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ensaios:2017 [2019/01/10 12:31] – [Manuela Franco de Carvalho da Silva Pereira] pauloensaios:2017 [2019/01/10 12:45] (atual) – [Vellend como ferramenta conceitual para a comparação entre dois ambientes contrastantes] paulo
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 Vellend, M. 2010. Conceptual synthesis in community ecology. The Quarterly Review of Biology 85:183-206. Vellend, M. 2010. Conceptual synthesis in community ecology. The Quarterly Review of Biology 85:183-206.
  
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 ==== Aplicação do conceito de resiliência no manejo de agroecossistemas sustentáveis ==== ==== Aplicação do conceito de resiliência no manejo de agroecossistemas sustentáveis ====
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 Em um momento de fragilidade dos agroecossistemas, com reduzida capacidade produtiva, a perspectiva do pensamento resiliente pode trazer novas referências ao manejo de agroecossistemas de forma a garantir a permanência humana. Por outro lado, resta questionar se não caberia uma perspectiva que vá para além da adaptabilidade, discutida aqui como uma estratégia necessária, mas assuma a transformabilidade como princípio, reconduzindo criticamente os sistemas socioecológicos a um novo estado. Em um momento de fragilidade dos agroecossistemas, com reduzida capacidade produtiva, a perspectiva do pensamento resiliente pode trazer novas referências ao manejo de agroecossistemas de forma a garantir a permanência humana. Por outro lado, resta questionar se não caberia uma perspectiva que vá para além da adaptabilidade, discutida aqui como uma estratégia necessária, mas assuma a transformabilidade como princípio, reconduzindo criticamente os sistemas socioecológicos a um novo estado.
  
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 +=== Referências bibliográficas ===
  
-==== Referências bibliográficas ==== 
  
 ALTIERI, M. A. et al. Agroecology and the design of climate change-resilient farming systems. Agronomy for Sustainable Development, v. 35, n. 3, p. 869-890, 2015. ALTIERI, M. A. et al. Agroecology and the design of climate change-resilient farming systems. Agronomy for Sustainable Development, v. 35, n. 3, p. 869-890, 2015.
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 WALKER, B., SALT, D. Living in a complex world: an introduction to resilience thinking. In: _______ Resilience thinking: sustaining ecosystems and people in a changing world. Island Press, 2012. p. 01 – 14. WALKER, B., SALT, D. Living in a complex world: an introduction to resilience thinking. In: _______ Resilience thinking: sustaining ecosystems and people in a changing world. Island Press, 2012. p. 01 – 14.
  
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 +==== "Diz-me quem és e dir-te-ei onde estás": nicho, filogenia e composição de comunidades de serpentes==== 
 +=== Filipe A. Cabreirinha Serrano ===
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 +==Conceito:==
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 +Um episódio anedótico conta que quando um grupo de teólogos perguntou a J.B.S. Haldane, um proeminente cientista no campo de genética e fisiologia, o que este poderia concluir a respeito de deus ele terá respondido que este tinha “//an inordinate fondness for beetles.//" (("Um amor desmedido por besouros))”. É deveras impressionante que tão extraordinário número de espécies possa existir (~350.000 espécies descritas, com uma projeção de ~1.5 milhões extantes segundo Stork et al. (2015)). Como é possível que possam coexistir tantas espécies de um único clado? Uma das respostas na ponta da língua dos ecólogos tem sido “nicho”. Diferentes nichos, coexistência facilitada. Mas o que é o nicho? Adotado para ecologia por Grinnell (1914, 1917), inicialmente “nicho” referia-se às condições necessárias para a existência da espécie - limitações morfológicas, tolerâncias fisiológicas, hábitos alimentares e interações com outras espécies da comunidade. Elton (1927) propôs que o nicho duma espécie significava onde na cadeia alimentar esta se situava e do que se alimentava. Posteriormente, avanços teóricos e matemáticos por Hutchinson (1957, 1965) e MacArthur (1958, 1969) permitiram a quantificação do nicho e seus componentes - sobreposição, partição e amplitude (partilha, complementariedade e extensão de recursos utilizados, respetivamente), mas a definição e consequente uso de “nicho” continuou sofrendo de alguma ambiguidade.
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 +Embora seja central na formulação e teste de hipóteses em ecologia, a polissemia de “nicho” tem representado um obstáculo à correta interpretação dos resultados obtidos (Chase & Leibold, 2003). Doravante, uso nicho como “Condições ambientais que satisfazem os requisitos mínimos de uma espécie de forma a que uma população local sua tenha taxa de nascimentos no mínimo igual à sua taxa de mortes associadas aos efeitos //per capita// desta espécie nestas condições ambientais” //per// Chase & Leibold (2003). É importante ressaltar que, ainda que nicho não seja um espaço físico, ele se manifesta na ocupação de determinado local num determinado tempo e que é resultado de processos evolutivos.
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 +==Importância:==
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 +O conceito de nicho tem permeado a discussão ecológica e tem sido vital para teorias constituintes de ecologia de comunidades (Pianka, 1999). Segundo a definição aqui utilizada, nicho está intimamente associado a //fitness// (“… taxa de nascimentos no mínimo igual à sua taxa de mortes…”). Ao //fitness// estão associadas várias caraterísticas (//traits//) que permitem aos indivíduos da espécie obter energia, evitar inimigos e reproduzir-se (McGill et al., 2006). Utilizando o conceito de nicho, inúmeros estudos têm abordado como a diferenciação de caraterísticas permite a coexistência de espécies (MacArthur & Levins, 1967; Tilman, 1982; Chesson, 2000; Kraft et al., 2015). Desta forma, estudos abordando nicho têm sido fundamentais para o desenvolvimento de uma perspetiva local de ecologia de comunidades, onde interações interespecíficas e condições abióticas são os principais fatores influenciando composição e diversidade da comunidade (Tilman, 1997).
