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 ====== Ensaios 2019 ====== ====== Ensaios 2019 ======
  
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-Poste aqui seu ensaioconforme as [[ensaios:instr|Instruções]] +==== Um novo olhar sobre a ecologia comunitária ==== 
-</WRAP>+== Beatriz de Souza Silva == 
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 +A ecologia de comunidades tenta responder algumas questões referentes à composição de espécies dentro de uma comunidade. Por que os padrões observados na natureza são aqueles? No caminho responder este dilema, foram pensadas diversas teorias que pareciam explicar o padrão observado dentro das comunidades ecológicas. Em um longo processo de aprendizado, essas teorias foram surgindo e sendo rebatidas, e algumas dando chances de novas existirem. Hoje, de uma forma bem simplificada, atuam como divisor de águas e geram dicotomia na ecologia de comunidades. São as mais importantes: teoria de nicho e teoria neutra. A teoria de nicho, prediz que comunidades seriam estruturadas por processos como competição e filtro ambiental (HUTCHINSON 1959) e a teoria neutra, que as comunidades seriam estruturados por processos neutros (HUBBELL 2001). A teoria neutra passou por processo de modelamento ao longo dos anos, pegando para si aspectos de outras teorias e trabalhos, como a genética de populações (KIMURA & CROW, J.F., 1964; EWENS, 1972) e biogeografia de ilhas (MacARTHUR & WILSON, 1967). Dessa forma, os processos estocásticos, aleatórios (CONNOR & SIMBERLOFF, 1979) como mortes e nascimento seriam estruturadores das comunidades. Enquanto os processos de deriva e dispersão, seriam responsáveis pela manutenção dessas comunidades (CASWELL, 1976, HUBBEL, 2001). 
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 +A teoria neutra veio em tom revolucionário para elucidar questões sobre as comunidades, além disso, proporcionou um avanço no pensamento comunitário. Não se faz precursora de todas as respostas, e como todo pensamento científico, acrescentou possibilidades e discussões. Vem sendo amplamente testada empiricamente (CONDIT et al., 2002, McGILL et al., 2006) mais uma prova do seu poder de fomento da ciência.  Além de ter um vertente interdisciplinar com a extração de conceitos de diversas áreas dentro e fora da ecologiacomo citado anteriormente, conceito de dispersão derivado da biogeografia de ilhas e o conceito de deriva da genética de populações (KIMURA & CROW, J.F., 1964; EWENS, 1972). A teoria neutra, ou teoria unificada neutra da biodiversidade e biogeografia, teve diversos requisitos emprestadados da Teoria Neutra de evolução molecular de Kimura (DE MARCO, 2006). 
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 +Por ser teórica, trabalha em torno de modelos que tentam responder os padrões observados através dos preceitos da teoria, emprestou da estatística os modelos nulos (GOTELLI & GRAVES 1996). Esses modelos começaram sendo aperfeiçoados para ecologia de comunidades a partir da biologia molecular (CASWELL, 1976), e ainda segue em processo de aperfeiçoamento. Até os anos 2000, os modelos não incluíam o fator de metacomunidade nos modelos neutros (McGILLl et.al, 2006), essa lacuna como tanta outras que surgiram foram pesquisadas, analisadas e testadas. Essa grande movimentação em torno de uma teoria pode parecer bobagem, mas é esse movimento da ciência em busca de respostas que criam mais e novas perguntas. 
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 +Com os avanços dos estudos, a teoria neutra vem ganhando seu espaço na ecologia de comunidades. Em alguns momentos os termos e conceitos parecem contra intuitivos, e tudo bem parecer. As formações acadêmicas de biólogos e ecólogos, na grande maioria, se concentram em processos de nicho, talvez por serem processos mais estudados e questionados ao longo dos anos, assim, formamos ecólogos com pensamento limitado. Frequentemente quando nos questionamos sobre estrutura comunitária ou um determinado padrão, instantaneamente nos perguntamos “estamos olhando resultado de competição (GAUSE, 1934) guiada por filtro?”. Acredito que meu maior ganho com essa disciplina foi conseguir enxergar os processos, abrir a caixinha de conceitos e jogar tudo na mesma mesa e olhar cada caso como um caso, não me limitar e não me prender nos meus pré-conceitos acadêmicos.  
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 +Por muito tempo nicho e neutro foram considerados excludentes, e de uns anos para cá, vem crescendo o consenso de que os dois processos, não necessariamente juntos, devem atuar nas formação e manutenção das comunidades (TILMAN, 2004, ADLER et al., 2007, CADOTTE, 2007). A ideia central do meu projeto é encontrar as proporções de nicho e neutro em comunidades de mamíferos, e entender as possíveis causas desse resultado em habitats fragmentados rodeados por diferentes matrizes agrícolas. Quando me propus a trabalhar com ecologia de comunidades vi um novo dilema a minha frente, precisava entender conceitos que não tinham sido apresentados de forma tão didática como competição, predação, seleção, cadeia trófica. Conceitos novos, baseados em modelos, como poucos estudos empíricos, diferente do tradicional, essa disciplina conseguiu me lembrar o porque eu quis estudar comunidades em primeiro momento. 
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 +Em 2010, Vellend tentou organizar as ideias no que ele chama de os “Big four”, também análogo de genética de populações, são quatro grandes processos que teriam a capacidade de formar as comunidadesderiva, dispersão, seleção e especiação (VELLEND, 2010). Antes dele, já havia a necessidade de tirar as ideias de caixinhas e organizar de outra forma. Essa disputa que durou anos entre processos determinísticos versus estocásticos (NICOLSON, MCINTOSH & NICOLSON 2002), trouxe mais coisas positivas que negativas. Acarretou a discussão, elaboração de teorias, testes empíricos, mais discussão, composição, e gera até hoje rebuliço, saudável, entre os ecólogos comunitários. 
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 +==Referências bibliográficas== 
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 +ADLER, Peter B.; HILLERISLAMBERS, Janneke; LEVINE, Jonathan M. A niche for neutrality. Ecology letters, v. 10, n. 2, p. 95-104, 2007. 
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 +CADOTTE, Marc William. Concurrent niche and neutral processes in the competition–colonization model of species coexistence. Proceedings of the Royal Society B: Biological Sciences, v. 274, n. 1626, p. 2739-2744, 2007. 
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 +CONDIT, Richard et al. Beta-diversity in tropical forest trees. Science, v. 295, n. 5555, p. 666-669, 2002. 
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 +DE MARCO JUNIOR, Paulo. Um longo caminho até uma teoria unificada para a ecologia. Oecologia brasiliensis, v. 10, n. 1, p. 8, 2006.. 
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 +CONNOR, Edward F.; SIMBERLOFF, Daniel. The assembly of species communities: chance or competition?. Ecology, v. 60, n. 6, p. 1132-1140, 1979. 
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 +EWENS, Warren J. The sampling theory of selectively neutral alleles. Theoretical population biology, v. 3, n. 1, p. 87-112, 1972. 
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 +HUTCHINSON, G. Evelyn. Homage to Santa Rosalia or why are there so many kinds of animals?. The American Naturalist, v. 93, n. 870, p.  
 +145-159, 1959. 
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 +GAUSE, G. F. The struggle for existence. Baltimore: Williams and Wilkins. 163 p. 1934. 
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 +CASWELL, Hal. Community structure: a neutral model analysis. Ecological monographs, v. 46, n. 3, p. 327-354, 1976. 
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 +KIMURA, Motoo; CROW, James F. The number of alleles that can be maintained in a finite population. Genetics, v. 49, n. 4, p. 725, 1964. 
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 +MACARTHUR, R. H.; WILSON, E. O. The Theory of Island Biogeography.,(Princeton University Press: NJ.). 1967. 
 + 
 +MCGILL, Brian J.; MAURER, Brian A.; WEISER, Michael D. Empirical evaluation of neutral theory. Ecology, v. 87, n. 6, p. 1411-1423, 2006. 
 + 
 +HUBBELL, Stephen P. The unified neutral theory of biodiversity and biogeography (MPB-32). Princeton University Press, 2001. 
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 +TILMAN, David. Niche tradeoffs, neutrality, and community structure: a stochastic theory of resource competition, invasion, and community assembly. Proceedings of the National Academy of Sciences, v. 101, n. 30, p. 10854-10861, 2004
  
 ==== Como a relação entre dispersão e extinção pode ajudar a entender o gradiente latitudinal de diversidade  ==== ==== Como a relação entre dispersão e extinção pode ajudar a entender o gradiente latitudinal de diversidade  ====
  
-=== Renan Lucas Siena Del Bel ===+== Renan Lucas Siena Del Bel ==
  
 O conceito de dispersão que usaremos se refere à capacidade de indivíduos se locomoverem no espaço. Isso inclui a definição usada por Velland (2016), onde dispersão se refere a imigração, ou seja, a passagem de indivíduos de uma comunidade a outra, mas também se refere ao movimento de indivíduos através de um espaço contínuo. No caso de organismos sésseis, o movimento ocorre na forma de propágulos, que irão ainda se estabelecer na comunidade como recrutas. Por exemplo, a dispersão de plantas espermatófitas normalmente ocorre através da dispersão de sementes. O conceito de dispersão que usaremos se refere à capacidade de indivíduos se locomoverem no espaço. Isso inclui a definição usada por Velland (2016), onde dispersão se refere a imigração, ou seja, a passagem de indivíduos de uma comunidade a outra, mas também se refere ao movimento de indivíduos através de um espaço contínuo. No caso de organismos sésseis, o movimento ocorre na forma de propágulos, que irão ainda se estabelecer na comunidade como recrutas. Por exemplo, a dispersão de plantas espermatófitas normalmente ocorre através da dispersão de sementes.
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 ==== A formação de comunidades em beiras de estradas: uma abordagem alternativa para Ecologia de Rodovias ==== ==== A formação de comunidades em beiras de estradas: uma abordagem alternativa para Ecologia de Rodovias ====
-=== Douglas William Cirino ===+== Douglas William Cirino ==
 Uma emergente questão em ecologia de comunidades é a existência de uma teoria geral para área. Esse questionamento é bastante contemporâneo, e surgiu já no século XXI. Enquanto os estudos em comunidades do século XX se preocupavam com questões mais pontuais, como a teoria do nicho, a biogeografia de ilhas, estruturas de redes de interação e estados múltiplos e resiliência, um questionamento levantado pela cientista americana Joan Roughgarden em seu artigo “Is there a general theory of community ecology?” (Roughgarden, 2009), provocou os cientistas sobre o tema. Roughgarden não afirma que haja uma teoria geral, e nem se compromete dizendo que é necessário que haja, entretanto ela de debruça sobre uma questão crucial para o entendimento da ecologia. Por muito tempo os ecologistas buscaram entender a composição das comunidades, e não necessariamente a formação delas. Fazendo um contraponto com a evolução, os biólogos evolutivos, ao contrário dos ecólogos, buscaram entender qual o processo que leva a diversidade, não olhando para o padrão da diversidade isoladamente.  Uma emergente questão em ecologia de comunidades é a existência de uma teoria geral para área. Esse questionamento é bastante contemporâneo, e surgiu já no século XXI. Enquanto os estudos em comunidades do século XX se preocupavam com questões mais pontuais, como a teoria do nicho, a biogeografia de ilhas, estruturas de redes de interação e estados múltiplos e resiliência, um questionamento levantado pela cientista americana Joan Roughgarden em seu artigo “Is there a general theory of community ecology?” (Roughgarden, 2009), provocou os cientistas sobre o tema. Roughgarden não afirma que haja uma teoria geral, e nem se compromete dizendo que é necessário que haja, entretanto ela de debruça sobre uma questão crucial para o entendimento da ecologia. Por muito tempo os ecologistas buscaram entender a composição das comunidades, e não necessariamente a formação delas. Fazendo um contraponto com a evolução, os biólogos evolutivos, ao contrário dos ecólogos, buscaram entender qual o processo que leva a diversidade, não olhando para o padrão da diversidade isoladamente. 
  
