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 ====== Ensaios 2021 ====== ====== Ensaios 2021 ======
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 +====Tradeoffs na busca pela morte: uma explicação para a coexistência de espécies de urubus====
 +==Caetano Mourão==
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 +Um dos principais objetivos da ecologia de comunidades é explicar como  diferentes espécies podem coexistir em um mesmo tempo e espaço, principalmente espécies com atributos e demandas muito semelhantes. De acordo com o Princípio da Exclusão Competitiva (ou Princípio de Gause) duas espécies que demandam os mesmos recursos e condições (isto é, possuem nichos ecológicos suficientemente semelhantes) não poderiam coexistir indefinidamente em uma mesma área. O princípio pode ser justificado da seguinte maneira: para duas populações não intercruzantes que utilizam os mesmos recursos limitantes e que existem em simpatria, existirá uma desigualdade (mesmo que pequena) na taxa de crescimento populacional entre elas. Dentre as populações, aquela que apresentar a maior taxa de crescimento populacional alocará os recursos limitantes de maneira a torná-los indisponíveis para a outra população, excluindo a pior competidora. (1) Contudo, não é raro encontrar espécies que se utilizam dos mesmos recursos limitantes ocorrendo lado a lado na natureza — pelo contrário, encontramos na maioria das matas espécies vegetais que necessitam de luz, água e os mesmos minerais do solo coexistindo plenamente. (2)
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 +Modelos teóricos de competição podem nos auxiliar a compreender como a coexistência é possível em comunidades biológicas. O modelo de competição de Tilman prevê que se múltiplas espécies competem por um único recurso limitante, aquela capaz de manter uma população estável com a menor disponibilidade de recursos (isto é, apresentar o menor valor de R*) excluirá competitivamente todas as outras. Entretanto, se na presença de dois recursos limitantes duas espécies diferentes apresentarem o menor R* para cada um dos recursos, observaremos um equilíbrio estável nas duas populações, permitindo assim a coexistência. (3) Tilman observou suas previsões de exclusão competitiva e de coexistência em experimentos controlados, utilizando culturas de algas do lago Michigan com quantidades limitadas de fosfato e sílica, demonstrando que seu modelo é capaz de descrever cenários reais em algumas situações. (4) 
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 +O que impede, então, que uma espécie tenha o menor R* para todos os recursos limitantes possíveis? Por que é impossível um espécie alocar com máxima eficiência todos os recursos do meio? Tal espécie se aproximaria do que Law chamou de “Demônio Darwiniano”: um organismo capaz de maximizar todos os seus aspectos de aptidão simultaneamente. (5) Demônios Darwinianos não são encontrados na natureza graças ao que chamamos de //tradeoffs//. //Tradeoffs// relações de comprometimento de atributos diferentes, isto garante que determinadas vantagens sejam compensadas por desvantagens associadas (6,7). Os //tradeoffs// são causados, em última instância, por limitações físicas de leis universais. A conservação de energia garante que o estoque energético de um indivíduo seja limitado, de maneira que toda energia dispendida em determinado órgão, estrutura ou prole, torna-se indisponível. Do mesmo modo, é impossível para uma ave ter um peso mínimo para facilitar o seu vôo e um tamanho máximo para combater adversários, simultaneamente, etc.
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 +//Tradeoffs// são pervasivos na natureza, e parte crucial na dinâmica de comunidades para a coexistência das espécies. De fato, a maior parte das teorias capazes de explicar a coexistência de espécies assume a existência de //tradeoffs// de alguma maneira. (3, 8, 9, 10, 11, 12) Esse tipo de custo no investimento em estruturas ou comportamento age indiscutivelmente como força estabilizadora na natureza, e pode nos ajudar a compreender como guildas ecomorfológicas coexistem em um mesmo ambiente, sem se excluírem competitivamente. (6)
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 +Urubus e abutres são exemplos dessas guildas. Os urubus são em sua maioria carniceiros obrigatórios, os únicos entre os vertebrados (13), e são frequentemente encontrados simultaneamente consumindo uma mesma carcaça. (14) Em florestas neotropicais os urubus chegam a consumir 95% das carcaças obrigatórias. (15) Devemos então supor que deve haver competição intensa por alimento entre essas aves, principalmente ao considerarmos o quão efêmera e imprevisível é da disponibilidade de carcaças na natureza. (16) Uma possível explicação para a coexistência de espécies de urubus na América do sul é que há particionamento de nicho. Em um estudo observacional foi constatado que há uma ordem na chegada de espécies de urubus em florestas neotropicais, além de diferenças nos tipos de tecido consumido pelas aves. (14) Espécies do gênero //Cathartes// (//C. aura// e //C. Burrovianus//, conhecidos popularmente como urubu-de-cabeça-vermelha e urubu-de-cabeça-amarela, respectivamente) são “pioneiras” nas carcaças, graças ao seu olfato aguçado e vôo de altitude mais baixa. (14, 17, 18) Em contrapartida urubus-de-cabeça-preta (//Coragyps attratus//) e urubus-rei (//Sarcorhamphus papa//), espécies visualmente orientadas e de vôo mais alto, costumam chegar posteriormente nas carcaças. Apesar de chegar mais tardiamente nas carcaças, o urubu-rei apresenta uma hierarquia dominante sobre as demais espécies, além de ser mais eficiente em romper tecidos mais duros o único capaz de revirar grandes carcaças, graças à sua maior força física. (14)
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 +É possível que haja um //tradeoff// entre espécies pequenas, de vôo baixo e orientadas pelo olfato e espécies maiores, de vôo mais alto e orientadas visualmente, que seja causador do particionamento de nicho constatado. As espécies mais olfativas parecem investir em uma busca mais eficiente por carcaças, chegando antes de eventuais competidores, se locomovendo com mais eficiência dentro da floresta graças ao menor tamanho, e consumindo porções de tecido mais macias. Por outro lado, espécies maiores e visualmente orientadas buscam aglomerados de urubus, o seu voo alto permite uma cobertura visual mais ampla, e elas não encontram dificuldades em se alimentar de porções de tecido mais duro que restam e nem são intimidadas por outras espécies já presentes no local.
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 +Por fim, tal possível //tradeoff// ainda não explicaria a coexistência de espécies competidoras intraguilda que pertencem ao mesmo gênero, em especial as espécies do gênero //Cathartes//. Os urubus-de-cabeça-vermelha e cabeça-amarela apresentam estratégias de procura e de alimentação extremamente semelhante, e é difícil supor diferenças causadas por //tradeoffs// entre as duas espécies. Tais urubus, no entanto, se diferenciam na área de vida, sendo que os urubus-de-cabeça-amarela são mais abundantes em regiões de savana, enquanto urubus-de-cabeça-vermelha circulam por diferentes habitats, desde savanas a florestas úmidas e são migratórios. (14) Sistemas biológicos são extremamente complexos, e vários processos agem sobre os padrões observados na natureza, inclusive a coexistência de espécies semelhantes. Processos históricos e biogeográficos, bem como processos neutros são explicações alternativas para a enorme biodiversidade que observamos.
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 +== Referências bibliográficas ==
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 +(1) HARDIN, Garrett. The competitive exclusion principle. science, v. 131, n. 3409, p. 1292-1297, 1960.
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 +(2) HARPER, John L. et al. Population biology of plants. Population biology of plants., 1977.
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 +(3) TILMAN, David. Resource competition and community structure. Princeton university press, 1982.
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 +(4) TILMAN, David. Tests of resource competition theory using four species of Lake Michigan algae. Ecology, v. 62, n. 3, p. 802-815, 1981.
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 +(5) LAW, Richard. Optimal life histories under age-specific predation. The American Naturalist, v. 114, n. 3, p. 399-417, 1979.
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 +(6) TILMAN, David. Constraints and tradeoffs: toward a predictive theory of competition and succession. Oikos, p. 3-15, 1990.
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 +(7) VINCENT, T. L. S. et al. Trade-offs and coexistence in consumer-resource models: it all depends on what and where you eat. The American Naturalist, v. 148, n. 6, p. 1038-1058, 1996.
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 +(8) GRUBB, Peter J. The maintenance of species‐richness in plant communities: the importance of the regeneration niche. Biological reviews, v. 52, n. 1, p. 107-145, 1977.
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 +(9) CONNELL, Joseph H. Diversity in tropical rain forests and coral reefs. Science, v. 199, n. 4335, p. 1302-1310, 1978.
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 +(10) HUSTON, Michael. A general hypothesis of species diversity. The American Naturalist, v. 113, n. 1, p. 81-101, 1979.
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 +(11) CODY, Martin L. Structural niches in plant communities. Community ecology, v. 381, p. 405, 1986.
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 +(12) CHESSON, Peter L. Environmental variation and the coexistence of species. Community ecology, v. 240, p. 54, 1986.
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 +(13) RUXTON, Graeme D.; HOUSTON, David C. Obligate vertebrate scavengers must be large soaring fliers. Journal of theoretical biology, v. 228, n. 3, p. 431-436, 2004.
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 +(14) HOUSTON, DAVID C. Competition for food between Neotropical vultures in forest. Ibis, v. 130, n. 4, p. 402-417, 1988.
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 +(15) HOUSTON, David C. Scavenging efficiency of turkey vultures in tropical forest. The Condor, v. 88, n. 3, p. 318-323, 1986.
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 +(16) MORENO-OPO, Rubén; TRUJILLANO, Ana; MARGALIDA, Antoni. Behavioral coexistence and feeding efficiency drive niche partitioning in European avian scavengers. Behavioral Ecology, v. 27, n. 4, p. 1041-1052, 2016.
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 +(17) BANG, Betsy Garrett. Anatomical evidence for olfactory function in some species of birds. Nature, v. 188, n. 4750, p. 547-549, 1960.
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 +(18) BANG, Betsy Garrett. The nasal organs of the Black and Turkey Vultures; a comparative study of the cathartid species Coragyps atratus atratus and Cathartes aura septentrionalis (with notes on Cathartes aura falklandica, Pseudogyps bengalensis, and Neophron percnopterus). Journal of Morphology, v. 115, p. 153-183, 1964.
  
 ==== Dispersão e diversidade: um parênteses. ==== ==== Dispersão e diversidade: um parênteses. ====
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 Há muitas décadas, a coexistência é uma questão relevante para a Ecologia de comunidades. Partindo de uma perspectiva histórica, as primeiras explicações para coexistência das espécies se davam por diferenças de nicho e assim impedimento da exclusão competitiva (Grinnell, 1917; Hutchinson, 1959), sendo estes ainda hoje os processos mais estudados na área (Vellend, 2010). Em 1963, MacArthur & Wilson propõem uma outra perspectiva de explicação de diversidade em ilhas, na qual a riqueza é um balanço entre colonização e extinção. Em 2001, Hubbell apresenta a Teoria Neutra da Biodiversidade, explicando a coexistência de espécies pela estocasticidade e equivalência de espécies. Há muitas décadas, a coexistência é uma questão relevante para a Ecologia de comunidades. Partindo de uma perspectiva histórica, as primeiras explicações para coexistência das espécies se davam por diferenças de nicho e assim impedimento da exclusão competitiva (Grinnell, 1917; Hutchinson, 1959), sendo estes ainda hoje os processos mais estudados na área (Vellend, 2010). Em 1963, MacArthur & Wilson propõem uma outra perspectiva de explicação de diversidade em ilhas, na qual a riqueza é um balanço entre colonização e extinção. Em 2001, Hubbell apresenta a Teoria Neutra da Biodiversidade, explicando a coexistência de espécies pela estocasticidade e equivalência de espécies.
