Importância de fatores locais e regionais na estruturação de comunidades em um contexto histórico e evolutivo

1)

Paula Hanna Valdujo

Importância de fatores locais e regionais na estruturação de comunidades em um contexto histórico e e evolutivo

Compreender os fatores que determinam a distribuição das espécies pelo planeta e os padrões de diversidade resultantes tem sido um desafio que interessa a ecólogos e biogeógrafos há muito tempo. Desde a década de 80 e, com maior intensidade, a partir da década de 90 diversos estudos enfocando o papel de fatores regionais na estruturação das comunidades foram publicados. Os termos “local”e “regional” referem-se a escalas espaciais nas quais predominam respectivamente processos ecológicos e biogeográficos (Cornell e Lawton 1992). Estudos têm demostrado a importância de processos que operam em cada uma das escalas na estruturação de comunidades (eg. Paine, 1966; Mittelbach et al., 2001). A relação entre as escalas local e regional não pode ser definida simplesmente como comunidades locais sendo amostras do pool regional de espécies, já que o conjunto de espécies em uma região é, por definição, a soma das espécies que ocorrem em comunidades locais nesta região (Cornell e Lawton 1992). Desta forma, a compreensão da estrutura das comunidades e de seus condicionantes dependem de um enfoque integrado de padrões e processos e suas interações nas diversas escalas espaciais.

Denominaram-se “metacomunidades” os conjuntos de comunidades locais conectadas por eventos de dispersão entre diversas espécies com potencial de interagir entre elas (Wilson, 1992; Leibold et al, 2004). Estudos que enfocam a teoria de metacomunidades buscam compreender de que forma o fato de comunidades locais estarem inseridas em biotas regionais mais diversas afeta fenômenos locais e variações entre comunidades locais (Leibold et al, 2004). Considerando-se que há também limitações impostas à biota regional (Cornell e Lawton 1992), estes estudos visam entender de que forma as dinâmicas da metacomunidade afetam os atributos das biotas regionais (Leibold et al, 2004). Alguns sistemas podem se facilmente delimitáveis, como organismos aquáticos em uma lagoa, ou organismos em ilhas, mas na maior parte dos casos, a delimitação pode não ser clara. Muitos estudos enfocando a relação entre diversidade em duas escalas enfocam comunidades locais constituídas em unidades discretas, por isso não se sabe o quento as teorias desenvolvidas aplicam-se a situações em que não há limites discretos entre as comunidades locais (Leibold et al 2004). Tradicionalmente, estudos que testam a importância de fenômenos regionais baseiam-se em correlações entre riqueza local e regional em diferentes regiões (Cornell, 1985; Witman et al., 2004). Dois modelos foram propostos por Cornell e Lawton (1992) e utilizados por diversos estudos posteriores para representar a relação entre a riqueza nas duas escalas: em um extremo, o modelo de proporcionalidade descreve uma relação linear entre riqueza local e regional, ou seja, a riqueza local seria uma proporção do pool regional de espécies. No outro extremo, o modelo de saturação, no qual a partir de um certo valor de riqueza regional não há qualquer incremento na riqueza local, representa uma situação em que a riqueza local é limitada por interações ecológicas, tais como competição, predação ou parasitismo. Estes modelos foram testados em diversas comunidades e, de acordo com Gaston (2000), a maior parte das comunidades descritas apresenta uma relação de proporcionalidade com a riqueza regional.

Processos que operam em escala local, tais como interações competitivas, podem interferir em padrões de diversidade em escala regional, pois de acordo com Cornell e Lawton (1992), se a diversidade local é saturada, então a diversidade regional deve ser limitada por processos locais. Entretanto, devido a heterogeneidades nos ambientes, ocorre uma alta substituição de espécies entre locais o que parece atenuar os efeitos dos processos locais sobre a diversidade regional (Cornell e Lawton 1992). Esse padrão pode ser gerado também por processos geológicos, tais como eventos de orogênese ou epirogênese, que venham a isolar populações que, por processos locais de interações com outras espécies e com o habitat que sofreu modificações, podem sofrer especiação por vicariância (Brown e Lomolino, 2006), o que aumenta a diversidade regional pelo aumento da substituição de espécies entre comunidades, sem que a diversidade local tenha sofrido alterações. Isso deixa claro que tão importante quanto a escala espacial no entendimento da organização das comunidades é a escala temporal, na medida em que os padrões observados atualmente são o resultado de processos ocorridos ao longo do tempo evolutivo.