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 +Visto que o //fitness// é uma métrica (e requisito) de subsistência de uma espécie e que este depende de condições ambientais que variam geografica e/ou temporalmente (Amarasekare & Nisbet, 2001), o seu nicho será determinante na distribuição da espécie. Assim, para prever a área de distribuição real ou potencial de uma espécie, a ecologia desenvolveu preciosas ferramentas de modelagem utilizando as relações de uma espécie com os seus requisitos abióticos, suas tolerâncias fisiológicas e até com outras espécies presentes na comunidade locais. Um exemplo das ferramentas mais utilizadas é o //Ecological Niche Modelling// (ENM) (Araújo & Guisan, 2006), podendo inferir estas relações através dos parâmetros das localidades conhecidas da espécie ou de experimentos mecanísticos que oferecem uma visão mais criteriosa e detalhada do seu comportamento face aos componentes bióticos e abióticos do nicho (Kearney, 2006). Com esta ferramenta, podemos prever como as comunidades reagirão a alterações climáticas (Wake et al., 2009), o quanto possíveis espécies invasoras vão impactar comunidades (Wiens et al., 2009) ou até desvendar o nicho de criaturas mitológicas (Lozier at al., 2009).
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 +No entanto, a teoria de nicho não raramente utiliza uma visão redutora e simplista focada apenas em processos à escala local. A esta escala, os processos determinantes de estruturação das comunidades são a interação de espécies (fortemente influenciada por dinâmicas de população) e limitações abióticas. O nicho de uma espécie tem de ser contextualizado também no plano espacio-temporal: como processos de larga escala (//e.g.// processos biogeográficos a nível continental) e processos na escala evolutiva (Ricklefs & Jenkins, 2011) pois este é o reflexo de todos estes processos complexos, indissociáveis a onde e quando esta surgiu e se adaptou. Assim, o que anteriormente era atribuído a fatores contingentes de cada comunidade ecológica podem ser explicado por processos de escala mais ampla como os históricos e evolutivos (Webb et al., 2002; Holt, 2009; Lessard et al., 2012). Esta perspetiva tem vindo a ganhar tração e a oferecer novos //insights// para a estruturação de comunidades. Godoy et al., (2014) estudaram como a relação filogenética de plantas anuais de planícies da Califórnia explicava os resultados da sua competição aquando da sua coexistência, Wiens (2011) mostrou como existe apenas um clado de relas originado em cada região, embora clados com características análogas possam posteriormente colonizar essa região, e Zhao et al., (2015) investigaram como a evolução pode alterar os mecanismos de coexistência de espécies, embora a nível de microcosmos. Considerar biogeografia também pode ser útil. Por um lado a especiação alopátrica (originada quando uma barreira impede o fluxo génico entre uma população) pode levar a uma potencial evolução separada e idiossincrática, onde a divergência de nicho também aumenta (Mittelbach & Schemske, 2015) mas, como proposto por Wiens (2004), a tendência das espécies pode também ser de reter o nicho ecológico ao longo do processo de evolução pela incapacidade de adaptação a outras condições abióticas. Ainda assim, a escala evolutiva é indispensável para melhor apurar quanto o nicho de espécies filogeneticamente relacionadas é semelhante. Enquanto que espécies que tenham divergido recentemente possam exibir semelhança nas tolerâncias abióticas e utilização de recursos (Harvey & Pagel, 1991; Losos, 2008), clados que tenham divergido há mais tempo podem apresentar diferenças no seu nicho geradas pela evolução alopátrica. Uma abordagem extramente útil para considerar todos estas vertentes do nicho é o Conservatismo Filogenético de Nicho (PNC), onde se estuda a relação entre as semelhanças ecológicas e filogenéticas (Harvey & Pagel, 1991; Peterson et al., 1999; Ackerly, 2003), e que contribui para o entendimento de como o nicho histórico do(s) clado (s) pode informar sobre os nichos atuais das espécies e sobre os seus padrões biogeográficos (Wiens & Donoghue, 2004; Losos, 2008; Nunes & Pearson, 2016).
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 +==Contexto na pesquisa:==
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 +O meu projeto de Doutorado, intitulado “Diversidade filogenética, riqueza e conservação de serpentes Dipsadidae na América do Sul cisandina”, visa entender quais os padrões de distribuição tanto da história evolutiva como do número de espécies da maior família de serpentes do continente sul-americano. Embora não sejam formalmente estudadas as relações com as condições bióticas e a escala seja bastante ampla, o conceito de nicho será vital para perceber a distribuição geográfica dos vários componentes de fauna desta família. Esta será a primeira abordagem tentativa de compreensão dos padrões de diversidade da herpetofauna ao nível continental mas outros autores fizeram contribuições extremamente importante a nível regional para que os processos biogeográficos e evolutivos possam ser incluídos. Entre outros, Cadle & Greene (1993) referem que a existência de serpentes com hábitos característicos se deve não a limitações ecológicas mas sim a contingências históricas e evolutivas (//e.g.// alta frequência de gastrópodes na dieta de serpentes não é um reflexo da escassa abundância de outras presas mas sim de um componente filogenético caraterístico desse clado) e França et al., (2008) concluíram que a filogenia era o fator mais importante na estruturação de comunidades de herpetofauna do Cerrado brasileiro.
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 +No primeiro capítulo da minha tese, surgido pela curiosidade despertada pela aparente diferença de utilização de habitat de serpentes, vou abordar como o PNC pode informar sobre a composição de espécies de Dipsadidae numa comunidade. Esta família é composta de dois clados: Dipsadinae, de origem mesoamericana e Xenodontinae, de origem sul-americana (Cadle, 1984). Segundo Cadle (1985), espécies da sub-família Dipsadinae apresentam, na sua maioria, corpos elongados e menores pesos que favorecem arborealidade ao invés das espécies de Xenodontinae que são mais pesadas e tendencialmente mais terrícolas. Assim, a minha predição é de que em regiões florestais as comunidades de serpentes da família terão uma percentagem de espécies de Dipsadinae mais alta ou até maioritária (maior de 50%), enquanto que nas zonas abertas a composição será tendencialmente enviesada para espécies de Xenodontinae. Se isto se verificar, então cada clado apresenta o seu nicho relativamente conservado e os padrões de diversidade filogenética vão refletir a composição dessa comunidade. Os resultados iniciais parecem confirmar uma relação significativa entre as características ecológicas do local e a estruturação da comunidade, realçando a importância de considerar a filogenia e nicho dos seus elementos. 