  
-Os trabalhos de Chesson foram um marco histórico para o entendimento da coexistência (Amarasekare, 2020) porque promoveram um //framework// unificado dos mecanismos de coexistência conhecidos. Dentro do que comumente é chamado de “diferenças de nicho” e proporcionadores de coexistência estável, segundo Chesson (2000), podemos descrever três classes de processos: um independente de flutuações ambientais e outros dois dependentes dessas flutuações. O primeiro envolve todos os mecanismos de coexistência que ocorrem na ausência de flutuações ambientais, podendo ser mediados por partição de recursos, predadores denso-dependentes, entre outros. O segundo, conhecido como //storage effect//, envolve diferentes respostas à variação ambiental, de modo que espécies favorecidas pelo ambiente sejam mais limitadas pela competição intraespecífica e, quando o ambiente é favorável a seus competidores, pela competição interespecífica. Durante o ambiente favorável é criado um “estoque” de //fitness// ((por exemplo como sementes dormentes ou indivíduos em diapausa (Adler et al., 2013).)) que permite a manutenção da população durante o ambiente desfavorável (Figura 1a). E o terceiro processo é a não linearidade relativa que envolve diferentes respostas à um recurso limitante que varia ao longo do tempo (Figura 1b; Amarasekare, 2000; Chesson, 2000). Já a teoria neutra se encaixa nesse //framework// como um caso especial em que há apenas mecanismos equalizadores (todas as espécies tem o mesmo //fitness//) e os mecanismos estabilizadores estão ausentes, levando a coexistência instável (Adler et al., 2007).+Os trabalhos de Chesson foram um marco histórico para o entendimento da coexistência (Amarasekare, 2020) porque promoveram um //framework// unificado dos mecanismos de coexistência conhecidos. Dentro do que comumente é chamado de “diferenças de nicho” e proporcionadores de coexistência estável, segundo Chesson (2000), podemos descrever três classes de processos: um independente de flutuações ambientais e outros dois dependentes dessas flutuações. O primeiro envolve todos os mecanismos de coexistência que ocorrem na ausência de flutuações ambientais, podendo ser mediados por partição de recursos, predadores denso-dependentes, entre outros. O segundo, conhecido como //storage effect//, envolve diferentes respostas à variação ambiental, de modo que espécies favorecidas pelo ambiente sejam mais limitadas pela competição intraespecífica e, quando o ambiente é favorável a seus competidores, pela competição interespecífica. Durante o ambiente favorável é criado um “estoque” de //fitness//((por exemplo como sementes dormentes ou indivíduos em diapausa (Adler et al., 2013).)) que permite a manutenção da população durante o ambiente desfavorável (Figura 1a). E o terceiro processo é a não linearidade relativa que envolve diferentes respostas à um recurso limitante que varia ao longo do tempo (Figura 1b; Amarasekare, 2000; Chesson, 2000). Já a teoria neutra se encaixa nesse //framework// como um caso especial em que há apenas mecanismos equalizadores (todas as espécies tem o mesmo //fitness//) e os mecanismos estabilizadores estão ausentes, levando a coexistência instável (Adler et al., 2007).
  
 {{ :ensaios:2021:fig1jennifer.png?800 |Figura 1 – Mecanismos de coexistência flutuação-dependentes. (a) storage-effect ocorre quando a resposta a flutuações ambientais não é perfeitamente correlacionada. (b) não linearidade relativa ocorre quando há uma resposta não linear a um fator que flutua ao longo do tempo (Adaptado de Adler et al., 2013)}} {{ :ensaios:2021:fig1jennifer.png?800 |Figura 1 – Mecanismos de coexistência flutuação-dependentes. (a) storage-effect ocorre quando a resposta a flutuações ambientais não é perfeitamente correlacionada. (b) não linearidade relativa ocorre quando há uma resposta não linear a um fator que flutua ao longo do tempo (Adaptado de Adler et al., 2013)}}
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 No meu projeto de mestrado buscarei entender como a similaridade das espécies podem definir mecanismos de coexistência em uma comunidade vegetal na Amazônia, tendo como //proxy// seus atributos funcionais e relações filogenéticas. Focando nos atributos funcionais, estes são características mensuráveis dos indivíduos capazes de prever sua performance (McGill et al., 2006), capturando aspectos essenciais da ecofisiologia, estratégia de vida e morfologia. Ainda, os atributos são capazes de capturar importantes //trade-offs// para as espécies, tais como a massa da folha por área (specific leaf area; SLA) – longevidade e massa da semente – e seu //output// (Westoby et al., 2002).  No meu projeto de mestrado buscarei entender como a similaridade das espécies podem definir mecanismos de coexistência em uma comunidade vegetal na Amazônia, tendo como //proxy// seus atributos funcionais e relações filogenéticas. Focando nos atributos funcionais, estes são características mensuráveis dos indivíduos capazes de prever sua performance (McGill et al., 2006), capturando aspectos essenciais da ecofisiologia, estratégia de vida e morfologia. Ainda, os atributos são capazes de capturar importantes //trade-offs// para as espécies, tais como a massa da folha por área (specific leaf area; SLA) – longevidade e massa da semente – e seu //output// (Westoby et al., 2002). 
  
-Diversos estudos utilizando a abordagem de atributos funcionais analisam sua distribuição em relação ao //pool// regional (HilleRisLambers et al., 2012). Neste caso, se em um habitat os atributos das espécies são mais agrupados do que o esperado pelo modelo nulo, há evidência de filtro de habitat, e se mais igualmente disperso do que o esperado, há evidência de partição de nicho (Kraft & Ackerly, 2010). Assim, no caso de atributos agrupados a coexistência seria mantida por separação espacial, com cada grupo de espécies obtendo vantagem em determinado habitat ((Além disso, a agregação de indivíduos, neste caso gerada por correlação com o habitat, também retarda a exclusão competitiva (Amarasekare, 2003).)) enquanto no caso de igualmente dispersos a coexistência se dá diminuindo a sobreposição de nicho e por consequência a exclusão competitiva). No entanto, esta relação padrão-processo é difícil de inferir. Por exemplo, uma grande dissimilaridade de traços também pode representar grandes diferenças de //fitness// e então, espécies com traços diferentes podem ser excluídas competitivamente, resultando em um padrão de traços agrupados (Mayfield & Levine, 2010).+Diversos estudos utilizando a abordagem de atributos funcionais analisam sua distribuição em relação ao //pool// regional (HilleRisLambers et al., 2012). Neste caso, se em um habitat os atributos das espécies são mais agrupados do que o esperado pelo modelo nulo, há evidência de filtro de habitat, e se mais igualmente disperso do que o esperado, há evidência de partição de nicho (Kraft & Ackerly, 2010). Assim, no caso de atributos agrupados a coexistência seria mantida por separação espacial, com cada grupo de espécies obtendo vantagem em determinado habitat((Além disso, a agregação de indivíduos, neste caso gerada por correlação com o habitat, também retarda a exclusão competitiva (Amarasekare, 2003).)) enquanto no caso de igualmente dispersos a coexistência se dá diminuindo a sobreposição de nicho e por consequência a exclusão competitiva). No entanto, esta relação padrão-processo é difícil de inferir. Por exemplo, uma grande dissimilaridade de traços também pode representar grandes diferenças de //fitness// e então, espécies com traços diferentes podem ser excluídas competitivamente, resultando em um padrão de traços agrupados (Mayfield & Levine, 2010).
  
 É bastante claro como diferenças em atributos funcionais podem gerar inequalidades de //fitness//. Uma questão que permanece, no entanto, é como estas diferenças podem gerar mecanismos estabilizadores que superem essas inequalidades. Adler et al., 2013 tenta responder a esta questão relacionando mecanisticamente os atributos funcionais a possíveis mecanismos estabilizadores, os quais cito alguns exemplos.  É bastante claro como diferenças em atributos funcionais podem gerar inequalidades de //fitness//. Uma questão que permanece, no entanto, é como estas diferenças podem gerar mecanismos estabilizadores que superem essas inequalidades. Adler et al., 2013 tenta responder a esta questão relacionando mecanisticamente os atributos funcionais a possíveis mecanismos estabilizadores, os quais cito alguns exemplos. 
  
-  * (i) Um dos mecanismos de coexistência independente de flutuação ambiental é causado pela heterogeneidade ambiental. Espécies com traços funcionais recurso-aquisitivos ((na folha representado por alto SLA, curta longevidade, alta concentração de N e Pe no tronco baixa densidade de madeira)) tem maior abundância em locais com altas concentrações de nutrientes. Enquanto isso, espécies com traços funcionais recurso-conservativos são mais abundantes em locais pobres em nutrientes. Outro mecanismo de coexistência é a partição de recursos, no qual a coexistência pode ser mediada por //trade-offs// entre a aquisição de dois recursos limitantes. Um mecanismo proposto é o //trade-off// entre aquisição de recursos minerais, com maior investimento em raízes e aquisição de luz, com maior investimento em crescimento e folhas. Quanto aos mecanismos dependentes de inimigos naturais, traços de economia da folha são muito importantes na resistência à herbívoros generalistas. Espécies com estratégia recurso-aquisitiva são mais palatáveis e tem sua densidade controlada por herbívoros, impedindo que exclua as demais competitivamente.+  * (i) Um dos mecanismos de coexistência independente de flutuação ambiental é causado pela heterogeneidade ambiental. Espécies com traços funcionais recurso-aquisitivos((na folha representado por alto SLA, curta longevidade, alta concentração de N e P e no tronco por baixa densidade da madeira.)) tem maior abundância em locais com altas concentrações de nutrientes. Enquanto isso, espécies com traços funcionais recurso-conservativos são mais abundantes em locais pobres em nutrientes. Outro mecanismo de coexistência é a partição de recursos, no qual a coexistência pode ser mediada por //trade-offs// entre a aquisição de dois recursos limitantes. Um mecanismo proposto é o //trade-off// entre aquisição de recursos minerais, com maior investimento em raízes e aquisição de luz, com maior investimento em crescimento e folhas. Quanto aos mecanismos dependentes de inimigos naturais, traços de economia da folha são muito importantes na resistência à herbívoros generalistas. Espécies com estratégia recurso-aquisitiva são mais palatáveis e tem sua densidade controlada por herbívoros, impedindo que exclua as demais competitivamente.
   * (ii) Um exemplo de //storage effect// envolve plantas anuais que tem pistas ambientais para germinação diferentes. Angert et al. (2009) encontrou que espécies com baixo N foliar, alto SLA e grande crescimento relativo eram favorecidas em períodos quentes, enquanto espécies com alto N foliar eram favorecidas em períodos frios, sendo um mecanismo possível o N foliar ser adaptativo em baixas temperaturas (Figura 1a).   * (ii) Um exemplo de //storage effect// envolve plantas anuais que tem pistas ambientais para germinação diferentes. Angert et al. (2009) encontrou que espécies com baixo N foliar, alto SLA e grande crescimento relativo eram favorecidas em períodos quentes, enquanto espécies com alto N foliar eram favorecidas em períodos frios, sendo um mecanismo possível o N foliar ser adaptativo em baixas temperaturas (Figura 1a).
