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 ====== Ensaios 2011 ====== ====== Ensaios 2011 ======
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 ====Nicho Ecológico==== ====Nicho Ecológico====
 ===Simone Tessaro=== ===Simone Tessaro===
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 ===Danilo Muniz=== ===Danilo Muniz===
  
-Efeitos indiretos podem ser definidos como o impacto de uma espécie sobre a sobrevivência e reprodução de outra através de interações diretas de ambas as espécies com uma terceira. Nestas interações diretas, uma espécie pode reduzir a população de outra através do consumo, um efeito comumente chamado de //mediado por densidade//, mas outros mecanismos podem operar neste sentido (Werner & Peacor 2003, Schmitz 2009). Muitas vezes, apenas a presença de uma espécie é suficiente para induzir alterações em atributos fenotípicos (comportamentais, morfológico, fisiológicos) de uma segunda espécie, e tais alterações tem impacto na aptidão e dinâmica populacional desta segunda espécie (Werner & Peacor 2003, Schmitz 2009). Estes efeitos são conhecidos como //interações mediadas por atributo// ou //trait mediated interactions// (TMI). Estes efeitos podem, por sua vez, influenciar efeitos indiretos, estabelecendo //interações indiretas mediadas por atributos//, ou //trait mediated indirect interactions// (TMII). O exemplo clássico envolve uma cadeia trófica com três espécies, um produtor, um consumidor primário (presa) e um predador. A presença do predador provoca uma diminuição no forrageamento da presa, diminuindo sua aptidão e subseqüentemente sua população, favorecendo o crescimento dos produtores (e.g. Turner 1997). Revisões sobre efeitos indiretos comumente se concentram neste efeito do predador "assustando" as presas (Preisser et. al 2005), todavia Werner e Peacor (2003) salientam que também existem alterações de atributos induzidas por competidores e efeitos dos recursos sobre seus consumidores, aumentando o leque de possíveis TMIIs. Estes outros tipos de TMIIs, entretanto, receberam pouca atenção até o momento, por isso nos seguintes parágrafos a atenção está voltada às interações predador-presa.+Efeitos indiretos podem ser definidos como o impacto de uma espécie sobre a sobrevivência e reprodução de outra através de interações diretas de ambas as espécies com uma terceira. Nestas interações diretas, uma espécie pode reduzir a população de outra através do consumo, um efeito comumente chamado de //mediado por densidade//, mas outros mecanismos podem operar neste sentido (Werner & Peacor 2003, Schmitz 2009). Muitas vezes, apenas a presença de uma espécie é suficiente para induzir alterações em atributos fenotípicos (comportamentais, morfológico, fisiológicos) de uma segunda espécie, e tais alterações tem impacto na aptidão e dinâmica populacional desta segunda espécie (Werner & Peacor 2003, Schmitz 2009). Estes efeitos são conhecidos como //interações mediadas por atributo// ou //trait mediated interactions// (TMI). Estes efeitos podem, por sua vez, influenciar efeitos indiretos, estabelecendo //interações indiretas mediadas por atributos//, ou //trait mediated indirect interactions// (TMII). O exemplo clássico envolve uma cadeia trófica com três espécies, um produtor, um consumidor primário (presa) e um predador. A presença do predador provoca uma diminuição no forrageamento da presa, diminuindo sua aptidão e subseqüentemente sua população, favorecendo o crescimento dos produtores. Revisões sobre efeitos indiretos comumente se concentram neste efeito do predador "assustando" as presas (Preisser et. al 2005), todavia Werner e Peacor (2003) salientam que também existem alterações de atributos induzidas por competidores e efeitos dos recursos sobre seus consumidores, aumentando o leque de possíveis TMIIs. Estes outros tipos de TMIIs, entretanto, receberam pouca atenção até o momento, por isso nos seguintes parágrafos a atenção está voltada às interações predador-presa.
