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ensaios:2017 [2019/01/10 12:26] – paulo | ensaios:2017 [2019/01/10 12:45] (atual) – [Vellend como ferramenta conceitual para a comparação entre dois ambientes contrastantes] paulo | ||
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Wiens, J.J., Donoghue, M.J., 2004. Historical biogeography, | Wiens, J.J., Donoghue, M.J., 2004. Historical biogeography, | ||
+ | |||
+ | ====Diversidade regional e diversidade local: conceito chave para ecologia de paisagem==== | ||
+ | ===Sebastián Alvarado Montero=== | ||
+ | |||
+ | Nos últimos 30 anos, os ecólogos começaram a se interessar na diferenciação na escala espacial dos processos que | ||
+ | determinam a composição das comunidades biológicas. Originalmente, | ||
+ | Esta, segundo Srivastava (2009), abrange uma escala espacial o suficientemente pequena como para que todas as espécies | ||
+ | possam se encontrar mutuamente no tempo ecológico e assim interatuar. Ampliando a escala, entra a riqueza regional. Essa | ||
+ | riqueza regional, ou o pool regional de espécies, contem todas as espécies que eventualmente colonizariam uma localidade | ||
+ | (Srivastava 2009). Isto é tomando a exclusão competitiva como pouco importante na dinâmica da comunidade. Desse modo, a | ||
+ | riqueza local será moldada no nível local por relações intra e interespecíficas como competição e predação, assim como | ||
+ | distúrbios no ambiente. No entanto, a riqueza regional é influenciada por processos como a imigração, | ||
+ | circunstâncias históricas particulares da escala regional (Ricklefs 1987). Porém, os processos nas duas escalas estão | ||
+ | interconectados, | ||
+ | diferenciação de nicho, relaxam a competição interespecífica e disponibilizam nichos no ecossistema, | ||
+ | não saturada ou não interativa que permite a imigração de espécies do pool regional e assim aumenta a riqueza local | ||
+ | enquanto aumenta a riqueza regional. Localidades saturadas ou interativas apresentam nichos cheios ou parcialmente cheios, | ||
+ | criando interações diretas ou indiretas fortes, o que provoca problemas de coexistência (Cornell & Harrison 2014). Dois | ||
+ | modelos em que o problema da competição diminui são a heterogeneidade de nicho (as espécies diminuem o nicho realizado e | ||
+ | evitam a sobreposição com competidores) e a heterogeneidade espaço-temporal (Cornell & Lawton 1992). Esta última pode ser | ||
+ | atingida de cinco formas: tendo habilidades competitivas similares e recrutamento imprevisível, | ||
+ | interespecífica respeito à intraespecífica através da agregação, | ||
+ | de crescimento populacional, | ||
+ | espaciais no risco de ataque de predadores especialistas sobre novos recrutas de uma população (Cornell & Lawton 1992). | ||
+ | Nestas comunidades saturas, ou interativas, | ||
+ | |||
+ | Esta ampliação na perspectiva da ecologia ajudou compreender melhor os processos que determinam a formação das | ||
+ | comunidades biológicas, | ||
+ | pensava que a diversidade de espécies dependia basicamente das interações bióticas e abióticas na localidade, o conceito do | ||
+ | pool regional demonstrou a importância dos processos a maior escala que estavam sendo ignorados na explicação da riqueza de | ||
+ | espécies, como são a especiação, | ||
+ | Como as regiões não são todas iguais e, ao contrário, têm particularidades históricas, | ||
+ | entender como essas características afetam o pool regional. Características como a área da região, a sua heterogeneidade e | ||
+ | produtividade são importantes na determinação do pool regional, influenciando o pool regional através da capacidade de | ||
+ | carga da região e a disponibilidade de nichos (Harrison & Cornell 2008). | ||
+ | |||
+ | As características que determinam a riqueza do pool regional são o principal foco da ecologia de paisagem, que | ||
+ | estuda o efeito da composição da paisagem nas populações e comunidades que a ocupam (Forman 1995). Um dos principais | ||
+ | questionamentos na relação da riqueza local-regional é se as comunidades podem estar saturadas ou não (Cornell 1985). Esta | ||
+ | pergunta é muito importante na ecologia de paisagem pelas implicações que as características da paisagem podem ter na | ||
+ | resistência das comunidadeslocais à invasão de espécies exóticas. A insaturação da comunidade é devido ao efeito que os | ||
+ | distúrbios e a dispersão limitada têm sobre a intensidade de competição, | ||