   * (iii) Apesar de poucas evidências empíricas, é proposto que a não linearidade relativa pode ser mediada por traços funcionais de economia de folha ou de madeira. Espécies com estratégia recurso-aquisitivas tem maior taxa de crescimento em alta disponibilidade de um recurso limitante, enquanto espécies recurso-conservativas têm maior crescimento quando o recurso é mais limitante. A variação temporal do recurso promove a coexistência (Figura 1b).   * (iii) Apesar de poucas evidências empíricas, é proposto que a não linearidade relativa pode ser mediada por traços funcionais de economia de folha ou de madeira. Espécies com estratégia recurso-aquisitivas tem maior taxa de crescimento em alta disponibilidade de um recurso limitante, enquanto espécies recurso-conservativas têm maior crescimento quando o recurso é mais limitante. A variação temporal do recurso promove a coexistência (Figura 1b).
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 Westoby, M., Falster, D. S., Moles, A. T., Vesk, P. A., & Wright, I. J. (2002). Plant ecological strategies: Some leading dimensions of variation between species. Annual Review of Ecology and Systematics, 33, 125–159. https://doi.org/10.1146/annurev.ecolsys.33.010802.150452 Westoby, M., Falster, D. S., Moles, A. T., Vesk, P. A., & Wright, I. J. (2002). Plant ecological strategies: Some leading dimensions of variation between species. Annual Review of Ecology and Systematics, 33, 125–159. https://doi.org/10.1146/annurev.ecolsys.33.010802.150452
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 +==== A teoria neutra e seu nicho na teoria ecológica ====
 +== Marcel Amaral ==
 +Os padrões de riqueza, abundância e composição de espécies observados em comunidades naturais intrigam ecólogos e ecólogas há décadas. A abordagem predominante no século XX baseava-se na teoria clássica de nicho, na qual as diferenças de nicho entre espécies seriam as principais forças responsáveis por gerar os padrões observados na natureza. Essa visão foi colocada em cheque a partir da teoria de biogeografia de ilhas, na qual os autores afirmam que a riqueza de espécies em ilhas pode ser vista como o resultado de migrações de espécies para a ilha e extinções locais causadas por eventos estocásticos (MacArthur & Wilson 1967), sem considerar as características específicas de cada espécie e as interações entre elas. A partir de estudos de longo prazo em uma floresta tropical na parcela permanente de Barro Colorado, no Panamá, e inspirado na teoria de biogeografia de ilhas (MacArthur & Wilson 1967) e na teoria neutra da evolução molecular (Kimura 1968), Hubbel propôs, na virada do século, a teoria neutra da biodiversidade (Hubbel 2001). Nessa teoria, Hubbel desafiou o paradigma da teoria clássica de nicho por afirmar que os padrões de riqueza, abundância e composição podem ser explicados não pelas diferenças entre as espécies, mas sim por suas similaridades. Na teoria neutra, assume-se que todas espécies são idênticas em suas aptidões e em seus efeitos sobre as outras espécies, e as dinâmicas das comunidades são geradas por variações estocásticas de nascimentos, mortes e dispersão de indivíduos (Adler et al. 2007). 
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 +Para compreender o impacto que a teoria neutra da biodiversidade teve ao explicar os padrões observados em comunidades sem levar em conta os nichos ecológicos das espécies, é necessário compreender a magnitude da importância da teoria clássica de nicho no estudo de comunidades. A ideia de que espécies teriam diferenças em seus nichos remonta aos escritos de filósofos como Aristóteles (século IV a.C.) e naturalistas como Lineu (século XVIII), que se referiam aos conceitos de diversidade e nicho ecológico ao definir e descrever diferenças entre atributos de espécies (Chase & Leibold 2003). Posteriormente, Charles Darwin, em “A Origem das Espécies” (1859), utiliza o termo “line of life” para descrever os papéis de diferentes espécies numa comunidade, o que pode ser considerada uma forma de se referir ao nicho das espécies (Chase & Leibold 2003). No entanto, o conceito de nicho ecológico foi definido inicialmente por Grinnell (1917), ao descrever as condições necessárias para a existência de uma espécie de ave. O conceito de nicho para Grinnell incluía as necessidades de uma espécie para que ela possa ocorrer em um dado ambiente, como se cada espécie tivesse um papel específico na comunidade (Schoener 2009). Na década seguinte, Charles Elton (1927) definiu o nicho de uma espécie de outra forma: o nicho seria definido como o papel funcional de uma espécie na cadeia alimentar. Posteriormente, os experimentos de Georgii Gause (1934) com paramécios tiveram grande importância no desenvolvimento da ideia de comunidades estruturadas por processos baseados em nicho. Gause realizou experimentos para simular as dinâmicas de crescimento populacional dos modelos de Lotka-Volterra (Chase & Leibold 2003) e observou que quando um determinado par de espécies de paramécios que consumiam o mesmo recurso eram cultivadas no mesmo ambiente, uma das espécies excluía a outra. Para outro par de espécies, Gause observou que a coexistência era possível, mas que ambas espécies atingiam tamanhos populacionais menores do que quando eram cultivadas isoladamente, o que seria um indicativo de que estaria ocorrendo partição no uso de recursos. Esse fenômeno foi chamado de princípio de Gause ou princípio da exclusão competitiva. Tal princípio diz que duas espécies que competem por um recurso limitante não podem coexistir no mesmo lugar, a menos que haja alguma partição na utilização dos recursos. Uma terceira definição de nicho que teve grande importância histórica é a de Hutchinson (1957). Sua ideia sobre o que seria o nicho de uma espécie consiste numa descrição quantitativa das faixas de condições ambientais que permitem que uma população de uma espécie persista. Imaginando que cada condição (por exemplo, temperatura, pH, salinidade, etc) seja uma dimensão do nicho, o nicho da espécie é definido pelo hipervolume n-dimensional que inclui todas as condições e recursos necessários para a população persistir. Esse seria o nicho fundamental da espécie, que seria definido na ausência de outras espécies. Na presença de outras espécies que competem pelos mesmos recursos, Hutchinson define como nicho realizado a porção do nicho fundamental que não se sobrepõe aos nichos fundamentais das outras espécies (Schoener 2009). MacArthur e colaboradores expandiram a abordagem de Hutchinson nos anos seguintes e motivaram um grande esforço investigativo por ecólogos e ecólogas nas décadas de 1960 e 1970. Isso levou a uma grande produção de conhecimento baseada nessa abordagem que é hoje chamada de teoria clássica de nicho (Chase & Leibold 2003).
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 +Ao mesmo tempo que desenvolvia estudos sob a abordagem da teoria de nicho, Robert MacArthur desenvolveu a teoria de biogeografia de ilhas (MacArthur & Wilson 1967). A teoria de biogeografia de ilhas foi inovadora no sentido de buscar uma explicação para a riqueza de espécies em ilhas sem invocar mecanismos baseados em nicho. Essa teoria advoga que a riqueza de espécies em ilhas pode ser explicada pelo balanço de entradas e saídas de espécies. A adição de espécies se daria por meio da migração a partir de um reservatório fonte, enquanto a subtração de espécies se daria por extinções locais. Dessa forma, a taxa de migração decairia com o aumento da distância da ilha em relação à fonte e a taxa de extinção decairia com o aumento da área da ilha, pois populações maiores estão menos sujeitas à extinção por estocasticidade demográfica. É importante salientar que essa teoria não prevê populações estáveis, mas sim uma constante alteração na composição de espécies, embora a riqueza de espécies possa permanecer relativamente constante (Gotelli 2007). O equilíbrio é caracterizado por uma taxa de substituição (número de espécies que continua chegando ou sumindo por unidade de tempo no equilíbrio). Essa teoria é essencialmente diferente da teoria de nicho, pois enquanto a teoria de nicho é determinística e considera que a diversidade é limitada por processos locais, a teoria de biogeografia de ilhas é estocástica, explicando a diversidade por meio de processos regionais não relacionados a nicho (Loreau & Mouquet 1999). A teoria de biogeografia de ilhas influenciou o desenvolvimento de outra teoria estocástica, a teoria neutra da biodiversidade e biogeografia (Hubbel 2001). 
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 +Muito da ecologia foi construída baseada na premissa de que as espécies diferem em seus nichos (Adler et al. 2007). A importância da teoria neutra da biodiversidade para o desenvolvimento da teoria ecológica se dá por colocar no centro do debate o processo de deriva - e não processos baseados em nicho - para explicar os padrões de riqueza, abundância e composição em comunidades. A teoria neutra se baseia na ideia de que as espécies seriam equivalentes ecologicamente e na ideia de que as comunidades estariam sob uma dinâmica de soma zero, ou seja, as comunidades estariam saturadas e o estabelecimento de um novo indivíduo só se daria a partir da morte de um outro (Alonso et al. 2006). Dessa forma, quando um indivíduo morre, o espaço deixado por ele seria ocupado por um outro indivíduo sorteado a partir da comunidade local e de um reservatório-fonte. Assim, o equilíbrio na comunidade local se daria pelo balanço entre extinções locais e a adição de espécies por migração a partir da metacomunidade. Similarmente, o equilíbrio na metacomunidade se daria pelo balanço entre extinções e a adição de espécies por especiação. Esses processos estocásticos seriam capazes de gerar alguns padrões observados em comunidades (Condit et al. 2012). Outra contribuição da teoria neutra para a teoria ecológica é a perspectiva de se tentar explicar padrões utilizando um pequeno conjunto de processos (Alonso et al. 2006). Essa ideia vai de encontro ao princípio da parcimônia, pois se um padrão pode ser explicado satisfatoriamente por um modelo simples, não seria parcimonioso invocar modelos mais complexos para explicar tal padrão.
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 +Tanto a teoria clássica de nicho quanto a teoria neutra da biodiversidade estão inseridas no contexto da compreensão de processos que promovem a coexistência de espécies. Algumas tentativas de unificação dessas teorias vem sendo propostas nas últimas décadas. Chesson (2000) define a coexistência como sendo mediada por duas classes de mecanismos: mecanismos equalizantes agiriam no sentido de equalizar as aptidões das espécies e mecanismos estabilizantes agiriam no sentido de estabilizar a coexistência das espécies. Um mecanismo estabilizante seria qualquer mecanismo que faz com que uma espécie limite mais a si mesma do que limita outras (Adler et al. 2007). Dessa forma, a magnitude dos processos baseados em nicho necessários para estabilizar a coexistência dependeria do quão similares as espécies são em suas aptidões médias (Chesson 2000). O cenário neutro seria um caso específico dentro desse framework, no qual apenas mecanismos equalizantes estariam presentes, de modo que as espécies teriam aptidões idênticas e a coexistência seria mediada apenas pela estocasticidade demográfica. À medida que a diferença de aptidão entre as espécies aumenta, são necessários mecanismos estabilizantes mais fortes para que a coexistência estável aconteça. Sob essa perspectiva, não faria sentido perguntar se a coexistência num sistema estaria sendo mediada por processos neutros ou de nicho. Faria mais sentido perguntar se a coexistência estaria sendo mantida por uma combinação de grandes diferenças de aptidão com fortes mecanismos estabilizantes ou se estaria sendo mantida por pequenas diferenças de aptidão com fracos mecanismos estabilizantes (Adler et al. 2007). Para responder isso, seria necessário quantificar a diferença de aptidão das espécies e a força dos mecanismos estabilizantes. Outra proposta de conciliação entre as teorias neutra e de nicho é a proposta de grupos emergentes (Scheffer & Van Nes 2006). Nessa abordagem os autores propõem que há duas formas de se coexistir: ser suficientemente diferente de outras espécies ou ser suficientemente similar. A partir de simulações de espécies competindo por muitas gerações, foram gerados padrões de grupos de espécies muito parecidas que coexistiam por longos períodos. Esses grupos de espécies similares, ou guildas, estariam coexistindo sob uma dinâmica neutra, enquanto diferentes guildas estariam coexistindo por ocupar diferentes nichos.