  
 Efeitos indiretos mediados por atributos adicionam a estudos de redes tróficas uma ligação explícita com mecanismos evolutivos, ao considerar que as presas possuem respostas adaptativas aos seus predadores ao invés de serem apenas vítimas passivas (Schmitz et al. 2004). Estudos empíricos têm demonstrado consistentemente que efeitos mediados por atributos estão presentes nos mais variados ambientes e que comumente são mais fortes que os mediados por densidade (Preisser et al. 2005). Ou seja, o medo imposto por um predador impacta mais a população de presas do que a efetiva remoção de indivíduos, permitindo que mesmo predadores pouco numerosos ou pouco eficientes exerçam uma enorme influencia sobre populações de presas (Brown et al. 1999). Na verdade, provavelmente os predadores são tão pouco numerosos pelo fato das presas possuírem variadas respostas à sua presença (confabulação pessoal). Efeitos indiretos mediados por atributos adicionam a estudos de redes tróficas uma ligação explícita com mecanismos evolutivos, ao considerar que as presas possuem respostas adaptativas aos seus predadores ao invés de serem apenas vítimas passivas (Schmitz et al. 2004). Estudos empíricos têm demonstrado consistentemente que efeitos mediados por atributos estão presentes nos mais variados ambientes e que comumente são mais fortes que os mediados por densidade (Preisser et al. 2005). Ou seja, o medo imposto por um predador impacta mais a população de presas do que a efetiva remoção de indivíduos, permitindo que mesmo predadores pouco numerosos ou pouco eficientes exerçam uma enorme influencia sobre populações de presas (Brown et al. 1999). Na verdade, provavelmente os predadores são tão pouco numerosos pelo fato das presas possuírem variadas respostas à sua presença (confabulação pessoal).
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 Yodzis, P. 1980. The connectance of real ecosystems. Nature 284: 544-545. Yodzis, P. 1980. The connectance of real ecosystems. Nature 284: 544-545.
  
 +==== Limites de similaridade e sua contribuição para a teoria de Ecologia de Comunidades ====
  
 +=== Gabriel Ponzoni Frey ===
  
- +A teoria do nicho (Elton 1927, Hutchinson 1957) é uma das principais explicações para a coexistência de espécies em Ecologia. O nicho, no conceito mais moderno de Hutchinson, é um espaço multidimensional das condições e recursos que permitem aos indivíduos de uma espécie exercerem seu modo de vida (Begon et al., 2007). Cada espécie possui um nicho fundamental, o qual é restringido pela interação com outras espécies em uma comunidade. Predadores ou a competição por recursos com outras espécies podem limitar a ocorrência de uma espécie, delimitando então o nicho de fato realizado ou efetivo da espécie na comunidade em que se encontra. Uma das previsões da teoria do nicho é a exclusão competitiva entre espécies co-ocorrentes com nicho realizado similar. As espécies coexistem por apresentarem nichos realizados diferentes, ou que pouco se sobrepõem (Begon et al., 2007; Chave, 2009). Por outro lado, espécies relacionadas têm maior chance de serem encontradas em um mesmo habitat por apresentarem capacidades parecidas de lidar com o ambiente (Chave, 2009), e deveriam formar associações bem definidas. Para animais, o conceito de nicho parece mais palpável, porém para plantas o conceito de nicho é um pouco mais difícil de se entender, já que os recursos necessários para sua sobrevivência são basicamente os mesmos. Hubbell (2001) propôs uma teoria de dinâmica neutra para explicar a coexistência de espécies. As comunidades seriam sistemas saturados em que as taxas per-capita de nascimento e morte seriam iguais para todos os indivíduos. Além disso, a competição entre espécies é simétrica (Chave, 2009) e as abundâncias das espécies são definidas pelo acaso (estocasticidade demográfica). Assim, o chegada de um novo indivíduo à comunidade depende da morte de outro indivíduo, da abundância da espécie tanto no //pool// de onde as espécies vêm como na própria comunidade, e da capacidade de dispersão da espécie. Historicamente, as teorias do nicho e posteriormente a teoria neutra de Hubbell surgiram como formas de explicar os padrões de diversidade locais (diversidade alfa). Além disso, a importância da diversidade regional (diversidade gama) sobre a diversidade local também foi reconhecida (Ricklefs, 1987) e estudada (Cornell, 1985; Soininen 2009). Mais recentemente se percebeu que olhar para a variação na composição de espécies entre locais (diversidade beta) também é importante para entender os padrões de diversidade (Tuomisto, 2006). As teorias do nicho e neutra também apresentam previsões de padrões para o limite de similaridade de composição de espécies entre comunidades. Apesar de não ter sido abordado diretamente na disciplina, o conceito de limite de similaridade deriva diretamente de alguns dos conceitos abordados. 
