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ensaios:2017 [2019/01/10 12:38] – [Diz-me quem és e dir-te-ei onde estás: nicho, filogenia e composição de comunidades de serpentes] pauloensaios:2017 [2019/01/10 12:45] (atual) – [Vellend como ferramenta conceitual para a comparação entre dois ambientes contrastantes] paulo
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-==== O Conceito de Especiação e as Interações entre Plantas e Grandes Mamíferos ====+ 
 +==== O Conceito de Especiação e as Interações entre Plantas e Grandes Mamíferos ====
 === Lucas Ferreira do Nascimento === === Lucas Ferreira do Nascimento ===
  
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 Wiens, J. J., Parra-Olea, G., Garcia-Paris, M., & Wake, D. B. (2007). Phylogenetic history underlies elevational biodiversity patterns in tropical salamanders. Proceedings of the Royal Society B: Biological Sciences, 274(1612), 919–928. https://doi.org/10.1098/rspb.2006.0301 Wiens, J. J., Parra-Olea, G., Garcia-Paris, M., & Wake, D. B. (2007). Phylogenetic history underlies elevational biodiversity patterns in tropical salamanders. Proceedings of the Royal Society B: Biological Sciences, 274(1612), 919–928. https://doi.org/10.1098/rspb.2006.0301
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 +==== Vellend como ferramenta conceitual para a comparação entre dois ambientes contrastantes ====
 +=== Marcelo Petratti Pansonato ===
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 +A ecologia de comunidades é um campo da ciência que busca compreender como e por quais razões a riqueza, a composição e a abundância das espécies variam entre diferentes locais. Ao longo do tempo, grandes esforços foram empregados a fim de responder questões relacionadas a estes temas. O resultado, porém, é que a ecologia de comunidades se tornou uma bagunça (Lawton 1999; Roughgarden 2009). Baseada majoritariamente em estudos empíricos, padrões gerais que sejam aplicáveis à todos os tipos de organismos e ambientes raramente foram e são identificados. Na verdade, a imensa variedade de combinações possíveis de interações entre os organismos e seu meio fez com que os cientistas que trabalham com ecologia de comunidades buscassem explicações adequadas a cada caso. Com isso, se formou uma verdadeira “torre de babel” de processos e padrões não generalizáveis além do escopo de cada sub área da ecologia de comunidades. Com o objetivo de ordenar e simplificar a teoria de ecologia de comunidades, Vellend (2010) propõe o agrupamento de todos os processos relacionados a formação de comunidades ecológicas dentro de quatro processos principais: Especiação, Dispersão, Deriva e Seleção. O autor chama essa síntese de teoria das comunidades ecológicas.
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 +De acordo com a teoria proposta por Vellend (2010) os processos de especiação e dispersão são responsáveis pelo acréscimo de novas espécies às comunidades (Figura 1). A especiação – criação de novas espécies – historicamente foi tratada em estudos biogeográficos e macroevolutivos (Brown 1995). A especiação é um componente determinante para a compreensão de padrões que refletem a ação de processos históricos e geográficos sobre a dinâmica das comunidades (Vellend 2016; Ricklefs & Schluter 1993). Em estudos de comunidades fechadas, em escalas locais e ambientes homogêneos parece razoável deixar as questões relacionadas à especiação de lado, uma vez que o que interessa é a constituição atual da comunidade e seus atributos (Vellend 2010). Por outro lado, em estudos realizados em escalas mais amplas, que avaliam diferentes regiões geográficas e que abrangem certos níveis de heterogeneidade ambiental é importante considerar o contexto biogeográfico e evolutivo que deu origem ao pool regional de espécies (Ricklefs 1987). A dispersão – o movimento de organismos através do espaço – é um processo essencial para diversas teorias de ecologia de comunidades como a Biogeografia de Ilhas (MacArthur & Wilson 1967) e Metacomunidades (Leibold et al. 2004). É determinante para a manutenção da diversidade e a distribuição espacial das espécies em escalas locais e regionais (Hubbell 1979; Clark et al. 1999). A dispersão, por também influenciar variações nas abundâncias relativas das espécies, tem efeitos significativos sobre a dinâmica de comunidades ecológicas.