Uma estratégia para reconstruir a história evolutiva e seus efeitos sobre a organização das comunidades é a utilização de táxons mais inclusivos, tais como pares de espécies-irmãs, grupos monofiléticos de espécies, gêneros, etc (Brooks e MacLennan, 1991, Ricklefs e Schluter, 1993). Os padrões correspondem à escala dos processos que os geraram2) (Ricklefs, 1987), e conjuntos de espécies-irmãs podem revelar padrões não detectados quando são apenas contados os números de espécies. Isso se aplica também a estudos de diversidade em escala global, que buscam entender como fatores ecológicos e climáticos atuam nos processos evolutiovs e biogeográficos para determinar padrões de riqueza (Wiens e Donoghue 2004). Assim, com o avanço das técnicas de filogenia molecular, estudos mais recentes tem incorporado informações filogenéticas a análises de diversidade (e.g. Webb, 2000). Com isso, desenvolve-se atualmente uma interface entre a sistematica filogenética, a biogeografia, a biologia evolutiva e a ecologia de comunidades (Wiens e Donoghue, 2004). Apesar de não ser possível testar os mecanismos que geram os padrões nesta escala espacial / temporal, o reconhecimento de padrões recorrentes entre espécies de diferentes linhagens que compõem as comunidades, associado a informações a respeito da história da Terra permite que sejam formuladas hipóteses bem embasadas para explicar determinados processos. Estes estudos integrativos reunem três elementos importantes à compreensão da relação entre as escalas local e regional: composição de comunidades, filogenia e atributos das espécies. A base destes estudos é a idéia de que espécies interagem em comunidades, que essas interações são determinadas pelas diferenças e semelhanças fenotípicas e que a variação entre fenótipos tem base na história evolutiva (Webb et al.,2002). Deste modo, conhecer a história evolutiva das espécies e suas linhagens fornece elementos importantes para o entendimento das comunidades atuais tanto em escala local quanto regional.

Wiens (2004) propõe que a tendência das espécies de reter nichos ecológicos ao longo do tempo evolutivo e sua inabilidade de adaptar-se a novas condições ambientais sejam fatores-chave para o isolamento das populações e criação de novas linhagens, o que pode explicar a presença ou a ausência de determinadas espécies tanto em escala local quanto em escala regional3). Este enfoque não se restringe a estudos em escala regional, pois considerando que a conservação de atributos ecológicos é amplamente observada nos mais diferentes grupos taxonômicos (Wiens e Graham 2005), o efeito de interações locais e filtros ambientais em escala local podem ser avaliados medindo-se o quanto espécies filogeneticamente relacionadas e ecologicamente similares co-ocorrem. Espera-se que se houver competição entre espécies com atributos similares, as comunidades tenderão a apresentar um padrão de dispersão filogenética (“overdispersion”; Webb et al., 2002).

Assim, a adição e interação entre processos em diferentes escalas espaciais, temporais e taxonômicas na estruturação de comunidades e na diversidade local, regional ou continental favorecem estudos que integrem teorias da ecologia de comunidades à biogeografia e macroecologia para que sejam formuladas e testadas hipóteses a respeito de padrões que não podem ser explicados por estudos que se concentram em uma escala apenas.

Referências Bibliográficas

Brooks, D.R. e D.A. McLennan. 1991. Phylogeny, Ecology, and Behavior. A Research Program in Comparative Biology. The University of Chicago Press. 434p.

Brown, J. e M. V. Lomolino. 2006. Biogeografia. Funpec - Editora. 692p.

Cornell, H.V. 1985. Local and Regional Richness of Cynipine Gall Wasps on California Oaks. Ecology 66(4):1247-1260.

Cornell, H.V. e J.H. Lawton 1992. Species Interactions, Local and Regional Processes, and Limits to the Richness of Ecological Communities: A Theoretical Perspective. The Journal of Animal Ecology 61(1):1-12.