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 ==== Explorando a Supply-Side Ecology como uma teoria geral de comunidades ==== ==== Explorando a Supply-Side Ecology como uma teoria geral de comunidades ====
-===Lucas Rodrigues de Freitas===+==Lucas Rodrigues de Freitas==
  
  
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 Williams, A.E. (2005). The Theory of Alternative Stable States in Shallow Lake Ecosystems. In: Water Encyclopedia. John Wiley & Sons, Inc., Hoboken, NJ, USA. Williams, A.E. (2005). The Theory of Alternative Stable States in Shallow Lake Ecosystems. In: Water Encyclopedia. John Wiley & Sons, Inc., Hoboken, NJ, USA.
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 ====Teoria da Biogeografia de Ilhas e sua relação com as dinâmicas de comunidades em paisagens silviculturais==== ====Teoria da Biogeografia de Ilhas e sua relação com as dinâmicas de comunidades em paisagens silviculturais====
  
-===Lina Cristina Vásquez Uribe===+==Lina Cristina Vásquez Uribe==
  
 A história da ecologia é marcada por um debate contínuo sobre os processos ecológicos que moderam as relações entre riqueza de espécies, área do habitat, distância entre manchas, entre outros, e como nossa compreensão desses processos é melhor aplicada à conservação (MacDonald, 2018). Neste debate, a finais dos anos 60, Robert MacArthur e Edward Wilson formularam a revolucionária Teoria da Biogeografia de Ilhas. Os autores desenvolveram suas ideias no contexto da dinâmica dos animais e plantas em ilhas reais (marítimas) e a teoria têm como princípios de que a riqueza de espécies é proporcional ao tamanho da ilha e inversamente proporcional a distância da ilha até a área fonte de potenciais imigrantes (MacArthur & Wilson, 1967). Assim, prevê-se que as grandes ilhas próximas dos continentes tenham um maior número de espécies do que as pequenas ilhas que estão mais distantes dos continentes e espécies das ilhas representam um equilíbrio dinâmico entre a imigração de novas espécies colonizadoras e a extinção de espécies previamente estabelecidas (MacArthur & Wilson, 1967). Deste modo,  eles argumentaram: a) que riqueza de espécies em uma ilha é determinado pelo equilíbrio entre imigração e extinção ; b) que este equilíbrio é dinâmico, com espécies continuamente extintas e sendo substituídas (através da imigração) pelo mesmo ou por espécies diferentes; c) que as taxas de imigração e extinção podem variar com o tamanho da ilha e a distância ou isolamento (Begon et al., 2008).  A história da ecologia é marcada por um debate contínuo sobre os processos ecológicos que moderam as relações entre riqueza de espécies, área do habitat, distância entre manchas, entre outros, e como nossa compreensão desses processos é melhor aplicada à conservação (MacDonald, 2018). Neste debate, a finais dos anos 60, Robert MacArthur e Edward Wilson formularam a revolucionária Teoria da Biogeografia de Ilhas. Os autores desenvolveram suas ideias no contexto da dinâmica dos animais e plantas em ilhas reais (marítimas) e a teoria têm como princípios de que a riqueza de espécies é proporcional ao tamanho da ilha e inversamente proporcional a distância da ilha até a área fonte de potenciais imigrantes (MacArthur & Wilson, 1967). Assim, prevê-se que as grandes ilhas próximas dos continentes tenham um maior número de espécies do que as pequenas ilhas que estão mais distantes dos continentes e espécies das ilhas representam um equilíbrio dinâmico entre a imigração de novas espécies colonizadoras e a extinção de espécies previamente estabelecidas (MacArthur & Wilson, 1967). Deste modo,  eles argumentaram: a) que riqueza de espécies em uma ilha é determinado pelo equilíbrio entre imigração e extinção ; b) que este equilíbrio é dinâmico, com espécies continuamente extintas e sendo substituídas (através da imigração) pelo mesmo ou por espécies diferentes; c) que as taxas de imigração e extinção podem variar com o tamanho da ilha e a distância ou isolamento (Begon et al., 2008). 
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 ====  Como a combinação de fatores determinísticos e estocásticos atuam na estruturação de comunidades  ==== ====  Como a combinação de fatores determinísticos e estocásticos atuam na estruturação de comunidades  ====
  
-=== Rodrigo Silva do Carmo  ===+== Rodrigo Silva do Carmo  ==
  
 A ecologia de comunidades clássica tem elaborado perguntas que nem sempre são respondidas satisfatoriamente, em especial porque por muito tempo se buscou entender a dinâmica de comunidades com um foco centrado numa escala muito restrita que não abrange todos os processos responsáveis pela estruturação das comunidades (Lawton, 1999). Dessa forma, processos como filtro ambiental, drift ecológico e interações interespecíficas eram considerados, enquanto que fatores mais atuantes em escalas regionais como limitação na dispersão, clima e heterogeneidade ambiental da região eram ignorados (Leibold & Chase, 2016). Dessa forma, o surgimento da abordagem de metacomunidades trouxe a ecologia de comunidades um aspecto multi-escala que compreende fatores determinísticos e estocásticos e interações entre eles, assim, processos como: dispersão, seleção e drift ecológico são cruciais para metacomunidades (Leibold & Chase, 2016). Entende-se por metacomunidade como: um conjunto de comunidades locais que variam na heterogeneidade ambiental e biótica, e que se conectam através de dispersão (Leibold & Chase, 2016), sendo que cada comunidade é estruturada não apenas por fatores locais da comunidade, mas também por fatores regionais que envolvem toda a metacomunidade (Logue et al. 2011). Além disso, é importante ressaltar que por muito tempo ocorreu o conflito entre fatores determinísticos e estocásticos como estruturadores das comunidades e que a abordagem de metacomunidade trouxe à ecologia de comunidades a incorporação de ambos e possíveis interações entre eles (Vellend, 2010). A ecologia de comunidades clássica tem elaborado perguntas que nem sempre são respondidas satisfatoriamente, em especial porque por muito tempo se buscou entender a dinâmica de comunidades com um foco centrado numa escala muito restrita que não abrange todos os processos responsáveis pela estruturação das comunidades (Lawton, 1999). Dessa forma, processos como filtro ambiental, drift ecológico e interações interespecíficas eram considerados, enquanto que fatores mais atuantes em escalas regionais como limitação na dispersão, clima e heterogeneidade ambiental da região eram ignorados (Leibold & Chase, 2016). Dessa forma, o surgimento da abordagem de metacomunidades trouxe a ecologia de comunidades um aspecto multi-escala que compreende fatores determinísticos e estocásticos e interações entre eles, assim, processos como: dispersão, seleção e drift ecológico são cruciais para metacomunidades (Leibold & Chase, 2016). Entende-se por metacomunidade como: um conjunto de comunidades locais que variam na heterogeneidade ambiental e biótica, e que se conectam através de dispersão (Leibold & Chase, 2016), sendo que cada comunidade é estruturada não apenas por fatores locais da comunidade, mas também por fatores regionais que envolvem toda a metacomunidade (Logue et al. 2011). Além disso, é importante ressaltar que por muito tempo ocorreu o conflito entre fatores determinísticos e estocásticos como estruturadores das comunidades e que a abordagem de metacomunidade trouxe à ecologia de comunidades a incorporação de ambos e possíveis interações entre eles (Vellend, 2010).
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 ==== Estruturação de comunidades: muito além da competição! ==== ==== Estruturação de comunidades: muito além da competição! ====
  
-=== Nathalia Monalisa Francisco ===+== Nathalia Monalisa Francisco ==
  
-Compreender os processos que influenciam a estrutura e a dinâmica das comunidades biológicas é um dos propósitos essenciais da ecologia. O debate sobre como uma comunidade é formada é antigo, remontando pelo menos ao início do século XX (Clements 1916, Gleason 1926). E a história da ecologia de comunidades se entrelaça à história do estudo da competição, que durante muito tempo foi tratada como o principal processo estruturador de comunidades. A importância da competição na literatura vai de nomes clássicos como Vito Volterra e seus modelos populacionais (Volterra, 1926) até Diamond e as regras de assembleia (1975). Passando por Gause e o princípio da exclusão competitiva (1934), Connell (1961) e seu pioneirismo experimental, MacArthur e Levins (1967) com a ideia da similaridade limitante, e Hutchinson e sua homenagem a Santa Rosália (1959). Todos esses trabalhos (e vários outros) contribuíram para que durante décadas as comunidades fossem vistas como resultado apenas de processos determinísticos locais. Assim, a composição e a diversidade poderiam ser previstas com base nas interações bióticas que ocorrem em escala de vizinhança e na relação das espécies com o seu ambiente imediato (Giacomini 2007). Quase certamente processos locais como interações competitivas influenciam a diversidade em comunidades. Mas até que ponto ecólogos podem explicar a diversidade somente por processos locais, sem considerar processos em escalas espaciais e janelas temporais mais amplas, como processos evolutivos e biogeográficos?+Compreender os processos que influenciam a estrutura e a dinâmica das comunidades biológicas é um dos propósitos essenciais da ecologia. O debate sobre como uma comunidade é formada é antigo, remontando pelo menos ao início do século XX (Clements 1916, Gleason 1926). E a história da ecologia de comunidades se entrelaça à história do estudo da competição, que durante muito tempo foi tratada como o principal processo estruturador de comunidades. A importância da competição na literatura vai de nomes clássicos como Vito Volterra e seus modelos populacionais (Volterra, 1926) até Diamond e as regras de assembleia (1975), passando por Gause e o princípio da exclusão competitiva (1934), Connell (1961) e seu pioneirismo experimental, MacArthur e Levins (1967) com a ideia da similaridade limitante, e Hutchinson e sua homenagem a Santa Rosália (1959). Todos esses trabalhos (e vários outros) contribuíram para que durante décadas as comunidades fossem vistas como resultado apenas de processos determinísticos locais. Assim, a composição e a diversidade poderiam ser previstas com base nas interações bióticas que ocorrem em escala de vizinhança e na relação das espécies com o seu ambiente imediato (Giacomini 2007). Certamente processos locais como interações competitivas influenciam a diversidade em comunidades. Mas até que ponto ecólogos podem explicar a diversidade somente por processos locais, sem considerar processos em escalas espaciais e janelas temporais mais amplas, como processos evolutivos e biogeográficos?
  
