A represa Billings e as captações de água bruta
Qualidade da água nos pontos de captação da Represa Billings: em acordo com a Resolução CONAMA 357?
A Resolução CONAMA no. 357 de 17/03/05 (BRASIL, 2005) regulamenta os padrões de qualidade de água no Brasil, dispondo sobre a classificação dos corpos de água e diretrizes ambientais para o seu enquadramento, além de estabelecer as condições e padrões de lançamento de efluentes, entre outras providências. Essa resolução fornece os limites de padrões a serem medidos em corpos d’água dentro de 5 classes, definidas pelos seus usos preponderantes. As classes especial, I e II são para usos mais nobres (abastecimento humano, dessedentação de animais, proteção da vida aquática e contato primário), com diferentes graus de tratamentos. A classe III também pode ser destinada a abastecimento humano, desde que tratada com processos convencional ou avançado. Já a classe IV é destinada somente à harmonia paisagística e à navegação.
Investigamos se as variáveis oxigênio dissolvido, pH, sólidos dissolvidos totais, fósforo total, nitrato, nitrito, amônio, clorofila-a e densidade de cianobactérias estavam em conformidade com os valores referentes ao enquadramento estabelecido pela Resolução CONAMA no. 357 em dois pontos de captação de água de um reservatório urbano.
2.1 - Local de Estudo
A Represa Billings localiza-se a sudeste da Região Metropolitana de São Paulo e possui espelho d’água de 10.814,20 ha. Devido a seu formato peculiar, a represa está subdividida em oito unidades, denominadas braços: Rio Grande, Rio Pequeno, Capivari, Pedra Branca, Taquacetuba, Bororé, Cocaia e Alvarenga. Neste estudo, investigamos dois braços em particular, o Rio Grande e o Taquacetuba, por serem os pontos de captação de água da Represa Billings (Figura 1).
Figura 1. Bacia hidrográfica da represa Billings, seus principais braços e os pontos de coletas (·).
O braço Rio Grande possui ~7,4 km2 da área e abastece 1,2 milhão de pessoas na região do ABC. Em 1981, o braço Rio Grande foi totalmente isolado da represa através da construção da Barragem Anchieta, para manter os requerimentos mínimos de potabilidade. Este manancial é aproveitado para usos múltiplos, como recreação, pesca, abastecimento público e receptor de dejetos industriais e domésticos. O braço Taquacetuba possui ~8 km2 da área e desde 2000 suas águas são transpostas para a Represa Guarapiranga em períodos de estiagem. Segundo o enquadramento dos corpos hídricos do Estado de São Paulo (Decreto Estadual no. 10.755 de 22/11/1977), o braço Rio Grande é enquadrado na classe II e o braço Taquacetuba, na classe I (SÃO-PAULO, 1997).
2.2 - Coleta de dados
Em fevereiro, maio, agosto e novembro de 2005, próximo aos pontos de captação dos braços Rio Grande e Taquacetuba, coletamos amostras de água com uma garrafa de Van Dorn em seis profundidades - em função da radiação solar subaquática correspondente a 100, 50, 25, 10, 1 e 0% da radiação solar de subsuperfície, medida com um radiômetro subaquático. De cada amostra de água, retiramos uma alíquota de 100 ml, fixamos com lugol acético 4% para determinação da densidade de cianobactérias em câmara de Sidgwick-Rafter e microscópio óptico. Estimamos o biovolume das espécies por aproximação geométrica (SUN & LIU, 2003). Em laboratório, analisamos em cada amostra de água coletada as concentrações de oxigênio dissolvido (GOLTERMAN et al., 1978), sólidos dissolvidos totais (WETZEL & LIKENS, 1991), fósforo total (VALDERRAMA, 1981), nitrato e nitrito (MACKERETH et al., 1978), nitrogênio amoniacal (KOROLEFF, 1976) e clorofila-a extraída com acetona 90% (JEFFREY & HUMPHREY, 1975). Medimos o pH em perfil vertical com uma sonda multiparâmetros in sito. Os padrões estabelecidos para as classes de uso I (Taquacetuba) e II (Rio Grande) estão dispostos na Tabela 1 e comparamos estes valores com os obtidos neste trabalho.
Tabela 1. Padrões de qualidade da água doce para as classes I e II segundo a Resolução CONAMA no. 357 de 17/03/05.
Taquacetuba |
CLASSE II Rio Grande |
|
OD |
> 6 mg/L |
> 5 mg/L |
pH |
6 a 9 |
6 a 9 |
Sólidos dissolvidos totais |
< 500 mg/L |
< 500 mg/L |
Fósforo total |
< 0,02 mg/L |
< 0,030 mg/L |
Nitrato |
< 10 mg/L |
< 10 mg/L |
Nitrito |
< 1 mg/L |
< 1 mg/L |
N amoniacal |
< 3,7 mg/L (para pH < 7,5) |
< 3,7 mg/L (para pH < 7,5) |
< 2,0 mg/L (para 7,5 < pH < 8,0) |
< 2,0 mg/L (para 7,5 < pH < 8,0) |
|
< 1,0 mg/L (para 8,0 < pH < 8,5) |
< 1,0 mg/L (para 8,0 < pH > 8,5) |
|
< 0,5 mg/L (para pH > 8,5) |
< 0,5 mg/L (para pH > 8,5) |
|
Clorofila-a |
< 10 μg/L |
< 30 μg/L |
Densidade de cianobactérias |
< 5 mm3/L |
< 2 mm3/L |
No Rio Grande, oxigênio dissolvido e pH apresentaram valores em não conformidade com o enquadramento do manancial na classe II (Tabela 2). No Taquacetuba, oxigênio dissolvido, pH, fósforo total, clorofila-a e densidade de cianobactérias não estavam em conformidade com o enquadramento do manancial na classe I (Tabela 2).
