRUBB, Peter J. The maintenance of species‐richness in plant communities: the importance of the regeneration niche. Biological reviews, v. 52, n. 1, p. 107-145, 1977.
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 +(9) CONNELL, Joseph H. Diversity in tropical rain forests and coral reefs. Science, v. 199, n. 4335, p. 1302-1310, 1978.
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 +(10) HUSTON, Michael. A general hypothesis of species diversity. The American Naturalist, v. 113, n. 1, p. 81-101, 1979.
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 +(11) CODY, Martin L. Structural niches in plant communities. Community ecology, v. 381, p. 405, 1986.
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 +(12) CHESSON, Peter L. Environmental variation and the coexistence of species. Community ecology, v. 240, p. 54, 1986.
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 +(13) RUXTON, Graeme D.; HOUSTON, David C. Obligate vertebrate scavengers must be large soaring fliers. Journal of theoretical biology, v. 228, n. 3, p. 431-436, 2004.
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 +(14) HOUSTON, DAVID C. Competition for food between Neotropical vultures in forest. Ibis, v. 130, n. 4, p. 402-417, 1988.
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 +(15) HOUSTON, David C. Scavenging efficiency of turkey vultures in tropical forest. The Condor, v. 88, n. 3, p. 318-323, 1986.
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 +(16) MORENO-OPO, Rubén; TRUJILLANO, Ana; MARGALIDA, Antoni. Behavioral coexistence and feeding efficiency drive niche partitioning in European avian scavengers. Behavioral Ecology, v. 27, n. 4, p. 1041-1052, 2016.
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 +(17) BANG, Betsy Garrett. Anatomical evidence for olfactory function in some species of birds. Nature, v. 188, n. 4750, p. 547-549, 1960.
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 +(18) BANG, Betsy Garrett. The nasal organs of the Black and Turkey Vultures; a comparative study of the cathartid species Coragyps atratus atratus and Cathartes aura septentrionalis (with notes on Cathartes aura falklandica, Pseudogyps bengalensis, and Neophron percnopterus). Journal of Morphology, v. 115, p. 153-183, 1964.
  
 ==== Dispersão e diversidade: um parênteses. ==== ==== Dispersão e diversidade: um parênteses. ====
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 STAVER, A. C.; ARCHIBALD, S.; LEVIN, S. A. The Global Extent and Determinants of Savanna and Forest as Alternative Biome States. Science, v. 334, n. 6053, p. 230–232, 2011. STAVER, A. C.; ARCHIBALD, S.; LEVIN, S. A. The Global Extent and Determinants of Savanna and Forest as Alternative Biome States. Science, v. 334, n. 6053, p. 230–232, 2011.
  
-=== A Equivalência Ecológica como Ponte entre a Seleção e a Deriva ===+ 
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 +==== A Equivalência Ecológica como Ponte entre a Seleção e a Deriva ====
 == Rafael Menezes == == Rafael Menezes ==
-==A Equivalência Ecológica entre Organismos==+== A Equivalência Ecológica entre Organismos ==
  
 A observação da diversidade dos organismos no mundo revela as particularidades fascinantes de cada forma de vida. Cada organismo é distinto em sua história evolutiva, seu desenvolvimento e as particularidades de cada um são marcantes. Diante dessa diversidade, é possível pensar que organismos de diferentes espécies são equivalentes? O conceito de equivalência ecológica indica que em determinadas circunstâncias, organismos distintos seriam demograficamente equivalentes (Hubbell 2006). A equivalência ecológica indica que ambas as espécies possuem o mesmo fitness relativo, sendo que diferenças em suas abundâncias não se dariam por conta de efeitos determinísticos (Vellend 2010). Ao pensarmos nos quatro processos estruturantes da ecologia de comunidades, pode-se afirmar então que a equivalência ecológica se dá na ausência de diferença substancial entre os fitness médios de duas espécies (Vellend 2010). A observação da diversidade dos organismos no mundo revela as particularidades fascinantes de cada forma de vida. Cada organismo é distinto em sua história evolutiva, seu desenvolvimento e as particularidades de cada um são marcantes. Diante dessa diversidade, é possível pensar que organismos de diferentes espécies são equivalentes? O conceito de equivalência ecológica indica que em determinadas circunstâncias, organismos distintos seriam demograficamente equivalentes (Hubbell 2006). A equivalência ecológica indica que ambas as espécies possuem o mesmo fitness relativo, sendo que diferenças em suas abundâncias não se dariam por conta de efeitos determinísticos (Vellend 2010). Ao pensarmos nos quatro processos estruturantes da ecologia de comunidades, pode-se afirmar então que a equivalência ecológica se dá na ausência de diferença substancial entre os fitness médios de duas espécies (Vellend 2010).