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 +No meu projeto, pretendo quantificar a diversidade de grupos funcionais de árvores em diferentes escalas e diferentes cenários de severidade ambiental em parcelas permanentes de florestas do estado de São Paulo. A princípio, eu esperaria encontrar maior diversidade de estratégias ecológicas em ambientes menos severos, imaginando que esse poderia ser um padrão gerado por competição. Em ambientes mais severos, eu esperaria encontrar menor diversidade de grupos funcionais, imaginando que esse padrão poderia ser gerado pelo filtro ambiental. Ao longo da disciplina, notei que eu estava considerando principalmente processos baseados em nicho como sendo importantes estruturadores das comunidades. A principal abordagem que me fez questionar as hipóteses do meu trabalho foi a de grupos emergentes (Scheffer & Van Nes 2006), pois nessa abordagem os autores geraram um padrão de guildas de espécies a partir da competição. Intuitivamente, eu esperaria encontrar o padrão oposto num sistema onde a competição é o principal processo estruturador da comunidade. Imagino que talvez seja possível captar indícios de dinâmica neutra dentro de guildas utilizando modelos espacialmente explícitos, nos quais eu poderia não só pensar na diversidade de guildas num ambiente mas também como os indivíduos dessas guildas estariam distribuídos no espaço.
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 +== Referências Bibliográficas ==
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 +Adler, P. B., HilleRisLambers, J., & Levine, J. M. (2007). A niche for neutrality. Ecology letters, 10(2), 95-104.
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 +Alonso, D., Etienne, R. S., & McKane, A. J. (2006). The merits of neutral theory. Trends in ecology & evolution, 21(8), 451-457.
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 +Chase, J. M., & Leibold, M. A. (2003). Ecological niches: linking classical and contemporary approaches. University of Chicago Press.
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 +Chesson, P. (2000). Mechanisms of maintenance of species diversity. Annual review of Ecology and Systematics, 31(1), 343-366.
 +
 +Condit, R., Chisholm, R. A., & Hubbell, S. P. (2012). Thirty years of forest census at Barro Colorado and the importance of immigration in maintaining diversity. PloS one, 7(11), e49826.
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 +Gause, G. F. (1934). Experimental analysis of Vito Volterra’s mathematical theory of the struggle for existence. Science, 79(2036), 16-17.
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 +Gotelli, N. J. (2007). Ecologia. Editora Planta. Londrina, PR.
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 +Grinnell, J. (1917). The niche-relationships of the California Thrasher. The Auk, 34(4), 427-433.
 +
 +Hubbel, S. P. (2001). The unified neutral theory of biodiversity and biogeography. Princeton. 390 p.
 +
 +Hutchinson, G. E. (1957). Cold spring harbor symposium on quantitative biology. Concluding remarks, 22, 415-427.
 +
 +Kimura, Motoo (1968). "Evolutionary rate at the molecular level". Nature. 217 (5129): 624–626.
 +
 +Loreau, M., & Mouquet, N. (1999). Immigration and the maintenance of local species diversity. The American Naturalist, 154(4), 427-440.
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 +MacArthur, R. H., & Wilson, E. O. (1967). The theory of island biogeography. Princeton university press.
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 +Scheffer, M., & van Nes, E. H. (2006). Self-organized similarity, the evolutionary emergence of groups of similar species. Proceedings of the National Academy of Sciences, 103(16), 6230-6235.
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 +Schoener, T. W. (2009). I. 1 Ecological niche. In The Princeton guide to ecology (pp. 3-13). Princeton University Press.
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 +==== O papel da facilitação em ambientes estressantes e os estados múltiplos de equilíbrio ====
 +==Jessica Maria de Jesus Ferreira==
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 +Os ecossistemas podem responder a mudanças nas condições ambientais de diferentes maneiras (Scheffer, 2003; Scheffer 2009). As respostas a essas mudanças podem acontecer de forma gradativa ou de forma rápida, quando atinge-se um certo valor crítico, promovendo a mudança de estado (Figura 1a e b). Uma terceira possibilidade é que para o mesmo conjunto de condições, o ecossistema possa apresentar mais de um estado possível. Nesse caso, alterações gradativas nas condições ambientais não são percebidas até que um dos pontos críticos seja atingido e, então, qualquer alteração mínima leve o sistema ao próximo estado de equilíbrio (transições catastróficas) (Figura 1c). 
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 +<html><p style="font-size:12px;">Figura 1. Possíveis padrões de resposta dos ecossistemas a mudanças nas condições ambientais (Scheffer, 2003)</p></html>
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 +Uma das propriedades importantes dos sistemas com múltiplos estados de equilíbrio é a resiliência. Apesar de ser um termo polissêmico, é possível defini-la como a quantidade de perturbação que um sistema aceita sem mudar de estado (Scheffer, 2009). No entanto, mudanças graduais nas condições tendem a minar a resiliência, de forma que perturbações cada vez menores podem gerar uma transição catastrófica.
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 +Outra propriedade importante é a histerese. A histerese não permite que o sistema retorne ao seu estado original apenas reconstruindo as condições que o geraram num primeiro momento. Assim, para reverter uma transição catastrófica é preciso recuar ainda mais nas condições ambientais  para atingir o outro ponto crítico, que permite uma nova mudança de estado (Figura 1c; Scheffer, 2003). 
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 +Um exemplo bastante comum para ilustrar sistemas que podem apresentar múltiplos estados de equilíbrio são lagos sujeitos à eutrofização. Nesse sistema, um estado de água limpa e vegetação submersa abundante pode se intercalar com um estado túrbido e dominado por fitoplâncton (Blindow //et al//, 1993). A transição entre os dois estados possíveis pode se dar tanto pela perda de resiliência provocada pelas variações no nível da água (Blindow //et al//, 1993) quanto pela sua combinação com a quantidade de nutrientes depositados (Scheffer //et al//, 1993). 
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 +Entender que alguns sistemas biológicos podem apresentar estados múltiplos de equilíbrio trouxe consequências importantes para a compreensão da dinâmica desses sistemas e para sua conservação. Por exemplo, a observação de que tanto savanas quanto florestas ocorrem no mundo sob as mesmas condições sugere que estes possam ser estados alternativos do mesmo sistema (Hirota //et al//, 2011; Staver //et al//, 2011). Isso tem consequências diretas na forma como são interpretados os impactos nesses biomas pois, provavelmente, uma mudança de estado não será gradual e nem de fácil reversão (Staver //et al//, 2011). 
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 +Além disso, a possibilidade da existência de múltiplos estados muda a forma que são pensadas as estratégias de conservação. Se o sistema apresenta histerese e a diminuição da resiliência com as alterações ambientais não é visível, então ele não produz sinais de aproximação do ponto de transição crítica (Scheffer //et al//, 2001). Assim, ao invés de prevenir distúrbios, estratégias mais efetivas devem estar relacionadas à compreensão e delimitação dos mecanismos que aumentem e mantenham a resiliência dos sistemas com múltiplos estados (Scheffer //et al//, 2001; Beisner //et al//, 2003). 
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 +A formação e manutenção de estados múltiplos de equilíbrio dependem de mecanismos que geram algum tipo de //feedback// positivo (Scheffer, 2009). As interações positivas entre as espécies são conhecidas por gerarem esse tipo de //feedback//, de forma que não é incomum encontrar exemplos de múltiplos estados que envolvam esse tipo de interação (Bertness & Callaway, 1994; Kéfi //et al//, 2016). Entre essas interações, a facilitação é indicada como um dos principais mecanismos capazes de gerar //feedbacks// positivos na natureza e, se forte o suficiente, estados múltiplos de equilíbrio (Scheffer, 2009). 
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 +A facilitação é um tipo de interação positiva na qual uma espécie se beneficia da presença da outra sem que nenhuma seja prejudicada. Uma das maneiras que as espécies promovem facilitação é através de alterações diretas ou indiretas no ambiente, que o torna favorável a outras espécies (Bruno //et al//, 2003). Assim, a modificação do ambiente por uma espécie facilitadora pode favorecer uma rede de interações ecológicas que será responsável pela manutenção daquele sistema em um determinado estado (Bruno //et al//, 2003; Scheffer, 2009).
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 +Além do possível papel na criação de múltiplos estados, a facilitação também tem grande relevância em outro domínio da ecologia, que é a estruturação de comunidades em ambientes estressantes. Segundo a hipótese do gradiente de estresse, a frequência das interações positivas deve aumentar com o nível de severidade ambiental, de forma que interações como a facilitação devem ser mais frequentes em ambientes em que o estresse é mais intenso (Bertness & Callaway, 1994). Esse processo ocorreria quando alterações microclimáticas promovidas pelas espécies facilitadoras ampliam o nicho das demais e permitem que elas ocorram em áreas antes inabitáveis (Bruno //et al//, 2003; Bulleri //et al//, 2016). 
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 +Assim, parece haver uma correlação entre o papel supostamente central da facilitação em comunidades de ambientes estressantes e seu potencial para gerar múltiplos estados de equilíbrio. Então, surge o questionamento se ambientes estressantes têm mais chance de apresentar estados alternativos devido às interações de facilitação. Apesar de uma resposta clara ainda não parecer possível, algumas considerações a respeito podem ser pontuadas. 
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 +A primeira delas é que a evidência de facilitação não é suficiente para mostrar a existência de estados múltiplos (Scheffer, 2003; Scheffer, 2009). Para que a facilitação atue dessa forma, seria necessário que ela envolvesse alterações no ambiente físico, que o mecanismo de //feedback// que ela gera fosse forte o suficiente para se expandir em área e, por fim, que esse efeitos respondessem aos distúrbios de forma a favorecer o estabelecimento de uma nova comunidade (Kefi //et al//, 2016). Além disso, existe uma expectativa de que essas condições sejam mais facilmente atendidas e a facilitação seja mais frequente em níveis intermediários de severidade ambiental (Holmgren & Scheffer, 2010; Kefi //et al//, 2016). 