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 +Ao olharmos para a diversidade numa escala regional, fica claro que os processos que influenciam a troca (//turnover//) de espécies entre escalas menores são de grande importância para o entendimento da estrutura de comunidades (Steinitz et al., 2006). Segundo Tuomisto (2003), podemos entender os padrões de limite de similaridade entre comunidades de plantas sob três pontos de vista. (**i**) Se a composição de espécies entre locais é uniforme em grandes áreas, interações biológicas devem ter grande importância e as florestas são dominadas por algumas espécies competidoras superiores (princípio da exclusão competitiva atuando). (**ii**) Se a estocasticidade demográfica determina a composição de espécies (neutralidade), espera-se que a diversidade beta varie apenas por causa do limite na dispersão e a competição interespecífica é simétrica. Finalmente, (**iii**) se a distribuição das espécies é em mosaico, a composição das espécies é determinada por características ambientais majoritariamente (as espécies realizam seu nicho fundamental completamente, sem interação com outras espécies). Para dois grupos de plantas de sub-bosque com tipos de dispersão diferentes (vento - alta dispersão; aves - dispersão menor), Tuomisto (2003) observou que uniformidade não explica a variação na composição de espécies entre locais. Além disso, apesar de grande parte da variação ser explicada por determinismo ambiental (**iii**), parte da variação também foi explicada por limite de dispersão (**ii**). Condit et al. (2002) observaram que o aumento da distância entre locais em parcelas na Amazônia e no Panamá levaram a uma queda de similaridade de espécies de árvores inconsistente com as predições da teoria neutra, mas fortemente relacionada à variação de habitat, ou o que Hanna Tuomisto e colaboradores chamaram de determinismo ambiental. E finalmente, em parcelas em Israel, Steinitz et al. (2006) observaram que o limite de similaridade entre locais está relacionado tanto com a distância geográfica quanto com a distância ambiental para gastrópodes terrestres (baixa dispersão) e aves (alta dispersão). Estes estudos ainda apontaram a importância do efeito de escala, a posição em gradientes ambientais e as propriedades de dispersão no limite de similaridade entre composição de espécies. Fica claro que nem a teoria de nicho pura ou tão pouco a teoria neutra de Hubbell são capazes de explicar sozinhas os padrões de co-ocorrência de espécies, como apontado também por Chave (2009). 
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 +Não é por acaso que Richard Condit e Jerome Chave, dois dos autores citados anteriormente, fazem parte ou colaboram com o Centro de Estudos de Florestas Tropicais (CTFS) do Smithsonian Institute. As parcelas permanentes do CTFS permitem o estudo dos padrões de similaridade de composição de espécies de árvores. Além disso, estudos de filogenia molecular desenvolvidos também por Chave e outros ajudam na identificação de espécies, fator de suma importância para que os limites de similaridade sejam observados. Meu projeto de mestrado está relacionado aos estudos de dinâmica de florestas tropicias etem dados provenientes de uma das parcelas permanentes do CTFS. Também faz parte de um projeto maior que visa entender o papel de gradientes ambientais e alterações climáticas globais na variação de composição de espécies entre locais. O //turnover// de espécies está também relacionado com a dinâmica das florestas e o tipo de abordagem apresentada pode trazer novas idéias para o entendimento dos mecanismos por trás dos padrões de diversidade de florestas tropicais. 