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 +Com o aumento da disponibilidade de boas hipóteses filogenéticas e de bons dados de distribuição geográfica encontramo-nos agora numa janela de oportunidade perfeita para entender os processos por detrás dos padrões de diversidade tendo o conceito de “nicho” como pilar fundamental. Originado no início do século XX, discutido e definido por inúmeros autores e até mesmo questionado (Hubell, 2001), o nicho continua a ser um conceito central em ecologia e que, após uma atribulada história, aliado a perspetivas contemporâneas (de processos históricos) pode agora perpetuar a sua utilidade no panorama da ecologia de comunidades e finalmente ajudar a responder por que raio existem tantos “besouros”.
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 +==Referências==
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 +Ackerly, D.D. 2003. Community assembly, niche conservatism, and adaptive evolution in changing environments. International Journal of Plant Sciences, 164(S3), pp.S165-S184.
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 +Amarasekare, P. and Nisbet, R.M. 2001. Spatial heterogeneity, source-sink dynamics, and the local coexistence of competing species. The American Naturalist, 158(6), pp.572-584.
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 +Araújo, M.B. & Guisan, A. 2006. Five (or so) challenges for species distribution modelling. Journal of Biogeography, 10, 1677–1688.
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 +Cadle, J.E., 1984. Molecular systematics of Neotropical xenodontine snakes. III. Overview of xenodontine phylogeny and the history of New World snakes. Copeia, pp.641-652.
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 +Cadle, J.E., 1985. The Neotropical colubrid snake fauna (Serpentes: Colubridae): lineage components and biogeography. Systematic Zoology, 34(1), pp.1-20.
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 +Cadle, J.E. & Greene, H.W. 1993. Phylogenetic patterns, biogeography, and the ecological structure of neotropical snake assemblages. Pp. 281-293. In: Rickfles, R.E. and Schluter, D. (Eds.). Species diversity in ecological communities: historical and geographical perspectives. The University of Chicago Press: Chicago.
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 +Chase, M. & Leibold, A. 2003. Ecological Niches: Linking Classical and Contemporary Approaches. University of Chicago Press: Chicago.
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 +Chesson, P. 2000. General theory of competitive coexistence in spatially-varying environments. Theoretical Population Biology 58:211–237.
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 +Elton, C. 1927. Animal ecology. Sidwick & Jackson, London.
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 +França, F.G. et al. 2008. Phylogeny and ecology determine morphological structure in a snake assemblage in the Central Brazilian Cerrado. Copeia, 2008:20-36.
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 +Grinnell, J. 1917. The niche-relationship of the California trasher. Auk, 34, pp. 427-433.
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 +Grinnell, J. 1924. Geography and evolution. Ecology, 5 (3), pp. 225-229.
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 +Godoy, O., Kraft, N.J. and Levine, J.M., 2014. Phylogenetic relatedness and the determinants of competitive outcomes. Ecology Letters, 17(7), pp.836-844.
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 +Harvey, P.H. & Pagel, M.D. 1991. The Comparative Method in Evolutionary Biology. Oxford University Press: Oxford.
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 +Holt, R.D. 2009. Bringing the Hutchinsonian niche into the 21st century: ecological and evolutionary perspectives. Proceedings of the National Academy of Sciences, 106 (Supplement 2), pp.19659-19665.
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 +Hubbell, S. P. 2001. The uni?ed neutral theory of species abundance and diversity. Princeton: Princeton University Press.
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 +Hutchinson, G.E. 1957. Concluding Remarks. Cold Spring Harbor Symp. Quant. Biol., 22, pp. 425-427.
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 +Hutchinson, G.E. 1965. The ecological theater and the evolutionary play. New Haven: Yale University Press.
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 +Kearney, M. 2006. Habitat, environment and niche: what are we modelling?. Oikos, 115(1), pp.186-191.
 +
 +Kraft, N.J., Adler, P.B., Godoy, O., James, E.C., Fuller, S. and Levine, J.M. 2015. Community assembly, coexistence and the environmental filtering metaphor. Functional Ecology, 29(5), pp.592-599.
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 +Lessard, J., Borregaard, M., Fordyce, J. et. al. 2012. Strong influence of regional species pools on continent-wide structuring of local communities. Proceedings of the Royal Society B, 279: 266-274.
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 +Losos, J.B. 2008. Phylogenetic niche conservatism, phylogenetic signal and the relationship between phylogenetic relatedness and ecological similarity among species. Ecology Letters, 11: 995-1007.
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 +Lozier, J.D., Aniello, P. and Hickerson, M.J. 2009. Predicting the distribution of Sasquatch in western North America: anything goes with ecological niche modelling. Journal of Biogeography, 36(9), pp.1623-1627.
 +
 +MacArthur, R.H. 1958. Population ecology of some warbles of northeastern Coniferous forest. Ecology, 39 (4), pp. 599-619.
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 +MacArthur, R. H. 1969. The theory of the niche. In Population biology and evolution, ed. R. C. Lewontin, 159–176. Syracuse: Syracuse University Press.
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 +MacArthur, R. H., and R. Levins. 1967. The limiting similarity, convergence, and divergence of coexisting species. The American Naturalist 101:377–385.
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 +McGill, B.J., Enquist, B.J., Weiher, E. and Westoby, M., 2006. Rebuilding community ecology from functional traits. Trends in Ecology &Evolution, 21(4), pp.178-185.
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 +Mittelbach, G.G. and Schemske, D.W., 2015. Ecological and evolutionary perspectives on community assembly. Trends in ecology & evolution, 30(5), pp.241-247.
 +
 +Nunes, L.A. & Pearson, R.G. 2016. A null biogeographical test for assessing ecological niche evolution. Journal of Biogeography, 44(6), pp.1331-1343.
 +
 +Peterson, A.T., Soberon, J. & Sanchez-Cordero, V. 1999. Conservatism of ecological niches in evolutionary time. Science, 285, pp. 265–267.
 +
 +Pianka, E. R. 1999. Putting communities together. Trends in Ecology & Evolution, 14, pp. 501–502.
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 +Ricklefs RE & Jenkins DG. 2011. Biogeography and ecology: towards the integration of two disciplines. Philosophical Transactions of the Royal Society B 366: pp. 2438-2448.
 +
 +Stork, N.E., McBroom, J., Gely, C. & Hamilton, A.J. 2015. New approaches narrow global species estimates for beetles, insects, and terrestrial arthropods. Proceedings of the National Academy of Sciences, 112(24), pp.7519-7523.