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 +Os processos responsáveis pela perda de espécies em uma comunidade são a deriva e a seleção (Figura 1) (Vellend 2010). A deriva ecológica, – mudanças aleatórias nas abundâncias relativas das espécies – é um processo que se baseia na premissa de que as taxas de nascimento, morte e reprodução dos indivíduos são aleatórias em uma comunidade fechada, o que caracteriza a estocasticidade demográfica (Vellend 2016). Variações na probabilidade de ocorrência de cada taxa vital acarretam em mudanças nas abundâncias das espécies. Modelos mais realistas incluem também a probabilidade de imigração e extinção (Hubbell 2001). A seleção – diferença determinística de //fitness// entre indivíduos de diferentes espécies – pode ser entendida como o balanço das interações intra e interespecíficas e da relação das espécies com o ambiente. A seleção pode atuar de diferentes maneiras, variando sua direção e intensidade ao longo do tempo e do espaço (Nowak 2006). É importante mencionar que os quatro processos elementares propostos por Vellend (2010) interagem entre si. Por exemplo, diferenças de fitness entre espécies determinam variações em suas taxas vitais que, por sua vez, podem afetar o resultado do elemento estocástico do processo de deriva. Como outro exemplo, a teoria neutra consiste de uma interação entre os processos de especiação, dispersão e deriva (Hubbell 2001).
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 +{{ :ensaios:pansonatofigura1.png?200  }}
 +**Figura1:** Os quatro processos que fazem o número de espécies em uma comunidade mudar. Cada círculo pequeno é um indivíduo e seu preenchimento indica sua espécie.
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 +A teoria de comunidades ecológicas proposta por Vellend (2010) possui a vantagem de organizar de maneira lógica e simplificada o material produzido por ecólogos de comunidades ao longo do tempo, o que facilita o entendimento e a didática da matéria. Também, esclarece as semelhanças e diferenças entre as inúmeras abordagens conceituais e teóricas da ecologia de comunidades. Além disso, articula uma teoria geral sobre ecologia de comunidades: “espécies são adicionadas às comunidades através dos processos de especiação e dispersão, e a abundância relativa dessas espécies é controlada por deriva e seleção, sob a influência da dispersão, os quais governam a dinâmica de comunidade” (Vellend 2010). Embora a teoria proposta por Vellend (2010) se aplique aos mais diversos tipos de comunidades e organismos, o autor reconhece que a importância relativa de cada um dos quatro principais processos deve variar (Vellend 2016). Como exemplo, Vellend afirma que: “A importância da seleção versus da deriva, em definir a trajetória e o resultado da dinâmica da comunidade local depende se os objetos de estudo são plantas em uma pastagem, libélulas em um lago, besouros em um recipiente de laboratório ou aves em uma floresta”. Desta forma é razoável supor que, mesmo dentro de uma única guilda, a importância relativa de cada processo também varie entre ambientes ecologicamente e historicamente contrastantes.
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 +Para melhor ilustrar a importância da teoria de comunidades de Vellend para uma readequação da minha tese, me permito neste momento fazer um breve retrospecto das ideias inicialmente trabalhadas. A princípio eu buscava compreender a importância relativa de processos determinísticos e neutros sobre a estruturação de comunidades de espécies arbóreas em florestas de restingas e florestas de encosta. Boa parte dessa linha de raciocínio teve origem nas referências bibliográficas que utilizei durante meu mestrado, de 2009 à 2011. Algum tempo, estudos e disciplinas depois do meu ingresso no doutorado ficou claro que a dicotomia entre processos determinísticos e neutros já não é mais uma abordagem que contribui para o avanço da ecologia de comunidades. Como a escala espacial do meu atual estudo é muito maior do que a que utilizei anteriormente, apenas os processos relacionados à seleção (determinísticos) e à deriva (neutros) parecem não ser suficientes para compreender os padrões encontrados ao longo de quase todo o litoral brasileiro. De fato, minha área de estudo compreende diversos setores biogeográficos (Fiaschi & Pirani 2009) e compara ambientes que se originaram em períodos geológicos bastante distintos (Suguio & Tessler 1984). Certamente, além da seleção e deriva, os processos de especiação (dentro e entre as regiões biogeográficas) e de dispersão (de um ambiente mais antigo para um mais recente) também atuam de maneira determinante em moldar as comunidades de árvores que estudo.
