Fatores locais X regionais: qual deles tem maior relação com a diversidade de espécies?

Seção 1

O conhecimento de quais fatores são determinantes para a distribuição e manutenção da diversidade de espécies existentes no globo é uma das principais motivações da ecologia (Gaston 2000). A dificuldade em conhecer estes fatores advém de que escalas espaciais muito amplas abrangem condições bióticas e abióticas muito distintas e por isso, muitos processos diferentes podem dominar e/ou interagir, formando padrões complexos que são muito difíceis de testar e comprovar empiricamente (Hawkins 2004, Brown 1995). Somada a esta variação espacial enorme deve-se considerar o fator histórico, pois os padrões que vemos hoje podem ter sido gerados e alterados em algum momento do tempo geológico passado, o que contribui para aumentar a dificuldade de compreensão sobre as causas da diversidade de espécies no planeta (Hawkins et al. 2005, Mittelbach et al. 2007). Assim, ainda que exista a proposição de que a diversidade de espécies é determinada por padrões gerais globais (Gaston 2007), a maioria dos cientistas tenta entender os principais processos em duas escalas espaciais menores: regional e local e que serão abordadas individualmente a seguir. O estudo de comunidades biológicas, em sua maioria, traz consigo uma difícil tarefa que é a imposição de limites para o estabelecimento de um objeto de estudo. Estes limites podem ser físicos, temporais ou biológicos, porém quanto maior é a restrição deste objeto mais dependente ele se torna dea fatores externos para a sua perpetuação (Ricklefs 2008). Restrições muito grandes também podem tornar o objeto de estudo muito particular, o que pode diminuir a capacidade de extrapolação dos resultados para situações distintas (Guisan et al. 2007). Principalmente por causa disto é que muitas áreas da ciência procuram leis gerais, porque desta forma aumenta-se o poder de generalização e previsão frente a situações adversas. Inicialmente, os primeiros padrões associados à diversidade de espécies eram padrões regionais de clima, já que claramente a diversidade de espécies é maior onde a umidade e temperatura são mais elevadas (Hawkins 2004). Este padrão também é conhecido como gradiente latitudinal, sendo que o número de espécies é maior nos trópicos do que nas regiões extra tropicais. A partir destas teorias bem conhecidas, muitas outras teorias e hipóteses foram propostas para explicar a diversidade de espécies em escalas regionais (i.e. hipótese do tempo e área, teoria de espécies-energia, heterogeneidade ambiental, especiação-extinção), sendo que muitas destas possuem alto grau de correlação com o gradiente latitudinal (Hurlbert & Haskel 2003). Apesar do aparente sucesso destas teorias em explicar padrões observados na natureza, o teste empírico destas teorias necessitava de dados históricos e/ou em escalas espaciais muito amplas, o que impedia que estas teorias pudessem ser testadas de forma empírica e científica. Outro tipo de abordagem teria conseguido relacionar com sucesso diversidade de espécies e interações ecológicas em escalas locais e testar suas previsões baseando-se em testes empíricos e experimentais, alcançando resultados semelhantes àqueles obtidos com a abordagem em escala regional. Isto contribuiu para o total deslocamento das pesquisas em uma escala menos abrangente, porém mais aplicável e tão explicativa quanto àquela baseada em escala regional (Ricklefs 2004). O surgimento de estudos relacionando a diversidade e as interações entre as espécies em escalas locais foi estimulado por diversos fatores em conjunto, durante o início do século XX. A constatação de que espécies tem necessidades específicas (Grinnell 1917) associou o conceito de nicho ao local específico que determinada espécie ocupa dentro da comunidade. Posteriormente, a idéia de nicho foi associada com uma determinada função dentro da comunidade (Elton 1927), já que cada espécie afeta e é afetada por outras espécies. Estas interações entre os organismos ganharam importância em uma série de trabalhos (i.e. modelos populacionais de Lotka-Volterra e nos experimentos de Gause) (Ricklefs 2004) e a complexidade de interações entre os organismos da comunidade passou a ser relacionada com a estabilidade das comunidades, devido à capacidade de autoregulação destes sistemas (Hutchinson 1959). A partir disto, muitos trabalhos passaram a focar vários tipos de interações intra e interespecíficas dentro das comunidades como um dos principais fatores associados à diversidade de espécies e estruturação em comunidades (i.e. Paine 1966, Brown & Davidson 1977). Atualmente, esta visão dicotômica entre escalas regionais e locais vem sendo atacada, parte devido à especulação sobre a inexistência de limites e de processos definidos entre um e outro e parte devido à necessidade de unificação das teorias (Whitakker 2001), na tentativa de encontrar processos gerais que regem os sistemas ecológicos, o que ajudaria enormemente na conservação das espécies.