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 Historicamente, os trabalhos de Lotka e Volterra apontaram a possibilidade de descrever sistemas de interesse ecológico a partir do uso de equações diferenciais ordinárias, indicando um caminho para a introdução de um maior formalismo matemático na teoria ecológica (Lotka 1920; Volterra 1926). Apesar da abundância de simplificações que estes trabalhos pioneiros faziam ao apresentar um modelo matemático para evolução temporal de populações, eles foram inovadores ao estabelecer uma ponte entre processos e padrões, utilizando técnicas de análise desenvolvidas no contexto de disciplinas como matemática, física e química. Uma das hipóteses centrais no corpo teórico que se desenvolveu a partir desses trabalhos seminais é a de que duas espécies distintas apresentam interações bióticas distintas. Isto é bastante claro quando pensamos sistemas tróficos, por exemplo, mas pode não ser adequado para espécies que podem ser agrupadas dentro da mesma guilda de acordo com a similaridade na utilização de recursos (Lany et al. 2018; Hubbell 2006). No caso limite em que duas populações são limitadas por um mesmo recurso, os modelos baseados e experimentos na seleção (ou nicho) preveem a ocorrência da exclusão competitiva de uma das populações (Connell 1961; Levine and HilleRisLambers 2009). Assim, grupos de espécies que apresentam nichos bastante similares constituem um desafio para a teoria, como exemplificado pelo longo debate acerca do paradoxo do plâncton (Roy and Chattopadhyay 2007). Historicamente, os trabalhos de Lotka e Volterra apontaram a possibilidade de descrever sistemas de interesse ecológico a partir do uso de equações diferenciais ordinárias, indicando um caminho para a introdução de um maior formalismo matemático na teoria ecológica (Lotka 1920; Volterra 1926). Apesar da abundância de simplificações que estes trabalhos pioneiros faziam ao apresentar um modelo matemático para evolução temporal de populações, eles foram inovadores ao estabelecer uma ponte entre processos e padrões, utilizando técnicas de análise desenvolvidas no contexto de disciplinas como matemática, física e química. Uma das hipóteses centrais no corpo teórico que se desenvolveu a partir desses trabalhos seminais é a de que duas espécies distintas apresentam interações bióticas distintas. Isto é bastante claro quando pensamos sistemas tróficos, por exemplo, mas pode não ser adequado para espécies que podem ser agrupadas dentro da mesma guilda de acordo com a similaridade na utilização de recursos (Lany et al. 2018; Hubbell 2006). No caso limite em que duas populações são limitadas por um mesmo recurso, os modelos baseados e experimentos na seleção (ou nicho) preveem a ocorrência da exclusão competitiva de uma das populações (Connell 1961; Levine and HilleRisLambers 2009). Assim, grupos de espécies que apresentam nichos bastante similares constituem um desafio para a teoria, como exemplificado pelo longo debate acerca do paradoxo do plâncton (Roy and Chattopadhyay 2007).
  
-Outra contribuição histórica para a ecologia de comunidades foi a criação do modelo de biogeografia de Ilhas por MacArthur e Wilson, publicado originalmente em 1967 (MacArthur and Wilson 2001). Neste modelo, os autores utilizaram uma abordagem bem diversa da distinção determinística do fitness de populações para compreender a riqueza de comunidades ecológicas. O modelo incorpora dois processos fundamentais: a entrada de novas espécies na comunidade a partir de imigrações e a extinção de espécies da comunidade por um processo de deriva populacional. Notadamente, os dois processos incorporados neste modelo são apresentados como estocásticos, o que indica que a composição de uma comunidade está em constante processo de mudança, e não pode ser prevista a partir de processos fundamentais. Propondo uma extensão dessas ideias iniciais, Hubbel propõe uma teoria neutra para as comunidades, incorporando também a possibilidade de haver especiação na comunidade (Hubbell 2001). Em franco contraste com a teoria de nicho, dominante à época, a teoria neutra se baseia na premissa fundamental de que organismos de diferentes espécies são ecologicamente equivalentes, possuindo taxas demográficas e utilizando recursos similares (Hubbell 2006).+Outra contribuição histórica para a ecologia de comunidades foi a criação do modelo de biogeografia de Ilhas por MacArthur e Wilson, publicado originalmente em 1967 (MacArthur and Wilson 2001). Neste modelo, os autores utilizaram uma abordagem bem diversa da distinção determinística do fitness de populações para compreender a riqueza de comunidades ecológicas. O modelo incorpora dois processos fundamentais: a entrada de novas espécies na comunidade a partir de imigrações e a extinção de espécies da comunidade por um processo de deriva populacional. Notadamente, os dois processos incorporados neste modelo são apresentados como estocásticos, o que indica que a composição de uma comunidade está em constante processo de mudança, e não pode ser prevista a partir de processos fundamentais. Propondo uma extensão dessas ideias iniciais, Hubbel propõe uma teoria neutra para as comunidades, incorporando também a possibilidade de haver especiação (Hubbell 2001). Em franco contraste com a teoria de nicho, dominante à época, a teoria neutra se baseia na premissa fundamental de que organismos de diferentes espécies são ecologicamente equivalentes, possuindo taxas demográficas e utilizando recursos similares (Hubbell 2006).
  
-Apesar de debates contínuos acerca do mérito dos modelos baseados em nicho ou neutralidade, existe um entendimento de que ambas contribuem para o entendimento de comunidades ecológicas (Vellend 2010). Em particular, diversos trabalhos buscam integrar esses processos em um corpo teórico coeso que seja aplicável a sistemas nos quais seleção e deriva são igualmente importantes (e.g., Tilman 2004). No sentido de conciliar ambas abordagens, é possível estudar a hipótese de equivalência ecológica de populações a partir da metodologia empregada em trabalhos baseados em seleção determinística.+Apesar de debates contínuos acerca do mérito dos modelos baseados em nicho ou neutralidade, ambas contribuem para o entendimento de comunidades ecológicas (Vellend 2010). Em particular, diversos trabalhos buscam integrar esses processos em um corpo teórico coeso que seja aplicável a sistemas nos quais seleção e deriva são igualmente importantes (e.g., Tilman 2004). No sentido de conciliar ambas abordagens, é possível estudar a hipótese de equivalência ecológica de populações a partir da metodologia empregada em trabalhos baseados em seleção determinística.