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 +Agora, pretendo inserir um contexto teórico mais abrangente ao meu estudo, como o proposto pelo Vellend (2010), que aparentemente é capaz de contemplar todos os processos essenciais à estruturação das comunidades com que trabalho. Mais especificamente, pretendo discorrer sobre possíveis variações na importância relativa dos quatro processos essenciais descritos por Vellend (2010) quando são comparados dois ambientes contrastantes em termos bióticos e abióticos. Minha ideia é focar nos processos atuando independentemente, suas possíveis interações estão fora do escopo deste ensaio. Para tal, imagine dois ambientes limítrofes. Um deles é geologicamente recente, possui solos pobres em nutrientes e outros fatores considerados limitantes ao desenvolvimento vegetal. Também, neste ambiente restritivo, a riqueza de espécies arbóreas é relativamente baixa e as comunidades tendem a apresentar alta dominância por poucas espécies, o que conduz a uma baixa diversidade. Este ambiente pode ser representado pelas florestas de restingas, que ocorrem nas planícies litorâneas sobre solos arenosos. O segundo ambiente é geologicamente antigo, possui solos mais férteis e outros atributos que o tornam menos restritivo ao desenvolvimento vegetal. Neste ambiente a riqueza de espécies é mais alta e suas distribuições de abundância, em geral, são mais equitativas, o que conduz a níveis mais altos de diversidade. Este ambiente pode ser representado pelas florestas de encostas, que em geral possuem solos mais argilosos. Por fim, vale mencionar que a área coberta pelas florestas de encosta é muito maior do que a coberta pelas florestas de restinga.
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 +Qual o papel da especiação neste contexto? Para as florestas de restinga, que são geologicamente mais recentes, com cerca de 5.000 – 15.000 anos de idade, a especiação parece não ter desempenhado um papel relevante na adição de espécies às comunidades. As espécies presentes nas restingas são em sua grande maioria um subconjunto das espécies presentes em outras formações da Mata Atlântica e outros biomas. É possível que o pouco tempo decorrido da origem destes ambientes não tenha sido suficiente para que eventuais isolamentos reprodutivos resultassem em espécies novas. Talvez seja por isso que poucos endemismos sejam conhecidos para as restingas, em relação a outros hábitats mais antigos da Mata Atlântica (Scarano 2002). Por outro lado, as florestas de encostas encontram-se sobre locais que se formaram à cerca de 130 milhões de anos atrás. Consequentemente, a especiação deve ter um papel mais importante no acréscimo de espécies em ambientes mais antigos, uma vez que a especiação é um processo relativamente lento, ao menos para as plantas de ciclo de vida longo. Uma evidência indireta são as altas taxas de endemismo que ocorrem nesta formação florestal.
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 +A dispersão provavelmente é um processo determinante para as relações florísticas entre os dois ambientes. No entanto, uma vez que as florestas de encosta detêm quase todo o pool regional de espécies, o efeito de adição de novas espécies pelo processo de dispersão de ser mais relevante para as restingas. Caso isso seja realidade, o modelo que melhor descreve a dinâmica da dispersão entre os dois ambientes possivelmente é o da teoria de biogeografia de ilhas, em que as florestas de encostas atuariam como uma fonte constante de propágulos em direção às restingas. Por outro lado, efeito da dispersão das restingas para as florestas de encostas pode estar mais relacionado com variações na abundância das espécies presentes nas encostas, o que é mais congruente com a teoria de metacomunidades.
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 +Uma moeda jogada na restinga deve ter a mesma probabilidade de dar cara ou coroa do que uma moeda jogada na encosta (excluindo-se o efeito do relevo, claro)? Possivelmente sim, mas nas restingas o risco da aposta parece ser mais alto. Como a deriva ecológica é uma consequência da estocasticidade demográfica, o efeito deste processo sobre a perda de espécies depende de alguns atributos das comunidades. Assim, vamos considerar cada ambiente – restingas e encostas - como uma comunidade fechada, onde a abundância relativa das espécies varia em uma dinâmica Browniana. Comunidades com muitos indivíduos e muitas espécies tendem a demorar mais tempo para atingir a monodominância, mantendo-se tudo o mais constante. Assim, podemos inferir que a as florestas de encosta sofrem um efeito relativamente menor da deriva quando comparadas com as florestas de restinga. Isso por que as comunidades nas restingas tendem a ser menores e com maior dominância, o que pode acentuar a perda de espécies por processos puramente estocásticos.