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 +A segunda é que a facilitação não é necessariamente uma interação predominante em todos os ambientes estressantes. Algumas evidências apontam que existe um balanço entre o benefício da facilitação e o custo de ter competidores próximos, de modo que, em níveis muito elevados de estresse, é possível que os fatores abióticos sejam mais importantes na estrutura e dinâmica da comunidade que as  interações (Bruno //et al//, 2003; Holmgren & Scheffer, 2010; Figura 2). Além disso, o balanço das interações ao longo do gradiente também deve depender das características das espécies em relação a sua habilidade competitiva e tolerância ao estresse (Maestre //et al//, 2009). Da mesma forma, depende do tipo de estresse ao qual elas estão sujeitas, de modo que seja mais provável que interações competitivas prevaleçam se a severidade envolver principalmente limitação de algum recurso (Maestre //et al//, 2009). 
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 +{{ :ensaios:2021:2figurajessicamjf.png?300 |}}
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 +<html><p style="font-size:12px;">Figura 2. Modelos com previsões da importância relativa da predação, competição, estresse abiótico e dois tipos de facilitação ao longo de um gradiente de estresse ambiental (intraespecífica - roxo; interespecífica - rosa) (Modificado de Bruno //et al//, 2003)</p></html>
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 +E a terceira, é que o potencial de ambientes estressantes apresentarem estados múltiplos mais frequentemente que ambientes amenos já foi discutido anteriormente mas, por mecanismos que não envolvem a facilitação. Foi sugerido que ambientes restritivos, por selecionarem espécies mais semelhantes entre si, devem incrementar o efeito de prioridade que, por sua vez, geraria múltiplos estados com base em que chegou primeiro (Didham //et al// 2005). No entanto, a premissa de que as interações sejam menos intensas em ambientes estressantes e a proposta do efeito de prioridade como mecanismo único e principal para gerar estados múltiplos nesses ambientes foi amplamente criticada (Mason //et al//, 2007; Fukami & Lee, 2006). 
 +
 +Mais recentemente, Kefi e colaboradores (2016) discutiram o papel da facilitação na produção de estados múltiplos e reuniram evidências empíricas de que essa relação ocorre em ambientes estressantes. No entanto, isso não pode ser considerado uma regra nem indicativo de maior frequência de estados múltiplos nesses ambientes devido aos diferentes efeitos que variações no grau de severidade podem provocar nas interações e consequentemente nos mecanismos de feedback (Bruno //et al//, 2003; Holmgren & Scheffer, 2010; Kefi //et al//, 2016; ).  Por fim, a necessidade de uma maior integração da facilitação na teoria ecológica é uma das limitações para uma compreensão mais clara da importância desse processo na geração de estados alternativos de equilíbrio (Kefi //et al//, 2016). 
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 +Para que sejam feitos avanços no entendimento da relação entre a facilitação em ambientes estressantes e seu potencial para gerar estados múltiplos, ainda parece ser necessário avançar no conhecimento de cada uma dessas áreas. Tanto compreender os mecanismos que modulam as interações de facilitação e o papel de variáveis associadas ao estresse, quanto definir melhor, quantitativamente, quando e em que contextos facilitação gera estados alternativos de equilíbrio.
 +
 +== Referências bibliográficas ==
 +
 +BEISNER, B.; HAYDON, D.; CUDDINGTON, K. Alternative stable states in ecology. Frontiers in Ecology and the Environment, v. 1, n. 7, p. 376–382, 2003.
 +
 +BERTNESS, M. D.; CALLAWAY, R. Positive interactions in communities. Trends in Ecology &amp; Evolution, v. 9, n. 5, p. 191–193, 1994.
 +
 +BLINDOW, I.; ANDERSSON, G.; HARGEBY, A.; JOHANSSON, S. Long-term pattern of alternative stable states in two shallow eutrophic lakes. Freshwater Biology, v. 30, n. 1, p. 159–167, 1993.
 +
 +BRUNO, J. F.; STACHOWICZ, J. J.; BERTNESS, M. D. Inclusion of facilitation into ecological theory. Trends in Ecology &amp; Evolution, v. 18, n. 3, p. 119–125, 2003.
 +
 +BULLERI, F.; BRUNO, J. F.; SILLIMAN, B. R.; STACHOWICZ, J. J. Facilitation and the niche: implications for coexistence, range shifts and ecosystem functioning. Functional Ecology, v. 30, n. 1, p. 70–78, 2015.
 +
 +DIDHAM, R. K.; WATTS, C. H.; NORTON, D. A. Are systems with strong underlying abiotic regimes more likely to exhibit alternative stable states? Oikos, v. 110, n. 2, p. 409–416, 2005.
 +
 +FUKAMI, T.; LEE, W. G. Alternative stable states, trait dispersion and ecological restoration. Oikos, v. 113, n. 2, p. 353–356, 2006.
 +
 +HIROTA, M.; HOLMGREN, M.; NES, E. H. V.; SCHEFFER, M. Global Resilience of Tropical Forest and Savanna to Critical Transitions. Science, v. 334, n. 6053, p. 232–235, 2011.
 +
 +HOLMGREN, M.; SCHEFFER, M. Strong facilitation in mild environments: the stress gradient hypothesis revisited. Journal of Ecology, v. 98, n. 6, p. 1269–1275, 2010.
 +
 +KÉFI, S.; HOLMGREN, M.; SCHEFFER, M. When can positive interactions cause alternative stable states in ecosystems? Functional Ecology, v. 30, n. 1, p. 88–97, 2016.
 +
 +MAESTRE, F. T.; CALLAWAY, R. M.; VALLADARES, F.; LORTIE, C. J. Refining the stress-gradient hypothesis for competition and facilitation in plant communities. Journal of Ecology, v. 97, n. 2, p. 199–205, 2009.
 +
 +MASON, N. W. H.; WILSON, J. B.; STEEL, J. B. Are alternative stable states more likely in high stress environments? Logic and available evidence do not support Didham et al. 2005. Oikos, v. 116, n. 2, p. 353–357, 2007.
 +
 +SCHEFFER, M.; HOSPER, S.; MEIJER, M.-L.; MOSS, B.; JEPPESEN, E. Alternative equilibria in shallow lakes. Trends in Ecology &amp; Evolution, v. 8, n. 8, p. 275–279, 1993.
 +
 +SCHEFFER, M. Alternative Attractors of Shallow Lakes. The Scientific World JOURNAL, v. 1, p. 254–263, 2001.
 +
 +SCHEFFER, M.; CARPENTER, S. R. Catastrophic regime shifts in ecosystems: linking theory to observation. Trends in Ecology &amp; Evolution, v. 18, n. 12, p. 648–656, 2003.
 +
 +SCHEFFER, M. Critical transitions in nature and society. Princeton University Press, 2009.
 +
 +STAVER, A. C.; ARCHIBALD, S.; LEVIN, S. A. The Global Extent and Determinants of Savanna and Forest as Alternative Biome States. Science, v. 334, n. 6053, p. 230–232, 2011.
 +
 +
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 +==== A Equivalência Ecológica como Ponte entre a Seleção e a Deriva ====
 +== Rafael Menezes ==
 +== A Equivalência Ecológica entre Organismos ==
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 +A observação da diversidade dos organismos no mundo revela as particularidades fascinantes de cada forma de vida. Cada organismo é distinto em sua história evolutiva, seu desenvolvimento e as particularidades de cada um são marcantes. Diante dessa diversidade, é possível pensar que organismos de diferentes espécies são equivalentes? O conceito de equivalência ecológica indica que em determinadas circunstâncias, organismos distintos seriam demograficamente equivalentes (Hubbell 2006). A equivalência ecológica indica que ambas as espécies possuem o mesmo fitness relativo, sendo que diferenças em suas abundâncias não se dariam por conta de efeitos determinísticos (Vellend 2010). Ao pensarmos nos quatro processos estruturantes da ecologia de comunidades, pode-se afirmar então que a equivalência ecológica se dá na ausência de diferença substancial entre os fitness médios de duas espécies (Vellend 2010).
 +
 +==Modelos de Nicho/Seleção e Deriva ==
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 +Historicamente, os trabalhos de Lotka e Volterra apontaram a possibilidade de descrever sistemas de interesse ecológico a partir do uso de equações diferenciais ordinárias, indicando um caminho para a introdução de um maior formalismo matemático na teoria ecológica (Lotka 1920; Volterra 1926). Apesar da abundância de simplificações que estes trabalhos pioneiros faziam ao apresentar um modelo matemático para evolução temporal de populações, eles foram inovadores ao estabelecer uma ponte entre processos e padrões, utilizando técnicas de análise desenvolvidas no contexto de disciplinas como matemática, física e química. Uma das hipóteses centrais no corpo teórico que se desenvolveu a partir desses trabalhos seminais é a de que duas espécies distintas apresentam interações bióticas distintas. Isto é bastante claro quando pensamos sistemas tróficos, por exemplo, mas pode não ser adequado para espécies que podem ser agrupadas dentro da mesma guilda de acordo com a similaridade na utilização de recursos (Lany et al. 2018; Hubbell 2006). No caso limite em que duas populações são limitadas por um mesmo recurso, os modelos baseados e experimentos na seleção (ou nicho) preveem a ocorrência da exclusão competitiva de uma das populações (Connell 1961; Levine and HilleRisLambers 2009). Assim, grupos de espécies que apresentam nichos bastante similares constituem um desafio para a teoria, como exemplificado pelo longo debate acerca do paradoxo do plâncton (Roy and Chattopadhyay 2007).
 +
 +Outra contribuição histórica para a ecologia de comunidades foi a criação do modelo de biogeografia de Ilhas por MacArthur e Wilson, publicado originalmente em 1967 (MacArthur and Wilson 2001). Neste modelo, os autores utilizaram uma abordagem bem diversa da distinção determinística do fitness de populações para compreender a riqueza de comunidades ecológicas. O modelo incorpora dois processos fundamentais: a entrada de novas espécies na comunidade a partir de imigrações e a extinção de espécies da comunidade por um processo de deriva populacional. Notadamente, os dois processos incorporados neste modelo são apresentados como estocásticos, o que indica que a composição de uma comunidade está em constante processo de mudança, e não pode ser prevista a partir de processos fundamentais. Propondo uma extensão dessas ideias iniciais, Hubbel propõe uma teoria neutra para as comunidades, incorporando também a possibilidade de haver especiação (Hubbell 2001). Em franco contraste com a teoria de nicho, dominante à época, a teoria neutra se baseia na premissa fundamental de que organismos de diferentes espécies são ecologicamente equivalentes, possuindo taxas demográficas e utilizando recursos similares (Hubbell 2006).
 +
 +Apesar de debates contínuos acerca do mérito dos modelos baseados em nicho ou neutralidade, ambas contribuem para o entendimento de comunidades ecológicas (Vellend 2010). Em particular, diversos trabalhos buscam integrar esses processos em um corpo teórico coeso que seja aplicável a sistemas nos quais seleção e deriva são igualmente importantes (e.g., Tilman 2004). No sentido de conciliar ambas abordagens, é possível estudar a hipótese de equivalência ecológica de populações a partir da metodologia empregada em trabalhos baseados em seleção determinística.