  
 == Equivalência Ecológica em um Modelo Simples == == Equivalência Ecológica em um Modelo Simples ==
  
-Considerando uma comunidade simples composta por duas populações, **x<sub>1</sub>** e **x<sub>2</sub>**, cuja dinâmica pode ser descrita através do modelo generalizado de Lotka-Volterra (Hofbauer and Sigmund 1998). Neste modelo, consideramos que a taxa de crescimento per capita dependem linearmente da densidade de cada uma das populações na comunidade. Os coeficientes de interação intra e interespecífica indicam o coeficiente angular dessa dependência, com **a<sub>ij</sub>** indicando a influência da população **x<sub>j</sub>** sobre a taxa de crescimento per capita de **x<sub>i</sub>**. Cada população **x<sub>i</sub>** também possui uma taxa de crescimento intrínseco dada pelo parâmetro **r<sub>i</sub>**. Considerando esses processos, o sistema de equações diferenciais ordinárias que descreve o modelo pode ser escrito como:+Considerando uma comunidade simples composta por duas populações, **x<sub>1</sub>** e **x<sub>2</sub>**, cuja dinâmica pode ser descrita através do modelo generalizado de Lotka-Volterra (Hofbauer and Sigmund 1998). Neste modelo, consideramos que as taxas de crescimento per capita dependem linearmente da densidade de cada uma das populações na comunidade. Os coeficientes de interação intra e interespecífica indicam os coeficientes angulares dessas dependências, com **a<sub>ij</sub>** indicando a influência da população **x<sub>j</sub>** sobre a taxa de crescimento per capita de **x<sub>i</sub>**. Cada população **x<sub>i</sub>** também possui uma taxa de crescimento intrínseco dada pelo parâmetro **r<sub>i</sub>**. Considerando esses processos, o sistema de equações diferenciais ordinárias que descreve o modelo pode ser escrito como:
  
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-Uma vez que não é viável buscar a solução geral de um sistema de equações não-lineares acopladas, podemos analisá-lo de diversas formas, buscando descrever seu comportamento de maneira qualitativa. As análises desenvolvidas fazem parte de um corpo metodológico bastante documentado, e apresentado de maneira bastante didática em alguns livros-texto (Monteiro 2011; Murray 2007). A partir do interesse na equivalência ecológica de duas populações, pode-se afirmar que há equivalência ecológica entre as populações **x<sub>1</sub>** e **x<sub>2</sub>** caso encontremos uma situação na qual o estado de equilíbrio do sistema não é afetado pelas abundâncias relativas. Assim, a situação de equivalência entre as populações requer um ponto de equilíbrio degenerado no qual o estado de equilíbrio da comunidade pode ser mantido mesmo que haja variação nas abundâncias relativas. Um ponto de equilíbrio do sistema de equações pode ser encontrado impondo-se a condição de equilíbrio ($\frac{d x_1}{dt} =\frac{d x_2}{dt} =0$), ou seja, a condição de que a abundância das populações é constante. Neste sistema específico, temos que não há mudança nas abundâncias caso tenhamos populações sem qualquer abundância (**x<sub>i</sub> = 0**) ou abundâncias tais que satisfaçam o sistema linear de equações:+Uma vez que não é viável buscar a solução geral de um sistema de equações não-lineares acopladas, podemos analisá-lo de diversas formas, buscando descrever seu comportamento de maneira qualitativa. As análises desenvolvidas fazem parte de um corpo metodológico bastante documentado, e apresentado de maneira bastante didática em alguns livros-texto (Monteiro 2011; Murray 2007). A partir do interesse na equivalência ecológica de duas populações, pode-se afirmar que há equivalência ecológica entre as populações **x<sub>1</sub>** e **x<sub>2</sub>** caso encontremos uma situação na qual o estado de equilíbrio do sistema não é afetado pelas abundâncias relativas. Assim, a situação de equivalência entre as populações requer um ponto de equilíbrio degenerado no qual o estado de equilíbrio da comunidade pode ser mantido mesmo que haja variação nas abundâncias relativas. Um ponto de equilíbrio do sistema de equações pode ser encontrado impondo-se a condição de equilíbrio ($\frac{d x_1}{dt} =\frac{d x_2}{dt} =0$), ou seja, a condição de que a abundância das populações é constante no tempo. Neste sistema específico, temos que não há mudança nas abundâncias caso tenhamos populações sem qualquer abundância (**x<sub>i</sub> = 0**) ou abundâncias tais que satisfaçam o sistema linear de equações:
  
  
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-Cada equação do sistema de equações acima representa uma reta em um plano em que cada dimensão representa as abundâncias de uma das populações. ((Pensar geometricamente em um espaço em que cada ponto representa uma combinação específica de abundâncias das populações que estão sendo estudadas é, em geral, muito útil, e esse espaço é denominado espaço de estados.)) O ponto de equilíbrio degenerado que corresponde a uma condição de neutralidade ocorre quando essas retas coincidem. É possível verificar a coincidência das retas impondo que as interseções com os eixos se igualem, o que nos leva às seguintes relações:+Cada equação do sistema de equações acima representa uma reta em um plano em que cada dimensão representa as abundâncias de uma das populações. ((Pensar geometricamente em um espaço em que cada ponto representa uma combinação específica de abundâncias das populações que estão sendo estudadas é, em geral, muito útil, e esse espaço é denominado espaço de estados.)) O ponto de equilíbrio degenerado que corresponde a uma condição de neutralidade ocorre quando essas retas coincidem. É possível verificar a coincidência das retas impondo que as interseções com os eixos se igualem, o que leva às seguintes relações:
  
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 == Conclusão == == Conclusão ==
  
-A noção de equivalência ecológica de espécies, apesar de ser uma hipótese fundamental da teoria neutra pode também ser investigada através das técnicas clássicas de análise de sistemas com seleção predominante. Essa investigação apresenta resultados com interpretações para essas duas tradições de modelagem ecológica. Do ponto de vista da teoria neutra, justifica sua utilização em determinadas circunstâncias, inclusive indicando que o fato de diferentes populações possuírem distintas taxas de crescimento, de competição intra e interespecífica não é impede que sejam, de fato, ecologicamente equivalentes (desde que as relações apresentadas sejam satisfeitas). Do ponto de vista da teoria de nicho, a equivalência ecológica é um bom indicativo de sistemas nos quais diferenças determinísticas substanciais de fitness não estão presentes, isto é, sistemas nos quais resultados clássicos não são diretamente aplicáveis, a exemplo do princípio de exclusão competitiva.+A noção de equivalência ecológica de espécies, apesar de ser uma hipótese fundamental da teoria neutra pode também ser investigada através das técnicas clássicas de análise de sistemas com seleção predominante. Essa investigação apresenta resultados com interpretações para essas duas tradições de modelagem ecológica. Do ponto de vista da teoria neutra, justifica sua utilização em determinadas circunstâncias, inclusive indicando que o fato de diferentes populações possuírem distintas taxas de crescimento, de competição intra e interespecífica não impede que sejam, de fato, ecologicamente equivalentes (desde que as relações apresentadas sejam satisfeitas). Do ponto de vista da teoria de nicho, a equivalência ecológica é um bom indicativo de sistemas nos quais diferenças determinísticas substanciais de fitness não estão presentes, isto é, sistemas nos quais resultados clássicos não são diretamente aplicáveis, a exemplo do princípio de exclusão competitiva.
