Metais no meio ambiente aquático
Embora os metais em geral, existam em baixas concentrações na crosta terrestre, sendo designados também como metais traço ou elementos traço (Baird, 1998), a intensa mineração destes elementos durante o século XX aumentou significativamente suas concentrações no meio ambiente aquático (Callender, 2004).
No meio aquático, os metais são oriundos de fontes naturais como lavagem geológica de solos e rochas, diretamente expostos à água, e por meio de fontes antrópicas como efluentes domésticos e industriais, pelo processo de mineração, pela aplicação de pesticidas na agricultura (Ebrahimpour & Mushrifah, 2008) e através de precipitação em áreas com poluição atmosférica (Pereira et al., 2006).
Nos ecossistemas aquáticos, os metais e outros compostos tendem a acumular no sedimento (Shrivastava et al. 2003) e, dependendo das condições ambientais, podem começar a ser liberados na coluna d’água tornando-se biodisponíveis. Nestas condições podem afetar a biota, sendo incorporados ao longo da cadeia alimentar e consequentemente podendo causar danos também à saúde humana (Khan et al., 2005).
Em geral, quando liberados no corpo hídrico os metais primeiramente são adsorvidos por partículas orgânicas ou inorgânicas e são então incorporados ao sedimento pelo processo de sedimentação, resultando em níveis mais elevados de metais neste compartimento (Botté et al., 2007). As águas intersticiais (água do sedimento) podem apresentar altas concentrações de metais e são capazes de influenciar as concentrações de metais nas águas superficiais por meio de processos como a difusão, consolidação e bioturvação (Salomons & Förstner, 1984). Assim, as concentrações de metais no sedimento são maiores do que na coluna d’água. Portanto, a análise do sedimento é uma fonte de dados fundamental sobre a poluição no meio aquático (Brekhovskikh et al., 2002).
Pela análise de sedimentos também é possível verificar o histórico da acumulação de metais que ocorreu ao longo do tempo, em decorrência do crescimento populacional e desenvolvimento industrial (Lokeshwari & Chandrappa, 2007). Isto porque é no sedimento que se depositam todos os compostos químicos. Desta maneira em um sistema aquático, formam-se camadas no sedimento ao longo do tempo, contendo compostos que representam a quantidade destes elementos liberadas no corpo d’água em diferentes períodos (Esteves, 1998). Assim torna-se possível, a partir destes depósitos, interpretar o desenvolvimento histórico e as alterações do ambiente. Os sedimentos funcionam, portanto, como um arquivo de informações de mudanças ambientais ao longo do tempo. Em geral, estas mudanças são frequentemente influenciadas por atividades como desenvolvimento industrial, desflorestamento, mineração e aumento de poluição (Xue et al., 2007).
Entre as técnicas para se verificar o histórico da acumulação de metais que ocorreu ao longo do tempo, destaca-se a datação do sedimento com Pb210, amplamente utilizada em corpos d’água lacustre (Callender, 2004). A técnica da análise da concentração de metais em cores de sedimento seguida da datação por elemento radiativo (geocronologia) é vantajosa, pois supre as deficiências da análise de dados acumulados em diferentes trabalhos numa dada região, como, por exemplo, mudanças nos pontos de amostragem, utilização de diferentes métodos analíticos com diferentes limites de detecção, além da ausência de valores em alguns períodos (Callender, 2004). Através da geocronologia do sedimento pode-se também estabelecer valores de referência regionais uma vez que é possível analisar períodos pré-industriais e assim livres da deposição de contaminantes de origem antrópica (Jesus, 2008). Alguns exemplos de trabalhos que enfocam a datação em perfil do sedimento, em corpos d’água lacustre, e as respectivas concentrações de metais traço no Brasil podem ser encontrados em: Leite (2002); Nascimento (2003); Cazotti (2003); Tavares, et al. (2003); Fávaro et al., (2007); Jesus (2008).
Além da análise dos metais no sedimento e na água, é importante identificar também a extensão da concentração de metais na biota, e considerar seu impacto potencial na cadeia trófica e seu risco à saúde humana. Isto porque a simples verificação da concentração de metais no sedimento e averiguação de sua biodisponibilidade não é capaz de afirmar, com absoluta segurança que os metais, mesmo não sendo liberados na coluna d’água, não seriam incorporados pela biota. Organismos bentônicos que se alimentassem, por exemplo, a partir de tal sedimento poderiam ser contaminados e possivelmente afetar os demais níveis da cadeia trófica.
Além disso, de acordo com Chen & Folt (2000), a concentração de metais em água nem sempre prediz a concentração de metais na biota. Em macrófitas aquáticas, por exemplo, a concentração de metais pode ser muitas vezes superior do que no meio aquático em que elas estão inseridas (Samecka-Cymerman & Kempers, 2007), de acordo com Mishra et al., (2008) este valor pode ser até 100 mil vezes maior.
Por esta razão, macrófitas aquáticas são reconhecidas como organismos resistentes à contaminação por metais pesados, tendendo a absorver, altas concentrações destes elementos (Mikryakova, 2002), sem nenhuma mudança funcional evidente (Brekhovskikh et al., 2001), podendo ser inclusive utilizadas como bioremediadoras (Valitutto et al., 2006). Apesar disto, macrófitas aquáticas contaminadas podem ser a fonte de alimento para uma variedade de herbívoros e organismos detritívoros levando à possibilidade de biomagnificação de metais nos níveis tróficos subsequentes (Mishra et al., 2008).
Para o fitoplâncton é possível também observar altas concentrações de metais nestes organismos e baixas concentrações em água (PROSI, 1981). Na verdade, metais possuem grande afinidade ao plâncton em geral (Monterroso et al., 2003). Uma vez agregados ou incorporados ao plâncton os metais podem ser transferidos na cadeia alimentar e transformados elevando sua toxicidade (Lawson & Mason, 1998), podendo provocar também a diminuição da biodiversidade deste grupo.
A contaminação por metais para o grupo dos peixes é também de particular interesse não apenas ao estudo dos ecossistemas mas também à saúde pública, uma vez que o consumo destes organismos pode afetar diretamente o homem. Exemplo mundialmente conhecido é o desastre de Minamata no Japão, no qual dezenas de pessoas foram levadas à morte devido ao envenenamento por mercúrio causado pelo consumo de peixes contaminados por metilmercúrio.
Além do mercúrio, os peixes também tendem a sofrer a sofrer os efeitos de toxicidade do cobre mais do que qualquer outro metal (Moore & Ramamoorthy, 1984). Isto é preocupante, pois embora o cobre seja um metal essencial quando em excesso na água, este elemento torna-se tóxico, sendo considerado dos metais mais tóxicos tanto ao ser humano quanto a animais (Kara & Zeytunluoglu, 2007). No Brasil a aplicação de sulfato de cobre para o controle da floração de algas em represas é prática frequente, o que poderia refletir numa possível contaminação da comunidade de peixes nesses ambientes.
Assim além da análise de metais traço no meio abiótico, água e sedimentos, é importante também que o conteúdo destes contaminantes seja avaliado também no meio biótico, tanto em macrófitas aquáticas quanto no plâncton e até mesmo na comunidade piscívora. Desta maneira é possível observar as condições do ecossistema em relação à contaminação por metais pesados e a possibilidade de contaminação da população.
Por Sheila Cardoso da Silva – PPG Ecologia, Depto. de Ecologia, IB, USP, São Paulo, Brasil.