Gaston, K.J. 2000. Global patterns in biodiversity. Nature 405:220-227.

Leibold, M.A., M. Holyoak, N. Mouquet, P. Amarasekare, J.M. Chesa, M.F. Hoopes, R.D. Holt, J.B. Shurin, R. Law, D. Tilman, M. Loreau e A. Gonzales. 2004. The metacommunity concept: a framework for multi-scale community ecology. Ecology Letters 2004 (7):601-613.

Mittelbach, G.G., Steiner, C.F., Scheiner, S.M., Gross, K.L., Reynolds, H.L., Waide, R.B. et al. (2001). What is the observed relationship between species richness and productivity? Ecology 82: 2381–2396.

Paine, R.T. (1966) Food web complexity and species diversity. American Naturalist, 100, 65–76.

Ricklefs, R. E. 1987. Community diversity: relative roles of local and regional preocesses. Science. 235 (4785): 167-171

Ricklefs R.E., Schluter D. 1993. Species diversity:regional and historical influences. In Species Diversity in Ecological Communities: Historical and Geographical Perspectives, ed. R.E. Ricklefs, D. Schluter, pp. 350–63. Chicago: Univ. Chicago Press

Webb, C.O., D.D. Ackerly, M.A. McPeek, M.J. Donoghue. 2002. Phylogenies and community ecology. Annu. Rev. Ecol. Syst. 33:475–505

Webb, C.O. 2000. Exploring the phylogenetic structure of ecological communities: an example for rain forest trees. American Naturalist 156:145–155.

Wiens, J.J. e M. J. Donoghue. 2004. Historical biogeography, ecology, and species richness. Trends in Ecology and Evolution. 19:639–44

Wiens, J.J. 2004. Speciation and ecology revisited: phylogenetic niche conservatism and the origin of species. Evolution 58:193–97

Wiens, J. J., and C. H. Graham. 2005. Niche conservatism: integrating evolution, ecology, and conservation biology. Annual Review of Ecology, Evolution, and Systematics 36:519–539.

Wilson, D.S. 1992. Complex interactions in metacommunities, with implications for biodiversity and higher levels of selection. Ecology, 73, 1984–2000.

Witman, J.D., R. J. Etter e F. Smith. 2004. The relationship between regional and local species diversity in marine benthic communities: A global perspective. Proceedings of the National Academy os Sciences 101(44):15664-15669.

1)
Apreciação Geral: uma revisão abrangente do assunto, bem articulada e fundamentada. As duas críticas que tenho são: (1) Não ficou claro para mim qual o impacto dos conceitos discutidos em sua pesquisa. Como conheço um pouco sua pesquisa e sei que ela está exatamente neste contexto teórico, minha hipótese é que apenas fazer a revisão do tema já lhe pareceu auto-evidente, mas não é. (2) A revisão é bastante completa, mas o preço que vc pagou por isto foi deixar de explorar ligações entre as proposições teóricas, e as possibilidades de formarem um corpo teórico integrado. Por exemplo: quais as relações entre a nova teoria de metacomunidades e o binômio clássico local/regional de Ricklefs e colaboradores? Como estes dois conceitos podem dialogar com toda a escola de filogeografia (para além de comparar clados irmãos e convergência fenotípica)? Qual o papel de diferentes processos de especiação na riqueza local, e vice-versa? Cada uma destas perguntas já resultaria em um ensaio, e algumas delas foram mencionadas neste. Mas me parece que prevaleceu o caráter de revisão bibliográfica, mais do que de ensaio.
2)
ou seja, padrões estão restritos à escala dos processos que os geraram? Os parágrafos anteriores argumentam o contrário
3)
o argumento aqui não ficou claro: o que é causa e o que é efeito, e quais os processos envolvidos?
ensaios/paula_hanna_valdujo.txt · Última modificação: 2011/07/20 14:40 por 127.0.0.1
CC Attribution-Noncommercial-Share Alike 4.0 International
www.chimeric.de Valid CSS Driven by DokuWiki do yourself a favour and use a real browser - get firefox!! Recent changes RSS feed Valid XHTML 1.0