-A importância dos processos regionais nos estudos de comunidades começa a ganhar relevância na década de 1960, sob a influência dos trabalhos do brilhante Robert MacArthur. O mesmo MacArthur que, ironicamente, também havia contribuído para fortalecer o papel central da competição como organizadora de comunidades ao formalizar o conceito da similaridade limitante (MacArthur & Levins, 1967). Em seu modelo teórico da Biogeografia de Ilhas (em parceria com Wilson, 1967), o contexto regional espacial é explicitamente incorporado pela primeira vez. Nesse modelo, os autores assumem que um equilíbrio dinâmico na riqueza em ilhas pode ser mantido pelo balanço entre extinção e colonização de espécies, a partir da imigração de indivíduos provenientes de um continente-fonte. Mais tarde, já na década de 80, cresce ainda mais o interesse de estudos envolvendo perspectivas mais amplas (Hanski, 1982; Quinn & Harrison, 1988; Ricklefs, 1987). E emergem questões como se a riqueza local é influenciada pela riqueza do //pool// regional de espécies (hipótese do enriquecimento regional)(Cornell, 1985). Ao mesmo tempo, Ricklefs (1987) reconhece a importância dos processos históricos como especiação e relações de parentesco entre organismos, ressaltando a necessidade dos ecólogos incorporarem dados de sistemática, filogenia e paleontologia em seus estudos. No entanto, a importância de processos evolutivos só ganharia mais força na literatura ecológica a partir dos anos 2000 (Hubbell, 2001; Webb, Ackerly, McPeek, & Donoghue, 2002; Wiens & Donoghue, 2004), tendo ficado restrita ao campo da biogeografia e da macroevolução em décadas anteriores+A importância dos processos regionais nos estudos de comunidades começa a ganhar relevância na década de 1960, sob a influência dos trabalhos do brilhante Robert MacArthur. O mesmo MacArthur que, ironicamente, também havia contribuído para fortalecer o papel central da competição como organizadora de comunidades ao formalizar o conceito da similaridade limitante (MacArthur & Levins, 1967). Em seu modelo teórico da Biogeografia de Ilhas (em parceria com Wilson, 1967), o contexto regional espacial é explicitamente incorporado pela primeira vez. Nesse modelo, os autores assumem que um equilíbrio dinâmico na riqueza em ilhas pode ser mantido pelo balanço entre extinção e colonização de espécies, a partir da imigração de indivíduos provenientes de um continente-fonte. Mais tarde, já na década de 80, cresce ainda mais o interesse de estudos envolvendo perspectivas mais amplas (Hanski, 1982; Quinn & Harrison, 1988; Ricklefs, 1987). E emerge o questionamento se a riqueza local é influenciada pela riqueza do pool regional de espécies (hipótese do enriquecimento regional)(Cornell, 1985). Ao mesmo tempo, Ricklefs (1987) reconhece a importância dos processos históricos como especiação e relações de parentesco entre organismos, ressaltando a necessidade dos ecólogos incorporarem dados de sistemática, filogenia e paleontologia em seus estudos. a importância de processos evolutivos se consolida com ainda mais força na literatura ecológica a partir dos anos 2000 (Hubbell, 2001; Webb, Ackerly, McPeek, & Donoghue, 2002; Wiens & Donoghue, 2004).
  
-A partir de determinado momento, então, os ecólogos começaram a perceber que parte da “confusão” e falta de padrões gerais na ecologia de comunidades poderia ser resolvida pela integração de processos atuando em diferentes escalas. Assim, seria possível avançar de um conhecimento fragmentado - baseado em uma compilação de estudos de comunidades explicadas por contingências particulares - em direção a uma teoria geral baseada em princípios fundadores comuns entre comunidades (Brown, 1981; Roughgarden, 2009; Vellend, 2010). E um novo modelo de pensamento integrando diferentes perspectivas começa a se consolidar. Nele, a composição e diversidade das comunidades dependem tanto de processos internos, como interações intra e interespecíficas e filtros abióticos, quanto de processos externos em escalas espaciais e temporais mais amplas – como dispersão e especiação. Os últimos seriam processos responsáveis por trazerem espécies para os limites da comunidade (i.e. supply side, Roughgarden 2009). +A partir de determinado momento, então, os ecólogos começam a perceber que parte da “confusão” e falta de padrões gerais na ecologia de comunidades poderia ser resolvida pela integração de processos atuando em diferentes escalas. Assim, seria possível avançar de um conhecimento fragmentado - baseado em uma compilação de estudos de comunidades explicadas por contingências particulares e dinâmicas locais de interação - em direção a uma teoria baseada em princípios fundadores comuns entre diferentes comunidades (Brown, 1981; Roughgarden, 2009; Vellend, 2010). E um novo modelo de pensamento integrando diferentes perspectivas começa a se consolidar. Nele, a composição e diversidade das comunidades dependem tanto de processos ecológicos internos, como interações intra e interespecíficas e filtros abióticos, quanto de processos externos em escalas espaciais e temporais mais amplas – como dispersão e especiação. Os últimos seriam processos responsáveis por trazerem espécies para os limites da comunidade (i.e. supply side, Roughgarden 2009).
  
-Atualmente, tentativas de integração de processos em múltiplas escalas e que consideram o contexto ecológico e evolutivo são mais comuns na literatura ecológica (Leibold & Chase, 2018; Ricklefs & Schluter, 1994; Vellend 2010). Recentemente, Vellend (2010) propôs uma síntese conceitual particularmente interessante e útil, com potencial para servir como ponto de partida para a articulação de uma teoria geral formacional da ecologia de comunidades (Roughgarden 2009). O autor propõe que todos os processos de formação de comunidades sejam organizados dentro de quatro classes principais: dispersão, especiação, deriva e seleção. Especiação e dispersão são processos responsáveis por adicionarem espécies às comunidades a partir de um //pool// regional, enquanto seleção, deriva e dispersão em menores escalas moldam a abundância local das espécies, determinando a dinâmica da comunidade ao longo do tempo. Do mesmo modo, processos locais podem moldar eventos de dispersão e especiação, contribuindo para a manutenção da diversidade regional e global. Assim, esses quatro processos interagem entre si para formar todas as comunidades, embora a importância relativa de cada um deles possa variar de uma comunidade para a outra (Vellend 2010). +Atualmente, tentativas de integração de processos em múltiplas escalas e que consideram o contexto ecológico e evolutivo são mais comuns na literatura ecológica (Leibold & Chase, 2018; Ricklefs & Schluter, 1994; Vellend 2010). Recentemente, Vellend (2010) propôs uma síntese conceitual particularmente interessante e útil, com potencial para servir como ponto de partida para a articulação de uma teoria geral formacional da ecologia de comunidades (Roughgarden 2009). O autor propõe que todos os processos de formação de comunidades sejam organizados dentro de quatro classes principais: dispersão, especiação, deriva e seleção. Especiação e dispersão são processos responsáveis por adicionarem espécies às comunidades a partir de um pool regional, enquanto seleção, deriva e dispersão em menores escalas moldam a abundância local das espécies, determinando a dinâmica da comunidade ao longo do tempo. Do mesmo modo, processos locais podem moldar eventos de dispersão e especiação, contribuindo para a manutenção da diversidade regional e global. Assim, esses quatro processos interagem entre si para formar todas as comunidades, embora a importância relativa de cada um deles possa variar de uma comunidade para a outra (Vellend 2010).
  
-No meu projeto de doutorado pretendo investigar qual é o efeito da habilidade competitiva das espécies sobre a estrutura e a dinâmica de comunidades arbóreas em florestas de alta diversidade. Minha proposta de pesquisa também está inserida em uma tentativa de síntese: a teoria moderna da coexistência, formalizada a partir do trabalho de Chesson (2000)(mas também ver Adler, HilleRisLambers, & Levine, 2007; HilleRisLambers, Adler, Harpole, Levine, & Mayfield, 2012; Kraft, Godoy, & Levine, 2015). Essa abordagem coloca a coexistência e a diversidade local de espécies na comunidade como uma função de mecanismos estabilizadores e equalizadores. Mecanismos estabilizadores são aqueles que viabilizam a coexistência ao aumentar as diferenças interespecíficas de nicho, enquanto os mecanismos equalizadores reduzem as diferenças interespecíficas de //fitness//, tornando a exclusão competitiva menos provável (Chesson, 2000). No entanto, esse //framework// está restrito à coexistência baseada na competição. E trata quase que exclusivamente de apenas dois dos processos básicos de formação de comunidades: seleção e deriva, ambos atuando em escalas locais. Processos atuando em escalas maiores (especiação e dispersão) não são considerados. Assim, apesar de esse recorte ser útil, ele é um tanto quanto reducionista em termos de realidade biológica. +No meu projeto de doutorado pretendo investigar qual é o efeito da habilidade competitiva das espécies sobre a estrutura e a dinâmica de comunidades arbóreas em florestas de alta diversidade. Minha proposta de pesquisa também está inserida em uma tentativa de síntese: a teoria moderna da coexistência, formalizada a partir do trabalho de Chesson (2000)(mas também ver Adler, HilleRisLambers, & Levine, 2007; HilleRisLambers, Adler, Harpole, Levine, & Mayfield, 2012; Kraft, Godoy, & Levine, 2015). Essa abordagem coloca a coexistência e a diversidade local de espécies na comunidade como uma função de mecanismos estabilizadores e equalizadores. Mecanismos estabilizadores são aqueles que viabilizam a coexistência ao aumentar as diferenças interespecíficas de nicho, enquanto os mecanismos equalizadores reduzem as diferenças interespecíficas de fitness, tornando a exclusão competitiva menos provável (Chesson, 2000). No entanto, esse framework está restrito à coexistência baseada na competição. E trata quase que exclusivamente de apenas dois dos processos básicos de formação de comunidades: seleção e deriva, ambos atuando em escalas locais. Processos atuando em escalas maiores (especiação e dispersão) não são considerados. Assim, apesar de esse recorte ser útil, ele é um tanto quanto parcial em termos de realidade biológica.
  