+ | aumentado a influência do pool sobre as comunidades locais ao aumentar a disponibilidade de nicho (Belote et al. 2009, | ||
+ | Myers & Harms 2011). Na escala de paisagens, tanto o distúrbio como as barreiras na dispersão de espécies são criados a | ||
+ | partir da fragmentação dos ambientes naturais, reduzindo-os e isolando-os. Isto faz que os remanentes naturais não consigam | ||
+ | suportar as espécies que requerem de fragmentos maiores e que mantenham as propriedades do hábitat natural (Fahrig 2003). | ||
+ | Isso abre as comunidades locais dos fragmentos ao pool regional. A pergunta chave em ecologia de paisagem é “Abre-as para | ||
+ | qual pool?”. | ||
+ | |||
+ | A particularidade da ecologia de paisagem é que os ambientes estudados, além do componente natural, também | ||
+ | apresentam um componente antrópico, seja este cidades, campos agrícolas… As atividades humanas nesses ambientes inserem na | ||
+ | paisagem espécies introduzidas (Patricelli & Blickley 2006), criando um pool regional exótico. Entre maior o grau de | ||
+ | fragmentação e a redução do hábitat natural nas paisagens, mais susceptível serão as comunidades locais a esse pool regional | ||
+ | exótico, o que pode levar a extinção das espécies nativas que ainda a conformam. Daí a importância de entender o | ||
+ | funcionamento das comunidades não somente no nível local, senão também a influência que a escala da paisagem tem sobre os | ||
+ | fragmentos. A partir da compreensão dos mecanismos responsáveis pela riqueza de espécies nas duas escalas é possível | ||
+ | desenvolver estratégias para evitar a perda de diversidade ante as atividades antrópicas. | ||
+ | |||
+ | O objetivo do meu trabalho de pesquisa é determinar o efeito da estrutura da paisagem na composição da comunidade de | ||
+ | insetos necrófagos e no fornecimento do serviço ecossistêmico de remoção da carniça nos ambientes antrópicos. O conceito do | ||
+ | pool regional é chave para minha pesquisa porque ajuda entender como as características da paisagem influenciam no pool | ||
+ | regional nativo e ao mesmo tempo afeta a riqueza local nos fragmentos. Como expliquei anteriormente, | ||
+ | cobertura florestal, ou seja, com maior área de hábitat e maior produtividade para as comunidades nativas, terão um pool | ||
+ | regional mais rico do que paisagens com pouca cobertura florestal e maior grau de fragmentação. O maior grau de cobertura | ||
+ | florestal também reduz o impacto dos distúrbios, | ||
+ | comunidades locais têm uma menor influência do pool regional. No caso do pool exótico, comunidades locais saturadas em | ||
+ | paisagens antrópicos poderiam resistir melhor a invasão dessas espécies introduzidas, | ||
+ | de diversidade nativa. Por outra parte, um pool regional diverso é ideal no fornecimento do serviço ecossistêmico, | ||
+ | a eficiência do serviço está relacionada com a diversidade de espécies da comunidade (Olson et al. 2012). Assim, o | ||
+ | entendimento do pool regional e a sua influência na comunidade local de insetos necrófagos permite explicar melhor o efeito | ||
+ | da estrutura da paisagem nessa comunidade e o fornecimento do serviço ecossistêmico, | ||
+ | conservação mais certeiras e melhor fundamentadas. | ||
+ | |||
+ | ==Referências bibliográficas== | ||
+ | Belote, R.T, N.J. Sanders & Jones, R.H. 2009. Disturbance alters local-regional richness relationships in Appalachian forests. | ||
+ | Ecology 90: | ||
+ | |||
+ | Carrara, E., V. Arroyo-Rodríguez, | ||
+ | composition and configuration on forest specialist and generalist bird species in the fragmented Lacandona rainforest, | ||
+ | Mexico. Biological Conservation. 184: | ||
+ | |||
+ | Cornell, H.V. 1985. Local and regional richness of cynipine gall wasps on California oaks. Ecology 66: | ||
+ | |||
+ | Cornell, H.V. & Harrison, S.P. 2014. What are species pools and where are they important? Annual Review of Ecology, Evolution | ||
+ | and Systematics 45:45-67. | ||
+ | |||
+ | |||
+ | Cornell, H.V. & Lawton, J.H. 1992. Species interactions, | ||
+ | ecological communities: | ||
+ | |||
+ | Fahrig, L. 2003. Effects of habitat fragmentation on biodiversity. Annual Review of Ecology, Evolution, and Systematics | ||
+ | 34:487-515. | ||
+ | |||
+ | Forman, R.T.T. 1995. Some general principles of landscape and regional ecology. Landscape Ecology 10:133-142. | ||
+ | |||
+ | Harrison, S. & Cornell, H. 2008. Toward a better understanding of the regional causes of local community richness. Ecology | ||
+ | Letters 11:969-979. | ||
+ | |||
