Regras Para Redação do Ensaio

Introdução

O objetivo deste exercício é proporcionar uma experiência de raciocínio analítico e de expressão escrita eficaz. A ciência é um jogo de resolução de problemas. No entanto, uma apreciação geral da literatura científica revela poucos textos que dão uma contribuição palpável para a resolução de alguma coisa. Por quê? Existem pelo menos duas razões relevantes no contexto deste exercício: primeiro, o problema nem sempre é bem identificado; segundo, mesmo quando parece haver um problema relevante e claro, o texto raramente consegue comunicar a resolução do problema de uma forma eficaz. A solução é pensar mais claro e escrever melhor. Fácil falar! Como fazer?

Vamos investir em duas estratégias. Uma, é a de procurar axiomas e evitar reificações na hora de definir um problema (Slobodkin 2001), a outra é a de escrever para o leitor (Gopen & Swan 1990). Os axiomas são uma espécie de átomos do pensamento. Para os filósofos de uma corrente de pensamento chamada epistemologia objetivista, os conceitos axiomáticos são a existência, a identidade e a consciência (Rand 1967), realidades irrecusáveis que não podem ser negadas sem contradição. Para os matemáticos, os axiomas são afirmações que não necessitam de prova (Hardy 1967) como, por exemplo, a igualdade – ninguém precisa provar que se duas coisas são iguais a uma terceira, elas também serão iguais entre si. No extremo oposto à clareza dos axiomas temos a reificação: a promoção de uma entidade abstrata a coisa palpável. No original, em alemão, reificação é Verdinglichung (Marx 1867), que significa mais ou menos ‘coisificação’ ou tornar numa coisa. Esta palavra, introduzida por Karl Marx para designar a reificação de um suposto valor universal do tempo de trabalho, foi trazida para a filosofia da ciência por Alfred N. Whitehead como a fallacy of misplaced concreteness, o erro acidental de tomar o abstrato por concreto (Whitehead 1925). É neste último sentido que a palavra foi empregada por Slobodkin (2001) na ecologia. Não precisamos formular uma definição biológica de axioma para entender que alguns conceitos biológicos andam muito próximo do axiomático. Os conceitos de reprodução, sobrevivência, tamanho populacional e taxa de crescimento populacional, por exemplo, têm praticamente sempre o mesmo significado na cabeça de todos os cientistas. Mas se pensarmos em coisas como biodiversidade, fragmentação, equilíbrio ecológico… aí já fica mais difícil que todo o mundo fale a mesma língua. A dificuldade vem desses conceitos serem, à partida, coisas muito abstratas que são incorporadas nos textos científicos como se tivessem um significado mensurável e unânime na cabeça de toda a gente – que não têm. Uma das reificações mais perigosas da biologia é o conceito de raça (Duster 2005). Slobodkin (2001) dá vários exemplos de reificações em ecologia. Problemas científicos formulados com base em conceitos axiomáticos têm uma boa chance de levar a soluções e progresso (Platt 1964). Esses problemas normalmente têm vida curta – uma vez resolvidos eles são abandonados porque a sua resolução permite a dedicação a novos problemas. As formulações baseadas em reificações, por sua vez, tendem a levar à confusão, perda de tempo e a polêmicas intermináveis que se arrastam por décadas sem nunca serem resolvidas (Zencey 1998).

A idéia de “escrever para o leitor” vem da impressão de que qualquer exercício de redação científica é um exercício de criar expectativas num leitor e cumpri-las. Esta perspectiva da redação científica está apresentada no artigo The science of scientific writing (Gopen & Swan 1990). A idéia é que qualquer unidade de discurso precisa criar uma expectativa no leitor e depois satisfazer essa expectativa de forma convincente. Este exercício de ser conseqüente se repete para diferentes unidades de discurso – texto, parágrafo, frase. Se o texto começa por avisar que vai falar de um tema ele deve acabar por passar informação útil sobre este tema; se o parágrafo abre apresentando uma idéia, mais para a frente ele precisa ter um desfecho desta idéia; por fim, se a frase menciona um sujeito, este sujeito precisa fazer alguma coisa. Há que cuidar para que as transições entre frases e as transições entre parágrafos façam sentido – que uma parte leve o leitor pela mão até à próxima parte – para que o texto flua. Os dois objetivos fundamentais do ensaio são: pensar com clareza e escrever com gentileza. Ao pensar, os conceitos precisam ser muito bem definidos. Ao escrever, há que ajudar sinceramente o leitor a entender as idéias do autor e não apenas libertar-se impacientemente da obrigação de escrever! Agora vamos aos detalhes.