Tabela 2. Amplitude de variação das variáveis analisadas nos braços Rio Grande (RG) e Taquacetuba (T) da Represa Billings em fevereiro, maio, agosto e novembro de 2005.
Variável |
estação |
fev/05 |
mai/05 |
ago/05 |
nov/05 |
Oxigênio dissolvido (mg/L) |
RG |
2,4 - 8,3* |
1,1 - 8,9* |
6,2 - 8,5 |
2,6 - 8,3* |
T |
4,6 - 9,9* |
2,8 - 11,5* |
8,6 - 9,0 |
4,0 - 11,7* |
|
pH |
RG |
7,0 - 8,6 |
7,0 - 8,8 |
9,0 - 9,7* |
5,3 - 9,1 |
T |
8,3 - 9,3 |
8,2 - 9,2 |
9,8 - 10,5* |
8,0 - 9,5 |
|
Sólidos dissolvidos totais (mg/L) |
RG |
2,7 - 3,9 |
2,0 - 3,1 |
2,6 - 4,4 |
2,1 - 3,9 |
T |
5,6 - 10,4 |
4,5 - 11,0 |
8,8 - 9,8 |
6,3 - 17,4 |
|
Fósforo total (mg/L) |
RG |
0,01 |
0,01 |
0,01 |
0,01 |
T |
0,02* |
0,02* |
0,03 - 0,04* |
0,03 - 0,06* |
|
Nitrato (mg/L) |
RG |
0,3 - 0,9 |
0,2 - 1,0 |
0,0 - 0,1 |
0,1 - 0,3 |
T |
0,1 - 0,3 |
0,1 - 0,2 |
0,0 |
0,1 - 0,2 |
|
Nitrito (mg/L) |
RG watch movies
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|
0,0 - 0,1 watch movies
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|
0,0 |
0,0 |
0,0 |
T |
0,0 |
0,0 |
0,0 |
0,0 |
|
N amoniacal (mg/L) |
RG |
0,0 |
0,0 |
0,0 |
0,0 - 0,1 |
T |
0,1 |
0,0 - 0,2 |
0,0 |
0,1 - 0,2 |
|
Clorofila-a (µg/L) |
RG |
12,4 - 17,1 |
9,7 - 16,1 |
14,3 - 21,5 |
7,9 - 19,2 |
T |
34,9 - 56,5* |
23,9 - 58,1* |
40,1 - 44,4* |
27,3 - 72,9* |
|
Densidade de cianobactérias (mm3/L) |
RG |
0,1 - 0,2 |
0,0 - 0,1 |
0,0 - 0,1 |
0,0 - 0,1 |
T |
8,0 - 12,9* |
3,1 - 11,7* |
3,0 - 15,0* |
5,4 - 38,3* |
No Taquacetuba, cinco das nove variáveis estavam em não conformidade com a legislação, enquanto no Rio Grande, apenas duas. O isolamento do braço Rio Grande do restante da Represa Billings faz com que este braço tenha dinâmica distinta do restante da represa e impede a influência das águas poluídas do corpo central da represa. Além disso, a constante aplicação de algicidas controla a biomassa algal.
A influência das águas provenientes do corpo central da Represa Billings acarreta na péssima qualidade das águas do Taquacetuba, refletida na elevada biomassa algal e florações de cianobactérias freqüentemente tóxicas (MOSCHINI-CARLOS et al., 2009). Desta forma, a transposição das águas do Taquacetuba para a Represa Guarapiranga pode contribuir para a degradação das águas da Guarapiranga, que abastece grande parte da população da cidade de São Paulo.
O enquadramento dos corpos de água é baseado nos níveis de qualidade que deveriam possuir para atender às necessidades da comunidade e não necessariamente no seu estado atual. Portanto, as classes nas quais os corpos hídricos são enquadrados são metas a serem atingidas. Desta forma, o presente estudo indica que as metas estabelecida pela resolução CONAMA no. 357 ainda não foram atingidas nos pontos de captação da Represa Billings, principalmente no braço Taquacetuba, e aponta para a necessidade de medidas para que as metas sejam alcançadas.
1 - PPG Ecologia, Depto. de Ecologia, Instituto de Biociências, Universidade de São Paulo, 2 - Departamento de Engenharia Ambiental, Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, 3 - Departamento de Ecologia, Instituto de Biociências, Universidade de São Paulo
Fontes financiadoras: FAPESP 02/13376-4 e CNPq (bolsa de mestrado).
Trabalho apresentado no II Congresso Estadual de Comitês de Bacias Hidrográficas (2010).