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 +== Referencias Bibliograficas == 
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 +Begon, M., C.R. Townsend e J.L. Harper. 2007. Ecologia: De Indivíduos a Ecossistemas. 4a edição. Artmed. Porto Alegre. 
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 +Chave, J. 2009. Competition, Neutrality, and Community Organization. Cap. III.2 em Levin, S.A. (ed.) 2009. Princeton Guide to Ecology. Princeton University Press, Princeton, New Jersey. 
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 +Elton, C. 1927. Animal Ecology. Sidgwick and Jackson, London. 
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 +Condit, R., N. Pitman, E.G. Leigh, J. Chave, J. Terborgh, R. B. Foster, P. Núñez, S. Aguilar, R. Valencia, G. Villa, H. C. Muller-Landau, E. Losos, S. P. Hubbell. 2002. Beta-diversity in tropical forest trees. Science 295: 666-669. 
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 +Cornell H.V. 1985. Local and regional richness of Cynipine gall wasps on California oaks. Ecology 66: 1247-1260. 
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 +Condit, R., N. Pitman, E.G. Leigh, J. Chave, J. Terborgh, R. B. Foster, P. Núñez, S. Aguilar, R. Valencia, G. Villa, H. C. Muller-Landau, E. Losos, S. P. Hubbell. 2002. Beta-diversity in tropical forest trees. Science 295: 666-669. 
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 +Hutchinson, G. E.   1957. Concluding remarks. Cold Spring Harbor Symposia on Quantitative Biology 22: 415-427. The founding paper of the population persistence niche concept. 
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 +Ricklefs, R. E. 1987. Community diversity: relative roles of local and regional processes. Science 235: 167-171. 
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 +Soininen J., J. Heino, M. Kokocinski & T. Muotka. 2009. Local–regional diversity relationship varies with spatial scale in lotic diatoms. Journal of Biogeography 36: 720–727. 
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 +Steinitz, O., J. Heller, A. Tsoar, D. Rotem & R. Kadmon 2006. Environment, dispersal and patterns of species similarity. Journal of Biogeography 33, 1044-1054. 
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 +Tuomisto H, Ruokolainen K, Yli-Halla M. 2003. Dispersal, environment, and floristic variation of western Amazonian forests. Science 299(5604):241-4. 
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 +====Metacomunidades==== 
 +===Paulo Ilha=== 
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 +O termo “metacomunidade” descreve um conjunto de comunidades locais conectadas pela dispersão de múltiplas espécies entre manchas de habitat (Wilson 1992), de tal forma que interações locais (intra específicas, inter específicas e entre espécies e o ambiente) e processos regionais interagem na determinação da estrutura e composição da comunidade (Logue et al. 2011). Nesta teoria, a dinâmica espacial (regional) é relacionada fundamentalmente ao processo de dispersão (Leibold 2009), que permite que as espécies colonizem ou recolonizem comunidades locais, que populações locais sejam resgatadas da extinção, e que a coexistência de espécies seja possível na escala regional. O reconhecimento da interdependência de interações locais e processos regionais na determinação da estrutura e composição das comunidades foi uma das principais realizações em ecologia de comunidades dos últimos 50 anos (Logue et al. 2011). 
