Paula Condé

Ensaio

Teoria Neutra e o Paradigma da competição

Seção 1

Um objetivo principal da ecologia de comunidades é encontrar explanações sintéticas para os padrões observados de abundância de espécies ao longo de escalas do espaço e do tempo (Ricklefs & Schluter, 1993; Brown, 1995). Nos últimos anos, o impacto da publicação do livro “The Unified Neutral Theory of Biodiversity and Biogeography” por Hubbell (2001) gerou grandes discussões no âmbito teórico da ecologia. Isso porque a Teoria Neutra da Biodiversidade de Hubbell desafia a visão clássica do papel central dos processos competitivos na estruturação de comunidades ecológicas.

A história da Ecologia é muito marcada pela idéia de nicho e as implicações de seus desenvolvimentos teóricos. Desde Grinnell (1917), e mais formalmente desde Hutchinson (1957, 1959), ecólogos desenvolveram estruturas teóricas para o conceito ecológico de nicho na busca de explicar a coexistência de espécies com características similares nas comunidades ecológicas. Para Hutchinson (1957, 1959) o conceito de nicho definido como um “hipervolume” incluí limite de sobreposição da utilização de recursos entre espécies similares e escalas de tolerância para variáveis físicas do ambiente. Sua idéia sobre o nicho fundamental e realizado invoca a competição para explicar porque as espécies ocupam somente um subconjunto do espaço do nicho que é apropriado para elas na ausência de concorrentes (Hubbell, 2005).

O princípio central da teoria de nicho foi proposta por Gause em 1934, conhecido como o “princípio da exclusão competitiva”, e postula que duas espécies com nichos idênticos não podem coexistir indefinidamente (Hubbell, 2005). De Gause em diante, as regras de montagem e coexistência de espécies nas comunidades foram moldadas quase exclusivamente nos termos da competição, apesar de numerosas tentativas, na maior parte mal sucedidas, de ampliar a discussão incluindo mecanismos adicionais (Hubbell, 2005). Portanto, dentro da concepção do conhecimento ecológico, a competição sempre ocupou uma posição central no entendimento da estrutura e funcionamento dos sistemas naturais.

Seção 2

A Teoria Neutra da Biodiversidade de Hubbell é considerada por muitos ecólogos como uma ruptura radical das teorias estabelecidas de nicho (Chave, 2004). A premissa mais provocativa dessa teoria na comunidade científica é a considerada equivalência funcional ou “simetria” entre as espécies (Cassemiro & Padial, 2008). Essa premissa considera que os organismos de todas as espécies possuem propriedades equivalentes em eventos de nascimento, morte, dispersão e especiação, ou seja, indivíduos de todas as espécies são competitivamente idênticos, sendo que qualquer variação de características entre as espécies não possui impacto nas abundâncias totais ou nas taxas de especiação (McGill, 2006). Apesar de Hubbell dedicar um capítulo de seu livro a buscar reunir as teorias baseadas em dispersão e em nicho, é claro que a concepção neutra da comunidade abala alguns alicerces importantes da visão predominante na ecologia (De Marco Jr, 2006).

A TNB foi construída com base nos fundamentos da teoria de biogeografia de ilhas de MacArthur & Wilson de 1967, e nos conceitos estabelecidos sobre abundância relativa das espécies (Volkov et al., 2003). Hubbell (2001) defende que processos probabilísticos na colonização e extinção dos indivíduos nos habitats podem explicar as diferenças de composição e abundância relativa das espécies. Para isso, a TNB assume que não há nenhuma diferença entre indivíduos em termos de taxa de vida per capita ou em suas respostas às forças básicas agindo na comunidade (Hu et al., 2006).

A TNB usa a mesma estrutura matemática da teoria neutra da genética de populações para populações finitas (Hubbell, 2001), que postula que eventos aleatórios afetam a freqüência de alelos em uma população (Ewens, 1972). Analogamente, a abundância das espécies de uma comunidade poderia também seguir um padrão puramente probabilístico. Dessa forma, o processo de população postulado por Hubbell (2001) é baseado em dois pressupostos principais: [i] todos os organismos de todas as espécies têm propriedades ecológicas idênticas; e [ii] cada comunidade local em uma paisagem está saturada e não há mudanças no número de indivíduos dentro da comunidade com o tempo (Maurer & McGill, 2004). Esses dois processos combinados levam o que Hubbell chama de “deriva ecológica”, o equivalente matemático da “deriva genética”.

Mesmo não considerando interações competitivas, Hubbell mostrou que sua teoria é capaz de sumarizar uma surpreendente disposição de padrões empíricos de abundância das espécies (Chave 2004). Segundo Hubbell (2001) a Teoria Neutra da Biodiversidade é uma teoria geral da biodiversidade que tenta explicar padrões observados na natureza baseados principalmente em restrições na dispersão de indivíduos. O modelo neutro coloca uma possibilidade de estrutura de comunidade “baseada em dispersão” em contraposição a uma estrutura baseada em regras de assembléia “baseadas no nicho” (McGill, 2003).

Seção 3

Há uma grande repercussão da TNB na literatura científica, na qual avanços teóricos têm sido propostos e críticas têm sido feitas (Alonso et al. 2006, McGill et al. 2006). As críticas contra a TNB são abundantes, principalmente acerca de seu principal axioma (a equivalência ecológica das espécies), mas mesmo que a TNB tenha sido refutada em vários estudos, pesquisas recentes corroboram suas predições, apresentando avanços teóricos e novas ferramentas analíticas (Alonso et al., 2006). Segundo McGill (2003), as principais perspectivas de discussão sobre um tema tão interessante como a TNB são os dados, pois a TNB apresenta uma quantidade enorme de predições testáveis e que merecem avanço analítico e contribuições teóricas.