-Dispersão e especiação podem interagir com processos locais para impactar meu sistema de estudo de diferentes formas. Por exemplo, em ambientes onde interações competitivas são importantes para a estruturação da comunidade (como florestas em estágios avançados de sucessão em ambientes não restritivos)(Bertness & Callaway, 1994; Chai et al., 2016), a extinção local de espécies por exclusão competitiva pode ser compensada pela formação e adição de novas espécies à comunidade no tempo evolutivo (especiação), mantendo a riqueza na comunidade constante ao longo do tempo. Da mesma forma, se assumirmos que o sistema estudado faz parte de uma metacomunidade (conjunto de manchas conectadas por dispersão), espécies com habilidades competitivas diferentes podem coexistir regionalmente em diferentes manchas devido à dispersão. Nesse caso, a coexistência dependeria de um //trade-off// entre habilidade competitiva e capacidade de dispersão: uma espécie que é boa competidora pode não excluir espécies que são competidoras ruins de todas as manchas apenas por ser uma dispersora limitada que não chega a todos os locais. Dessa forma, espécies que são boas dispersoras (mas piores competidoras) se aproveitam dos espaços temporariamente vazios antes da chegada das competidoras superiores, em um tipo de “fuga” constante através da paisagem (Giacomini, 2007; Levins & Culver, 1971; Slatkin, 1974). A dispersão regional também pode exercer influência nas comunidades investigadas se espécies que são piores competidoras persistem localmente como populações dreno (//i.e.// efeito de massa)(Leibold & Chase, 2018). Nesse caso, a imigração de indivíduos vindos de manchas vizinhas com condições mais favoráveis ao crescimento populacional pode atrasar a exclusão nas manchas onde as populações estão em declínio pelo impacto negativo da competição (Umaña, Zhang, Cao, Lin, & Swenson, 2017). Ou seja, processos locais e regionais atuam em conjunto para determinar a composição e a diversidade da comunidade. +Dispersão e especiação podem interagir com processos locais para impactar meu sistema de estudo de diferentes formas. Por exemplo, em ambientes onde interações competitivas são importantes para a estruturação da comunidade (como florestas em estágios avançados de sucessão em ambientes não restritivosBertness & Callaway, 1994; Chai et al., 2016), a extinção local de espécies por exclusão competitiva pode ser compensada pela adição de novas espécies através da colonização, mantendo a riqueza na comunidade constante ao longo do tempo. Da mesma forma, se assumirmos que o sistema estudado faz parte de uma metacomunidade (conjunto de manchas conectadas por dispersão), espécies com habilidades competitivas diferentes podem coexistir regionalmente em diferentes manchas devido à dispersão. Nesse caso, a coexistência dependeria de um trade-off entre habilidade competitiva e capacidade de dispersão: uma espécie que é boa competidora pode não excluir espécies que são competidoras ruins de todas as manchas apenas por ser uma dispersora limitada que não chega a todos os locais. Dessa forma, espécies que são boas dispersoras (mas piores competidoras) se aproveitam dos espaços temporariamente vazios antes da chegada das competidoras superiores, em um tipo de “fuga” constante através da paisagem (Giacomini, 2007; Levins & Culver, 1971; Slatkin, 1974). A dispersão regional também pode exercer influência nas comunidades investigadas se espécies que são piores competidoras persistem localmente como populações dreno (i.e. efeito de massa)(Leibold & Chase, 2018). Nesse caso, a imigração de indivíduos vindos de manchas vizinhas com condições mais favoráveis ao crescimento populacional pode atrasar ou mesmo impedir a exclusão nas manchas onde as populações estão em declínio pelo impacto negativo da competição (Amarasekare,2000; Umaña, Zhang, Cao, Lin, & Swenson, 2017). Ou seja, processos locais e regionais atuam em conjunto para determinar a composição e a diversidade da comunidade.
  
 Em linhas gerais, a disciplina teve grande impacto sobre minha formação, ampliando meu olhar sobre o contexto teórico da minha pesquisa. Saio de uma visão pouco abrangente baseada na ideia de que a competição é o principal processo estruturador de comunidades para uma visão onde processos locais interagem com processos ecológicos e evolutivos regionais na formação das comunidades. As aulas e discussões me despertam também para a ideia de que comunidades podem ser resultado – inclusive - de processos estocásticos que pouco ou nada têm a ver com a ideia de nicho, como deriva e limitação na dispersão de propágulos. Essa visão contraria muito do que tem sido ensinado quase que como uma verdade absoluta aos estudantes de biologia, de que apenas processos baseados em nicho existem ou importam. Processos de nicho importam, mas outros processos podem importar também. Por fim, muito mais do me que apresentar respostas, a disciplina me impactou por trazer perguntas que até então eu havia pouco considerado. Refletindo e complementando minha questão geral de pesquisa, talvez nesse momento ela se parecesse mais com algo do tipo “Qual é a importância relativa de processos locais e regionais para a formação das comunidades vegetais estudadas?” ou “Qual é a importância relativa de processos determinísticos e estocásticos na formação das comunidades vegetais estudadas?” do que simplesmente “Qual é a importância da competição para a formação das comunidades vegetais estudadas?”, como eu havia pensado até agora. Em linhas gerais, a disciplina teve grande impacto sobre minha formação, ampliando meu olhar sobre o contexto teórico da minha pesquisa. Saio de uma visão pouco abrangente baseada na ideia de que a competição é o principal processo estruturador de comunidades para uma visão onde processos locais interagem com processos ecológicos e evolutivos regionais na formação das comunidades. As aulas e discussões me despertam também para a ideia de que comunidades podem ser resultado – inclusive - de processos estocásticos que pouco ou nada têm a ver com a ideia de nicho, como deriva e limitação na dispersão de propágulos. Essa visão contraria muito do que tem sido ensinado quase que como uma verdade absoluta aos estudantes de biologia, de que apenas processos baseados em nicho existem ou importam. Processos de nicho importam, mas outros processos podem importar também. Por fim, muito mais do me que apresentar respostas, a disciplina me impactou por trazer perguntas que até então eu havia pouco considerado. Refletindo e complementando minha questão geral de pesquisa, talvez nesse momento ela se parecesse mais com algo do tipo “Qual é a importância relativa de processos locais e regionais para a formação das comunidades vegetais estudadas?” ou “Qual é a importância relativa de processos determinísticos e estocásticos na formação das comunidades vegetais estudadas?” do que simplesmente “Qual é a importância da competição para a formação das comunidades vegetais estudadas?”, como eu havia pensado até agora.
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 Adler, P. B., HilleRisLambers, J., & Levine, J. M. (2007). A niche for neutrality. Ecology Letters, 10, 95–104. doi:10.1111/j.1461-0248.2006.00996.x Adler, P. B., HilleRisLambers, J., & Levine, J. M. (2007). A niche for neutrality. Ecology Letters, 10, 95–104. doi:10.1111/j.1461-0248.2006.00996.x
 +
 +Amarasekare, P. The geometry of coexistence. (2000). Biological Journal of the Linnean Society, 71(1), 1-31. doi: 10.1006/bijl.2000.0435
  
 Bertness, M. D., & Callaway, R. (1994). Positive interactions in communities. Trends in Ecology & Evolution, 9(5), 191–193. doi:10.1016/0169-5347(94)90088-4 Bertness, M. D., & Callaway, R. (1994). Positive interactions in communities. Trends in Ecology & Evolution, 9(5), 191–193. doi:10.1016/0169-5347(94)90088-4
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 ====Resiliência Ecológica e Social: há diálogo entre as ciências naturais e humanas?==== ====Resiliência Ecológica e Social: há diálogo entre as ciências naturais e humanas?====
-===Juliete Costa de Oliveira===+==Juliete Costa de Oliveira== 
 A resiliência, em Ecologia, é a capacidade dos sistemas para absorver mudanças de variáveis de estado que geram variáveis e parâmetros e persistirem, portanto, determina a persistência de relacionamentos dentro de um sistema (HOLLING, 1973). O conceito emergiu quando, em 1973, o ecólogo Crawford S. Holling, que estava revisando a literatura sobre interação entre populações como predadores e presas e suas respostas à luz da teoria da estabilidade ecológica (capacidade de um sistema retornar a um estado de equilíbrio após uma perturbação temporária (HOLLING, 1973)), combinou as equações de predação com outras equações de processos distintos com a intenção de construir um modelo populacional e viu surgir estados multiestáveis, formas não lineares das respostas funcionais à predação e das respostas de reprodução interagiram criando dois equilíbrios estáveis (FOLKE, 2006; BUSCHBACHER, 2014).  A resiliência, em Ecologia, é a capacidade dos sistemas para absorver mudanças de variáveis de estado que geram variáveis e parâmetros e persistirem, portanto, determina a persistência de relacionamentos dentro de um sistema (HOLLING, 1973). O conceito emergiu quando, em 1973, o ecólogo Crawford S. Holling, que estava revisando a literatura sobre interação entre populações como predadores e presas e suas respostas à luz da teoria da estabilidade ecológica (capacidade de um sistema retornar a um estado de equilíbrio após uma perturbação temporária (HOLLING, 1973)), combinou as equações de predação com outras equações de processos distintos com a intenção de construir um modelo populacional e viu surgir estados multiestáveis, formas não lineares das respostas funcionais à predação e das respostas de reprodução interagiram criando dois equilíbrios estáveis (FOLKE, 2006; BUSCHBACHER, 2014). 
  
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 WALKER, B.H.; ANDERIES, J.M.; KINZIG, A.P.; RYAN, P. (2006). Exploring Resilience in Social-Ecological Systems Through Comparative Studies and Theory Development: Introduction to the Special Issue. Ecology & Society, v. 11, n. 1. WALKER, B.H.; ANDERIES, J.M.; KINZIG, A.P.; RYAN, P. (2006). Exploring Resilience in Social-Ecological Systems Through Comparative Studies and Theory Development: Introduction to the Special Issue. Ecology & Society, v. 11, n. 1.
  