  
-Essa investigação foi motivada por um diálogo entre meu conhecimento prévio dos fundamentos de ecologia matemática e as profícuas discussões que ocorreram na disciplina de ecologia de comunidades de 2021. O ponto principal que busquei explorar, ainda que de maneira simples, foi como podemos olhar de maneira integrada para sistemas ecológicos buscando estabelecer diálogo entre diferentes tradições de modelagem e teoria ecológica. A partir deste ensaio, mais perguntas aparecem do que efetivamente são respondidas: durante o desenvolvimento, assumimos que equivalentes ecológicos seguem relações bastante precisas, o que aconteceria se permitíssemos populações "aproximadamente equivalentes"? Assumi que a importância da deriva populacional estava relacionada à equivalência ecológica, mas o que acontece em sistemas com diferença determinística de fitness nos quais efeitos estocásticos têm forte influência nas abundâncias das populações? Como podemos levar as escalas temporais em que ocorrem seleção e deriva em conta? Como diferentes formas de definir equivalência ecológica dialogam?+Essa investigação foi motivada por um diálogo entre meu conhecimento prévio dos fundamentos de ecologia matemática e as profícuas discussões que ocorreram na disciplina de ecologia de comunidades de 2021. O ponto principal que busquei explorar, ainda que de maneira simples, foi como podemos olhar de maneira integrada para sistemas ecológicos buscando estabelecer diálogo entre diferentes tradições de modelagem e teoria ecológica. A partir deste ensaio, mais perguntas aparecem do que efetivamente são respondidas: durante o desenvolvimento, assumi que equivalentes ecológicos seguem relações bastante precisas, o que aconteceria se permitisse populações "aproximadamente equivalentes"? Assumi que a importância da deriva populacional estava relacionada à equivalência ecológica, mas o que acontece em sistemas com diferença determinística de fitness nos quais efeitos estocásticos têm forte influência nas abundâncias das populações? Como levar as escalas temporais em que ocorrem seleção e deriva em conta? Como diferentes formas de definir equivalência ecológica dialogam?
  
 "I don't know"(((Root-Bernstein 2008)))... As perguntas, muito mais que as respostas, eu levarei pra minha vida pessoal e profissional. "I don't know"(((Root-Bernstein 2008)))... As perguntas, muito mais que as respostas, eu levarei pra minha vida pessoal e profissional.
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 Volterra, Vito. 1926. “Fluctuations in the Abundance of a Species Considered Mathematically1.” Nature 118 (October): 558–60. https://doi.org/10.1038/118558a0. Volterra, Vito. 1926. “Fluctuations in the Abundance of a Species Considered Mathematically1.” Nature 118 (October): 558–60. https://doi.org/10.1038/118558a0.
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 +==== Processos e Padrões: os caminhos que levam a Roma ====
 +== Anna Caroline C. Ritter ==
 +O mundo natural é irregular e essa irregularidade se manifesta de diferentes formas e em uma ampla gama de escalas, desde o arranjo espacial dos continentes e oceanos até em como os grãos de areia das praias estão dispostos (Dale, 1999). Como a busca por respostas é um objetivo comum das ciências, compreender como a natureza funciona pode explicar o que vemos e como o que vemos pode mudar (Simberloff, 2004; Cale, 1989), e essa compreensão da natureza passa pela capacidade de responder perguntas sobre as causas (condições, processos e mecanismos) responsáveis pela produção de fenômenos, padrões e suas diferenças (Pickett et al. 1994). Por padrões, em ecologia, entende-se o que é visto, ou seja, características e tendências observáveis de um sistema e sua configuração, seja usando um microscópio eletrônico ou um sistema de imagens de satélite (Cale, 1989). Dessa forma, procura-se achar regularidades (Lawton, 1999) dentro das irregularidades.
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 +Em ecologia de comunidades essa busca não poderia ser diferente, visto que o seu próprio objetivo é estudar padrões na diversidade, abundância e composição de espécies em comunidades e os processos subjacentes a esses padrões (Vellend, 2010). Pode-se dizer, então, que esse ímpeto em estudar o padrão vem da visão de que, para se entender as comunidades, devemos descrever e quantificar suas características, tanto espaciais quanto temporais, e então relacionar essas características observadas a processos (Dale, 1999). Dessa forma, o padrão pode ser usado para gerar hipóteses sobre os processos ou para sugerir os mecanismos que deram origem a ele. Portanto, o entendimento dos padrões em termos dos processos que os produzem é essencial para o desenvolvimento de princípios, sem o qual, para cada novo sistema, não haveria qualquer base científica para extrapolação (Levin, 1992). Com essa necessidade básica da identificação dos padrões, houve então considerável preocupação inicial dirigida às técnicas para a detecção e descrição clara e objetiva desses padrões ecológicos e populacionais (Levin, 1992; Dale, 1999; Gardner et al. 1987; Sugihara et al. 1990), com posterior investigação de seus mecanismos geradores e mantenedores determinantes (Levin, 1992; Ford & Renshaw, 1984). Alguns dos padrões que receberam atenção considerável para essas investigações foram as relações entre diversidade de espécies e área, latitude, altitude, produtividade, perturbação, heterogeneidade espacial e mudanças na composição de espécies em sucessões ecológicas (Vellend,2010; Diamond & Case 1986; Rosenzweig, 1995; Ricklefs & Miller, 1999).
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 +Porém, um ponto central da discussão dessa abordagem que posteriormente foi levantado seria até que ponto os processos poderiam ser inferidos dos padrões? (Cale, 1989). 