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 +Historicamente, a teoria de metacomunidades envolveu a perspectiva de quatro paradigmas que buscavam explicar os padrões observados natureza (Leibold et al. 2004; Holyoak et al. 2005; Leibold 2009; Logue et al. 2011): o paradigma da dinâmica de manchas (“patch dinamics”), da seleção de espécies (“species-sorting”), do efeito de massa (“mass-effect”) e da dinâmica neutra (“neutral paradigm”). O paradigma da dinâmica de manchas assume que a dinâmica das metacomunidades envolve extinções locais (resultados de processos estocásticos e/ou determinísticos) e colonizações entre manchas de habitat (resultado de processos de dispersão). Este paradigma também assume que o ambiente é homogêneo e existe um conflito entre a habilidade competitiva e de dispersão das espécies, além de focar mais na presença e ausência das espécies entre as manchas do que em suas abundâncias relativas. Já o paradigma da seleção de espécies enfatiza que as manchas de habitat são heterogêneas, de tal forma que suas características têm fortes efeitos sobre a aptidão das espécies, e consequentemente sobre suas demografias locais. Esta perspectiva enfatiza a separação de nicho entre as espécies e que as interações locais determinam a composição das comunidades. Neste caso, a dispersão é importante porque permite que alterações em condições ambientais locais sejam acompanhadas de mudanças na composição de espécies. O paradigma do efeito de massa enfatiza o efeito da dispersão sobre a persistência, tamanho e dinâmica das populações que compõe as comunidades nas manchas de habitat. Esta perspectiva assume que o ambiente é heterogêneo e que a dispersão pode permite existência de populações-poço sustentadas por imigração. E finalmente, o paradigma da dinâmica neutra assume que todas as espécies possuem nichos e aptidões equivalentes, de tal forma que a composição das comunidades locais depende de efeitos estocásticos de dispersão e demografia. Neste caso, a dinâmica da diversidade é então proveniente de probabilidades de perda (por emigração e extinção) e ganho de espécies (por imigração e especiação). 
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 +Contudo, estes paradigmas são uma mera abstração dos processos que ocorrem na natureza, que é não só fragmentada e heterogênea (Mouquet et al. 2005), mas também estocástica e determinística (Hubbell 2001). Logo, a aplicação desta classificação não é diretamente operacional, uma vez que as comunidades naturais são resultado da combinação de processos que podem ser atribuídos aos diferentes paradigmas (Logue et al. 2011). O mais adequado é assumir que (Leibold 2009), se a dispersão for extremamente baixa, a diversidade das comunidades locais dependerá fundamentalmente de processos estocásticos e interações locais (inter específicas e entre espécies e o ambiente). Neste caso, espera-se que cada mancha de habitat seja ocupada por especialistas nas condições locais e que a diversidade beta da metacomunidade seja máxima. Com o aumento das taxas de dispersão, populações-poço poderão eventualmente ser mantidas em algumas comunidades locais por meio de imigração de populações-fonte, causando assim o aumento da diversidade alfa e a redução da diversidade beta. Taxas de dispersão ainda maiores podem fazer com que as diferenças de performance das populações entre manchas passem a ter um efeito cada vez menor em suas densidades. Se este efeito ocorrer simultaneamente para muitas espécies da metacomunidade, então a composição das comunidades locais será homogeneizada entre as manchas. Neste caso, a diversidade beta será diminuida e a diversidade alfa das comunidades locais se aproximará a diversidade gama da metacomunidade. Finalmente, se as taxas de dispersão forem extremamente elevadas, pode-se considerar que a fragmentação espacial do habitat é irrelevante para a(s) espécie(s), e neste caso, o que chamamos de metacomunidade é efetivamente apenas uma comunidade local. 
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 +A teoria de metacomunidades gerou um grande avanço no entendimento da dinâmica espacial das comunidades (Logue et al. 2011), mas algumas questões ainda foram pouco exploradas por esta teoria. Por exemplo: as comunidades locais nem sempre possuem limites discretos e a distribuição espacial pode encontrar-se organizada em gradientes ao invés de manchas. Além disso, é preciso considerar-se que a capacidade de dispersão e a escala local-regional variam entre espécies (Leibold et al. 2004), bem como o fato de que as espécies podem evoluir em resposta a seus ambientes. Estas e outras questões demonstram que o a teoria de metacomunidades ainda é passível de aprimoramentos e pode gerar novas formas de compreender a ecologia de comunidades (Leibold 2009). 
