EFEITOS DA PERDA DE MAMÍFEROS DE TOPO EM UMA PAISAGEM RURAL DO PLANALTO ATLÂNTICO DE SÃO PAULO

SEÇÃO 1 1)

Grandes mamíferos são importantes predadores de topo2) (Terborgh 1988, Palomares et al. 1995, Crooks & Soulé 1999, Terborgh et al. 2002) por isso, a perda de mamíferos de maior porte pode levar a profundas conseqüências na composição e em aspectos funcionais das florestas através dos efeitos ecológicos em cascata (Redford 1992, Crooks & Soulé 1999).

3)A idéia de que predadores de topo são espécies importantes para a biologia da conservação não é nova. Esta foi sugerida como tendo uma importância desproporcional4) em redes alimentares devido que a extinção destes predadores poderia gerar uma cascata de extinções secundárias inesperadas5) (Paine 1966, Primm 1980).

Segundo Paine (1966) a diversidade local de espécies é diretamente relacionada com a eficiência na6) qual os predadores previnem a monopolização da maioria dos requisitos ambientais por uma única espécie7). Predadores de topo freqüentemente limitam o número de suas presas, alterando a estrutura e função de todo ecossistema (Terborgh et al. 2002; Ginger et al. 2003). Dessa maneira a morte de mesopredadores8) por predadores de topo reduz os efeitos negativos de outros fatores tal como à9) competição intra-específica, então esta mortalidade pode ter um efeito estabilizador amenizando os efeitos da competição intra-específica na flutuação das populações10).

Estudos recentes têm dado atenção à importância de grandes predadores na supressão de pequenos predadores (mesopredadores) e conseqüentemente moderando o impacto da predação sobre espécies de presas pequenas (Berger et al. 2008, Letnic et al. 2009)11). Predadores de topo são definidos como espécies que ocupam o topo de cadeias tróficas dentro de comunidades, e freqüentemente possuem grande massa corporal (>15 kg 12) ) e são caçadores especializados13). Mesopredadores ocupam posições tróficas abaixo dos predadores de topo, também podem ser denominados de mesocarnívoros, que são mamíferos14) carnívoros e onívoros de tamanho médio (1-15 kg) (Ginger et al. 2003; Ritchie & Johnson 2009).

O desaparecimento de predadores de topo pode facilitar a invasão de mesopredadores exóticos como também causar o aumento da população de mesopredadores nativos, este aumento potencial pode levar a extinção algumas espécies de presas15), especialmente aquelas que são susceptíveis devido às baixas taxas de natalidade ou porque vivem em situações que as tornam expostas ao ataque de mesopredadores (Polis & Holt 1992; Courchamp et al. 1999). Assim, a remoção ou a ausência de predadores levaria ao aumento da densidade de consumidores que por sua vez teria conseqüências negativas para os produtores16) (Terborgh et al. 2001).

A substituição de predadores grandes por pequenos de hábitos generalistas têm((concordância)) aumentado como conseqüência da fragmentação de habitats e da diminuição da pressão exercida por grandes mamíferos carnívoros quando estes se extinguem localmente, fenômeno chamado de “mesopredador release” (Rogers & Caro 1998, Crooks & Soulé 1999, Terborgh et al. 2001, Disney et al. 2008). A hipótese de “mesopredador release” postula que a eliminação de predadores de topo resulta no aumento da abundância e do impacto de pequenos predadores (mesopredadores), devido à redução da predação e da competição intraguilda dentro da comunidade de predadores, além de uma maior pressão de predação nas espécies de presas destes, que teriam suas populações reduzidas (Paine 1966; Rogers & Caro 1998, Crooks & Soulé 1999; Palomares et al. 1995)17).

Regiões que perderam parte de sua comunidade de grandes predadores passaram por mudanças ecológicas nas espécies remanescentes, que aumentaram de densidade ou mudaram o seu comportamento após estarem “liberadas” da competição ou da predação por grandes predadores (Crooks & Soulé 1999; Berger et al. 2001)18).