Tema do ensaio

O tema do ensaio será um problema de ecologia à escolha do aluno. O problema pode (mas não tem de) ser de ecologia de populações e também pode (mas não tem de) ser o tema em que você pretende trabalhar na pós-graduação. O importante é que o problema ainda não esteja resolvido e que você consiga defender a importância de trabalhar nele. O Prof. Glauco Machado (USP) gosta de organizar o processo de formulação de problemas científicos em três passos que ele chama de pergunta, hipótese e previsão. A idéia é que uma pergunta teórica e relativamente ampla leva à formulação de uma hipótese refutável mais precisa, que por sua vez leva a uma previsão operacional referente ao resultado de um determinado experimento ou observação. A pergunta central do ensaio pode se enquadrar em qualquer destes três níveis, mas é fundamental que a sua formulação seja muito clara. Esta é uma oportunidade para pensar o mais honestamente possível sobre o que gostaria de fazer com a sua vida profissional nos próximos anos. O ensaio precisa apresentar dois argumentos fortes para a relevância do problema, seguidos de um breve enunciado da sua estratégia para resolvê-lo. No início, haverá uma breve introdução e, no final, uma breve conclusão.

Formato

A idéia geral do formato é a seguinte: diga o que vai dizer, diga-o, e diga o que disse. Assim não restam dúvidas. Siga atentamente o formato delineado abaixo. Os ensaios que não seguirem as indicações serão devolvidos sem correção. As indicações são detalhadas, mas muito fáceis de seguir. Cada ensaio terá um título e cinco parágrafos, totalizando um máximo de 1.100 palavras. Use um processador de texto como o Word ou semelhante, fonte Times New Roman de tamanho 12 e espaçamento duplo entre linhas. Por favor, alinhe o seu texto somente junto à margem esquerda. A justificação do texto em ambas as margens torna a leitura mais cansativa para os professores que precisarão ler e comentar 25 ensaios duas vezes. Escreva o seu nome no nome do arquivo, mas não escreva o nome dentro do arquivo.

Tópicos:

Título – Sintético, chamativo e informativo; não pode ultrapassar 70 caracteres.

  1. parágrafo – Deverá ter a seguinte informação, na seguinte ordem:
    1. I. Em uma frase, apresentar um fato ou afirmação provocante que chama a atenção do leitor para o problema sem, no entanto, enunciar a pergunta central do ensaio. Isto é um gancho de entrada.
    2. II. Em uma ou duas frases, apresentar informação de base para enquadrar a primeira apresentação do problema, que aparece em seguida.\
    3. III. Apresentar o problema em uma frase apenas. Este é o ponto central do ensaio. O leitor precisa entender claramente não só qual é o problema, mas também que ele está claramente formulada nesta frase. Tenha o cuidado de apresentar o problema em formato de pergunta o mais concreta possível e não no formato de uma problemática geral.
    4. IV. Apresentar um argumento de caráter relativamente geral, mas informativo, para convencer o leitor da relevância do problema.
    5. V. Apresentar um argumento de caráter relativamente particular para convencer ainda mais o leitor da relevância do problema.
    6. VI. Resumir, em uma frase curta e informativa, qual será a sua estratégia para resolver este problema.
  2. 2º parágrafo – Desenvolvimento do argumento geral. Por vezes, parece difícil apresentar o problema sem introduzir, à partida, uma grande quantidade de informação de base. Note que também é possível (e útil) dar informação de base neste parágrafo e no próximo, como contexto para os argumentos.
  3. 3º parágrafo – Desenvolvimento do argumento particular. Como no parágrafo anterior, aqui você pode apresentar informação de base útil para enquadrar o argumento.
  4. 4º parágrafo – Desenvolvimento da estratégia para resolver o problema. Repare que não se trata aqui de fazer uma descrição detalhada da metodologia. O importante é resumir os passos principais de como você chegaria a uma solução para o problema convencendo o leitor de que existe uma solução possível. É neste parágrafo que fica claro porque a sua pergunta não pode ser uma problemática. Os problemas têm soluções concretas, as problemáticas não.
  5. 5º parágrafo – Resumir o que foi dito. Re-enunciar a questão e resumir os dois argumentos que lhe dão importância usando palavras diferentes das que foram usadas no 1º parágrafo. Resumir também a estratégia de resolução do problema enfatizando a viabilidade daquilo que você se propõe a fazer. Não se limite a resumir burocraticamente o que já disse, aproveite a oportunidade para enfatizar os pontos essenciais antes de se despedir do leitor. Encerrar com uma frase que incentiva a pensar mais no assunto, por exemplo, mencionando uma extensão ou variante importante do problema, de modo a convencer o leitor que o problema é realmente interessante e que a história não acaba aqui. Isso é uma provocação de saída. Este parágrafo não deve ser muito maior que o primeiro. Na verdade, é desejável que os parágrafos tenham todos aproximadamente o mesmo tamanho.