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 +Diversos são os trabalhos que podem ser trazidos para uma discussão de controvérsias que foram observadas por meio dessas inferências. Um exemplo clássico são padrões de partição de nicho/habitat, que podem ser relacionados tanto à competição quanto à predação (Werner, 1998; Holt, 1984; Holt & Lawton, 1994). Um outro exemplo ilustrativo que é abordado em termos da Teoria de Biogeografia de Ilhas é a relação espécie-área, em que diferentes processos (deriva, dispersão, seleção e especiação) podem contribuir para o padrão dessa relação. Considerando que ilhas grandes têm populações maiores, as taxas de extinção, por deriva, seriam por si só menores em ilhas grandes do que em ilhas pequenas, levando a um maior número de espécies nessas ilhas (Vellend, 2010; MacArthur & Wilson, 1967). Ilhas grandes também fornecem um alvo maior para organismos dispersores, de modo que as taxas de imigração e, portanto, riqueza de espécies, seriam superiores se comparadas a ilhas pequenas (Vellend, 2010; Gilpin & Diamond, 1976). A heterogeneidade ambiental de uma ilha também tende a variar positivamente de acordo com a área dessa ilha, dessa forma, seria esperado que mais espécies pudessem coexistir em ilhas maiores devido a uma menor pressão de seleção (Vellend, 2010; Whittaker & Fernandez-Palacios, 2007). Por fim, seriam esperadas taxas de especiação maiores em ilhas grandes, que contribuiriam positivamente para a relação espécie-área (Vellend, 2010; Losos & Schluter, 2000). Cale (1989) também cita exemplos dessa controvérsia de inferências de processos em seu trabalho, sendo o principal exemplo apresentado ligado à sucessão ecológica, em que alguns autores (Clements, Gleason, Whittaker, Odum e Drury e Nisbet) justificaram o padrão observado de maneiras diferentes, mesmo tendo baseado suas explicações em processos bióticos e abióticos.
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 +Toda essa discordância ocorreu pelo fato de que as direções de pesquisa em ecologia de comunidade se iniciaram com observações de padrões na natureza, com posteriores buscas por explicações. Porém, como muitos desses padrões não implicam em apenas um processo específico (Wiens 1973, 1984) - tendo múltiplas explicações, encontrar um padrão específico em um determinado sistema geralmente revela muito pouco sobre o funcionamento do sistema e os processos que o compõem (Vellend, 2010). Portanto, embora os primeiros estudos de padrões espaciais em comunidades fossem baseados na crença de que processos poderiam ser deduzidos do padrão, essa perspectiva não é mais aceita (Shipley & Keddy, 1987; Leps?, 1990a), sendo que previsões devem derivar da análise dos próprios processos fundamentais e não de análises de padrões (Cale, 1989).
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 +Desse modo, ficou evidente que assim como existem muitos caminhos que levam a Roma, processos diferentes podem gerar o mesmo padrão, processos subjacentes podem gerar padrões diferentes (dependendo dos detalhes contingentes), e que a demonstração de que um processo específico pode, em teoria, dar origem a uma gama de padrões observados não prova que esse processo seja de fato responsável por esses padrões (Levin, 1992; Lawton, 1999).
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 +Conclui-se, então, que um dos maiores desafios na ecologia de comunidades é justamente estabelecer essas ligações entre padrões e processos, visto que há dificuldades em se compreender o cenário como um todo, já que os padrões de interesse são aparentemente contingentes* entre as interações das espécies com o ambiente, fazendo com que, dada a nossa incapacidade, não seja possível fazer afirmações gerais sobre conexões de padrão e processo (Vellend, 2010; Lawton, 1999; Simberloff, 2004). Assim, segundo Vellend (2010), há uma espécie de caixa preta na ecologia de comunidade, dentro da qual há diversos caminhos que vão de um processo a um padrão (Figura 1) e que esses caminhos parecem ser fundamentalmente específicos de cada sistema, ou seja, apesar de buscarmos generalidades, as mesmas estariam fadadas ao fracasso em ecologia de comunidades sendo, portanto, necessário entender os padrões como o resultado de interações entre processos - “padrões podem ser entendidos como o resultado das interações entre os processos A, B e C” (Vellend, 2010).
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 +{{:ensaios:2021:blackbox.jpg?566x338|Fig. 1 - “Caixa preta da ecologia” de Vellend (2010).}}
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 +Fig. 1 - “Caixa preta da ecologia” de Vellend (2010).
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 +A discussão de padrões e processos teve um papel fundamental para o desenvolvimento de ecologia de comunidades, visto que com tantos mecanismos possíveis, avanços experimentais dentro da área foram necessários para que se pudesse distinguir quais mecanismos e processos estariam atuando nos padrões observados, dada que a abordagem inicial hipotético-dedutiva e suas correlações forneciam apenas um ponto de partida para elucidar essas relações (Levin, 1992). Além disso, com o passar do tempo, a área aumentou muito o rigor em relação a como os estudos ecológicos são conduzidos e, não apenas a abordagem experimental tornou-se mais presente, mas trouxe-se também a discussão de novas metodologias e suas aplicações, como a modelagem (Werner, 1998). 
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 +Esse avanço da área e a utilização de experimentação são importantes para o desenvolvimento do meu projeto - que pretende investigar efeitos de pesticidas em comunidades de aves, já que uma das minhas possibilidades seria empregar experimentos de perturbação - referidos como uma das abordagens amplas que objetiva a compreensão das comunidades ecológicas, dado que com a manipulação de algum dos aspectos da composição, ambiente ou segmento da comunidade, uma resposta significativa a essa manipulação é interpretada como uma indicação de que esse fator seria importante para determinar a estrutura da comunidade (Werner, 1998). Como há uma grande complexidade no meu sistema de estudo, as limitações dessa abordagem devem ser consideradas, principalmente porque os resultados de experimentos nesse tipo de sistema não são claros, precisos e nem facilmente interpretáveis (Inchausti, 1994), sendo uma abordagem que busca fatores, e não mecanismos (Werner, 1998).