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 +== Equivalência Ecológica em um Modelo Simples ==
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 +Considerando uma comunidade simples composta por duas populações, **x<sub>1</sub>** e **x<sub>2</sub>**, cuja dinâmica pode ser descrita através do modelo generalizado de Lotka-Volterra (Hofbauer and Sigmund 1998). Neste modelo, consideramos que as taxas de crescimento per capita dependem linearmente da densidade de cada uma das populações na comunidade. Os coeficientes de interação intra e interespecífica indicam os coeficientes angulares dessas dependências, com **a<sub>ij</sub>** indicando a influência da população **x<sub>j</sub>** sobre a taxa de crescimento per capita de **x<sub>i</sub>**. Cada população **x<sub>i</sub>** também possui uma taxa de crescimento intrínseco dada pelo parâmetro **r<sub>i</sub>**. Considerando esses processos, o sistema de equações diferenciais ordinárias que descreve o modelo pode ser escrito como:
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 +{{ :ensaios:2021:glv_2d.png?200 |}}
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 +Uma vez que não é viável buscar a solução geral de um sistema de equações não-lineares acopladas, podemos analisá-lo de diversas formas, buscando descrever seu comportamento de maneira qualitativa. As análises desenvolvidas fazem parte de um corpo metodológico bastante documentado, e apresentado de maneira bastante didática em alguns livros-texto (Monteiro 2011; Murray 2007). A partir do interesse na equivalência ecológica de duas populações, pode-se afirmar que há equivalência ecológica entre as populações **x<sub>1</sub>** e **x<sub>2</sub>** caso encontremos uma situação na qual o estado de equilíbrio do sistema não é afetado pelas abundâncias relativas. Assim, a situação de equivalência entre as populações requer um ponto de equilíbrio degenerado no qual o estado de equilíbrio da comunidade pode ser mantido mesmo que haja variação nas abundâncias relativas. Um ponto de equilíbrio do sistema de equações pode ser encontrado impondo-se a condição de equilíbrio ($\frac{d x_1}{dt} =\frac{d x_2}{dt} =0$), ou seja, a condição de que a abundância das populações é constante no tempo. Neste sistema específico, temos que não há mudança nas abundâncias caso tenhamos populações sem qualquer abundância (**x<sub>i</sub> = 0**) ou abundâncias tais que satisfaçam o sistema linear de equações:
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 +{{ :ensaios:2021:relacoes_algebricas.png?200 |}}
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 +Cada equação do sistema de equações acima representa uma reta em um plano em que cada dimensão representa as abundâncias de uma das populações. ((Pensar geometricamente em um espaço em que cada ponto representa uma combinação específica de abundâncias das populações que estão sendo estudadas é, em geral, muito útil, e esse espaço é denominado espaço de estados.)) O ponto de equilíbrio degenerado que corresponde a uma condição de neutralidade ocorre quando essas retas coincidem. É possível verificar a coincidência das retas impondo que as interseções com os eixos se igualem, o que leva às seguintes relações:
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 +{{ :ensaios:2021:relacoes_de_equivalencia_ecologica.png?200 |}}
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 +== Implicações e Discussão das Relações de Equivalência ==
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 +Uma das leituras possíveis dessas igualdades é que a razão das taxas de crescimento de **x<sub>1</sub>** e **x<sub>2</sub>** deve ser igual à razão entre o coeficiente de interação interespecífico da influência de **x<sub>2</sub>** sobre **x<sub>1</sub>** e a competição intraespecífica de **x<sub>2</sub>**. Assim, o estudo permite concluir que a equivalência ecológica entre duas populações pode ser alcançada mesmo que as populações não sejam exatamente idênticas, no sentido de possuírem taxas de crescimento, competição intraespecífica e interação interespecífica distintas. Ao mesmo tempo, as igualdades acima representam condições bastante objetivas acerca dos parâmetros demográficos que permitem considerar duas populações como equivalentes.
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 +No estudo, não foi considerado nenhum tipo particular de interação ecológica entre as populações **x<sub>1</sub>** e **x<sub>2</sub>**, nem a respeito do valor da taxa de crescimento intrínseco, que pode ser positivo ou negativo (mas não nulo). Se considerarmos que a competição intrínseca **a<sub>ii</sub>** sempre indica uma redução da taxa de crescimento da população à medida que a população aumenta (o que é bastante razoável), e pensarmos que as populações interagem de maneira competitiva, temos que a razão das intensidades da competição interespecífica e intraespecífica sofrida por uma das populações deve se igualar à razão entre as taxas de crescimento. Assim, para que duas populações sejam ecologicamente equivalentes, a população com maior taxa de crescimento deve sofrer uma pressão competitiva interespecífica maior do que a própria competição intraespecífica e também deve impor à competidora uma pressão competitiva menor do que a competição intraespecífica dela. Outra informação que pode ser apreendida desse resultado matemático é de que não é possível haver equivalência ecológica entre populações que interagem através de predação (ou outra relação em que uma receba benefícios de fitness ao custo do fitness da outra). Isto ocorre, pois, caso **a<sub>12</sub>** e **a<sub>21</sub>** tenham sinais opostos, a igualdade acima nunca será satisfeita, já que um dos lados da equação sempre será um número positivo e o outro um número negativo.
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 +Na estrutura desenvolvida, uma população com taxa de crescimento intrínseco negativa também pode ser equivalente a outra população com taxa de crescimento positiva, caso ambas interajam através de mutualismo. Neste caso, a população com crescimento negativo só poderá persistir na comunidade caso a outra tenha uma abundância acima da capacidade de suporte. Contudo, o modelo generalizado de Lotka-Volterra não é inteiramente apropriado para representar comunidades nas quais ocorrem interações mutualísticas em sua forma original (Qian and Akçay 2020). Por fim, o resultado matemático também indica que duas populações distintas com as mesmas taxas de crescimento, competição intra e interespecífica são ecologicamente equivalentes, o que é intuitivo.
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 +== Conclusão ==
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 +A noção de equivalência ecológica de espécies, apesar de ser uma hipótese fundamental da teoria neutra pode também ser investigada através das técnicas clássicas de análise de sistemas com seleção predominante. Essa investigação apresenta resultados com interpretações para essas duas tradições de modelagem ecológica. Do ponto de vista da teoria neutra, justifica sua utilização em determinadas circunstâncias, inclusive indicando que o fato de diferentes populações possuírem distintas taxas de crescimento, de competição intra e interespecífica não impede que sejam, de fato, ecologicamente equivalentes (desde que as relações apresentadas sejam satisfeitas). Do ponto de vista da teoria de nicho, a equivalência ecológica é um bom indicativo de sistemas nos quais diferenças determinísticas substanciais de fitness não estão presentes, isto é, sistemas nos quais resultados clássicos não são diretamente aplicáveis, a exemplo do princípio de exclusão competitiva.
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 +Essa investigação foi motivada por um diálogo entre meu conhecimento prévio dos fundamentos de ecologia matemática e as profícuas discussões que ocorreram na disciplina de ecologia de comunidades de 2021. O ponto principal que busquei explorar, ainda que de maneira simples, foi como podemos olhar de maneira integrada para sistemas ecológicos buscando estabelecer diálogo entre diferentes tradições de modelagem e teoria ecológica. A partir deste ensaio, mais perguntas aparecem do que efetivamente são respondidas: durante o desenvolvimento, assumi que equivalentes ecológicos seguem relações bastante precisas, o que aconteceria se permitisse populações "aproximadamente equivalentes"? Assumi que a importância da deriva populacional estava relacionada à equivalência ecológica, mas o que acontece em sistemas com diferença determinística de fitness nos quais efeitos estocásticos têm forte influência nas abundâncias das populações? Como levar as escalas temporais em que ocorrem seleção e deriva em conta? Como diferentes formas de definir equivalência ecológica dialogam?
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 +"I don't know"(((Root-Bernstein 2008)))... As perguntas, muito mais que as respostas, eu levarei pra minha vida pessoal e profissional.
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 +==Referências bibliográficas==
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 +Connell, Joseph H. 1961. “The Influence of Interspecific Competition and Other Factors on the Distribution of the Barnacle Chthamalus Stellatus.” Ecology 42 (4): 710–23.
 +
 +Hofbauer, Josef, and Karl Sigmund. 1998. Evolutionary Games and Population Dynamics. http://dx.doi.org/10.1017/CBO9781139173179.
 +
 +Hubbell, Stephen P. 2001. The Unified Neutral Theory of Biodiversity and Biogeography. Vol. 32. Princeton University Press.
 +
 +———. 2006. “Neutral Theory and the Evolution of Ecological Equivalence.” Ecology 87 (6): 1387–98.
 +
 +Lany, Nina K., Phoebe L. Zarnetske, Erin M. Schliep, Robert N. Schaeffer, Colin M. Orians, David A. Orwig, and Evan L. Preisser. 2018. “Asymmetric Biotic Interactions and Abiotic Niche Differences Revealed by a Dynamic Joint Species Distribution Model.” Ecology 99 (5): 1018–23. https://doi.org/10.1002/ecy.2190.
 +
 +Levine, Jonathan M., and Janneke HilleRisLambers. 2009. “The Importance of Niches for the Maintenance of Species Diversity.” Nature 461 (7261): 254–57.
 +
 +Lotka, Alfred J. 1920. “Analytical Note on Certain Rhythmic Relations in Organic Systems.” Proceedings of the National Academy of Sciences 6 (7): 410–15. https://doi.org/10.1073/pnas.6.7.410.
 +
 +MacArthur, Robert H., and Edward O. Wilson. 2001. The Theory of Island Biogeography. Vol. 1. Princeton university press.
 +
 +Monteiro, Luiz Henrique Alves. 2011. Sistemas Dinâmicos. 3a Edição. São Paulo (SP): Livraria da Física.
 +
 +Murray, James D. 2007. Mathematical Biology: I. An Introduction. Vol. 17. Springer Science & Business Media.
 +
 +Qian, Jimmy J., and Erol Akçay. 2020. “The Balance of Interaction Types Determines the Assembly and Stability of Ecological Communities.” Nature Ecology & Evolution 4 (3): 356–65. https://doi.org/10.1038/s41559-020-1121-x.
 +
 +Root-Bernstein, Robert. 2008. “I Don’t Know.” The Virtues of Ignorance: Complexity, Sustainability, and the Limits of Knowledge, 233–50.
 +
 +Roy, Shovonlal, and J. Chattopadhyay. 2007. “Towards a Resolution of ‘the Paradox of the Plankton’: A Brief Overview of the Proposed Mechanisms.” Ecological Complexity 4 (1): 26–33. https://doi.org/10.1016/j.ecocom.2007.02.016.
 +
 +Tilman, D. 2004. “Niche Tradeoffs, Neutrality, and Community Structure: A Stochastic Theory of Resource Competition, Invasion, and Community Assembly.” Proceedings of the National Academy of Sciences 101 (30): 10854–61. https://doi.org/10.1073/pnas.0403458101.
 +
 +Vellend, Mark. 2010. “Conceptual Synthesis in Community Ecology.” The Quarterly Review of Biology 85 (2): 183–206.
 +
 +Volterra, Vito. 1926. “Fluctuations in the Abundance of a Species Considered Mathematically1.” Nature 118 (October): 558–60. https://doi.org/10.1038/118558a0.