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 +Neste sistema de estudo, tenho a hipótese de que a assembléia de peixes que habita cada conjunto de riachos de cabeceira afluente de um rio maior (3ª ordem) constitui uma comunidade local, e que a assembléia de peixes que habita a rede hidrográfica formada pelo conjunto de afluentes deste rio maior (Rio Tanguro) constitui uma metacomunidade. Os riachos de cabeceira são manchas de habitat cujas características dependem do tipo de uso da microbacia e afetam potencialmente o desempenho das espécies. A dispersão entre manchas é possível por meio do deslocamento de indivíduos através do rio maior, porém esta dispersão deve ser modesta, uma vez que este rio maior apresenta condições bióticas (intensa predação) e abióticas (estrutura física do rio, fluxo e qualidade da água) desfavoráveis a performance dos indivíduos e persistência das populações. Além disso, barragens devem constituir uma limitação ou impedimento à dispersão para algumas espécies de peixes. Embora meu projeto foque apenas nas comunidades de peixes, tenho consciência de que comunidades de riachos vão além de peixes, assim como metacomunidades também vão. Para alguns organismos, como insetos com larvas aquáticas, o processo de dispersão pode e deve ser completamente diferente. Enquanto as larvas são incapazes de vencer a correnteza e são continuamente transportadas rio abaixo, os adultos voadores retornam para as cabeceiras para depositar seus ovos e recomeçar o ciclo. Neste caso, é possível que as mudanças no uso da terra afetem a dispersão dos adultos se, por exemplo, eles dependerem da estrutura da vegetação para o deslocamento. 
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 +Conceitos envolvidos na teoria de metacomunidades nortearão as seguintes hipóteses de meu projeto se as respectivas premissas forem verdadeiras: 
 +1)Se processos locais atuam de forma similar dentro da escala regional da minha área de estudo, então riachos cujas bacias possuam o mesmo tipo de uso da terra apresentarão comunidades com composição e estrutura semelhantes. 
 +2)Se riachos degradados são mais sujeitos a eventos estocásticos de enxurrada e/ou contaminação aguda (elevadas concentrações de pesticidas em um curto intervalo de tempo) que removem grande quantidade de indivíduos das comunidades, então a estrutura e composição das comunidades destes riachos serão mais sujeitas a variações estocásticas que as de riachos preservados. 
 +3)Se a comunidade que eu observar nos riachos degradados for aquela que precede futuras extinções de espécies que estão em declínio populacional devido a interações negativas com as condições ambientais decorrentes das mudanças no uso da microbacia, então a diversidade dos riachos degradados esta sendo mantida pela ocorrência de espécies com populações-poço sustentadas por imigração de populações-fonte que habitam riachos preservados. 
 +4)Se a construção de barragens limita ou impede a dispersão de determinadas espécies de peixes, então riachos com barragens apresentarão comunidades distintas daqueles que não possuem barragens. 
 +5)Se a capacidade e a probabilidade de dispersão das espécies afeta sua ocorrência nas manchas de habitat, então as espécies que possuem maior probabilidade (populações maiores) e/ou capacidade de dispersão (tamanho corporal relativamente maior, nadadoras pelágicas ativas, predadoras) estarão presentes em mais manchas de habitat que espécies que possuem menor probabilidade (populações maiores) e/ou capacidade de dispersão reduzida (tamanho corporal relativamente menor, espécies bentônicas que se alimentam de sedimento e/ou perifíton). 
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 +==Referências bibliográficas== 
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 +Callisto, M.; Gonçalves, J.F. & Moreno, P. 2005. Invertebrados aquáticos como bioindicadores p. 555-567. In: M. Goulart (ed.). Navegando o Rio das Velhas das minas aos gerais. Belo Horizonte, UFMG. 
 + 
 +Goulart, M. & Callisto, M. 2003. Bioindicadores de qualidade de água como ferramenta em estudos de impacto ambiental. Revista da FAPAM 2(1): 9p. 
 + 
 +Holyoak, M.; Leibold, M.A. & Holt, R.D. 2005. Metacommunities: spatial dynamics and ecological communities. University of Chicago Press. 