Um dos aspectos que ainda não foi extensamente explorado são testes de ajustes a distribuição predita pela teoria neutra em uma variedade de situações e grupos biológicos distintos, já que os testes até agora foram restritos a grupos específicos (McGill, 2003). Um campo promissor na ecologia é a utilização de inferências a partir de comparação entre modelos, ao invés da utilização de hipóteses nulas.

Nesse contexto, modelos baseados na teoria neutra seriam diretamente comparados a modelos baseados no nicho, no intuito de avaliar qual é o mais plausível para explicar um conjunto de dados, possibilitando manipulações mais sistemáticas para testar as predições da teoria neutra. Para tal, ferramentas baseadas na teoria da informação estão disponíveis aos ecólogos e permitem testar simultaneamente múltiplas hipóteses (Johnson & Omland 2004). Até o momento, poucos estudos utilizaram esta abordagem (McGill et al. 2006) e esse ainda é um caminho longo a ser trilhado.

Alonso et al. (2006) ressaltam que a TNB tem muitos méritos e é altamente relevante, pois significa uma tentativa de aproximação à realidade que tem as ferramentas necessárias para o desenvolvimento de pressupostos mais complexos. O modelo de Hubbell é um modelo mínimo de mecanismos comuns atuando nas comunidades ecológicas, que não considera competição e, no entanto, se ajusta bem aos dados. Mesmo com críticas à neutralidade das espécies, há importantes aspectos, pois a teoria neutra também é uma teoria de estocasticidade, de amostragem e de limites de dispersão (Alonso et al., 2006). Essas importantes características adicionais devem representar pontos importantes para o desenvolvimento teórico da ecologia de comunidades.

A teoria neutra movimentou um rico debate sobre a estrutura de comunidades ecológicas nos últimos anos, desafiando abordagens baseada em nicho com a simples combinação de neutralidade, estocasticidade, amostragem e dispersão (Alonso et al., 2006). Em um cenário atual onde questões ambientais e ameaças à biodiversidade tornam a compreensão da estruturação de comunidades um tema urgente e de destaque, uma teoria simples como a TNB é em princípio, altamente desejável (Chave 2004).

É conveniente ressaltar que mesmo os críticos consideram a TNB uma teoria elegante, facilmente testável e útil para o desenvolvimento teórico na ecologia (Cassemiro & Padial, 2006), e em geral, o debate leva à reflexão de como as perspectivas da TNB inova o campo científico teórico e aplicado da Ecologia de Comunidades.

Referências

Alonso, D.; Etienne R. S. & McKane A. J. 2006. The merits of neutral theory. Trends in Ecology and Evolution, 21(8): 451-457.

Brown, J. H. 1995. Macroecology. University of Chicago Press, Chicago. 284p.

Cassemiro, F. A. S. & Padial, A. A. 2008. Teoria neutra da biodiversidade e biogeografia: Aspectos teóricos, impactos na literatura e perspectivas. Oecologia Brasiliensis, 12(4): 706-719.

Chave, J. 2004. Neutral theory and community ecology. Ecology Letters, 7: 241-253.

De Marco Jr, P. 2006. Um longo caminho até uma teoria unificada para a Ecologia. Oecologia Brasiliensis, 10: 120-126.

Ewens, W. 1972. The sampling theory of selectively neutral alleles. Theory in Population Biology, 3: 87-112.

Grinnell, J. 1917. The niche relationships of the California thrasher. Auk, 34: 427-433.

Hubbell, S. P. 2001. The unified neutral theory of biodiversity and biogeography. Princeton University Press, New Jersey. 396p.

Hubbell, S. P. 2005. Neutral theory in community ecology and the hypothesis of functional equivalence. Functional Ecology, 19: 166-172.

Hu, X. S.; He, F. L. & Hubbell, S. P. 2006. Neutral theory in macroecology and population genetics. Oikos, 113: 548-556.

Hutchinson, G. E. 1957. Population studies - animal ecology and demography – concluding remarks. Cold Spring Harbor Symposia on Quantitative Biology, 22: 415-427.

Hutchinson, G. E. 1959. Homage to Santa Rosalia, or Why are there so many kinds of animals? American Naturalist, 93: 145-159.

Maurer, B. A. & McGill, B. J. 2004. Neutral and non-neutral macroecology. Basic and Applied Ecology, 5: 413-422.

McGill, B. J. 2003. A test of the unified neutral theory of biodiversity. Nature, 422: 881-885.

McGill, B.; Maurer, B. A & Weiser, M. D. 2006. Empirical evaluation of neutral theory ecology. Ecology Society of America, 87(6): 1411-1423.

Ricklefs, R. E. & Schluter, D. 1993. Species diversity in ecological communities: historical and geographical perspectives. University of Chicago Press, Chicago. 432p.

Volkov, I.; Banavar, J. R.; Hubbell, S. P. & Maritan, A. 2003. Neutral theory and relative species abundance in ecology. Nature, 424: 1035-1037.

ensaios/paula_alves_conde.txt · Última modificação: 2011/07/20 14:40 por 127.0.0.1
CC Attribution-Noncommercial-Share Alike 4.0 International
www.chimeric.de Valid CSS Driven by DokuWiki do yourself a favour and use a real browser - get firefox!! Recent changes RSS feed Valid XHTML 1.0