 +
 +Tilman, D. 1982. Resource competition and community structure. Princeton: Princeton University Press.
 +
 +Tilman, D., J. Knops, D. Wedin, P. Reich, M. Ritchie, & E. Siemann. 1997. The in?uence of functional diversity and composition on ecosystem processes. Science, 277: pp. 1300–1302.
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 +Wake, D.B., Hadly, E.A. & Ackerly, D.D., 2009. Biogeography, changing climates, and niche evolution. Proceedings of the National Academy of Sciences, 106 (Supplement 2), pp. 19631-19636.
 +Webb, C.O. et al. 2002. Phylogenies and community ecology. Annual Review of Ecology, Evolution and Systematics, 33:475-505.
 +Wiens, J.J. 2004. Speciation and ecology revisited: phylogenetic niche conservatism and the origin of species. Evolution, 58: pp. 193-197.
 +
 +Wiens, J.J., 2011. The niche, biogeography and species interactions. Philosophical Transactions of the Royal Society of London B: Biological Sciences, 366(1576), pp. 2336-2350.
 +
 +Wiens, J. & Donoghue, M. 2004. Historical biogeography, ecology and species richness. Trends in Ecology & Evolution, 9 (12): pp. 639 -644.
 +
 +Wiens, J.A., Stralberg, D., Jongsomjit, D., Howell, C.A. & Snyder, M.A. 2009. Niches, models, and climate change: assessing the assumptions and uncertainties. Proceedings of the National Academy of Sciences, 106(Supplement 2), pp. 19729-19736.
 +
 +Zhao, L., Zhang, Q.G. and Zhang, D.Y. 2016. Evolution alters ecological mechanisms of coexistence in experimental microcosms. Functional Ecology, 30(8), pp. 1440-1446.
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 +==== O Conceito de Especiação e as Interações entre Plantas e Grandes Mamíferos ====
 +=== Lucas Ferreira do Nascimento ===
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 +Especiação, dispersão, seleção e deriva ecológica podem ser consideradas as quatro classes de processos organizadores das comunidades (Vellend 2010). A diversidade de espécies de um determinado local depende fundamentalmente da composição e da diversidade regional de espécies (Cornell 1985; Ricklefs 1987) que, por sua vez, dependem dos processos de especiação (Vellend 2010). Tendo isso em vista, Vellend 2010 propõe que os processos de diversificação e dispersão da biota ao longo do tempo (responsáveis pelo surgimento de espécies num dado local) sejam tratados em ecologia de comunidades dentro da classe especiação. Desse modo, neste presente ensaio, o conceito de especiação engloba o contexto histórico e biogeográfico em que o pool regional de espécies originou-se.  O meu objetivo aqui é discorrer sobre a importância do conceito de especiação na ecologia de comunidades e como esse conceito pode nos ajudar a fazer perguntas e previsões nos estudos de interações entre plantas e grandes mamíferos. 
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 +Em quase todo o século XX,  as interpretações dos padrões das comunidades ignoraram os efeitos dos processos evolutivos e tiveram como  premissa que a diversidade local é um resultado determinístico dos processos locais dentro de uma comunidade (Ricklefs 1987). Entre as décadas de 20 e 50, a competição foi vista como o principal processo organizador das comunidades, principalmente sob forte influência das formulações matemáticas de competição interespecífica de Lotka & Volterra, dos experimentos de exclusão competitiva de Gause e da teoria de nicho de Hutchinson. Na década de 60, a partir do desenvolvimento da Biogeografia de Ilhas, o contexto histórico e geográfico começou a ter uma maior presença na ecologia de comunidades. A teoria de Biogeografia de Ilhas  incorporou explicitamente um contexto regional, pelo qual a imigração de espécies a partir de um continente fonte de colonizadores compensa processos locais responsáveis pela coexistência e extinção (MacArthur & Wilson 1967). Mais tarde,  na década de 80, alguns trabalhos que investigaram a relação entre padrões locais e regionais ganharam mais destaque (Cornell 1985, Ricklefs 1987). Ricklefs 1987 não considerou explicitamente a especiação mas chamou atenção para a questão dos trabalhos em ecologia de comunidades não considerarem processos históricos em grande escala espacial e temporal que, por sua vez, estão relacionados aos processos de especiação. De um modo geral, ao longo do século XX, a especiação e os processos históricos que levaram ao surgimento de novas espécies num dado local não tiveram um papel central  na ecologia de comunidades, sendo que  o contexto histórico de como as espécies surgem num determinado local teve mais destaque no campo da Biogeografia e Macroevolução (Ricklefs 1987). Por fim, a especiação foi finalmente incorporada de forma explícita em ecologia de comunidades com os modelos de metacomunidades e a teoria neutra de Hubbell. De acordo com a teoria neutra de Hubbell, o número de espécies no equilíbrio dentro de uma metacomunidade depende de uma taxa constante de especiação e do número total de indivíduos, pelo qual pode variar com o tamanho da região (Hubbel 2001). 
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 +Especiação parece ser crítica para o entendimento de pelo menos dois padrões de diversidade de espécies em comunidades (Vellend 2010): (1) áreas de mesmo tamanho, sob condições ambientais similares e em regiões geográficas diferentes contém números de espécies diferentes (Ricklefs 2008); (2) a diversidade de espécies de um determinado local está relacionada aos gradientes ambientais desse local (Ricklefs 2004). Por exemplo, Brown et al. 2000 documentou uma maior riqueza de donzelinhas (Enallagma) em lagos com peixes predadores do que em lagos sem peixes predadores. Eles reconstruíram a preferência de habitat sob a filogenia de donzelinhas e sugeriram que a grande diversidade de espécies nos lagos com peixes refletem a mudança recente para os lagos sem peixes, embora as taxas de diversificação podem ter atuado como mecanismo adicional. Em outro estudo com abordagens filogenéticas, Wiens et al. 2007 investigaram um padrão recorrente, no qual há uma  maior riqueza de espécies em elevações médias. Usando salamandras como modelo de estudo, eles encontraram que a taxa de diversificação das salamandras não foi diferente em diferentes elevações mas as elevações médias foram colonizadas primeiro, assim eles concluíram que  houve mais tempo para um maior número de espécies acumularem nas áreas de elevações médias, mostrando a importância de processos históricos em ecologia de comunidades.