-==O conceito de nicho e a dinâmica das interações tróficas==+====O conceito de nicho e a dinâmica das interações tróficas====
 ==Daniela Pinto Coelho== ==Daniela Pinto Coelho==
 O nicho de uma espécie pode ser considerado como o conjunto de características ambientais que permitem àquela espécie sobreviver em um determinado ambiente. Porém, o conceito de nicho passou por uma série de remodelações ao longo do tempo. Inicialmente, ele se focava em entender o papel da competição como processo chave modelador da estrutura das comunidades, havendo só posteriormente a incorporação de outros processos também atuantes. As primeiras definiões, trazidas principalmente por Grinnell (1917) e Hutchinson (1957), focaram em compreender quais os requerimentos das espécies para sobreviver em um dado ambiente. Porém, essa definição gerou inquietações entre os pesquisadores, pois não havia uma distinção consistente que separasse as respostas dos organismos ao ambiente, dos efeitos que os organismos causam no ambiente. Neste contexto, surgiram as ideias de Elton (1927) e MacArthur & Levins (1967), que focaram em compreender esse segundo aspecto citado, que é o impacto das espécies no ambiente (Chase & Leibold 2003). Diante dessas discussões sobre o conceito de nicho e da tendência ao foco latente no papel da competição, surgiram as ideias de Hubbell (2001), chamando atenção para a equivalência competitiva entre as espécies, minimizando a importância das diferenças de nicho entre elas. Assim, o papel de outros processos como estruturadores da comunidade entraram em cena. Atualmente, as ideias da teoria moderna da coexistência ampliaram a discussão do conceito de nicho, buscando explicar os padrões de diversidade nas comunidades biológicas com base nas diferenças médias de fitness entre as espécies (Chesson 2000a; Levine & HilleRisLambers 2009). O nicho de uma espécie pode ser considerado como o conjunto de características ambientais que permitem àquela espécie sobreviver em um determinado ambiente. Porém, o conceito de nicho passou por uma série de remodelações ao longo do tempo. Inicialmente, ele se focava em entender o papel da competição como processo chave modelador da estrutura das comunidades, havendo só posteriormente a incorporação de outros processos também atuantes. As primeiras definiões, trazidas principalmente por Grinnell (1917) e Hutchinson (1957), focaram em compreender quais os requerimentos das espécies para sobreviver em um dado ambiente. Porém, essa definição gerou inquietações entre os pesquisadores, pois não havia uma distinção consistente que separasse as respostas dos organismos ao ambiente, dos efeitos que os organismos causam no ambiente. Neste contexto, surgiram as ideias de Elton (1927) e MacArthur & Levins (1967), que focaram em compreender esse segundo aspecto citado, que é o impacto das espécies no ambiente (Chase & Leibold 2003). Diante dessas discussões sobre o conceito de nicho e da tendência ao foco latente no papel da competição, surgiram as ideias de Hubbell (2001), chamando atenção para a equivalência competitiva entre as espécies, minimizando a importância das diferenças de nicho entre elas. Assim, o papel de outros processos como estruturadores da comunidade entraram em cena. Atualmente, as ideias da teoria moderna da coexistência ampliaram a discussão do conceito de nicho, buscando explicar os padrões de diversidade nas comunidades biológicas com base nas diferenças médias de fitness entre as espécies (Chesson 2000a; Levine & HilleRisLambers 2009).
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-== O papel das parasitas Cuscuta L. (Convolvulaceae) na estruturação das comunidades vegetais à luz do conceito de predação como justificativa para novos estudos ==+==== O papel das parasitas Cuscuta L. (Convolvulaceae) na estruturação das comunidades vegetais à luz do conceito de predação como justificativa para novos estudos ====
  
 == Simone Soares da Silva == == Simone Soares da Silva ==
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 ==== Causas e padrões no estudo de comunidades: síntese e interfaces ==== ==== Causas e padrões no estudo de comunidades: síntese e interfaces ====
-=== Marcos Aurélio Martins Oliveira da Silva ===+== Marcos Aurélio Martins Oliveira da Silva ==
    
 A definição de comunidade em ecologia é amplamente difundida como um grupo de organismos de múltiplas espécies vivendo em um lugar e tempo específico. Essa definição parece a diferir  dos demais níveis organizacionais em biologia nas seguintes perguntas:  i. existe um limite biologicamente claro do objeto de estudo?; e, ii. processos presentes em níveis organizacionais anteriores ajudam a entender mais sobre uma  generalidade das comunidades?   A definição parece oferecer um desafio para a essa generalidade, uma vez que  “organismos de múltiplas espécies” serão mais vistos pelos olhos dos pesquisadores e dos objetivos do estudo do que de fato por propriedades biológicas emergentes do sistema (Looijene & Andel, 1999) e  “por lugar e tempo específico” entender-se que comunidades dependem mais de contingências próprias do que de uma narrativa geral e construtiva como na biologia evolutiva por exemplo (Roughgarden 2009). No entanto, um ponto que difere essa definição dentro da biologia é que a ênfase dada em ecologia tem sido sempre a padrões antes dos processos (Roughgarden 2009; Vellend and Orrock 2009). Se há algo que é capaz de conceitualizar e unificar a aparente desordem em ecologia de comunidades (Lawton, 1999), é reconhecer que seu foco em padrões a torna uma ciência muito mais analítica do que construtiva. Identificando essa particularidade, Vellend (2010) traz um novo quadro estrutural para a ecologia de comunidades ao fazer um paralelismo entre os processos fundamentais norteadores em genética e biologia evolutiva com os que seriam fundamentais para a ecologia de comunidades. Ao integrar as teorias ecológicas existentes dentro de um quadro estrutural que leva em conta como a ecologia de comunidades se baseou historicamente tanto a explicações dadas por processos determinísticos e estocásticos, quanto por abordagens mecanísticas e fenomenológicas, a integração dos conceitos foi importante para  consubstanciar uma síntese em ecologia de comunidades que ajuda tanto novos cientistas a praticarem essa ciência, quanto para expô-la a novos desafios e limitações. A integração desses processos atenua o sempre presente empenho de cada teoria a sua época em comprometer-se a um  grau de explicação fundamental para a montagem das comunidades e traz à tona a sua principal característica que é a própria complexidade. A definição de comunidade em ecologia é amplamente difundida como um grupo de organismos de múltiplas espécies vivendo em um lugar e tempo específico. Essa definição parece a diferir  dos demais níveis organizacionais em biologia nas seguintes perguntas:  i. existe um limite biologicamente claro do objeto de estudo?; e, ii. processos presentes em níveis organizacionais anteriores ajudam a entender mais sobre uma  generalidade das comunidades?   A definição parece oferecer um desafio para a essa generalidade, uma vez que  “organismos de múltiplas espécies” serão mais vistos pelos olhos dos pesquisadores e dos objetivos do estudo do que de fato por propriedades biológicas emergentes do sistema (Looijene & Andel, 1999) e  “por lugar e tempo específico” entender-se que comunidades dependem mais de contingências próprias do que de uma narrativa geral e construtiva como na biologia evolutiva por exemplo (Roughgarden 2009). No entanto, um ponto que difere essa definição dentro da biologia é que a ênfase dada em ecologia tem sido sempre a padrões antes dos processos (Roughgarden 2009; Vellend and Orrock 2009). Se há algo que é capaz de conceitualizar e unificar a aparente desordem em ecologia de comunidades (Lawton, 1999), é reconhecer que seu foco em padrões a torna uma ciência muito mais analítica do que construtiva. Identificando essa particularidade, Vellend (2010) traz um novo quadro estrutural para a ecologia de comunidades ao fazer um paralelismo entre os processos fundamentais norteadores em genética e biologia evolutiva com os que seriam fundamentais para a ecologia de comunidades. Ao integrar as teorias ecológicas existentes dentro de um quadro estrutural que leva em conta como a ecologia de comunidades se baseou historicamente tanto a explicações dadas por processos determinísticos e estocásticos, quanto por abordagens mecanísticas e fenomenológicas, a integração dos conceitos foi importante para  consubstanciar uma síntese em ecologia de comunidades que ajuda tanto novos cientistas a praticarem essa ciência, quanto para expô-la a novos desafios e limitações. A integração desses processos atenua o sempre presente empenho de cada teoria a sua época em comprometer-se a um  grau de explicação fundamental para a montagem das comunidades e traz à tona a sua principal característica que é a própria complexidade.
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 Zug, R., and Hammerstein, P. (2015). Bad guys turned nice? A critical assessment of Wolbachia mutualisms in arthropod hosts. Biological Reviews 90, 89–111. Zug, R., and Hammerstein, P. (2015). Bad guys turned nice? A critical assessment of Wolbachia mutualisms in arthropod hosts. Biological Reviews 90, 89–111.
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 +==== Tentando pesar uma caixa preta lamacenta e bagunçada: ideias sobre quantificar a síntese de Vellend ====
 +==Rafael de Souza Carvalho Melhem==
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 +Uma das abordagens mais comuns no estudo de ecologia, é basear-se em níveis de organização. Um exemplo disso, é o título do livro de Begon, Townsend & Harper (2006) : “Ecologia: de indivíduos a ecossistemas”. Considerando que os níveis de organização superiores englobam os inferiores, numa cadeia hierárquica, é possível dizer que há, de um modo geral, uma perda de poder de explicação à medida que subimos de nível. Nessa linha, modelos fenomenológicos podem ser considerados mecanísticos, sob a perspectiva dos níveis acima. Em alguns casos, porém, a causa do fenômeno não está em um dos mecanismos do nível de organização inferior (nem na soma deles), e sim em algo que emerge da interação dessas partes. Ou, ainda, o movimento no sentido contrário, como numa “causalidade descendente”. (Werner, 1998). De qualquer maneira, a abrangência dos níveis superiores os torna terrenos lamacentos para a construção do conhecimento, como, por exemplo, o estudo de ecologia de comunidades. Na busca por padrões de abundância, riqueza e composição (e, por vezes,  nos processos por trás dos padrões), a ecologia de comunidades viu-se diante de modelos idiossincráticos e, por isso, foi considerada bagunçada (Lawton, 1999). Estudos aprofundados de nicho (e.g. Hutchinson, 1959), dispersão (e.g. MacArthur & Wilson, 1963), especiação (e.g. Ricklefs, 1987) e neutralidade (e.g. Hubbell, 2001) foram base para a síntese conceitual em ecologia de comunidades de Vellend (2010). Tal síntese é um dos muitos esforços, para arrumar essa bagunça na lama, se é que isso é possível.
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 +Grandes unificações são um dos objetivos da ciência, isso é um fato. Afinal, o universo é um só, fomos nós seres humanos que o dividimos em caixas (as vezes obscuras, como a “caixa preta da ecologia de comunidades” (Vellend, 2010)). Seja o demônio determinista de Laplace, ou qualquer outro que considere a estocasticidade, a totalidade do conhecimento nos assombra e fascina, sendo a busca pela unificação praticamente inevitável. Nesse clima, a ecologia de comunidades tentou apoiar-se na teoria do nicho para sua unificação, porém não teve suporte empírico suficiente para tal (Roughgarden, 2009).  Atualmente, a necessidade de indicadores de “saúde ecológica” nas áreas de conservação aumenta a pressão por teorias unificadoras (Roughgarden, 2009).
 +
 +Nesse sentido, o trabalho de Vellend (2010) tem forte importância na teoria ecológica já na sua motivação. No entanto, ao lidar com processos que trazem espécies para as fronteiras da comunidade esbarramos em algo maior do que a ecologia de comunidades. A ausência de uma teoria geral para o planeta Terra, implicaria na ausência de uma teoria geral para a ecologia de comunidades Roughgarden (2009). A partir daí, vem a ideia de buscar teorias  gerais baseadas em processos formacionais, como a “supply-side ecology” da mesma Roughgarden (2009). Nesse caminho, o estudo da filogenia pode contribuir fortemente para incorporação de informações na escala de tempo evolutivo na teoria ecológica.
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 +Tendo em vista a abordagem de estrutura filogenética de comunidades proposta por Webb (2002), seria possível contrapor processos de nicho e neutralidade a partir da diferença entre a distância filogenética média observada e a distância filogenética média simulada a partir do pool regional. Minha ideia inicial de projeto de mestrado baseava-se nisso para propor uma meta-análise particionando a variância entre nicho e neutralidade. Com a síntese de Vellend (2010), surgem ideias de investigar a quantificação de outros processos, como especiação e dispersão. Em todo caso, discutir a qualificação de processos estruturadores de comunidades é fundamental para o debate da quantificação dos mesmos.
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 +É também motivadora a perspectiva de produzir trabalhos no sentido de “traduzir” termos, favorecendo a colaboração entre áreas do conhecimento, por exemplo promovendo a “cola” de Webb (2002) entre ecologia e evolução. Considerando a “supply-side ecology”, cabe o convite à outras áreas como geologia, meteorologia , paleontologia entre outras ciências da Terra. Finalmente, o aspecto mais perturbador talvez seja em relação ao paradigma local-regional. Uma visão metapopulacional do processo de especiação embaralha a comparação entre diversidade local e regional (Loreau, 2000). Novamente, a discussão entre causalidade e níveis de organização vêm à tona, aumentando a complexidade de possíveis modelos unificadores e ramificando as propostas de estudos futuros. Quem sabe tentar pesar a caixa pode nos ajudar a saber o que tem nela.
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 +==Referências bibliográficas==
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 +Begon, M., Townsend, C. R., & Harper, J. L., 2006. Ecology: from individuals to ecosystems.
 +
 +Hubbell, S.P., 2001. The unified neutral theory of biodiversity and biogeography. Princeton University Press, Princeton.
 +
 +Hutchinson, G. E., 1959. Homage to Santa Rosalia or Why Are There So Many Kinds of Animals? The American Society of Naturalists, v. 93, n. 870, p. 145–159.
 +
 +Lawton, J.H., 1999. Are there general laws in ecology? Oikos 84: 177-192.
 +
 +Loreau, M., 2000. Are communities saturated? On the relationship between alpha, beta and gamma diversity. Ecology Letters, 3(2), 73–76.
 +
 +MacArthur, R.H. & Wilson, E.O., 1963. An equilibrium theory of insular zoogeography. Evolution 17: 373–387.
 +
 +Ricklefs R. E., 1987. Community diversity: relative roles of local and regional processes. Science, 235(4785):167–171.
 +
 +Roughgarden J., 2009. Is there a general theory of community ecology? Biology and Philosophy 224:521–529
 +
 +Vellend, M., 2010. Conceptual synthesis in community ecology. The Quarterly Review of Biology, 85:183–206.
 +
 +Webb, C.O., Ackerly, D.D., McPeek, M.A., Donoghue, M.J., 2002. Phylogenies and Community Ecology. Annual Review of Ecology and Systematics 33, 475–505. 
 +
 +Werner, EARL E, 1998. Ecological experiments and a research program in community ecology. Experimental ecology: issues and perspectives : 3-26.
  