+ | Myers, J.A. & Harms, K.E. 2011. Seed arrival and ecological filters interact to assemble high-diversity plant communities. | ||
+ | Ecology 92: | ||
+ | |||
+ | Olson Z.H., J.C. Beasley, T.L. DeVault & Rhodes Jr. O.E. 2012. Scavenger community response to the removal of a dominant | ||
+ | scavenger. Oikos. 121:77-84. Patricelli, G.L. & Blickley, J.L. 2006. Avian communication in urban noise: causes and | ||
+ | consequences of vocal adjustment. The Auk 123: | ||
+ | |||
+ | Ricklefs, R.E. 1987. Community Diversity: relative roles of local and regional processes. Science 235: | ||
+ | |||
+ | Srivastava, D.S. 1999. Using local-regional richness plots to test for species saturation: pitfalls and potentials. Journal | ||
+ | of Animal Ecology 68:1-16. | ||
+ | |||
+ | Vellend, M. 2010. Conceptual synthesis in community ecology. The Quarterly Review of Biology 85:183-206. | ||
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+ | ==== Aplicação do conceito de resiliência no manejo de agroecossistemas sustentáveis ==== | ||
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+ | ==== Manuela Franco de Carvalho da Silva Pereira ==== | ||
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+ | O conceito de resiliência proposto por Holling (1973) corresponde à habilidade de um sistema de absorver perturbações e se reorganizar enquanto passa por essa mudança, de forma a manter o mesmo estado, a saber, manter as mesmas funções, estrutura, identidade e mecanismos de manutenção. Esta capacidade é limitada, dado que fatores que podem provocar a perda de resiliência tornam o sistema mais vulnerável a mudanças de regime. A perda de resiliência pode se dar gradualmente, | ||
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+ | De maneira geral, a ideia de uma habilidade de recuperação que resulta em uma persistência das relações que constituem um sistema é adequada para justificar a abordagem de Holling (1973), que propõe o olhar para sistemas ecológicos com a perspectiva da resiliência ao invés da estabilidade. Isso representou um marco para a teoria ecológica em um momento em que se buscava compreender os fatores que levam a um equilibrium que garantiria a estabilidade de um sistema. O conceito de resiliência proposto por este autor trouxe consigo uma nova forma de abordar os estados de estabilidade ao reconhecer as flutuações como parte dela e possibilitou o avanço de estudos sobre transições críticas e outras respostas dos sistemas ecológicos a mudanças. O autor também desenvolveu a noção de uma paisagem de estabilidade onde diferentes bacias de atração se apresentam como possíveis regimes para o mesmo sistema, sob as mesmas condições (estados estáveis alternativos), | ||
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+ | Figura 1: Sistemas adaptativos complexos passa por um ciclo adaptativo cujos mecanismos de feedback levam à estabilização em quatro fases: a fase de exploração (r) ou de implantação de um sistema; a fase de conservação em que o sistema se consolidação (k); a fase de destruição onde sistema sofre um impacto que o altera ( ? ); a fase de reorganização ( ? ). A resiliência do sistema é maior quanto mais vezes ele passou por esse ciclo (HOLLING, 1986 apud RESILIENCE ALIANCE, 2017). | ||
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+ | A aplicação de um Pensamento Resiliente (Resilience Thinking) traz a perspectiva de que as flutuações são comuns e as respostas dadas por ciclos adaptativos contribuem para a persistência dos sistemas. Esse reconhecimento da resiliência como importante processo de manutenção dos ecossistemas possibilita a permanência em um mundo complexo, onde eficiência e otimização não seriam mais os parâmetros a serem buscados em um sistema socioecológico, | ||
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+ | Em Agroecologia, | ||
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+ | Entender que a resiliência é um processo que contribui na estabilidade de um ecossistema leva também a um possível redirecionamento das práticas de manejo agrícola que promovam mecanismos de feedback que promovam ciclos adaptativos, | ||
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+ | No caso de um manejo de sistema agroflorestal práticas comuns são as podas (pequenas perturbações) e derrubadas (promovem transições críticas). Com as podas, a alteração do ambiente pela abertura do dossel, permitindo a entrada de radiação visível (luz) no sistema aumenta a taxa fotossintética do sistema e possibilita a emergência de novas espécies que não compuseram o sistema até então (podendo ser introduzidas ou emergentes do banco de sementes do solo). Além disso, com a deposição de material podado sobre o solo, os mecanismos de feedback que mantêm a ciclagem de nutrientes são acelerados. Ao promover essa mudança adaptativa sem uma alteração drástica, há um ciclo de reorganização, | ||