SEÇÃO 2

O projeto de mestrado que desenvolvo, “Distribuição de mamíferos de maior porte em uma paisagem rural do Planalto Atlântico de São Paulo”, está sendo realizado em uma paisagem fragmentada de 10.800 ha, localizada nos municípios de Ribeirão Grande e Capão Bonito, no Planalto Atlântico Paulista, próximo ao Parque Estadual Intervales, onde investigo quais os fatores preponderantes que condicionam a distribuição de mamíferos de maior porte em uma paisagem rural de Mata Atlântica. A presença e freqüência de uso de mamíferos de maior porte terrestres estão sendo quantificadas em 24 fragmentos de mata através da utilização de armadilhas fotográficas.

Considerando o esforço total de 3120 câmeras-dia empreendido nos 24 sítios até o momento, foi obtido um total de 3279 registros independentes pertencentes a 14 espécies nativas de cinco ordens distintas (Tabela 1), e quatro espécies exóticas - cachorro doméstico (Canis lupus familiaris), boi (Bos taurus), búfalo (Bubalus sp.), e porco doméstico (Sus domesticus) (tabela 2). As quatro espécies nativas mais registradas, gambá, quati, tatu galinha e irara representam 93,96% dos registros, sendo que o gambá foi responsável por 81,7% do total de registros (Tabela 1). As espécies nativas mais registradas em armadilhas fotográficas foram também às espécies mais amplamente distribuídas, conforme também encontrado no estudo de Espartosa (2009), (Tabela 1).

A comunidade de mamíferos encontrada na área de estudo é simplificada e dominada por espécies de médio porte generalistas, especialmente por gambás. Apenas três registros de mamíferos predadores de topo (Leopardus pardalis 19) e Puma concolor) ocorreram durante todo o estudo, sinalizando que estas espécies são raras na área de estudo e que podem ser extintas localmente se o processo de fragmentação e a caça não forem interrompidos. Os resultados encontrados corroboram com20) a revisão bibliográfica realizada por Ritchie e Johnson (2009), onde em 12 de 14 (86%) estudos, a abundância de predadores de topo e mesopredadores foi negativamente relacionada21).

Aliado ao fator ausência de predadores de topo, a exorbitante abundância de gambás pode ser explicado por sua grande plasticidade ecológica que o capacita viver até mesmo em grandes centros urbanos (Crooks 2002, Rossi et al. 2006). Sua dieta é onívora e inclui uma ampla variação de itens como invertebrados, pequenos vertebrados, sementes e frutos (Carvalho et al. 1999, Cáceres 2004), sendo capaz de se manter em paisagens fragmentadas (Pardini et al. 2005) já que apresenta altas taxas de movimentação entre fragmentos de Mata Atlântica (Pires et al. 2002).

Dessa maneira a baixa freqüência de ocorrência de predadores de topo na paisagem de estudo pode ser um dos fatores que explica a alta abundância de mesopredadores, já que outros fatores como paisagens fragmentadas e remanescentes de tamanho reduzido também favorecem o aumento destes22) (Litvaitis & Villafuerte 1996, Rogers & Caro 1998, Crooks & Soulé 1999, Terborgh et al. 2001). Estes resultados são alarmantes, já que a ausência de mamíferos predadores de topo provoca fortes efeitos na diversidade e na dinâmica trófica do sistema23) (Palomares & Caro 1999; Cuarón 2000; Terborgh et al. 2001).

Ademais a proliferação24) destes mesopredadores, principalmente a de gambás que foi a espécie responsável por mais de 80% dos registros pode trazer conseqüências negativas para a comunidade, através do aumento das taxas de predação (Crooks & Soulé 1999, Paine 1966), podendo levar a extinção algumas espécies de presa (Polis & Holt 1992; Courchamp et al. 1999). Estudos mostraram que esta espécie é um dos principais predadores de ninho 25) de (Donavan et al. 1997; Staller et al. 2005, Disney et al. 2008) e aparentemente excluiu espécies de pequenos mamíferos por competição e predação em fragmentos de Mata Atlântica26) (Wilson 1970, Fonseca & Robinson 1990).