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 +==== Processos e Padrões: os caminhos que levam a Roma ====
 +== Anna Caroline C. Ritter ==
 +O mundo natural é irregular e essa irregularidade se manifesta de diferentes formas e em uma ampla gama de escalas, desde o arranjo espacial dos continentes e oceanos até em como os grãos de areia das praias estão dispostos (Dale, 1999). Como a busca por respostas é um objetivo comum das ciências, compreender como a natureza funciona pode explicar o que vemos e como o que vemos pode mudar (Simberloff, 2004; Cale, 1989), e essa compreensão da natureza passa pela capacidade de responder perguntas sobre as causas (condições, processos e mecanismos) responsáveis pela produção de fenômenos, padrões e suas diferenças (Pickett et al. 1994). Por padrões, em ecologia, entende-se o que é visto, ou seja, características e tendências observáveis de um sistema e sua configuração, seja usando um microscópio eletrônico ou um sistema de imagens de satélite (Cale, 1989). Dessa forma, procura-se achar regularidades (Lawton, 1999) dentro das irregularidades.
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 +Em ecologia de comunidades essa busca não poderia ser diferente, visto que o seu próprio objetivo é estudar padrões na diversidade, abundância e composição de espécies em comunidades e os processos subjacentes a esses padrões (Vellend, 2010). Pode-se dizer, então, que esse ímpeto em estudar o padrão vem da visão de que, para se entender as comunidades, devemos descrever e quantificar suas características, tanto espaciais quanto temporais, e então relacionar essas características observadas a processos (Dale, 1999). Dessa forma, o padrão pode ser usado para gerar hipóteses sobre os processos ou para sugerir os mecanismos que deram origem a ele. Portanto, o entendimento dos padrões em termos dos processos que os produzem é essencial para o desenvolvimento de princípios, sem o qual, para cada novo sistema, não haveria qualquer base científica para extrapolação (Levin, 1992). Com essa necessidade básica da identificação dos padrões, houve então considerável preocupação inicial dirigida às técnicas para a detecção e descrição clara e objetiva desses padrões ecológicos e populacionais (Levin, 1992; Dale, 1999; Gardner et al. 1987; Sugihara et al. 1990), com posterior investigação de seus mecanismos geradores e mantenedores determinantes (Levin, 1992; Ford & Renshaw, 1984). Alguns dos padrões que receberam atenção considerável para essas investigações foram as relações entre diversidade de espécies e área, latitude, altitude, produtividade, perturbação, heterogeneidade espacial e mudanças na composição de espécies em sucessões ecológicas (Vellend,2010; Diamond & Case 1986; Rosenzweig, 1995; Ricklefs & Miller, 1999).
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 +Porém, um ponto central da discussão dessa abordagem que posteriormente foi levantado seria até que ponto os processos poderiam ser inferidos dos padrões? (Cale, 1989). 
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 +Diversos são os trabalhos que podem ser trazidos para uma discussão de controvérsias que foram observadas por meio dessas inferências. Um exemplo clássico são padrões de partição de nicho/habitat, que podem ser relacionados tanto à competição quanto à predação (Werner, 1998; Holt, 1984; Holt & Lawton, 1994). Um outro exemplo ilustrativo que é abordado em termos da Teoria de Biogeografia de Ilhas é a relação espécie-área, em que diferentes processos (deriva, dispersão, seleção e especiação) podem contribuir para o padrão dessa relação. Considerando que ilhas grandes têm populações maiores, as taxas de extinção, por deriva, seriam por si só menores em ilhas grandes do que em ilhas pequenas, levando a um maior número de espécies nessas ilhas (Vellend, 2010; MacArthur & Wilson, 1967). Ilhas grandes também fornecem um alvo maior para organismos dispersores, de modo que as taxas de imigração e, portanto, riqueza de espécies, seriam superiores se comparadas a ilhas pequenas (Vellend, 2010; Gilpin & Diamond, 1976). A heterogeneidade ambiental de uma ilha também tende a variar positivamente de acordo com a área dessa ilha, dessa forma, seria esperado que mais espécies pudessem coexistir em ilhas maiores devido a uma menor pressão de seleção (Vellend, 2010; Whittaker & Fernandez-Palacios, 2007). Por fim, seriam esperadas taxas de especiação maiores em ilhas grandes, que contribuiriam positivamente para a relação espécie-área (Vellend, 2010; Losos & Schluter, 2000). Cale (1989) também cita exemplos dessa controvérsia de inferências de processos em seu trabalho, sendo o principal exemplo apresentado ligado à sucessão ecológica, em que alguns autores (Clements, Gleason, Whittaker, Odum e Drury e Nisbet) justificaram o padrão observado de maneiras diferentes, mesmo tendo baseado suas explicações em processos bióticos e abióticos.
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 +Toda essa discordância ocorreu pelo fato de que as direções de pesquisa em ecologia de comunidade se iniciaram com observações de padrões na natureza, com posteriores buscas por explicações. Porém, como muitos desses padrões não implicam em apenas um processo específico (Wiens 1973, 1984) - tendo múltiplas explicações, encontrar um padrão específico em um determinado sistema geralmente revela muito pouco sobre o funcionamento do sistema e os processos que o compõem (Vellend, 2010). Portanto, embora os primeiros estudos de padrões espaciais em comunidades fossem baseados na crença de que processos poderiam ser deduzidos do padrão, essa perspectiva não é mais aceita (Shipley & Keddy, 1987; Leps?, 1990a), sendo que previsões devem derivar da análise dos próprios processos fundamentais e não de análises de padrões (Cale, 1989).
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 +Desse modo, ficou evidente que assim como existem muitos caminhos que levam a Roma, processos diferentes podem gerar o mesmo padrão, processos subjacentes podem gerar padrões diferentes (dependendo dos detalhes contingentes), e que a demonstração de que um processo específico pode, em teoria, dar origem a uma gama de padrões observados não prova que esse processo seja de fato responsável por esses padrões (Levin, 1992; Lawton, 1999).
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 +Conclui-se, então, que um dos maiores desafios na ecologia de comunidades é justamente estabelecer essas ligações entre padrões e processos, visto que há dificuldades em se compreender o cenário como um todo, já que os padrões de interesse são aparentemente contingentes* entre as interações das espécies com o ambiente, fazendo com que, dada a nossa incapacidade, não seja possível fazer afirmações gerais sobre conexões de padrão e processo (Vellend, 2010; Lawton, 1999; Simberloff, 2004). Assim, segundo Vellend (2010), há uma espécie de caixa preta na ecologia de comunidade, dentro da qual há diversos caminhos que vão de um processo a um padrão (Figura 1) e que esses caminhos parecem ser fundamentalmente específicos de cada sistema, ou seja, apesar de buscarmos generalidades, as mesmas estariam fadadas ao fracasso em ecologia de comunidades sendo, portanto, necessário entender os padrões como o resultado de interações entre processos - “padrões podem ser entendidos como o resultado das interações entre os processos A, B e C” (Vellend, 2010).
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 +{{:ensaios:2021:blackbox.jpg?566x338|Fig. 1 - “Caixa preta da ecologia” de Vellend (2010).}}
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 +Fig. 1 - “Caixa preta da ecologia” de Vellend (2010).
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 +A discussão de padrões e processos teve um papel fundamental para o desenvolvimento de ecologia de comunidades, visto que com tantos mecanismos possíveis, avanços experimentais dentro da área foram necessários para que se pudesse distinguir quais mecanismos e processos estariam atuando nos padrões observados, dada que a abordagem inicial hipotético-dedutiva e suas correlações forneciam apenas um ponto de partida para elucidar essas relações (Levin, 1992). Além disso, com o passar do tempo, a área aumentou muito o rigor em relação a como os estudos ecológicos são conduzidos e, não apenas a abordagem experimental tornou-se mais presente, mas trouxe-se também a discussão de novas metodologias e suas aplicações, como a modelagem (Werner, 1998). 
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 +Esse avanço da área e a utilização de experimentação são importantes para o desenvolvimento do meu projeto - que pretende investigar efeitos de pesticidas em comunidades de aves, já que uma das minhas possibilidades seria empregar experimentos de perturbação - referidos como uma das abordagens amplas que objetiva a compreensão das comunidades ecológicas, dado que com a manipulação de algum dos aspectos da composição, ambiente ou segmento da comunidade, uma resposta significativa a essa manipulação é interpretada como uma indicação de que esse fator seria importante para determinar a estrutura da comunidade (Werner, 1998). Como há uma grande complexidade no meu sistema de estudo, as limitações dessa abordagem devem ser consideradas, principalmente porque os resultados de experimentos nesse tipo de sistema não são claros, precisos e nem facilmente interpretáveis (Inchausti, 1994), sendo uma abordagem que busca fatores, e não mecanismos (Werner, 1998).
 +
 +*Contingente: "apenas verdadeiro sob circunstâncias particulares ou declaradas". Uma regra (ou lei) contingente assume a forma: se A e B valem, então X acontecerá, mas se C e D valem, então Y será o resultado (Lawton, 1999).
 + 
 +== Referências bibliográficas ==
 +Cale, W. G., Henebry, G. M., & Yeakley, J. A. (1989). Inferring process from pattern in natural communities.BioScience, 39,600–605.
 +
 +Dale, M. (1999). Spatial Pattern Analysis in Plant Ecology (Cambridge Studies in Ecology). Cambridge: Cambridge University Press.
 + doi:10.1017/CBO9780511612589
 +
 +Diamond J. M., Case T. J. 1986. Community Ecology. New York: Harper and Row.
 +
 +Ford, E. D., & Renshaw, E. (1984). The interpretation of process from pattern using two-dimensional spectral analysis: modelling single species patterns in vegetation. Vegetatio, 56,113–123.
 +
 +Gardner, R. H., B. T. Milne, M. G. Turner, and R. V. O'Neill. 1987. Neutral models for the analysis of broad landscape pattern. Landscape Ecology 1:19-28.
 +
 +Gilpin M. E., Diamond J. M. 1976. Calculation of immigration and extinction curves from the species-areadistance relation. Proceedings of the National Academy of Sciences USA 73(11):4130–4314.
 +
 +Holt, R. D. 1984. Spatial heterogeneity, indirect interactions, and the coexistence of prey species. American Naturalist 124: 377-406.
 +
 +Holt, R. D. and J. H. Lawton. 1994. The ecological consequences of shared natural enemies. Annual Review of Ecology and Systematics 25:495-520.
 +
 +Inchausti, P. 1994. Reductionist approaches in community ecology. American Naturalist 143:201-221.
 +
 +Lawton J. H. 1999. Are there general laws in ecology? Oikos 84(2):177–192.
 +
 +Leps?, J. (1990a). Can underlying mechanisms be deduced from observed patterns? In Spatial Processes in Plant Communities.eds.F.Krahulec,A.D.Q.Agnew,S.Agnew,& J.H. Willem,pp.1–11.Prague:Academia Press.
 +
 +Levin, S. 1992. The problem of pattern and scale in ecology. Ecology 73:1943-1967.
 +
 +Losos J. B., Schluter D. 2000. Analysis of an evolutionary species-area relationship. Nature 408(6814):847–850.
 +
 +MacArthur R. H., Wilson E. O. 1967. The Theory of Island Biogeography. Princeton (NJ): Princeton University Press.
 +
 +Pickett, S. T. A., J. Kolasa, and C. G. Jones. 1994. Ecological understanding. Academic Press, San Diego, Calif.
 +
 +Ricklefs R. E., Miller G. L. 1999. Ecology. Fourth Edition. New York: W.H. Freeman.