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 +O conceito de especiação, sensu Vellend, também têm contribuído para um melhor entendimento de como as interações entre plantas e grandes mamíferos moldaram determinados caracteres das plantas. Numa floresta tropical da Costa Rica, a existência de plantas nativas com frutos grandes e carnosos que só poderiam ser dispersos efetivamente por megafauna (> 44 kg) parecia não fazer sentido, uma vez que quase não há megafauna nativa na Costa Rica (Janzen & Martin 1982). Desta forma, Janzen & Martin 1982, ao considerar o contexto histórico dessas comunidades propuseram que estes frutos poderiam ser resultado de seleção exercida pela megafauna extinta no final do pleistoceno. Esses autores propuseram o termo "anacronismo" para designar caracteres que foram moldados por interações extintas. Muitos caracteres anacrônicos têm sido identificados em plantas (Barlow 2002, Galetti et al. 2017, Guimarães et al. 2008, Janzen & Martin 1982, Janzen 1986). Por exemplo, espinhos de espécies de cactos do gênero Opuntia  do deserto de Nopaleras, no México, podem ser resultado de seleção natural exercida pela herbivoria da megafauna extinta (Janzen 1986). Em Madagascar e na Nova Zelândia também não há grandes herbívoros atualmente, contudo algumas espécies de plantas dessas regiões  possuem uma arquitetura que parece ser anacrônica e provavelmente moldada pela pressão de herbivoria exercida por grandes aves extintas (família Ratite) (Bond & Silander 2007). Tanto os espinhos dos cactos de Nopaleras quanto a arquitetura das plantas de Madagascar e Nova Zelândia eram tidas como adaptações ao clima árido destas regiões. Isso exemplifica a importância de considerar o contexto histórico  e o conceito de especiação para a investigação da evolução dos caracteres de plantas. 
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 +No meu projeto de mestrado, estamos  tentando entender como as interações entre plantas e  megafauna moldaram determinados caracteres de plantas, usando como modelo de estudo as espécies de palmeiras (Arecaceae) neotropicais. Desse modo, a especiação é um conceito central no meu projeto que, por sua vez, tem duas perguntas principais: 1) Quais espécies de palmeiras neotropicais possuem frutos com características selecionadas pela megafauna extinta no final do pleistoceno? 2) Uma vez que muitas espécies da megafauna  extinta também poderiam consumir ou machucar  outras partes das plantas (Göldel et al. 2016, Owen-Smith 1992), há uma relação positiva entre frutos anacrônicos e defesas anacrônicas em palmeiras neotropicais? Para responder essas perguntas, estamos investigando a história evolutiva dos caracteres dos frutos e defesas (principalmente espinhos) e como a evolução desses caracteres foram correlacionados ao longo da filogenia das palmeiras. Outra questão importante é como o surgimento desses caracteres podem ter influenciado as taxas de especiação das palmeiras. Tendo isso em vista, Onstein et al. 2017 encontraram que as palmeiras com frutos pequenos tiveram uma maior taxa de especiação do que as palmeiras com frutos grandes e carnosos (provavelmente dispersas pela megafauna). 
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 +Em adição ao contexto histórico, o efeito da especiação no contexto biogeográfico e no pool regional  das espécies podem nos ajudar a entender melhor a distribuição geográfica das espécies de palmeiras. Por exemplo, Galetti et al. 2013 investigaram como o os frutos do palmito Juçara (Euterpe edulis) variaram de tamanho em áreas diferentes com dispersores de sementes de tamanhos diferentes. Eles concluíram que  nas áreas onde há maiores dispersores de sementes o tamanho dos frutos do palmito Juçara são maiores do que nas áreas com menores dispersores de sementes. Nesse sentido, sabendo que a megafauna dos neotrópicos era mais abundante em áreas abertas como o cerrado (Owen-Smith 1992), será que demograficamente há mais indivíduos de palmeiras anacrônicas no cerrado? Adicionalmente, podemos nos perguntar qual foi o efeito da extinção da megafauna na distribuição geográfica das palmeiras. Podemos esperar que houve maiores mudanças geográficas nas palmeiras com frutos anacrônicas do que em outras espécies de mesmo habitat mas não dispersas por megafauna. Por fim, através do conceito de especiação podemos investigar se a ocorrência de palmeiras com frutos grandes e carnosos nos neotrópicos é devido a especiação dessas palmeiras nos neotrópicos ou é simplesmente devido ao contexto histórico de dispersão de outra região (África por exemplo). Desse modo, investigaríamos se os caracteres anacrônicos de espécies de palmeiras neotropicais são necessariamente um resultado da seleção exercida pela megafauna neotropical. 
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 +Além de nos ajudar a fazer novas perguntas, o conceito de especiação proposto por Vellend 2010 nos ajuda a entender melhor como  o estudo da seleção de caracteres de plantas por grandes mamíferos está inserido na ecologia de comunidades. Investigar as interações entre plantas e grandes mamíferos pode nos ajudar a entender melhor a distribuição geográfica, evolução de caracteres e as taxas de diversificação das plantas. Consequentemente, o estudo das interações entre plantas e grandes mamíferos pode nos ajudar a compreender os processos responsáveis pelos padrões de diversidade das comunidades, pelo qual é o principal objetivo da ecologia de comunidades. 
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 +== Referências bibliográficas ==
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 +Barlow, C. (2002). The ghosts of evolution: nonsensical fruit, missing partners, and other ecological anachronisms. Basic Books.
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 +Bond, W. J., & Silander, J. A. (2007). Springs and wire plants: anachronistic defences against Madagascar’s extinct elephant birds. Proceedings of the Royal Society B: Biological Sciences, 274(May), 1985–1992. https://doi.org/10.1098/rspb.2007.0414
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 +Brown, J. M., McPeek, M. A., & May, M. L. (2000). A phylogenetic perspective on habitat shifts and diversity in the north American Enallagma damselflies. Systematic Biology, 49(4), 697–712. https://doi.org/10.1080/106351500750049789
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 +Cornell, H. V. (1985). Local and Regional Richness of Cynipine Gall Wasps on California Oaks. Ecology, 66(4), 1247–1260.
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 +Galetti, M., Guevara, R., Côrtes, M. C., Fadini, R., Matter, S. Von, Leite, A. B., … Jordano, P. (2013). Functional Extinction of Birds Drives Rapid Evolutionary Changes in Seed Size. Science, 340(May).