 ====Conceito de metacomunidade como ferramenta para implementar a restauração florestal ==== ====Conceito de metacomunidade como ferramenta para implementar a restauração florestal ====
-===Vitor Zago de Almeida Paciello===+==Vitor Zago de Almeida Paciello==
  
 Ao longo da história, diversas teorias surgiram para tentar explicar como se dá a formação de uma comunidade e os padrões de diversidade encontrados na natureza. Cada uma dessas teorias, contudo, pecam em unificar todos os processos envolvidos na formação das comunidades. Ao todo, Vellend (2010) em revisão teórica sobre ecologia de comunidades elencou quatro processos principais que moldam uma comunidade. São eles: deriva, dispersão, seleção e especiação. A teoria da Biogeografia de Ilhas (MacArthur & Wilson 1967), por exemplo, é capaz de lidar com a dispersão e deriva, por compor a riqueza das comunidades como um balanço entre a taxa de imigração e de extinção. Porém, a Biogeografia de ilhas falha em incorporar explicitamente processos como seleção natural e especiação. A teoria neutra proposta por Hubbell em 2001 (Hubbell, 2001), por seu lado, também não incorpora a seleção natural em seus modelos por considerar todas as espécies como equivalente. Partindo dessa limitação que as principais teorias da ecologia de comunidades apresentam, um estudioso de comunidades deve adequar seu objeto de estudo e escolher a teoria que melhor represente as perguntas que está interessado em responder. Nesse contexto, um dos conceitos que se mostram mais versáteis para o estudo de metacomunidades é o Metacomunidades.  Ao longo da história, diversas teorias surgiram para tentar explicar como se dá a formação de uma comunidade e os padrões de diversidade encontrados na natureza. Cada uma dessas teorias, contudo, pecam em unificar todos os processos envolvidos na formação das comunidades. Ao todo, Vellend (2010) em revisão teórica sobre ecologia de comunidades elencou quatro processos principais que moldam uma comunidade. São eles: deriva, dispersão, seleção e especiação. A teoria da Biogeografia de Ilhas (MacArthur & Wilson 1967), por exemplo, é capaz de lidar com a dispersão e deriva, por compor a riqueza das comunidades como um balanço entre a taxa de imigração e de extinção. Porém, a Biogeografia de ilhas falha em incorporar explicitamente processos como seleção natural e especiação. A teoria neutra proposta por Hubbell em 2001 (Hubbell, 2001), por seu lado, também não incorpora a seleção natural em seus modelos por considerar todas as espécies como equivalente. Partindo dessa limitação que as principais teorias da ecologia de comunidades apresentam, um estudioso de comunidades deve adequar seu objeto de estudo e escolher a teoria que melhor represente as perguntas que está interessado em responder. Nesse contexto, um dos conceitos que se mostram mais versáteis para o estudo de metacomunidades é o Metacomunidades. 
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-==== Do movimento à dispersão: um efeito inesperado da degradação de hábitat ====+==== Do movimento à dispersão: um efeito inesperado da degradação de habitat ====
  
-===Júlia Rodrigues Barreto===+==Júlia Rodrigues Barreto==
  
  
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-Vellend (2010), em seu artigo inaugural sobre essa síntese, tratou dispersão em uma ampla definição: o movimento de organismos no espaço. Avançou em seu livro (Vellend, 2016) ao complementar que se referia como dispersão através de imigração, a chegada de um determinado indivíduo em um local que não estava presente, marcando a adição de uma espécie àquela comunidade. Considero que ao apoiar-se em uma definição abrangente foi uma decisão perspicaz - uma lição até possivelmente tirada das inconciliáveis e contingentes modelos e padrões vagamente relacionados na ecologia da comunidade. Se pensarmos sobre como entendemos dispersão ou como é retratada na literatura, é improvável que haja um consenso mais preciso que o de movimento de organismos. A razão disso é porque o termo carrega uma multiplicidade de sentidos. O processo fundamental de movimento de um lugar para outro é diferente do movimento de área dos indivíduos, atividade diária, forrageio, exibição em ritual de cortejo para reprodução, entre outros. Evitar entrar na discussão de particularidades específicas (dos indivíduos, espécies, populações, sistemas e etc) foi e tem sido essencial para sintetizar o conhecimento de ecologia de comunidades de forma objetiva. A proposta de Vellend não seria tão angular e potencialmente teria fracassado se fizesse uso de peças frágeis. Se Vellend tivesse empregado um conceito mais específico de um dos seus quatro pilares, a saga teria se voltado a diferenciar dispersão e movimento, funcionaria de maneira bastante diferente entre espécies nômades ou de comportamento gregários, por exemplo. Na ecologia vegetal, o contexto da dispersão de sementes é um caso de um forma excepcional de se abordar dispersão e é até um pouco distante do sentido de movimento de organismos per se. Encontramos também trabalhos que se referem à dispersão mas, na verdade, lidam com vertentes da definição. Um exemplo desse uso equivocado é o processo de spillover, trazido por Thies & Tscharntke (1999). Uma razão para tais movimentos entre habitats é que os organismos podem apenas estar explorando a área ou buscando recursos em locais diferentes (Tscharntke et al 2012). Tendo em vista que dispersão não se trata de uma atividade diária e que o spillover envolve retorno ao local de origem, definir esse processo a priori como dispersão, me parece equivocado. +Vellend (2010), em seu artigo inaugural sobre essa síntese, tratou dispersão em uma ampla definição: o movimento de organismos no espaço. Avançou em seu livro (Vellend, 2016) ao complementar que se referia como dispersão através de imigração, a chegada de um determinado indivíduo em um local que não estava presente, marcando a adição de uma espécie àquela comunidade. Considero que ao apoiar-se em uma definição abrangente foi uma decisão perspicaz - uma lição até possivelmente tirada das inconciliáveis e contingentes modelos e padrões vagamente relacionados na ecologia da comunidade. Se pensarmos sobre como entendemos dispersão ou como é retratada na literatura, é improvável que haja um consenso mais preciso que o de movimento de organismos. A razão disso é porque o termo carrega uma multiplicidade de sentidos. O processo fundamental de movimento de um lugar para outro é diferente do movimento de área dos indivíduos, atividade diária, forrageio, exibição em ritual de cortejo para reprodução, entre outros. Evitar entrar na discussão de particularidades específicas (dos indivíduos, espécies, populações, sistemas e etc) foi e tem sido essencial para sintetizar o conhecimento de ecologia de comunidades de forma objetiva. A proposta de Vellend não seria tão angular e potencialmente teria fracassado se fizesse uso de peças frágeis. Se Vellend tivesse empregado um conceito mais específico de um dos seus quatro pilares, a saga teria se voltado a diferenciar dispersão e movimento, funcionaria de maneira bastante diferente entre espécies nômades ou de comportamento gregários, por exemplo. Na ecologia vegetal, o contexto da dispersão de sementes é um caso de um forma excepcional de se abordar dispersão e é até um pouco distante do sentido de movimento de organismos //per se//. Encontramos também trabalhos que se referem à dispersão mas, na verdade, lidam com vertentes da definição. Um exemplo desse uso equivocado é o processo de //spillover//, trazido por Thies & Tscharntke (1999). Uma razão para tais movimentos entre habitats é que os organismos podem apenas estar explorando a área ou buscando recursos em locais diferentes (Tscharntke et al 2012). Tendo em vista que dispersão não se trata de uma atividade diária e que o //spillover// envolve retorno ao local de origem, definir esse processo a priori como dispersão, me parece equivocado. 
  