 +
 +Rosenzweig M. L. 1995. Species Diversity in Space and Time. Cambridge (UK): Cambridge University Press.
 +
 +Roughgarden J. 2009. Is there a general theory of community ecology? Biology and Philosophy 224:521–529.
 +
 +Shipley, B., & Keddy, P. A. (1987). The individualistic and community-unit concepts as falsifiable hypotheses.Vegetatio, 69,47–55.
 +
 +Simberloff D. 2004. Community ecology: is it time to move on? American Naturalist 163:787–799.
 +
 +Sugihara, G., B. Grenfell, and R. M. May. 1990. Distinguishing error from chaos in ecological time series. Philosophical Transactions of the Royal Society of London B 330:235-251.
 +
 +Vellend, M. 2010. Conceptual synthesis in community ecology. The Quaterly Review of Biology 85: 183-206.
 +
 +Werner, E.E. 1998. Ecological experiments and a research program in community ecology. pp 3-27 In: Resetarits B. & J. Bernardo. Experimental ecology: issues and perspectives. Oxford University Press.
 +
 +Whittaker R. J., Fernandez-Palacios J. M. 2007. Island Biogeography: Ecology, Evolution and Conservation. Second Edition. Oxford (UK): Oxford University Press.
 +
 +Wiens, J. A. 1973. Pattern and process in grassland bird communities. Ecological Monographs 43:237–270.
 +
 +Wiens, J. A. 1984. On understanding a non-equilibrium world: myth and reality in community patterns and processes. Pages 439–457 in D. R. Strong, Jr., D. Simberloff, L. G. Abele, and A. B. Thistle, eds. Ecological communities: conceptual issues and the evidence. Princeton University Press, Princeton, N.J.
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 +==== Inclusão de dinâmicas neutras em estudos de trocas de hospedeiro ====
 +== Camila Souza Beraldo ==
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 +Considerando o conceito de metacomunidades, a perspectiva neutra entende que não há diferenças entre as espécies (i.e.  elas equivalem em aptidão, em habilidades competitivas e em capacidade de dispersão) e que, portanto, a manutenção da diversidade em escalas locais depende de processos estocásticos de ganho (imigração e especiação) ou perda de espécies (extinção e emigração) (Hubbell, 2001; Leibold et al., 2004). Para entender melhor esse paradigma, faz-se necessário explicar o que é uma metacomunidade: trata-se de um conjunto de comunidades que estão unidas pela dispersão das espécies que as compõem (Leibold et al., 2004). De forma geral, em metacomunidades, considera-se simultaneamente mais de uma escala geográfica – escala local, representada pelas comunidades, e escala regional, uma área maior que inclui todas essas comunidades (Leibold & Chase, 2017). Além da perspectiva neutra, outras três ideias ordenam o campo de metacomunidades, sendo elas dinâmica de manchas, seleção de espécies e efeitos de massa. Apesar de essas ideias variarem quanto às predições das dinâmicas local e regional, todas as três consideram que as diferenças de nicho e/ou a variação de capacidade de dispersão entre as espécies resultam em trade-offs que afetam a comunidade e que têm seus efeitos propagados para escalas maiores (Leibold et al., 2004). 
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 +Durante décadas, os estudos em ecologia de comunidades focavam exclusivamente em processos locais, baseados na ideia de nicho (Hutchinson, 1957, 1959), para explicar a diversidade nas comunidades (Vellend, 2010). No decorrer do desenvolvimento dessa área de pesquisa, outros processos foram incorporados às investigações, como a dispersão – Teoria de Biogeografia de Ilhas (MacArthur & Wilson, 1967) – e a estocasticidade (Simberloff, 1980), fundamentando as bases de alguns dos paradigmas que hoje compõem o conceito de metacomunidades. Muitos ecólogos debateram por anos os processos e as escalas espaço-temporais a serem considerados como estruturantes de comunidades (Leibold & Chase, 2017). Contudo, foi apenas após a publicação da Teoria Neutra (Hubbell, 2001) que o conceito de deriva foi de fato integrado aos estudos de comunidades e que se estabeleceu a perspectiva neutra de metacomunidades. A Teoria Neutra e, consequentemente, o paradigma de dinâmicas neutras foram importantes nesse cenário de profundas discussões teóricas. Tais ideias enfatizaram, por exemplo, a necessidade de se reconhecer a limitação das explicações baseadas unicamente em nicho ecológico e trouxe à luz a importância de se incorporar processos como dispersão e deriva mesmo em sistemas que não são completamente neutros. Além disso, elas foram capazes de conectar trabalhos que investigavam estruturação de comunidades em escalas muito diferentes (e.g. relação entre diversidade local e processos biogeográficos) (Leibold & Chase, 2017).
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 +Um dos meus maiores interesses de pesquisa trata das interação de simbiontes entre si e com seus hospedeiros. Aqui, uso o termo “simbionte” para designar microorganismos (e.g. vírus, fungos, bactérias) que vivem no interior de um hospedeiro e que desempenham interações (+/+), (+/0) ou (+/-) com eles. A transmissão de um simbionte entre espécies diferentes de hospedeiro e o sucesso no estabelecimento nesta nova espécie é chamada de troca de hospedeiro (Woolhouse et al., 2005; Longdon et al., 2014). As trocas de hospedeiro têm ganhado bastante atenção recentemente por serem indicadas como um dos principais fatores causadores de novas pestes e doenças (e.g. COVID-19), provocando prejuízos imensuráveis para a conservação de espécies silvestres, cultivos de plantas e de animais e para saúde humana (Morens et al., 2004; Jones et al., 2008). Ao longo da disciplina e durante a elaboração deste ensaio, a perspectiva neutra de metacomunidades permitiu-me refletir sobre possíveis mecanismos que podem ser definitivos para as trocas de hospedeiro na natureza. Essa reflexão emerge de dois processos que discutirei a seguir: (i) interpretação das comunidades de simbiontes que existem dentro de hospedeiros como uma metacomunidade com limites definidos e (ii) inclusão de processos estocásticos como fatores responsáveis pelas trocas de hospedeiro. 
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 +Para entender as comunidades simbióticas existentes em hospedeiros como uma metacomunidade, faz-se necessário adaptar as escalas local e regional para esse sistema. Podemos entender o hospedeiro em si como a escala local (i.e. mancha, patch), uma vez que ele será espaço para a coexistência de diferentes espécies de simbiontes (Brown et al., 2019). Assim, a metacomunidade de simbiontes tem limites discretos dados pela epiderme do hospedeiro. Dentro de um hospedeiro, pode-se ainda definir micro-localidades, como células, hemolinfa e luz intestinal, que correspondem ao tropismo (i.e. região no organismo do hospedeiro que sustenta o crescimento e reprodução do simbionte) em estudos epidemiológicos (Levine, 1984). A conexão das comunidades de simbiontes se dá pela dispersão entre os hospedeiros que podem ser da mesma espécie ou de espécies diferentes. Aqui, três pontos-chave precisam ser levados em consideração: primeiramente, a dispersão neste caso não se dá apenas pelo alcance do simbionte a um novo hospedeiro, mas inclui as etapas de transposição de barreiras físicas e imunológicas desse novo patch (Medzhitov et al., 2012). Em segundo lugar, a quantidade de manchas disponíveis para novas colonizações (i.e. quantidade de hospedeiros susceptíveis) pode variar no tempo e no espaço. Por fim, a menos que o hospedeiro em questão seja um organismo séssil, os patches se movimentam, o que pode aumentar ou diminuir a facilidade de dispersão dos simbiontes, afetando a conexão entre suas comunidades (Brown et al., 2019).
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 +Em estudos de trocas de hospedeiro, um dos objetivos mais recorrentes é o de se testar correlação entre fatores que podem determinar a dispersão de simbiontes entre hospedeiros de espécies diferentes e o sucesso dessa dispersão. Tal propósito tem como motivação poder, algum dia, prever essas trocas de hospedeiro e antecipar possíveis focos de epidemias. Dentre os fatores mais testados, estão as relações filogenéticas do hospedeiro (de Vienne et al., 2013; Longdon et al., 2014) e do simbionte (Imrie et al., submetido), temperatura ambiental para o hospedeiro (Roberts et al., 2018) e dieta do hospedeiro (Roberts & Longdon, 2021). Apesar de alguns fatores se mostrarem importantes para determinar o sucesso dessas trocas (e.g. filogenias do hospedeiro e do patógeno), parte da variação dos dados não é explicada por nenhum dos parâmetros testados. Nas discussões desses trabalhos, a ausência de correlação entre os fatores usados e as trocas de hospedeiro é frequentemente atribuída a questões mecanísticas ainda não investigadas, como interações do novo simbionte com a comunidade pré-existende no hospedeiro. Até o momento, disconheço estudos que tenham incorporado dinâmicas neutras como possíveis fatores causadores de trocas de hospedeiro. 
 +
 +Na tentativa de incorporar estocasticidade nesse sistema, discutirei as etapas que, ao meu ver, são mais cruciais para que o simbionte mude de hospedeiro. Ao interpretar as espécies de simbiontes como equivalentes quanto aos seus atributos de aptidão, dispersão e competição, a troca de hospedeiro dependerá da probabilidade de um simbionte X emigrar de um hospedeiro A e desse mesmo simbionte X imigrar para um hospedeiro B (Equação 1, P(TH)). Para que um simbionte possa emigrar de A, é preciso ter como pressuposto que ele exista em A. Para existir em A, a taxa de extinção (P(EXxa)) (aqui interpretada como um resultado da defesa imunológica do hospedeiro) deve ser menor que a taxa de especiação (P(ESxa)) (resultado do surgimento de adaptações por mutação que permitem a superação das defesas do hospedeiro). Para X concluir a imigração para B, é preciso levar em consideração a probabilidade de o encontro de A e de B acontecer na mesma escala espaço-temporal P(ENab). Além disso, temos que computar a probabilidade de X sobreviver durante a transferência entre os hospedeiros, uma vez que, nesse processo, o simbionte X pode ficar exposto ao ambiente externo ao organismo do hospedeiro P(Sx). Por fim, a troca de hospedeiro dependerá da probabilidade de X sobreviver em B (probabilidade de especiação P(ESxb) menos probabilidade de extinção P(EXxb)). Em resumo, a probabilidade da troca de hospedeiro (PTH) acontecer será dada por:
 +
 +(1)                    P(TH) = [P(ESxa) - P(EXxa)] * P(ENab) * P(Sx) * [P(ESxb) - P(EXxb)]
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 +A inclusão de dinâmicas neutras em estudos de trocas de hospedeiro é relevante, pois, apesar de aspectos desse sistema serem decorrentes de mecanismos relativos às espécies de simbiontes e de hospedeiros, bem como ao ambiente em que eles estão, tais fatores não esgotam as causas possíveis pelas quais um simbionte pode trocar de hospedeiro. Neste ensaio, apresentei um modelo que incorpora os processos de ganho (especiação e imigração) e de perda (extinção e emigração) de espécies de simbiontes em e entre hospedeiros. Acredito que estudos empíricos podem elucidar novas variáveirs e/ou parâmetros a serem incorporados no modelo, contribuindo assim para um maior entendimento das trocas de hospedeiro na natureza.
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 +== Referências: ==
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