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 +Galetti, M., Mole, M., Jordano, P., Pires, M. M., Paulo, R., Pape, T., … Marquis, R. J. (2017). Ecological and evolutionary legacy of megafauna extinctions. https://doi.org/10.1111/brv.12374
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 +Göldel, B., C. Araujo, A., Kissling, W. D., & Svenning, J.-C. (2016). Impacts of large herbivores on spinescence and abundance of palms in the Pantanal, Brazil. Botanical Journal of the Linnean Society, 182, 465–479.
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 +Guimarães, P. R., Galetti, M., & Jordano, P. (2008). Seed dispersal anachronisms: Rethinking the fruits extinct megafauna ate. PLoS ONE, 3(3). https://doi.org/10.1371/journal.pone.0001745
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 +Hubbell, S. P. (2001). The unified neutral theory of biodiversity and biogeography. Monographs in Population Biology 32. Princeton University Press, Princeton, NJ.
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 +Janzen, D. H., & Martin, P. S. (1982). Neotropical Anachronisms: The Fruits the Gomphotheres Ate. Science. https://doi.org/10.1126/science.215.4528.19
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 +Janzen, D. H. (1986). Chihuanhuan desert nopaleras: defaunated big mammal vegetation.Ann.Rev.Ecol.Syst.,17,595–636. https://doi.org/0066-4162/86/1120-0595$02.00
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 +MacArthur R. H., Wilson E. O. (1967). The theory of island biogeography. Princeton (NJ): Princeton University Press
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 +Onstein, R. E., Baker, W. J., Couvreur, T. L. P., Faurby, S., Svenning, J.-C., & Kissling, W. D. (2017). Frugivory-related traits promote speciation of tropical palms. Nature Ecology & Evolution. https://doi.org/10.1038/s41559-017-0348-7
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 +Owen-Smith, R. N. (1992). Megaherbivores: the influence of very large body size on ecology. Cambridge university press.
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 +Ricklefs, R. E. (1987). Community Diversity: Relative Roles of Local and Regional Processes. Science, 235, 167–171.
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 +Ricklefs, R. E. (2004). A comprehensive framework for global patterns in biodiversity. Ecology Letters, 7(1), 1–15. https://doi.org/10.1046/j.1461-0248.2003.00554.x
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 +Ricklefs, R. E. (2008). Disintegration of the Ecological Community. The American Naturalist, 172(6), 741–750. https://doi.org/10.1086/593002
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 +Vellend, M. (2010). Conceptual Synthesis in Community Ecology. The Quarterly Review of Biology, 85(2), 183–206. https://doi.org/10.1086/652373
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 +Wiens, J. J., Parra-Olea, G., Garcia-Paris, M., & Wake, D. B. (2007). Phylogenetic history underlies elevational biodiversity patterns in tropical salamanders. Proceedings of the Royal Society B: Biological Sciences, 274(1612), 919–928. https://doi.org/10.1098/rspb.2006.0301
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 +==== Vellend como ferramenta conceitual para a comparação entre dois ambientes contrastantes ====
 +=== Marcelo Petratti Pansonato ===
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 +A ecologia de comunidades é um campo da ciência que busca compreender como e por quais razões a riqueza, a composição e a abundância das espécies variam entre diferentes locais. Ao longo do tempo, grandes esforços foram empregados a fim de responder questões relacionadas a estes temas. O resultado, porém, é que a ecologia de comunidades se tornou uma bagunça (Lawton 1999; Roughgarden 2009). Baseada majoritariamente em estudos empíricos, padrões gerais que sejam aplicáveis à todos os tipos de organismos e ambientes raramente foram e são identificados. Na verdade, a imensa variedade de combinações possíveis de interações entre os organismos e seu meio fez com que os cientistas que trabalham com ecologia de comunidades buscassem explicações adequadas a cada caso. Com isso, se formou uma verdadeira “torre de babel” de processos e padrões não generalizáveis além do escopo de cada sub área da ecologia de comunidades. Com o objetivo de ordenar e simplificar a teoria de ecologia de comunidades, Vellend (2010) propõe o agrupamento de todos os processos relacionados a formação de comunidades ecológicas dentro de quatro processos principais: Especiação, Dispersão, Deriva e Seleção. O autor chama essa síntese de teoria das comunidades ecológicas.
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 +De acordo com a teoria proposta por Vellend (2010) os processos de especiação e dispersão são responsáveis pelo acréscimo de novas espécies às comunidades (Figura 1). A especiação – criação de novas espécies – historicamente foi tratada em estudos biogeográficos e macroevolutivos (Brown 1995). A especiação é um componente determinante para a compreensão de padrões que refletem a ação de processos históricos e geográficos sobre a dinâmica das comunidades (Vellend 2016; Ricklefs & Schluter 1993). Em estudos de comunidades fechadas, em escalas locais e ambientes homogêneos parece razoável deixar as questões relacionadas à especiação de lado, uma vez que o que interessa é a constituição atual da comunidade e seus atributos (Vellend 2010). Por outro lado, em estudos realizados em escalas mais amplas, que avaliam diferentes regiões geográficas e que abrangem certos níveis de heterogeneidade ambiental é importante considerar o contexto biogeográfico e evolutivo que deu origem ao pool regional de espécies (Ricklefs 1987). A dispersão – o movimento de organismos através do espaço – é um processo essencial para diversas teorias de ecologia de comunidades como a Biogeografia de Ilhas (MacArthur & Wilson 1967) e Metacomunidades (Leibold et al. 2004). É determinante para a manutenção da diversidade e a distribuição espacial das espécies em escalas locais e regionais (Hubbell 1979; Clark et al. 1999). A dispersão, por também influenciar variações nas abundâncias relativas das espécies, tem efeitos significativos sobre a dinâmica de comunidades ecológicas.