  
  
-Apesar da polissemia do termo, ainda assim o papel da dispersão é fundamental em conectar dinâmicas locais e interagir com os outros processos. Junto à especiação, dispersão é a única outra forma de adicionar novas espécies a uma comunidade, em considerável menor prazo. Sob certa perspectiva de comunidade local de origem, a dispersão também envolve a perda de indivíduos (emigração), contudo, as consequências desse aspecto são menos abordadas. De uma maneira ou de outra, a dispersão desempenha o papel fundamental de conectar dinâmicas locais tendo uma grande influência sobre o sistema. Maior dispersão (isto é, a imigração), levaria ao aumento  da diversidade local (MacArthur e Wilson, 1967) e afetaria a semelhança na composição de espécies no espaço, reduzindo assim a diversidade beta (Wright 1940). Consequências da dispersão devem ser vistas em relação à ação e resultados da seleção e da deriva. A variação das espécies em sua capacidade de dispersão pode envolver a seleção, seja por características funcionais, morfológicas, variação em especialização de hábitat ou sensibilidade/uso da matriz adjacente (e.g. especialista ou generalista de hábitat). Por exemplo, uma espécie com maior capacidade dispersiva pode se movimentar mais, mesmo em locais que ela não ocorre, porém espécies já estabelecidas podem excluir competitivamente essas boas dispersoras e nada mudar em relação a composição. Com perturbações que variam no espaço e no tempo, esse cenário efetivamente envolve a seleção, com compensações da capacidade de dispersão sendo subjacentes à coexistência potencial de espécies (Levins e Culver 1971, Tilman 1994). Um segundo exemplo, em que o maior movimento seria devido a maior capacidade de uso de diferentes hábitats e/ou menor sensibilidade à mudanças ambientais - espécies generalistas de hábitat –, as consequências podem ser mais complexas. Existe um maior potencial de estabelecimento dessa espécie generalista nesse local que ela não ocorre e isso oferece certo risco às presentes de forma que pode não have pronta resposta competitiva que leve a exclusão da forasteira. +Apesar da polissemia do termo, ainda assim o papel da dispersão é fundamental em conectar dinâmicas locais e interagir com os outros processos. Junto à especiação, dispersão é a única outra forma de adicionar novas espécies a uma comunidade, em considerável menor prazo. Sob certa perspectiva de comunidade local de origem, a dispersão também envolve a perda de indivíduos (emigração), contudo, as consequências desse aspecto são menos abordadas. De uma maneira ou de outra, a dispersão desempenha o papel fundamental de conectar dinâmicas locais tendo uma grande influência sobre o sistema. Maior dispersão (isto é, a imigração), levaria ao aumento  da diversidade local (MacArthur e Wilson, 1967) e afetaria a semelhança na composição de espécies no espaço, reduzindo assim a diversidade beta (Wright 1940). Consequências da dispersão devem ser vistas em relação à ação e resultados da seleção e da deriva. A variação das espécies em sua capacidade de dispersão pode envolver a seleção, seja por características funcionais, morfológicas, variação em especialização de habitat ou sensibilidade/uso da matriz adjacente (e.g. especialista ou generalista de habitat). Por exemplo, uma espécie com maior capacidade dispersiva pode se movimentar mais, mesmo em locais que ela não ocorre, porém espécies já estabelecidas podem excluir competitivamente essas boas dispersoras e nada mudar em relação a composição. Com perturbações que variam no espaço e no tempo, esse cenário efetivamente envolve a seleção, com compensações da capacidade de dispersão sendo subjacentes à coexistência potencial de espécies (Levins e Culver 1971, Tilman 1994). Um segundo exemplo, em que o maior movimento seria devido a maior capacidade de uso de diferentes habitats e/ou menor sensibilidade à mudanças ambientais - espécies generalistas de habitat –, as consequências podem ser mais complexas. Existe um maior potencial de estabelecimento dessa espécie generalista nesse local que ela não ocorre e isso oferece certo risco às presentes de forma que pode não have pronta resposta competitiva que leve a exclusão da forasteira. 
  
  
  
-O papel da dispersão e a polissemia do termo - nem sempre tão clara na literatura-, instigou-me a entender melhor a influência da movimentação dos organismos na dinâmica das comunidades do meu sistema de estudo, algo que agora já não parece tão facilmente traduzir dispersão. Meu projeto de tese se propõe a contribuir em compreender como a biodiversidade responde à fragmentação e perda de vegetação nativa. Para isso, uso (1) dados espacialmente explícitos de um desenho hierárquico de comunidades biológicas de besouros coprófagos, (2) coletados ao longo de um gradiente de cobertura de vegetação nativa, com replicação na escala de paisagem, (3) usando um desenho de estudo que ainda permita entender como os habitats nativos e antrópicos interagem – três critérios de design de estudo que raramente são atendidos na literatura (mas veja Pe’er et al. 2011, Neilan et al. 2019). Além de modelar mudanças composicionais de comunidades de besouros em função da cobertura vegetal nativa, é intrigante examinar como processos antropogênicos de modificação da paisagem afetariam mudanças na conectividade (Blitzer et al. 2012, Dunning et al. 2012, Villard and Metzger 2014, Boesing et al. 2017b)⁠. Nesse sentido, prevemos que diferenças na composição entre fragmento florestal e matriz adjacente resultariam em mudanças no padrão de movimento de espécies entre hábitats, o spillover. +O papel da dispersão e a polissemia do termo - nem sempre tão clara na literatura-, instigou-me a entender melhor a influência da movimentação dos organismos na dinâmica das comunidades do meu sistema de estudo, algo que agora já não parece tão facilmente traduzir dispersão. Meu projeto de tese se propõe a contribuir em compreender como a biodiversidade responde à fragmentação e perda de vegetação nativa. Para isso, uso (1) dados espacialmente explícitos de um desenho hierárquico de comunidades biológicas de besouros coprófagos, (2) coletados ao longo de um gradiente de cobertura de vegetação nativa, com replicação na escala de paisagem, (3) usando um desenho de estudo que ainda permita entender como os habitats nativos e antrópicos interagem – três critérios de design de estudo que raramente são atendidos na literatura (mas veja Pe’er et al. 2011, Neilan et al. 2019). Além de modelar mudanças composicionais de comunidades de besouros em função da cobertura vegetal nativa, é intrigante examinar como processos antropogênicos de modificação da paisagem afetariam mudanças na conectividade (Blitzer et al. 2012, Dunning et al. 2012, Villard and Metzger 2014, Boesing et al. 2017b)⁠. Nesse sentido, prevemos que diferenças na composição entre fragmento florestal e matriz adjacente resultariam em mudanças no padrão de movimento de espécies entre habitats, o //spillover//
  
  
  
-O processo de dispersão, como é referido no mais próximo que temos de uma teoria geral da ecologia de comunidades (Vellend 2016) e, como eu compreendo, implica no fluxo de indivíduos entre comunidades  locais distintas que poderia levar ao estabelecimento de uma nova espécie. A priori, meu sistema não incorpora efeitos diretos do processo de dispersão, como questiono atribuir ao spillover uma vertente da definição de dispersão entre hábitats. Contudo, a medida que o gradiente de perda de vegetação nativa avança e os remanescentes de mata nativa perdem qualidade, essa degradação dos fragmentos poderia resultar em maior similaridade entre ambientes de mata e matriz, modificando a natureza desse fluxo de espécies. Como espera-se que a perturbação na mata tropical leve a perda de espécies (Cardinale et al 2012; Haddad et al 2015; Barlow et al 2016), efeitos demográficos poderiam alterar as taxas de movimentação já que a abundância - e, eventualmente, ocorrência - seriam alteradas.  Ou seja, a degradação dos fragmentos de mata pode influenciar o que era um movimento de forrageio das espécies e potencialmente a espécies ali presentes responderiam de forma diferente. Taxas de spillover entre hábitats seriam moduladas não só pela conectividade e similaridade ambiental entre hábitats mas também pela diversidade de espécies do hábitat de origem. O que me refiro ao sugerir potenciais respostas diferentes é que a comunidade de mata estaria sendo impactada negativamente enquanto sua vizinha de matriz teria favorecimento da dispersão per se das espécies de matriz em direção ao que era mata.+O processo de dispersão, como é referido no mais próximo que temos de uma teoria geral da ecologia de comunidades (Vellend 2016) e, como eu compreendo, implica no fluxo de indivíduos entre comunidades locais distintas que poderia levar ao estabelecimento de uma nova espécie. A priori, meu sistema não incorpora efeitos diretos do processo de dispersão, como questiono atribuir ao //spillover// uma vertente da definição de dispersão entre habitats. Contudo, a medida que o gradiente de perda de vegetação nativa avança e os remanescentes de mata nativa perdem qualidade, essa degradação dos fragmentos poderia resultar em maior similaridade entre ambientes de mata e matriz, modificando a natureza desse fluxo de espécies. Como espera-se que a perturbação na mata tropical leve a perda de espécies (Cardinale et al 2012; Haddad et al 2015; Barlow et al 2016), efeitos demográficos poderiam alterar as taxas de movimentação já que a abundância - e, eventualmente, ocorrência - seriam alteradas.  Ou seja, a degradação dos fragmentos de mata pode influenciar o que era um movimento de forrageio das espécies e potencialmente a espécies ali presentes responderiam de forma diferente. Taxas de //spillover// entre habitats seriam moduladas não só pela conectividade e similaridade ambiental entre habitats mas também pela diversidade de espécies do habitat de origem. O que me refiro ao sugerir potenciais respostas diferentes é que a comunidade de mata estaria sendo impactada negativamente enquanto sua vizinha de matriz teria favorecimento da dispersão //per se// das espécies de matriz em direção ao que era mata.
  
  
  
-No meu presente projeto de tese, estudo respostas da biodiversidade ao longo de um gradiente de perda de floresta nativa. Nele incluo a movimentação de indivíduos, um conceito que seria relacionado à definição ampla de dispersão dada pelo Vellend mas, à luz da teoria de ecologia de comunidades, minha percepção desse processo mudou. Meu maior objetivo no presente ensaio consistiu em percorrer a questão de “Como posso entender o papel do movimento de espécies entre hábitats e dispersão em um estudo de degradação?”. O processo de movimentação de espécies entre hábitats nativo e antropogênico (spillover), que abordo no meu estudo não atende exatamente a definição de dispersão da teoria geral da Ecologia de Comunidades. Isso se resume porque, em maior quantidade e melhor condição de mata no início do gradiente, espera-se que o movimento das espécies seja puramente exploratório, de forrageio, e pouco provavelmente resultando em imigração. Contudo, conforme a mata perde qualidade, faz sentido esperar perda de espécies especialistas de mata acompanhada da aproximação da qualidade de manchas de florestas às de matriz, isso deve propicie maior movimento de espécies contidas da matriz pro fragmento em detrimento às do fragmento para matriz. Sob essa perspectiva, se dá um fenômeno que pode influenciar toda a minha compreensão da dinâmica de comunidades quando em função da modificação da paisagem, quando a degradação e concomitante aumento da similaridade entre hábitats conferem ao que era mero movimento de indivíduos, a definição de dispersão per se.+No meu presente projeto de tese, estudo respostas da biodiversidade ao longo de um gradiente de perda de floresta nativa. Nele incluo a movimentação de indivíduos, um conceito que seria relacionado à definição ampla de dispersão dada pelo Vellend mas, à luz da teoria de ecologia de comunidades, minha percepção desse processo mudou. Meu maior objetivo no presente ensaio consistiu em percorrer a questão de “Como posso entender o papel do movimento de espécies entre habitats e dispersão em um estudo de degradação?”. O processo de movimentação de espécies entre habitats nativo e antropogênico (//spillover//), que abordo no meu estudo não atende exatamente a definição de dispersão da teoria geral da Ecologia de Comunidades. Isso se resume porque, em maior quantidade e melhor condição de mata no início do gradiente, espera-se que o movimento das espécies seja puramente exploratório, de forrageio, e pouco provavelmente resultando em imigração. Contudo, conforme a mata perde qualidade, faz sentido esperar perda de espécies especialistas de mata acompanhada da aproximação da qualidade de manchas de florestas às de matriz, isso deve propicie maior movimento de espécies contidas da matriz pro fragmento em detrimento às do fragmento para matriz. Sob essa perspectiva, se dá um fenômeno que pode influenciar toda a minha compreensão da dinâmica de comunidades quando em função da modificação da paisagem, quando a degradação e concomitante aumento da similaridade entre habitats conferem ao que era mero movimento de indivíduos, a definição de dispersão //per se//.
  