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 +A seleção parece desempenhar um papel fundamental em meu sistema de estudo. As florestas de encostas são praticamente limítrofes com as florestas de restinga. Portanto, se o único processo determinando a estrutura destes dois ambientes fosse a dispersão seria esperada uma baixa diversidade beta entre os dois ambientes. No entanto, parece que boa parte das espécies que, em teoria, seriam capazes de dispersar seus propágulos das encostas para as restingas não as colonizam efetivamente. Desta forma, é razoável supor que as condições mais limitantes das restingas atuem como um filtro ambiental que seleciona apenas espécies que sejam tolerantes às suas condições locais. Possivelmente, a amplitude de variação dos atributos funcionais presentes nas espécies que coexistem nas restingas é menor do que a existente nas florestas de encostas. Por essas razões, a seleção deve ter uma importância relativa maior na estruturação das comunidades de restinga do que de encostas.
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 +Posso concluir que, ao menos teoricamente, os quatro processos propostos por Vellend (2010) em sua teoria de ecologia de comunidades são relevantes para os dois ambientes que estudo. No entanto, uma análise comparativa entre cada tipo de ambiente e de suas conexões sugere que cada processo possui uma importância relativa distinta.
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 +==Referências Bibliográficas==
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 +Brown, J. H. 1995. Macroecology. University of Chicago Press, Chicago.
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 +Clark, J. S., Silman, M., Kern, R., Macklin, E., & HilleRisLambers, J. 1999. Seed dispersal near and far: patterns across temperate and tropical forests. Ecology, 80(5), 1475-1494.
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 +Fiaschi, P., & Pirani, J. R. (2009). Review of plant biogeographic studies in Brazil. Journal of systematics and evolution, 47(5), 477-496.
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 +Hubbell, S. P. 1979. Tree dispersion, abundance, and diversity in a tropical dry forest. Science, 203(4387), 1299-1309.
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 +Hubbell S. P. 2001. The Unified Neutral Theory of Biogeography and Biodiversity. Princeton (NJ): Princeton University Press.
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 +Lawton J. H. 1999. Are there general laws in ecology? Oikos 84(2):177–192.
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 +Leibold, M. A., Holyoak, M., Mouquet, N., Amarasekare, P., Chase, J. M., Hoopes, M. F., ... & Loreau, M. 2004. The metacommunity concept: a framework for multi?scale community ecology. Ecology letters, 7(7), 601-613.MacArthur, R.M. & Wilson, E.O. 1967. The theory of island biogeography. Princeton University Press.
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 +Nowak M. A. 2006. Evolutionary Dynamics: Exploring the Equations of Life. Cambridge (MA): Belknap Press of Harvard University Press.
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 +Ricklefs R. E. 1987. Community diversity: relative roles of local and regional processes. Science 235(4785):167–171.
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 +Ricklefs R. E., Schluter D. 1993. Species Diversity in Ecological Communities: Historical and Geographical Perspectives. Chicago (IL): University of Chicago Press.
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 +Roughgarden J. 2009. Is there a general theory of community ecology? Biology and Philosophy 24(4): 521–529.
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 +Scarano, F. R. 2002. Structure, function and floristic relationships of plant communities in stressful habitats marginal to the Brazilian Atlantic rainforest. Annals of Botany, 90(4), 517-524.
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 +Suguio, K., & Tessler, M. G. 1984. Planícies de cordões litorâneos quaternários do Brasil: origem e nomenclatura. LACERDA, LD; ARAÚJO, DSD; CERQUEIRA, R. & TURQ, B. Restingas: Origem, estrutura e processos. Niterói, CEUFF, 15-26.
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 +Vellend, M. 2010. Conceptual synthesis in community ecology. Quarterly Review of Biology 85:183–206.
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 +Vellend, M. 2016. The theory of ecological communities (MPB-57). Princeton University Press.
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 +==== Sistemas de pradarias marinhas: estado alternativo de estabilidade?====
 +==Carla Pavone==
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ensaios/2017.1547123939.txt.gz · Última modificação: 2019/01/10 12:38 por paulo
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