 Seção 2

Minha pesquisa objetiva avaliar a variação das distribuições de abundância de espécies e grupos funcionais de aves em comunidades sujeitas à gradientes ambientais de produtividade, medida através da evapotranspiração potencial (pet) e heterogeneidade ambiental, determinada a partir da escolha de fitofisionomias vegetais existentes no sudeste do Brasil. Também será analisado o efeito da fragmentação de hábitats dentro de cada fitofisionomia, realizando comparações entre a distribuição de abundância de espécies e grupos funcionais de uma área contínua com gradientes de cobertura de vegetação e % de agregação dos fragmentos em paisagens com raio de 2 km ao redor dos fragmentos. A análise das curvas de distribuição de abundância das espécies será feita a partir da seleção de modelos de abundância relativa de espécies, buscando qual modelo se ajusta melhor à distribuição de abundância das comunidades de aves e, posteriormente, qual destes modelos se ajusta melhor à variação encontrada dentro dos gradientes ambientais propostos. Gradientes ambientais tem sido muito usados para tentar explicar a diversidade de espécies ao redor do globo (Hawkins et al. 2003). Um dos exemplos mais bem estudados, mas nem por isso mais bem esclarecidos é o padrão latitudinal de riqueza de espécies no globo (Davies et al. 2007, Gaston 2007). Apesar de ser um dos padrões mais conhecidos, pouco se sabe quais fatores são determinantes para a ocorrência deste padrão (Hawkins et al. 2003). Apesar desta enorme dificuldade em entender os fatores que influenciam na criação deste padrão, o desenvolvimento de novas técnicas de amostragem baseadas em sensoriamento remoto, a grande disponibilidade de dados biológicos em banco de dados secundários e a motivação para descobertas de padrões gerais para o desenvolvimento de técnicas de manejo e conservação de diversidade eficientes fizeram com que trabalhos em escalas regionais e geográficas ganhassem força nas duas últimas décadas (Gastón 2000). Outros padrões regionais amplamente utilizados para tentar explicar a distribuição das espécies são os padrões baseados na teoria de espécies – energia e heterogeneidade ambiental (Kerr & Packer 1997). A teoria de espécies – energia é relacionada com a riqueza de espécies em um local por que níveis altos de umidade, temperatura e luminosidade nos ambientes se refletem em altas taxas de produtividade e conversão de biomassa pelos vegetais, o que aumenta a disponibilidade de energia através da rede trófica e isto favoreceria a coexistência de um maior número de espécies consumidoras (Davies et al. 2007). Por outro lado, esta maior produção de biomassa pode fazer com que o número e disponibilidade de ambientes aumente e com isso um maior número de microambientes sejam criados, o que aumentaria a quantidade de espécies ocupando um determinado local (Hurlbert & Haskel 2003). Existe uma diferença de escalas entre os gradientes utilizados. A variação da evapotranspiração, medida utilizada como parâmetro para medir a quantidade de energia disponível no ambiente, varia em função da temperatura e dependendo do tipo de evapotranspiração considerada e da fórmula matemática usada, da umidade. Em meu trabalho será considerada temperatura em quadrantes de 1 km2. Por outro lado, a heterogeneidade ambiental possui uma variação em escala mais ampla. No meu trabalho, serão utilizados quatro tipos de fitofisionomias existentes no sudeste brasileiro: floresta ombrófila densa, floresta estacional semidecidual, floresta ombrófila mista e cerrado sensu strictu. Esta medida, por sua vez varia em graus de latitude e longitude, portanto uma escala mais ampla do que a escala considerada para evapotranspiração. A análise da cobertura vegetal e % agregação dos fragmentos florestais em um raio de 2 km em torno dos fragmentos permitirá uma análise em escala intermediária aos gradientes ambientais acima. Desta forma, três escalas espaciais serão utilizadas para tentar encontrar a mais adequada para explicar a variação encontrada entre a distribuição de abundância das espécies de aves nas comunidades analisadas.

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