Como se usa o nicho onde se diz que ele é usado?

Laura Riba-Hernández

O conceito de nicho tem um lugar central na teoria ecológica: as principais bases conceituais da Ecologia envolvem o termo, explicitamente ou implicitamente. Tanto é assim que tem sido proposto especificamente que a teoria de nicho parece ter grande potencial para se converter na primeira teoria geral e unificadora da Ecologia. (Looije 2000).

É evidente que, mesmo fosse visto como um fim ideal, o objetivo de desenvolver o conceito de nicho nunca passou por sua utilidade prática ou aplicada. Uma longa série de ecólogos, desde G. E. Hutchinson ocuparam-se por revisar o conceito, geralmente propondo uma torção, mudando um pouco a abordagem, mas permanecendo sempre dentro do quadro de síntese teórica universal. Porém, é uma necessidade cada vez mais forte para responder aos problemas conservação e gestão de recursos e avaliar o impacto das obras humanas ou efeitos imprevistos como a mudança global.

O meu objetivo neste ensaio é analisar utilidade do conceito de nicho para essas necessidades e aplicações para as quais a Ecologia pretende ter ingerência, o que geralmente chamamos de Ecologia Aplicada. Como poucas vezes o interesse é, ou deveria ser mono-específico (as espécies não vivem isoladas) e como as mudanças e os problemas ambientais ocorrem freqüentemente no nível do sistema, procuro direcionar a atenção para o nível da comunidade, incorporando as interações.

Revisores diferentes, de acordo com seus próprios interesses, têm interpretações muito diferentes sobre o que é nicho grinnelliano, eltoniano, prehutchinsoniano, hutchinsoniano, macarthuriano ou atual, ou sobre como é conveniente separar as diferentes definições e usos.

Obviamente ainda não há acordo na tipologia do nicho entre os ecólogos que nos permita ter claro o que envolve cada versão do conceito. As controvérsias mais comuns associadas com o conceito, não só em termos de sua evolução histórica, sem não aquelas não resolvidas (e em muitos casos, não claras), incluem se o nicho é dos ambientes ou dos organismos, seja distribuições e habitats ou utilização de recursos, ou se o que importa é o que você vê atualmente ou as potencialidades não expressadas.

É importante esclarecer que estabelecer o que cada um entende por nicho não é apenas uma simples curiosidade ou uma busca revisionista de rigor em termos científicos, mas também uma necessidade na busca para encontrar os critérios (ou seja, regras de ação) no terreno aplicado: normalmente, as propriedades ou a teoria associada à um nicho não podem ser extrapolados para outros nichos. Só porque todo mundo tem chamado da mesma maneira. Por exemplo, e embora muito tempo tenha passado, em seu artigo “A teoria do nicho”, MacArthur (1968) argumentou que o termo nicho é operacional somente se for usado em termos comparativos (por exemplo, as diferenças entre nichos, nicho de uma espécie em dois lugares diferentes), que só faz sentido quando a análise se refere a um ambiente homogêneo para a utilização ou a resposta (grão fino), e que o nicho de cada indivíduo é diferente. É então, aqueles que optam por utilizar o nicho definido por MacArthur devem obedecer a estes requisitos e propriedades, ou demonstrar se é correta a sua extensão para novas propriedades ao invés de dar por fundamentada pela teoria existente com o nicho como um de seus conceitos centrais.

No processo de avaliação e tomada de decisão devemos ir para a natureza e medi-la, devemos saber como esta, temos que saber o que aconteceu, devemos saber que vai (ou pode) acontecer, e temos que decidir o que fazer para alcançar uma meta predefinida. Então, sem dúvida, o conceito de nicho, e o resto da teoria, enfrenta uma definição diferente de objetivos para entrar no campo aplicado: não só a necessidade de explicar os padrões observados, mas também prever a distribuição e abundância de organismos em condições novas, diferentes.

Obviamente, o problema de que não exista um único critério para a definição de nicho será estendida para qualquer outro análise, e cada argumento pode ser visto de diferentes ângulos. Pelo momento obviarei essa discussão (mas sem esquecer que é a base) para aprofundar a questão prática: ao incorporar os nichos em qualquer tipo de modelo utilizado, devemos ser capaz de mensurá-lo (o que quer que seja!). A pergunta agora é: Será que nicho é algo que podemos determinar? E se é sim, como?