  == Referências Bibliográficas: ==   == Referências Bibliográficas: == 
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 - Wright, S. 1940. Breeding structure of populations in relation to speciation. American - Wright, S. 1940. Breeding structure of populations in relation to speciation. American
 Naturalist 74:232–248. Naturalist 74:232–248.
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 +==== Ligações entre equilíbrios alternativos, mudanças de regime e limiares em sistemas ecológicos ====
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 +==Felipe Ernesto==
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 +Em diversas áreas do conhecimento é comum o estudo de sistemas dinâmicos. São sistemas cuja descrição pode ser feita por meio de um conjunto de variáveis, que definem um estado do sistema, e cujo estado evolui ao longo do tempo, sujeito a um conjunto de regras. Nesse framework se encaixam desde sistemas físicos, por exemplo partículas, descritas por sua posição no espaço, que é uma consequência direta das leis da física, até sistemas econômicos, por exemplo uma ação, descrita pelo seu valor de mercado, que em última instância é consequência dos desejos e das relações humanas. Na grande maioria dos sistemas dinâmicos é importante a noção de equilíbrio, um estado que uma vez atingido tende a se perpetuar. De particular importância são os equilíbrios estáveis, aqueles que atraem para si o sistema sempre que este está próximo o suficiente, em contraposição aos equilíbrios instáveis, que repelem de si o sistema quando este está em suas proximidades. Uma visualização comum para estes conceitos é o de uma bola no fundo de um vale ou no topo de uma colina. No entorno do fundo vale a bola tende a ser atraída pelo fundo, que por isso constitui um equilíbrio estável, porém no entorno do topo da colina ela apenas se afasta do topo, constituindo então um equilíbrio instável. Por fim, surge então o conceito de equilíbrios alternativos: um sistema pode apresentar diversos equilíbrios, sendo alguns deles estáveis e outros instáveis. Em geral o sistema tenderá a um dos equilíbrios estáveis, mais especificamente àquele em cujas proximidades se encontra o estado inicial (Scheffer 2009).
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 +A percepção de que sistemas ecológicos podem apresentar equilíbrios alternativos gerou grande impacto na área e tem recebido bastante atenção na literatura. Argumento que essa importância se deva ao fato de a existência de múltiplos equilíbrios estáveis gerar mudanças de regime (Scheffer 2009). As mudanças de regime podem se dar por dois mecanismos principais, que serão exemplificados por meio de um sistema ecológico simples, o efeito Allee. Uma população sujeita ao efeito Allee apresenta um tamanho populacional limite. Se a população for menor do que esse limite, ela tenderá a se extinguir. Se a população for maior que esse limite, ela tenderá à capacidade de suporte. Assim, a extinção e a capacidade de suporte são equilíbrios estáveis, enquanto o limite do efeito Allee é um equilíbrio instável. A primeira forma de mudança de regime surge devido a perturbações no estado do sistema. Se o sistema sofrer uma perturbação grande o suficiente, maior do que sua resiliência, ele poderá mudar de regime. Por exemplo, se a população estiver no entorno de sua capacidade de suporte, ela tenderá a se manter nesse regime. Porém, se houver a ocorrência de um distúrbio grande o suficiente, ela poderá ficar menor que o limite imposto pelo efeito Allee, e assim estará fadada à extinção. Outra forma de observamos uma mudança de regime é caso ocorram mudanças nas condições do sistema que alterem a quantidade de equilíbrios estáveis dele. Por exemplo, mesmo que a população esteja no regime de se manter próxima à capacidade de suporte, mudanças no ambiente podem alterar o limite populacional inferior imposto pelo efeito Allee. Esse limite pode se tornar cada vez maior, até o ponto em que se iguala à capacidade de suporte. Na prática, isso significa que tanto a capacidade de suporte quando o limite inferior deixarão de existir, e o único equilíbrio será a extinção.
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 +O conhecimento da possibilidade de mudanças de regime em sistemas ecológicos é de grande importância por dois motivos. Em primeiro lugar porque o conhecimento dos mecanismos que levam a um ou outro estado permite ao ser humano alterar ou manter diversos sistemas em estados que sejam de interesse (May 1977). Essa capacidade é importante em situações em que se deseja evitar o crescimento das populações de pragas. Por exemplo, algumas espécies de insetos, nocivos à plantações quando em altas densidades, são controladas pelos seus predadores de forma a gerar dois estados alternativos, um em que há poucos insetos e outro em que se inicia uma explosão populacional destes. Além disso, o estado no qual o sistema se encontra depende da população de predadores: se a população de predadores cair abaixo de um certo tamanho ocorre o surto da praga (Takahashi 1964). Assim, para evitar explosões populacionais da peste, pode ser preferível se certificar que as populações de predadores se mantenham elevadas, ao invés de investir em inseticidas. Outro motivo da importância do conhecimento de estados alternativos em sistemas biológicos é que por vezes uma mudança de regime é precedida de sinais (Scheffer et al. 2009). Por exemplo, para algumas espécies de peixe de interesse comercial, as populações apresentam um estado em que se mantém muito pequenas e outro em que se encontram em altas densidades. De forma a manter a atividade pesqueira e também garantir a conservação da espécie, é importante que o sistema se mantenha no estado de elevadas densidades. Há indícios de que quando o sistema se aproxima da transição de regime, as populações de peixe passam a apresentar grandes oscilações (Scheffer et al. 2009). Assim, o aparecimento dessas oscilações seria um sinal de que a atividade pesqueira deve ser diminuída de forma a evitar uma mudança de regime.
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 +De papel central em minha pesquisa é o limiar de extinção. O limiar de extinção é um fenômeno ecológico que é consequência da perda e degradação de habitat. Conforme se retira habitat, a tendência é que haja uma diminuição das abundâncias das populações que nele vivem. Isso porque como menos habitat passa a ser menor a capacidade de suporte do ambiente. Esse mecanismo implica que os tamanhos populacionais devem cair linearmente. Porém, isso vale apenas para paisagens com altas proporções de habitat. Conforme se retira habitat e a proporção deste na paisagem se aproxima de valores intermediários, os tamanhos populacionais passam a ter uma relação não-linear com a perda de habitat: pequenas retiradas deste podem levar a grandes quedas no tamanho populacional (Fahrig 2002). Diversas hipóteses surgiram para explicar esse fenômeno. Dentre elas, a mais aceita é que o limiar de extinção estaria relacionado a outro limiar, o de fragmentação. O termo limiar de fragmentação é utilizado para denominar o ponto de proporção de habitat de uma paisagem abaixo do qual parâmetros da estrutura das paisagens adquire uma relação não-linear com a retirada habitat, entre eles o número de fragmentos, o tamanho do maior fragmento e a distância média ao fragmento mais próximo (Andrén 1994, Swift & Hannon 2010). Assim, em minha pesquisa busco entender como a fragmentação altera os processos ecológicos que mantém as populações na paisagem de forma a gerar uma não-linearidade nos tamanhos populacionais.
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 +Apesar de em minha pesquisa me preocupar com entender como a perda de habitat leva a um limiar no tamanho populacional, acredito que esse seja um passo na direção de entender um fenômeno na escala da comunidade, o de que a perda de habitat leva a uma mudança de regime (Pardini et al. 2010). As evidências de Pardini et al. (2010) mostram que no nível da comunidade o sistema é caracterizado por dois estados, um em que há alta diversidade de espécies, havendo tanto espécies especialistas quanto generalistas de habitat e com as espécies especialistas em maiores abundâncias, e outro de baixa diversidade de espécies, havendo principalmente espécies generalistas de habitat em altas abundâncias. A transição entre estes dois estados se dá devido à perda de habitat. Assim, o que vejo ter sido uma importante contribuição do estudo de equilíbrios alternativos e mudanças de regime em sistemas ecológicos foi o entendimento de que o limiar de extinção não se trata de uma mudança de regime. Isso porque o tamanho populacional de equilíbrio é único e determinado apenas pela proporção e fragmentação do habitat na paisagem, não havendo multiplicidade de equilíbrios. Assim, o limiar de extinção é uma não-linearidade na relação do tamanho populacional do equilíbrio com proporção de habitat na paisagem. As mudanças de regime acontecem apenas na escala da comunidade, quando há multiplicidade de estados estáveis. Acredito que este entendimento seja importante porque me ajuda a restringir os possíveis mecanismos geradores do limiar de extinção: devem ser apenas aqueles que alterem o valor da abundância de equilíbrio de uma população, e não envolver mecanismos como os que levam às mudanças de regime em sistemas com equilíbrios alternativos, como os distúrbios no tamanho populacional ou o aparecimento ou desaparecimento de pontos de equilíbrio.
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 +==Referências bibliográficas==
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 +Andrén,  H  1994.  Effects  of  habitat  fragmentation  on  birds  and  mammals  in landscapes  with  different  proportions  of  suitable  habitat:  a  review.  Oikos  71:355–366.
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 +May, R.M. 1977. Thresholds and breakpoints in ecosystems with a multiplicity of stable states. Nature 269: 471-477. 
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 +Fahrig, L. 2002. Effect of habitat fragmentation on the extinction threshold: a synthesis. Ecological applications, 12(2), 346-353.
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 +Pardini, R., de Arruda Bueno, A., Gardner, T. A., Prado, P. I., & Metzger, J. P. 2010. Beyond the fragmentation threshold hypothesis: regime shifts in biodiversity across fragmented landscapes. PloS one, 5(10), e13666.
 +
 +Scheffer, M. 2009. Alternative Stable States. In: Critical Transitions in Nature and Society, Chapter II, pp. 11-36, Princenton University Press.
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 +Scheffer, M. et al. 2009. Early-warning signals for critical transitions. Nature 461: 53-59.
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 +Swift, T. L., & Hannon, S. J. 2010. Critical thresholds associated with habitat loss: a review of the concepts, evidence, and applications. Biological reviews, 85(1), 35-53.
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 +Takahashi, F. 1964. Reproduction curve with two equilibrium points: A consideration on the fluctuation of insect population. Researches on Population Ecology, 6(1), 28-36.
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