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 +*Contingente: "apenas verdadeiro sob circunstâncias particulares ou declaradas". Uma regra (ou lei) contingente assume a forma: se A e B valem, então X acontecerá, mas se C e D valem, então Y será o resultado (Lawton, 1999).
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 +== Referências bibliográficas ==
 +Cale, W. G., Henebry, G. M., & Yeakley, J. A. (1989). Inferring process from pattern in natural communities.BioScience, 39,600–605.
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 +Dale, M. (1999). Spatial Pattern Analysis in Plant Ecology (Cambridge Studies in Ecology). Cambridge: Cambridge University Press.
 + doi:10.1017/CBO9780511612589
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 +Diamond J. M., Case T. J. 1986. Community Ecology. New York: Harper and Row.
 +
 +Ford, E. D., & Renshaw, E. (1984). The interpretation of process from pattern using two-dimensional spectral analysis: modelling single species patterns in vegetation. Vegetatio, 56,113–123.
 +
 +Gardner, R. H., B. T. Milne, M. G. Turner, and R. V. O'Neill. 1987. Neutral models for the analysis of broad landscape pattern. Landscape Ecology 1:19-28.
 +
 +Gilpin M. E., Diamond J. M. 1976. Calculation of immigration and extinction curves from the species-areadistance relation. Proceedings of the National Academy of Sciences USA 73(11):4130–4314.
 +
 +Holt, R. D. 1984. Spatial heterogeneity, indirect interactions, and the coexistence of prey species. American Naturalist 124: 377-406.
 +
 +Holt, R. D. and J. H. Lawton. 1994. The ecological consequences of shared natural enemies. Annual Review of Ecology and Systematics 25:495-520.
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 +Inchausti, P. 1994. Reductionist approaches in community ecology. American Naturalist 143:201-221.
 +
 +Lawton J. H. 1999. Are there general laws in ecology? Oikos 84(2):177–192.
 +
 +Leps?, J. (1990a). Can underlying mechanisms be deduced from observed patterns? In Spatial Processes in Plant Communities.eds.F.Krahulec,A.D.Q.Agnew,S.Agnew,& J.H. Willem,pp.1–11.Prague:Academia Press.
 +
 +Levin, S. 1992. The problem of pattern and scale in ecology. Ecology 73:1943-1967.
 +
 +Losos J. B., Schluter D. 2000. Analysis of an evolutionary species-area relationship. Nature 408(6814):847–850.
 +
 +MacArthur R. H., Wilson E. O. 1967. The Theory of Island Biogeography. Princeton (NJ): Princeton University Press.
 +
 +Pickett, S. T. A., J. Kolasa, and C. G. Jones. 1994. Ecological understanding. Academic Press, San Diego, Calif.
 +
 +Ricklefs R. E., Miller G. L. 1999. Ecology. Fourth Edition. New York: W.H. Freeman.
 +
 +Rosenzweig M. L. 1995. Species Diversity in Space and Time. Cambridge (UK): Cambridge University Press.
 +
 +Roughgarden J. 2009. Is there a general theory of community ecology? Biology and Philosophy 224:521–529.
 +
 +Shipley, B., & Keddy, P. A. (1987). The individualistic and community-unit concepts as falsifiable hypotheses.Vegetatio, 69,47–55.
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 +Simberloff D. 2004. Community ecology: is it time to move on? American Naturalist 163:787–799.
 +
 +Sugihara, G., B. Grenfell, and R. M. May. 1990. Distinguishing error from chaos in ecological time series. Philosophical Transactions of the Royal Society of London B 330:235-251.
 +
 +Vellend, M. 2010. Conceptual synthesis in community ecology. The Quaterly Review of Biology 85: 183-206.
 +
 +Werner, E.E. 1998. Ecological experiments and a research program in community ecology. pp 3-27 In: Resetarits B. & J. Bernardo. Experimental ecology: issues and perspectives. Oxford University Press.
 +
 +Whittaker R. J., Fernandez-Palacios J. M. 2007. Island Biogeography: Ecology, Evolution and Conservation. Second Edition. Oxford (UK): Oxford University Press.
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 +Wiens, J. A. 1973. Pattern and process in grassland bird communities. Ecological Monographs 43:237–270.
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 +Wiens, J. A. 1984. On understanding a non-equilibrium world: myth and reality in community patterns and processes. Pages 439–457 in D. R. Strong, Jr., D. Simberloff, L. G. Abele, and A. B. Thistle, eds. Ecological communities: conceptual issues and the evidence. Princeton University Press, Princeton, N.J.
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 +==== Inclusão de dinâmicas neutras em estudos de trocas de hospedeiro ====
 +== Camila Souza Beraldo ==
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 +Considerando o conceito de metacomunidades, a perspectiva neutra entende que não há diferenças entre as espécies (i.e.  elas equivalem em aptidão, em habilidades competitivas e em capacidade de dispersão) e que, portanto, a manutenção da diversidade em escalas locais depende de processos estocásticos de ganho (imigração e especiação) ou perda de espécies (extinção e emigração) (Hubbell, 2001; Leibold et al., 2004). Para entender melhor esse paradigma, faz-se necessário explicar o que é uma metacomunidade: trata-se de um conjunto de comunidades que estão unidas pela dispersão das espécies que as compõem (Leibold et al., 2004). De forma geral, em metacomunidades, considera-se simultaneamente mais de uma escala geográfica – escala local, representada pelas comunidades, e escala regional, uma área maior que inclui todas essas comunidades (Leibold & Chase, 2017). Além da perspectiva neutra, outras três ideias ordenam o campo de metacomunidades, sendo elas dinâmica de manchas, seleção de espécies e efeitos de massa. Apesar de essas ideias variarem quanto às predições das dinâmicas local e regional, todas as três consideram que as diferenças de nicho e/ou a variação de capacidade de dispersão entre as espécies resultam em trade-offs que afetam a comunidade e que têm seus efeitos propagados para escalas maiores (Leibold et al., 2004). 