 + 
 +Hubbell, S.P. 2001. The Unified Neutral Theory of Biodiversity and Biogeography, Princeton University Press. 
 + 
 +Leibold, M.A.; Holyoak, M.; Mouquet, N.; Amarasekare, P.; Chase,  J.M.; Hoopes, M.F.; Holt, R.D.; Shurin, J.B.; Law, R.;  Tilman, D.; Loreau, M. & Gonzalez, A. 2004. The metacommunity concept: a framework for multi-scale community ecology. Ecology Letters, 7: 601–613. 
 + 
 +Leibold, M.A. 2009. Spatial and Metacommunity Dynamics in Biodiversity. In: The Princeton guide to ecology (Simon A. Levin, ed.). Princeton University Press, Princeton, New Jersey. 
 + 
 +Logue, J.B.; Mouquet, N.; Peter, H.; Hillebrand, H.; Declerck, P.; Flohre, A.; Gantner, S.; Gulzow, N.G.; Hortnagl, P.; Meier, S. & Pecceu, B. 2009. Empirical approaches to metacommunities: a review and comparison with theory. Trends in Ecology and Evolution, 26(9): 482-491. 
 + 
 +Mouquet, N. et al. (2005) The world is patchy and heterogenous! Tradeoff and source-sink dynamics in competitive metacommunities. In Metacommunities – Spatial Dynamics and Ecological Communities (Holyoak, M. et al., eds), pp. 233–236, University of Chicago Press. 
 + 
 +Wilson, D.S. 1992. Complex interactions in metacommunities, with implications for biodiversity and higher levels of selection. Ecology 73: 1984–2000. 
 + 
 + 
 +==== Resiliência e diversidade de espécies ==== 
 +=== Erika Marques de Santana === 
 +Comunidades ou ecossistemas podem ser considerados sistemas dinâmicos, já que são o resultado do balanço de diversos processos internos e externos (Scheffer, 2009a). Resiliência é uma característica de sistemas dinâmicos relacionada ao comportamento desses sistemas mediante a pressões externas. Na literatura, são encontradas diferentes definições de resiliência (Holling 1996; Peterson et al., 1998; Scheffer, 2009b). No presente ensaio, considerarei como resiliência a habilidade que um sistema possui em absorver mudanças ocorridas nas condições do ambiente, sem sofrer alterações significativas na sua estrutura e função (Holling, 1973). Nessa definição, também chamada de resiliência ecológica (Holling 1996), resiliência é uma medida de magnitude do distúrbio, cujo resultado é a persistência do sistema (Holling, 1973; Scheffer, 2009b). A resiliência ecológica corresponde, assim, ao quanto o sistema deve ser alterado antes que perca sua estrutura e se reorganize novamente em outro conjunto estrutural e funcional (Peterson et al., 1998).  
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 +A resiliência de um sistema varia, podendo diminuir de acordo com flutuações na dinâmica interna ou externa ao sistema (Holling, 1973; Scheffer, 2009a). Tais mudanças na dimensão da resiliência de um sistema podem ocorrer de forma suave e imperceptível, tornando-o gradualmente frágil (Scheffer, 2001; Scheffer, 2009b). Nesse cenário, o sistema pode atingir um limiar crítico, de forma que pequenos distúrbios serão suficientes para levar o sistema uma mudança catastrófica, ou seja, a um estado alternativo (Holling, 1973; Scheffer, 2001). As flutuações ambientais externas, somadas as dinâmicas intrínsecas do sistema podem por sua vez gerar flutuações eternas ao invés de mudanças bruscas, que pode ser chamado de regime dinâmico (Scheffer, 2009b). Sendo assim, dinâmicas intrínsecas ao sistema, como, por exemplo, a variabilidade nas respostas das espécies que o compõem às mudanças ambientais, são fundamentais na determinação da resiliência (Elmqvist et al., 2003). 