Segundo Ritchie e Johnson (2009), 94 estudos foram realizados até momento em todos os continentes (com exceção da América do Sul) para verificar como as espécies de grandes carnívoros afetam as populações de mesopredadores, para entender como as complexas redes alimentares são reguladas, e suas aplicações para a conservação da biodiversidade e restauração de habitats. Devido às altas taxas de declínio que mamíferos carnívoros vêm sofrendo em todo o mundo (Berger et al. 2001) e da importância destes predadores de topo na estruturação das comunidades, novos estudos deveriam ser realizados principalmente na América do Sul para compreendermos como os predadores de topo de fato afetam as populações de mesopredadores e a comunidade de presas em nosso continente, e de como estão estruturadas as comunidades onde estes predadores já foram extintos27).

28)

Bibliografia

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1)
Títulos mais informativos para as seções
2)
incluindo antas, veados, girafas, zebras, elefantes e baleias?
3)
Todo o parágrafo com problemas sérios de redação
4)
a idéia tem uma importância grande nas redes alimentares?
5)
se são inesperadas, como forma previstas?
6)
com a
7)
de presa
8)
não foi definido
9)
a
10)
o controle de mesopredadores por predadores de topo amenizam competição?
11)
esta explicação deveria vir antes do parágrafo anterior
12)
creio que isto se aplica a mamíferos. Em outros grupos predadores de topo podem ter massa bem inferior a este valor.
13)
No mínimo me parece um contra-senso ecológico. Como a biomassa diminui com os níveis tróficos, esperaria maior generalismo dos predadores de topo
14)
apenas aqui vc indicou que estava se restringindo a mamíferos
15)
dos mesopredadores?
16)
as presas são produtores
17)
Este e os três parágrafos precedentes são variações do mesmo tema
18)
Dá a idéia de que houve aumento populacional de todas as espécies, o que contradiz os parágrafos anteriores
19)
Jaguatirica não seria um mesopredador?
20)
corroborar é verbo transitivo direto
21)
Qual é o dado que mostra correlação entre estes dois grupos de predadores?
22)
se há outras explicações, o que indica que a esacassez de predadores de topo é importante?
23)
qual a relação do gambá com isto?
24)
os dados são de número de registros e não de proliferação
25)
creio que o correto seja predadores de ovos e filhotes de aves em seus ninhos
26)
e o que dizem os dados já disponíveis de pequenos mamíferos para esta paisagem?
27)
Esta conclusão é uma reafirmação da introdução
28)
Apreciação geral: A proposta do ensaio era a de uma apresentação lógica e fundamentada de um conceito tratado na disciplina, seguida da explicação de seu impacto em sua pesquisa. Trata-se, portanto, de construir uma argumentação com sequência lógica e boa fundamentação empírica e lógica. A primeira seção não vai muito além de reafirmar a hipótese de mesopredator release, e a segunda apresenta evidências circunstanciais de que esta hipótese se aplique à sua pesquisa. Ao longo de todo o texto problemas de redação comprometem a clareza, ou mesmo permitem interpretações bem diferentes das pretendidas (ambiguidade). O ensaio ganharia mais com uma apresentação mais organizada do conceito de mesopredator release, seguido de uma breve crítica, tudo isto numa sequência linear e lógica, com frases simples e encadeadas. Em seguida, esperaria uma aplicação mais cuidadosa do conceito à sua pesquisa. Não há problemas em não ter evidências forte a favor da hipótese, pois ainda assim ela pode ser útil de alguma maneira. O mérito aqui está em reconhecer onde de fato está a utilidade (que pode ser meramente teórica), e não ceder à tentação de pinçar as informações ad hoc.
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