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 +Os processos responsáveis pela perda de espécies em uma comunidade são a deriva e a seleção (Figura 1) (Vellend 2010). A deriva ecológica, – mudanças aleatórias nas abundâncias relativas das espécies – é um processo que se baseia na premissa de que as taxas de nascimento, morte e reprodução dos indivíduos são aleatórias em uma comunidade fechada, o que caracteriza a estocasticidade demográfica (Vellend 2016). Variações na probabilidade de ocorrência de cada taxa vital acarretam em mudanças nas abundâncias das espécies. Modelos mais realistas incluem também a probabilidade de imigração e extinção (Hubbell 2001). A seleção – diferença determinística de //fitness// entre indivíduos de diferentes espécies – pode ser entendida como o balanço das interações intra e interespecíficas e da relação das espécies com o ambiente. A seleção pode atuar de diferentes maneiras, variando sua direção e intensidade ao longo do tempo e do espaço (Nowak 2006). É importante mencionar que os quatro processos elementares propostos por Vellend (2010) interagem entre si. Por exemplo, diferenças de fitness entre espécies determinam variações em suas taxas vitais que, por sua vez, podem afetar o resultado do elemento estocástico do processo de deriva. Como outro exemplo, a teoria neutra consiste de uma interação entre os processos de especiação, dispersão e deriva (Hubbell 2001).
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 +{{ :ensaios:pansonatofigura1.png?200  }}
 +**Figura1:** Os quatro processos que fazem o número de espécies em uma comunidade mudar. Cada círculo pequeno é um indivíduo e seu preenchimento indica sua espécie.
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 +A teoria de comunidades ecológicas proposta por Vellend (2010) possui a vantagem de organizar de maneira lógica e simplificada o material produzido por ecólogos de comunidades ao longo do tempo, o que facilita o entendimento e a didática da matéria. Também, esclarece as semelhanças e diferenças entre as inúmeras abordagens conceituais e teóricas da ecologia de comunidades. Além disso, articula uma teoria geral sobre ecologia de comunidades: “espécies são adicionadas às comunidades através dos processos de especiação e dispersão, e a abundância relativa dessas espécies é controlada por deriva e seleção, sob a influência da dispersão, os quais governam a dinâmica de comunidade” (Vellend 2010). Embora a teoria proposta por Vellend (2010) se aplique aos mais diversos tipos de comunidades e organismos, o autor reconhece que a importância relativa de cada um dos quatro principais processos deve variar (Vellend 2016). Como exemplo, Vellend afirma que: “A importância da seleção versus da deriva, em definir a trajetória e o resultado da dinâmica da comunidade local depende se os objetos de estudo são plantas em uma pastagem, libélulas em um lago, besouros em um recipiente de laboratório ou aves em uma floresta”. Desta forma é razoável supor que, mesmo dentro de uma única guilda, a importância relativa de cada processo também varie entre ambientes ecologicamente e historicamente contrastantes.
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 +Para melhor ilustrar a importância da teoria de comunidades de Vellend para uma readequação da minha tese, me permito neste momento fazer um breve retrospecto das ideias inicialmente trabalhadas. A princípio eu buscava compreender a importância relativa de processos determinísticos e neutros sobre a estruturação de comunidades de espécies arbóreas em florestas de restingas e florestas de encosta. Boa parte dessa linha de raciocínio teve origem nas referências bibliográficas que utilizei durante meu mestrado, de 2009 à 2011. Algum tempo, estudos e disciplinas depois do meu ingresso no doutorado ficou claro que a dicotomia entre processos determinísticos e neutros já não é mais uma abordagem que contribui para o avanço da ecologia de comunidades. Como a escala espacial do meu atual estudo é muito maior do que a que utilizei anteriormente, apenas os processos relacionados à seleção (determinísticos) e à deriva (neutros) parecem não ser suficientes para compreender os padrões encontrados ao longo de quase todo o litoral brasileiro. De fato, minha área de estudo compreende diversos setores biogeográficos (Fiaschi & Pirani 2009) e compara ambientes que se originaram em períodos geológicos bastante distintos (Suguio & Tessler 1984). Certamente, além da seleção e deriva, os processos de especiação (dentro e entre as regiões biogeográficas) e de dispersão (de um ambiente mais antigo para um mais recente) também atuam de maneira determinante em moldar as comunidades de árvores que estudo.
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 +Agora, pretendo inserir um contexto teórico mais abrangente ao meu estudo, como o proposto pelo Vellend (2010), que aparentemente é capaz de contemplar todos os processos essenciais à estruturação das comunidades com que trabalho. Mais especificamente, pretendo discorrer sobre possíveis variações na importância relativa dos quatro processos essenciais descritos por Vellend (2010) quando são comparados dois ambientes contrastantes em termos bióticos e abióticos. Minha ideia é focar nos processos atuando independentemente, suas possíveis interações estão fora do escopo deste ensaio. Para tal, imagine dois ambientes limítrofes. Um deles é geologicamente recente, possui solos pobres em nutrientes e outros fatores considerados limitantes ao desenvolvimento vegetal. Também, neste ambiente restritivo, a riqueza de espécies arbóreas é relativamente baixa e as comunidades tendem a apresentar alta dominância por poucas espécies, o que conduz a uma baixa diversidade. Este ambiente pode ser representado pelas florestas de restingas, que ocorrem nas planícies litorâneas sobre solos arenosos. O segundo ambiente é geologicamente antigo, possui solos mais férteis e outros atributos que o tornam menos restritivo ao desenvolvimento vegetal. Neste ambiente a riqueza de espécies é mais alta e suas distribuições de abundância, em geral, são mais equitativas, o que conduz a níveis mais altos de diversidade. Este ambiente pode ser representado pelas florestas de encostas, que em geral possuem solos mais argilosos. Por fim, vale mencionar que a área coberta pelas florestas de encosta é muito maior do que a coberta pelas florestas de restinga.
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 +Qual o papel da especiação neste contexto? Para as florestas de restinga, que são geologicamente mais recentes, com cerca de 5.000 – 15.000 anos de idade, a especiação parece não ter desempenhado um papel relevante na adição de espécies às comunidades. As espécies presentes nas restingas são em sua grande maioria um subconjunto das espécies presentes em outras formações da Mata Atlântica e outros biomas. É possível que o pouco tempo decorrido da origem destes ambientes não tenha sido suficiente para que eventuais isolamentos reprodutivos resultassem em espécies novas. Talvez seja por isso que poucos endemismos sejam conhecidos para as restingas, em relação a outros hábitats mais antigos da Mata Atlântica (Scarano 2002). Por outro lado, as florestas de encostas encontram-se sobre locais que se formaram à cerca de 130 milhões de anos atrás. Consequentemente, a especiação deve ter um papel mais importante no acréscimo de espécies em ambientes mais antigos, uma vez que a especiação é um processo relativamente lento, ao menos para as plantas de ciclo de vida longo. Uma evidência indireta são as altas taxas de endemismo que ocorrem nesta formação florestal.