Calendário de redação e correção

Sexta-feira, 14 de Maio – Entrega da primeira versão por e-mail para o endereço ecopop.usp@gmail.com. Os ensaios serão distribuídos aleatoriamente pelos alunos por e-mail, para que cada aluno avalie anonimamente um ensaio de um colega não identificado. Segunda-feira, 17 de Maio – Data limite para entrega da correção dos ensaios dos colegas pelos próprios alunos da disciplina. A correção, que deverá ter comentários à margem deve ser enviada para o e-mail ecopop.usp@gmail.com antes do início da aula de segunda-feira. Quarta-feira, 19 de Maio – Início do prazo de entrega da segunda versão dos ensaios. Enviar por e-mail para ecopop.usp@gmail.com. A correção será devolvida até 96 horas após o momento da entrega. Sexta-feira, 28 de Maio – Último dia para entrega da versão final do ensaio. Enviar por e-mail para ecopop.usp@gmail.com. Faça as contas, se a segunda versão for entregue muito tarde pode não haver tempo suficiente para receber a correção e re-escrever antes de sexta-feira 28.

Critérios de correção e pontuação

A correção do ensaio segue uma regra básica: ele tem de seguir as instruções de formato. Para além disso, em uma tentativa de alcançar objetividade e igualdade na avaliação, seguiremos os seguintes 20 critérios atribuindo um ponto (ou não atribuindo) por critério. O critério 18 é especial porque pode resultar em pontuação negativa nos casos em que o autor não revela conhecimento das regras gramaticais mais básicas. Assim, a pontuação do ensaio pode variar de 0 até 20. Não há pontuação parcial para cada critério – será sempre 1, 0, ou pontuação negativa no caso do critério 18.

Regra “Tudo ou Nada”:

O ensaio segue as instruções de formato? Se não seguir não é avaliado e recebe pontuação zero. Esta regra é aplicável tanto na segunda versão como na versão final.

Critérios para pontuação:

  1. título é sintético? O ensaio não deve ter um título extenso, típico de relatório, que descreve o conteúdo em detalhe.
  2. título é informativo? É importante encontrar um bom compromisso entre síntese e conteúdo. O título não pode ser tão sintético que fique completamente desprovido de informação.
  3. A frase de abertura dá vontade de continuar lendo?
  4. A informação de base tem relação com a(s) frase(s) de abertura e ajuda a compreender o problema que vem depois?
  5. problema é inteligível? O melhor teste para este ponto é ler a frase do problema isoladamente para um colega e averiguar duas coisas: primeiro, ele (ou ela) entende que a frase contém um problema científico; segundo, ele (ou ela) entende qual é o problema? Neste ponto e nos dois próximos, tudo fica mais fácil se o problema for claramente formulado como uma pergunta.
  6. problema é novo? A pontuação deste critério é zero se o ensaio der a entender que o autor já conhece a resposta para a pergunta.
  7. problema tem solução? Aqui é fundamental aplicar o teste do ‘depende’. Quando o problema é formulado como uma pergunta, será que a resposta à pergunta é ‘depende’? Em particular, se a resposta depender de definições dos termos utilizados na pergunta, é importantíssimo que esses termos sejam simplificados ou claramente explicados em algum ponto do ensaio. Para que a pergunta tenha resposta, é necessário que ela não seja baseada em reificações. Perguntas que resultam em ‘depende’ dificultam seriamente a formulação de justificativas e, principalmente, da estratégia que será empregada para responder à pergunta.
  8. A penúltima e antepenúltima frases do primeiro parágrafo apresentam duas justificativas inteligíveis e diferentes para investir no problema?
  9. A última frase do primeiro parágrafo apresenta uma síntese informativa da estratégia para resolução do problema?
  10. .Os parágrafos 2 e 3 formulam explicitamente duas justificativas para abordar o problema? A pontuação é zero se os parágrafos apenas recitarem mais informação de base sem amarrar o argumento e dizer para o leitor explicitamente porque o problema é relevante.
  11. As justificativas são informativas e convincentes? Este critério não receberá pontuação se o autor se limitar a argumentar que o problema é importante porque ainda ninguém trabalhou nele. Alguém já estudou enxaqueca de galinha?
  12. A estratégia é credível? O desenvolvimento da estratégia tem de revelar uma noção da diferença entre tática e estratégia, oferecendo um plano geral convincente de como a pergunta pode ser respondida. A pontuação é zero se o autor se perder em detalhes de técnica de coleta e análise de dados que não informam sobre a estratégia geral para responder à pergunta. Um bom teste para avaliar a viabilidade da estratégia é pensar em quais podem ser dois resultados alternativos do procedimento proposto e avaliar como estes resultados vão contribuir para a resolução do problema. Pensando no abstrato: se a estratégia levar ao resultado A, a solução do problema é X, se levar ao resultado B, a solução do problema é Y. Uma estratégia que leva infalivelmente ao mesmo resultado e à mesma conclusão deve levantar suspeitas.
  13. O último parágrafo amarra as pontas da história resumindo como a pergunta é pertinente e pode ser respondida? É importante que o leitor descubra no último parágrafo algo que já tinha sido anunciado no primeiro, mas que agora aparece com um pouco mais de substância, devido ao desenvolvimento das justificativas e da estratégia nos parágrafos 2, 3 e 4.
  14. A última frase é surpreendente? A última frase tem de fazer o leitor pensar que alguém poderia escrever mais um ensaio com base na idéia de encerramento.
  15. A leitura flui? Pontuação zero quando depois de ler uma frase ou um parágrafo várias vezes o leitor continua sem saber o que está lá escrito. Pense no samba ‘Idioma Esquisito’ de Nelson Sargento1. Repare que só pela dificuldade de compreensão, uma pontuação de zero neste ponto pode arrastar vários outros pontos para zero também.
  16. Existe abuso de pronomes demonstrativos? Pontuação zero quando existe. O uso excessivo e/ou indevido de pronomes demonstrativos (este, aquele, desse, disso…) obriga o leitor a retroceder no texto para descobrir quem é o sujeito da frase, o que acaba travando a leitura. Este critério é um caso particular do critério anterior e foi promovido a critério independente porque o abuso de pronomes demonstrativos é muito freqüente neste exercício.
  17. O autor sabe escrever frases longas? Pontuação zero quando a leitura em voz alta causa hipoxia. Há duas formas de ganhar este ponto: evitar frases longas ou estruturar as frases longas com cuidado, sem esquecer de dividi-las em partes informativas em uma seqüência lógica.
  18. O texto segue regras gramaticais básicas? Um ponto negativo quando o texto tem frases sem sujeito e/ou sem verbo. Outro ponto negativo quando o texto tem mais do que um caso de discordância de número ou de gênero. O professor se reserva o direito de atribuir outros pontos negativos para erros gramaticais óbvios.
  19. A terminologia é simples e compreensível? Pontuação zero quando o autor usa termos não definidos no texto, inacessíveis para um leitor de divulgação científica que não é necessariamente treinado no tema do ensaio.
  20. O estilo é franco e direto? Zero quando o autor não consegue abandonar a linguagem de relatório técnico-científico. Não se trata de impressionar uma banca, trata-se de convencer um leitor interessado que não tem nenhuma obrigação de ler o texto.

Para além da pontuação, as correções poderão ter comentários à margem.

Exemplos de Ensaios

Citações

  • Duster, T. 2005. Medicine - Race and reification in science. Science 307:1050-1051. [disponível em pdf]
  • Gopen, G. D., and J. A. Swan. 1990. The science of scientific writing. American Scientist 78:550-558. [disponível em pdf]
  • Hardy, G. H. 1967. A Mathematician’s aology. Cambridge University Press, Cambridge.
  • Marx, K. 1867. Das kapital. Kritik der politischen oekonomie. O. Meissner, L. W. Schmidt. Hamburg, New-York.
  • Platt, J. R. 1964. Strong inference - certain systematic methods of scientific thinking may produce much more rapid progress than others. Science 146:347-353. [disponível em pdf]
  • Rand, A. 1967. Introduction to objectivist epistemology. Objectivist, New York.
  • Slobodkin, L. B. 2001. The good, the bad and the reified. Evolutionary Ecology Research 3:1-13. [disponível em pdf]
  • Whitehead, A. N. 1925. Science and the modern world. Lowell lectures, 1925. The Macmillan company, New York.
  • Zencey, E. 1998. Some brief speculations on the popularity of entropy as metaphor. Pages 12-28 in E.
  • Zencey, Virgin Forest - Meditations on History, Ecology, and Culture. University of Georgia Press, Athens, Georgia.
ensaio.txt · Última modificação: 2024/01/09 18:17 por 127.0.0.1
www.chimeric.de Creative Commons License Valid CSS Driven by DokuWiki do yourself a favour and use a real browser - get firefox!! Recent changes RSS feed Valid XHTML 1.0