A medição do uso de recursos por parte de um grupo de organismos nós dá uma idéia de alguma característica (ou dimensão) do nicho, mas que inclui o efeito de outros organismos (embora de uma maneira difícil de avaliar diretamente). Além disso, a teoria diz que vai mudar quando as condições sejam alteradas. A maior capacidade preditiva de resposta às mudanças, portanto, parece estar na idéia de nicho pré-interactivo (que Hutchinson (1957) chamou nicho fundamental). Isso é porque ele define as condições em que o grupo de organismos de interesse pode aumentar ou manter-se no tempo para lá de como sejam as condições atuais. Neste sentido, e dado que o conceito existe, a distribuição geográfica (mais especificamente, o conjunto de condições ambientais relacionados com a ocorrência deste grupo de organismos) foi o principal dado da realidade que utilizaram os ecólogos para delinear este nicho. Mas o que nos diz a distribuição de uma população ou uma espécie sobre seu nicho?

De acordo com a idéia inicial de nicho, as espécies estão onde as condições para a sua população crescer ou permanecer no tempo. Hutchinson chamou “nicho fundamental” ao conjunto de valores de variáveis ambientais (por exemplo, temperatura e abundancia de alimento), e ao mesmo tempo o distinguiu de outro, o “nicho realizado”, que ele definiu como um subconjunto de aquele produzido pelos efeitos das interações com outras espécies (por exemplo, competidores pelos mesmos recursos). A idéia é que a espécie não vai estar lá onde um competidor se move. Mas de acordo com a teoria fonte-sumideiro, a espécie pode estar presente em locais onde a reprodução não compensa a mortalidade (ou seja, fora do nicho fundamental) e onde a população é mantida pela imigração. A mesma situação poderia ocorrer se relaxarmos a hipótese de equilíbrio permanente, em locais onde as condições não são mais suficientes para manter os números da população, mas ainda não se extinguiu. Pelo contrário, pela ação de fatores históricos ou por dispersão limitada, uma espécie não pode estar presente em todos os locais onde poderia estar, o que também pode ser esperado se cumpre a teoria de metapopulaçoes quando argumenta que as populações locais podem-se extinguir por fatores mais ou menos aleatórios, ali onde poderiam persistir. Em última análise, os ecólogos sabem que há muitas razões pelas quais a distribuição não implica o nicho e vice-versa. Mas em Ecologia Aplicada o problema é invertido, não se analisa a distribuição com um nicho conhecido a priori para detectar, testar ou explicar os fatores que o alteram, mas a intenção, no entanto, é saber (medir) o nicho das espécies a partir de sua distribuição atual.

Talvez poderia-se ter maior certeza fosse possível contar com estimativas populacionais em cada um desses sítios. Mas, como podemos medir a população onde a espécie não esta? Ou quanto tempo se considera adequado para que a demografia reflita as condições atuais? O ponto é que, mesmo assim, estaríamos medindo o nicho realizado (ou seja, o que acontece agora), sem capacidade de avaliar o seu potencial de mudar. Portanto, temos um segundo problema para a utilização do nicho no domínio da aplicação: com exceção de algumas variáveis fisiológicas que poderiam ser calculadas ou experimentos isolados para testar a influência de cada um dos possíveis fatores, não podemos saber o nicho fundamental de uma espécie. É difícil até mesmo estimar o nicho realizado em um determinado momento. Assim, o fato de que não é necessário medir completamente o nicho para que seja um conceito útil (Begon et al. 1996), envolve também que pode ser um conceito útil, mas não quando tem que ser medido! E isso afeta significativamente a sua utilidade prática ou aplicada.

Referências

Begon, M; JL Harper & CR Townsend. 1996. Ecology: individuals, populations and communities. 3ra ed. Blackwell Science Ltd.

Hutchinson, GE. 1957. Concluding remarks. Cold Spring Harbor Symp. Quant. Biol. 22:415.427.

Looijen, RC. 2000. Holism and reductionism in biology and ecology. The mutual dependence of higher and lower level research programmes. Kluwer Academic Publishers, Dordrecht.

Macarthur, RH. 1968. The theory of the niche. Pp. 159.176 in: RC Lewontin (ed.). Population Biology and Evolution. Syracuse Univ. Press.

ensaios/laura_riba-hernandez.txt · Última modificação: 2011/07/20 14:40 por 127.0.0.1
CC Attribution-Noncommercial-Share Alike 4.0 International
www.chimeric.de Valid CSS Driven by DokuWiki do yourself a favour and use a real browser - get firefox!! Recent changes RSS feed Valid XHTML 1.0