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 +Durante décadas, os estudos em ecologia de comunidades focavam exclusivamente em processos locais, baseados na ideia de nicho (Hutchinson, 1957, 1959), para explicar a diversidade nas comunidades (Vellend, 2010). No decorrer do desenvolvimento dessa área de pesquisa, outros processos foram incorporados às investigações, como a dispersão – Teoria de Biogeografia de Ilhas (MacArthur & Wilson, 1967) – e a estocasticidade (Simberloff, 1980), fundamentando as bases de alguns dos paradigmas que hoje compõem o conceito de metacomunidades. Muitos ecólogos debateram por anos os processos e as escalas espaço-temporais a serem considerados como estruturantes de comunidades (Leibold & Chase, 2017). Contudo, foi apenas após a publicação da Teoria Neutra (Hubbell, 2001) que o conceito de deriva foi de fato integrado aos estudos de comunidades e que se estabeleceu a perspectiva neutra de metacomunidades. A Teoria Neutra e, consequentemente, o paradigma de dinâmicas neutras foram importantes nesse cenário de profundas discussões teóricas. Tais ideias enfatizaram, por exemplo, a necessidade de se reconhecer a limitação das explicações baseadas unicamente em nicho ecológico e trouxe à luz a importância de se incorporar processos como dispersão e deriva mesmo em sistemas que não são completamente neutros. Além disso, elas foram capazes de conectar trabalhos que investigavam estruturação de comunidades em escalas muito diferentes (e.g. relação entre diversidade local e processos biogeográficos) (Leibold & Chase, 2017).
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 +Um dos meus maiores interesses de pesquisa trata das interação de simbiontes entre si e com seus hospedeiros. Aqui, uso o termo “simbionte” para designar microorganismos (e.g. vírus, fungos, bactérias) que vivem no interior de um hospedeiro e que desempenham interações (+/+), (+/0) ou (+/-) com eles. A transmissão de um simbionte entre espécies diferentes de hospedeiro e o sucesso no estabelecimento nesta nova espécie é chamada de troca de hospedeiro (Woolhouse et al., 2005; Longdon et al., 2014). As trocas de hospedeiro têm ganhado bastante atenção recentemente por serem indicadas como um dos principais fatores causadores de novas pestes e doenças (e.g. COVID-19), provocando prejuízos imensuráveis para a conservação de espécies silvestres, cultivos de plantas e de animais e para saúde humana (Morens et al., 2004; Jones et al., 2008). Ao longo da disciplina e durante a elaboração deste ensaio, a perspectiva neutra de metacomunidades permitiu-me refletir sobre possíveis mecanismos que podem ser definitivos para as trocas de hospedeiro na natureza. Essa reflexão emerge de dois processos que discutirei a seguir: (i) interpretação das comunidades de simbiontes que existem dentro de hospedeiros como uma metacomunidade com limites definidos e (ii) inclusão de processos estocásticos como fatores responsáveis pelas trocas de hospedeiro. 
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 +Para entender as comunidades simbióticas existentes em hospedeiros como uma metacomunidade, faz-se necessário adaptar as escalas local e regional para esse sistema. Podemos entender o hospedeiro em si como a escala local (i.e. mancha, patch), uma vez que ele será espaço para a coexistência de diferentes espécies de simbiontes (Brown et al., 2019). Assim, a metacomunidade de simbiontes tem limites discretos dados pela epiderme do hospedeiro. Dentro de um hospedeiro, pode-se ainda definir micro-localidades, como células, hemolinfa e luz intestinal, que correspondem ao tropismo (i.e. região no organismo do hospedeiro que sustenta o crescimento e reprodução do simbionte) em estudos epidemiológicos (Levine, 1984). A conexão das comunidades de simbiontes se dá pela dispersão entre os hospedeiros que podem ser da mesma espécie ou de espécies diferentes. Aqui, três pontos-chave precisam ser levados em consideração: primeiramente, a dispersão neste caso não se dá apenas pelo alcance do simbionte a um novo hospedeiro, mas inclui as etapas de transposição de barreiras físicas e imunológicas desse novo patch (Medzhitov et al., 2012). Em segundo lugar, a quantidade de manchas disponíveis para novas colonizações (i.e. quantidade de hospedeiros susceptíveis) pode variar no tempo e no espaço. Por fim, a menos que o hospedeiro em questão seja um organismo séssil, os patches se movimentam, o que pode aumentar ou diminuir a facilidade de dispersão dos simbiontes, afetando a conexão entre suas comunidades (Brown et al., 2019).
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 +Em estudos de trocas de hospedeiro, um dos objetivos mais recorrentes é o de se testar correlação entre fatores que podem determinar a dispersão de simbiontes entre hospedeiros de espécies diferentes e o sucesso dessa dispersão. Tal propósito tem como motivação poder, algum dia, prever essas trocas de hospedeiro e antecipar possíveis focos de epidemias. Dentre os fatores mais testados, estão as relações filogenéticas do hospedeiro (de Vienne et al., 2013; Longdon et al., 2014) e do simbionte (Imrie et al., submetido), temperatura ambiental para o hospedeiro (Roberts et al., 2018) e dieta do hospedeiro (Roberts & Longdon, 2021). Apesar de alguns fatores se mostrarem importantes para determinar o sucesso dessas trocas (e.g. filogenias do hospedeiro e do patógeno), parte da variação dos dados não é explicada por nenhum dos parâmetros testados. Nas discussões desses trabalhos, a ausência de correlação entre os fatores usados e as trocas de hospedeiro é frequentemente atribuída a questões mecanísticas ainda não investigadas, como interações do novo simbionte com a comunidade pré-existende no hospedeiro. Até o momento, disconheço estudos que tenham incorporado dinâmicas neutras como possíveis fatores causadores de trocas de hospedeiro. 