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 +A dispersão provavelmente é um processo determinante para as relações florísticas entre os dois ambientes. No entanto, uma vez que as florestas de encosta detêm quase todo o pool regional de espécies, o efeito de adição de novas espécies pelo processo de dispersão de ser mais relevante para as restingas. Caso isso seja realidade, o modelo que melhor descreve a dinâmica da dispersão entre os dois ambientes possivelmente é o da teoria de biogeografia de ilhas, em que as florestas de encostas atuariam como uma fonte constante de propágulos em direção às restingas. Por outro lado, efeito da dispersão das restingas para as florestas de encostas pode estar mais relacionado com variações na abundância das espécies presentes nas encostas, o que é mais congruente com a teoria de metacomunidades.
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 +Uma moeda jogada na restinga deve ter a mesma probabilidade de dar cara ou coroa do que uma moeda jogada na encosta (excluindo-se o efeito do relevo, claro)? Possivelmente sim, mas nas restingas o risco da aposta parece ser mais alto. Como a deriva ecológica é uma consequência da estocasticidade demográfica, o efeito deste processo sobre a perda de espécies depende de alguns atributos das comunidades. Assim, vamos considerar cada ambiente – restingas e encostas - como uma comunidade fechada, onde a abundância relativa das espécies varia em uma dinâmica Browniana. Comunidades com muitos indivíduos e muitas espécies tendem a demorar mais tempo para atingir a monodominância, mantendo-se tudo o mais constante. Assim, podemos inferir que a as florestas de encosta sofrem um efeito relativamente menor da deriva quando comparadas com as florestas de restinga. Isso por que as comunidades nas restingas tendem a ser menores e com maior dominância, o que pode acentuar a perda de espécies por processos puramente estocásticos.
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 +A seleção parece desempenhar um papel fundamental em meu sistema de estudo. As florestas de encostas são praticamente limítrofes com as florestas de restinga. Portanto, se o único processo determinando a estrutura destes dois ambientes fosse a dispersão seria esperada uma baixa diversidade beta entre os dois ambientes. No entanto, parece que boa parte das espécies que, em teoria, seriam capazes de dispersar seus propágulos das encostas para as restingas não as colonizam efetivamente. Desta forma, é razoável supor que as condições mais limitantes das restingas atuem como um filtro ambiental que seleciona apenas espécies que sejam tolerantes às suas condições locais. Possivelmente, a amplitude de variação dos atributos funcionais presentes nas espécies que coexistem nas restingas é menor do que a existente nas florestas de encostas. Por essas razões, a seleção deve ter uma importância relativa maior na estruturação das comunidades de restinga do que de encostas.
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 +Posso concluir que, ao menos teoricamente, os quatro processos propostos por Vellend (2010) em sua teoria de ecologia de comunidades são relevantes para os dois ambientes que estudo. No entanto, uma análise comparativa entre cada tipo de ambiente e de suas conexões sugere que cada processo possui uma importância relativa distinta.
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 +==Referências Bibliográficas==
 +
 +Brown, J. H. 1995. Macroecology. University of Chicago Press, Chicago.
 +
 +Clark, J. S., Silman, M., Kern, R., Macklin, E., & HilleRisLambers, J. 1999. Seed dispersal near and far: patterns across temperate and tropical forests. Ecology, 80(5), 1475-1494.
 +
 +Fiaschi, P., & Pirani, J. R. (2009). Review of plant biogeographic studies in Brazil. Journal of systematics and evolution, 47(5), 477-496.
 +
 +Hubbell, S. P. 1979. Tree dispersion, abundance, and diversity in a tropical dry forest. Science, 203(4387), 1299-1309.
 +
 +Hubbell S. P. 2001. The Unified Neutral Theory of Biogeography and Biodiversity. Princeton (NJ): Princeton University Press.
 +
 +Lawton J. H. 1999. Are there general laws in ecology? Oikos 84(2):177–192.
 +
 +Leibold, M. A., Holyoak, M., Mouquet, N., Amarasekare, P., Chase, J. M., Hoopes, M. F., ... & Loreau, M. 2004. The metacommunity concept: a framework for multi?scale community ecology. Ecology letters, 7(7), 601-613.MacArthur, R.M. & Wilson, E.O. 1967. The theory of island biogeography. Princeton University Press.
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 +Nowak M. A. 2006. Evolutionary Dynamics: Exploring the Equations of Life. Cambridge (MA): Belknap Press of Harvard University Press.
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 +Ricklefs R. E. 1987. Community diversity: relative roles of local and regional processes. Science 235(4785):167–171.
 +
 +Ricklefs R. E., Schluter D. 1993. Species Diversity in Ecological Communities: Historical and Geographical Perspectives. Chicago (IL): University of Chicago Press.
 +
 +Roughgarden J. 2009. Is there a general theory of community ecology? Biology and Philosophy 24(4): 521–529.
 +
 +Scarano, F. R. 2002. Structure, function and floristic relationships of plant communities in stressful habitats marginal to the Brazilian Atlantic rainforest. Annals of Botany, 90(4), 517-524.
 +
 +Suguio, K., & Tessler, M. G. 1984. Planícies de cordões litorâneos quaternários do Brasil: origem e nomenclatura. LACERDA, LD; ARAÚJO, DSD; CERQUEIRA, R. & TURQ, B. Restingas: Origem, estrutura e processos. Niterói, CEUFF, 15-26.
 +
 +Vellend, M. 2010. Conceptual synthesis in community ecology. Quarterly Review of Biology 85:183–206.
 +
 +Vellend, M. 2016. The theory of ecological communities (MPB-57). Princeton University Press.
 +
 +==== Sistemas de pradarias marinhas: estado alternativo de estabilidade?====
 +==Carla Pavone==
 +  * {{:ensaios:carlapavoneensaio.pdf|Arquivo pdf}}
  
ensaios/2017.1547123515.txt.gz · Última modificação: 2019/01/10 12:31 por paulo
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