 +       
 +As características das espécies dentro do sistema podem ter grande importância na determinação na capacidade de persistência do sistema (Elmqvist et al., 2003; Folke et al., 2004). Sistemas com um maior número de espécies pertencentes a um mesmo grupo funcional podem possuir maior resiliência (Peterson, 1998; Elmqvist et al., 2003). Grupos funcionais de espécies se referem a conjuntos de diferentes espécies que apresentam funções semelhantes no sistema, como fixadores de nitrogênio, dispersores de semente ou predadores de topo. (Folke et al., 2004). Quanto mais espécies um sistema possui, maior é a chance da extinção de uma espécie não alterar a função exercida pelo grupo funcional ao qual esta espécie pertencia, o que pode ser essencial na manutenção do sistema. (Folke et al., 2004). Algumas espécies podem determinar o estado em que o sistema se encontra, exercendo efeito positivo nas condições ambientais que são essenciais para o seu próprio desenvolvimento (Scheffer, 2001; Scheffer, 2009a). O nome dado a esse mecanismo é facilitação, cuja ação foi observada em estudos empíricos (e. g. Blindow et al., 1993). A dispersão das espécies, por sua vez, aliada à heterogeneidade ambiental, também pode aumentar a resiliência do sistema (Warren et al., 1996; Venail et al., 2008), já que mesmo que o sistema sofra flutuações e conseqüentes redução na população de algumas espécies ou grupos funcionais, a dispersão de indivíduos entre as manchas ambientais pode restabelecer populações em declínio, mantendo assim o funcionamento do sistema (Leibold, 2009). A conectância entre as espécies de um sistema também pode colaborar e manter o sistema funcionando. Quando mais relações existirem entre as espécies, menor será o impacto da extinção de uma espécie nos transporte de energia ao longo da cadeia, e mais resiliente será o sistema (Holling, 1973). Com base nas inferências feitas acima, fica evidente a importância da diversidade e composição das espécies para a relisiência de um sistema. Sendo assim, os processos que regulam os distúrbios são tão determinantes da resiliência ecológica quanto são das interações locais entre as espécies (Peterson et al., 1998). 
 +       
 +Até o momento, procurei expor o meu entendimento da importância da diversidade de espécies e suas interações para a resiliência de um sistema. Atualmente, constantes e vastas alterações causadas pelo homem aos sistemas naturais têm apresentado graves conseqüências aos sistemas naturais, como extinções de grupos de espécies (e. g. Pardini et al., 2010) e perda de diversidade funcional e serviços do ecossistema (e. g. Brandt et al., 2010). Os processos envolvidos e os mecanismos relacionados a tais alterações sempre despertaram meu interesse acadêmico e permeiam a maior parte dos meus questionamentos científicos. Dessa forma, o estudo da resiliência dos sistemas naturais me parece de suma importância tanto no que diz respeito as espécies que dele fazem parte quanto as funções por elas exercidas. 
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 +No meu atual projeto de mestrado eu estudarei os efeitos da poluição gerada por indústrias sobre uma floresta ombrófila. Devido à poluição, já foram observadas graves alterações na estrutura do sistema, como morte na vegetação, redução na diversidade de espécies vegetais e deslizamentos de terra devido à erosão resultante (Alonso & Godinho, 1992; Leitão Filho, 1993; Gutberlet, 1996; Ferreira, 2007). Visto a dificuldade de estudar tais efeitos a nível de comunidade, avaliarei o efeito da poluição sobre populações de animais, mais especificamente sobre a saúde de anuros de riacho. Sabendo que a poluição industrial é um distúrbio que exerce pressões sobre a dinâmica desse sistema florestal, um questionamento pertinente a pesquisas futuras é saber se e até que ponto a resiliência desse sistema pode ter sofrido alterações negativas. 
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 +== Referências bibliográficas == 
 + 
 +Alonso, C. D.; Godinho, R. A evolução da qualidade do ar em Cubatão. Química Nova. 1992, vol. 15, n. 2. 
 + 
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