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 +Na tentativa de incorporar estocasticidade nesse sistema, discutirei as etapas que, ao meu ver, são mais cruciais para que o simbionte mude de hospedeiro. Ao interpretar as espécies de simbiontes como equivalentes quanto aos seus atributos de aptidão, dispersão e competição, a troca de hospedeiro dependerá da probabilidade de um simbionte X emigrar de um hospedeiro A e desse mesmo simbionte X imigrar para um hospedeiro B (Equação 1, P(TH)). Para que um simbionte possa emigrar de A, é preciso ter como pressuposto que ele exista em A. Para existir em A, a taxa de extinção (P(EXxa)) (aqui interpretada como um resultado da defesa imunológica do hospedeiro) deve ser menor que a taxa de especiação (P(ESxa)) (resultado do surgimento de adaptações por mutação que permitem a superação das defesas do hospedeiro). Para X concluir a imigração para B, é preciso levar em consideração a probabilidade de o encontro de A e de B acontecer na mesma escala espaço-temporal P(ENab). Além disso, temos que computar a probabilidade de X sobreviver durante a transferência entre os hospedeiros, uma vez que, nesse processo, o simbionte X pode ficar exposto ao ambiente externo ao organismo do hospedeiro P(Sx). Por fim, a troca de hospedeiro dependerá da probabilidade de X sobreviver em B (probabilidade de especiação P(ESxb) menos probabilidade de extinção P(EXxb)). Em resumo, a probabilidade da troca de hospedeiro (PTH) acontecer será dada por:
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 +(1)                    P(TH) = [P(ESxa) - P(EXxa)] * P(ENab) * P(Sx) * [P(ESxb) - P(EXxb)]
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 +A inclusão de dinâmicas neutras em estudos de trocas de hospedeiro é relevante, pois, apesar de aspectos desse sistema serem decorrentes de mecanismos relativos às espécies de simbiontes e de hospedeiros, bem como ao ambiente em que eles estão, tais fatores não esgotam as causas possíveis pelas quais um simbionte pode trocar de hospedeiro. Neste ensaio, apresentei um modelo que incorpora os processos de ganho (especiação e imigração) e de perda (extinção e emigração) de espécies de simbiontes em e entre hospedeiros. Acredito que estudos empíricos podem elucidar novas variáveirs e/ou parâmetros a serem incorporados no modelo, contribuindo assim para um maior entendimento das trocas de hospedeiro na natureza.
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 +== Referências: ==
 +
 +Brown, J. J.; J. R. Mihaljevic; L. Des Marteaux; J. Hrček (2019) Metacommunity theory for transmission of heritable symbionts within insect communities. Ecology and Evolution 10: 1703–1721.
 +
 +de Vienne, D. M.; G. Refrégier; M. López-Villavicencio; A. Tellier; M. E. Hood; T. Giraud (2013) Coespeciation vs host-shift speciation: methods for testing, evidence from natural associations and relation to coevolution. New Phytologist 198: 347–385.
 +
 +Hubbell, S. P. (2001) The unified neutral theory of biodiversity and biogeography. [s.l.] Princeton University Press.
 +
 +Hutchinson, G. E. (1957) Concluding Remarks. Cold Spring Harbor Symposia on Quantitative Biology.
 +
 +Hutchinson, G. E. (1959) Homage to Santa Rosalia or why are there so many kinds of animals? The American Society of Naturalists 93(870): 145–159.
 +
 +Imrie, R. M.; K. E. Roberts; B. Longdon (submetido). Between virus correlations in the outcome of infection across host species: evidence of virus genotype by host species interactions [bioRxiv].
 +
 +Jones, K. E.; N. G. Patel; M. A. Levy; A. Storeygard; D. Balk; J. L. Gittleman; P. Daszak (2008) Global trends in emerging infectious diseases. Nature 451:990.
 +
 +Leibold, M. A. & Chase, J. M. (2017) Introduction. Chapter 1 from: Metacommunity Ecology. Princeton University Press.
 +
 +Leibold, M. A.; M. Holyoak; N. Mouquet; P. Amarasekare; J. M. Chase; M. F. Hoopes; R. D. Holt; J. B. Shurin; R. Law; D. Tilman; M. Loreau; A. Gonzalez (2004) The metacommunity concept: A framework for multi-scale community ecology. Ecology Letters  7(7): 601–613.
 +
 +Levine, A. J. (1984) Viruses and differentiation: the molecular basis of viral tissue tropisms. In: Notkins, A. L., and M. B. A. Oldstone (eds) Concepts in viral pathogenesis. Springer, New York, NY.
 +
 +Longdon, B.; M. A. Brockhurst; C. A. Russell; J. J. Welch; F. M. Jiggins (2014) The evolution and genetics of virus host shifts. PLoS Pathogens 10(11): e1004395. doi: 10.1371/journal.ppat.1004395.
 +
 +MacArthur, R. H. & Wilson, E. O. (1967) The Theory of Island Biogeography. [s.l.] Princeton University Press.
 +
 +Medzhitov, R.; D. S. Schneider; M. P. Soares (2012) Disease tolerance as a defence strategy. Science 335:936–941.
 +
 +Morens, D. M.; G. K. Folkers; A. S. Fauci (2004) The challenge of emerging and reemerging infectious diseases. Nature 430(6996): 242–249.
 +
 +Roberts, K. E. & Longdon, B. (2021) Viral susceptibility across host species is largely independent of dietary protein to carbohydrate ratios. Journal of Evolutionary Biology doi:10.1111/jeb.13773.
 +
 +Roberts, K. E.; J. D. Hadfield; M. D. Sharma; B. Longdon (2018) Changes in temperature alter the potential outcomes of virus host shifts. PLOS Pathogens 14(10): e1007185.
 +
 +Simberloff, D. (1980) A succession of paradigms in Ecology: essentialism to materialism and probabilism. Synthese 43(1): 3–39.  
 +
 +Vellend, M. (2010) Conceptual synthesis in community ecology. The Quarterly review of biology 85(2): 183–206.
 +
 +Woolhouse, M. E. J.; D. T. Haydon; R. Antia (2005) Emerging pathogens: the epidemiology and evolution of species jumps. Trends in Ecology and Evolution 20(5): 238–244.
 +
 +
  
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