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+ | Em um momento de fragilidade dos agroecossistemas, | ||
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+ | === Referências bibliográficas === | ||
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+ | |||
+ | ALTIERI, M. A. et al. Agroecology and the design of climate change-resilient farming systems. Agronomy for Sustainable Development, | ||
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+ | DARNHOFER, I.; FAIRWEATHER, | ||
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+ | ELMQVIST, T.; FOLKE,C.; NYSTRÖM, M.; PETERSON. G.; BENGTSSON, J.; WALKER, B.; NORBERG, J. Response diversity, ecosystem change, and resilience. Frontiers in Ecology and the Environment, | ||
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+ | GRIMM, V.; WISSEL, C. Babel, or the ecological stability discussions: | ||
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+ | HOLLING, C. S. Resilience and stability of ecological systems. Annual review of ecology and systematics, | ||
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+ | HOLLING, Crawford S. The resilience of terrestrial ecosystems: local surprise and global change. Sustainable development of the biosphere, v. 14, p. 292-317, 1986. | ||
+ | |||
+ | SAFRIEL, U.; NJENGA, M.; DE LEEUW, J. Conceptual framework on trees and resilience. In: DE LEEUW, J. et al. (ed.) Treesilience. An assessment of the resilience provided by trees in the drylands of Eastern Africa. Nairobi, Kenya: The World Agroforestry Centre (ICRAF), 2014. p. 17-24 | ||
+ | |||
+ | SCHEFFER, Marten. Critical transitions in nature and society. Princeton University Press, 2009. p. | ||
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+ | RESILIENCE ALLIANCE Key concepts: Adaptive cycle. Disponível em: < | ||
+ | WALKER, B.; HOLLING, C. S.; CARPENTER, S. R.; KINZIG, A. Adaptability and Transformability in Social-Ecological Systems. Ecology and Society, 9:5, 2004. | ||
+ | |||
+ | WALKER, B., SALT, D. Living in a complex world: an introduction to resilience thinking. In: _______ Resilience thinking: sustaining ecosystems and people in a changing world. Island Press, 2012. p. 01 – 14. | ||
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+ | ==== " | ||
+ | === Filipe A. Cabreirinha Serrano === | ||
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+ | ==Conceito: | ||
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+ | Um episódio anedótico conta que quando um grupo de teólogos perguntou a J.B.S. Haldane, um proeminente cientista no campo de genética e fisiologia, o que este poderia concluir a respeito de deus ele terá respondido que este tinha “//an inordinate fondness for beetles.//" | ||
+ | |||
+ | Embora seja central na formulação e teste de hipóteses em ecologia, a polissemia de “nicho” tem representado um obstáculo à correta interpretação dos resultados obtidos (Chase & Leibold, 2003). Doravante, uso nicho como “Condições ambientais que satisfazem os requisitos mínimos de uma espécie de forma a que uma população local sua tenha taxa de nascimentos no mínimo igual à sua taxa de mortes associadas aos efeitos //per capita// desta espécie nestas condições ambientais” //per// Chase & Leibold (2003). É importante ressaltar que, ainda que nicho não seja um espaço físico, ele se manifesta na ocupação de determinado local num determinado tempo e que é resultado de processos evolutivos. | ||
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+ | ==Importância: | ||
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+ | O conceito de nicho tem permeado a discussão ecológica e tem sido vital para teorias constituintes de ecologia de comunidades (Pianka, 1999). Segundo a definição aqui utilizada, nicho está intimamente associado a //fitness// (“… taxa de nascimentos no mínimo igual à sua taxa de mortes…”). Ao //fitness// estão associadas várias caraterísticas (// | ||
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+ | Visto que o //fitness// é uma métrica (e requisito) de subsistência de uma espécie e que este depende de condições ambientais que variam geografica e/ou temporalmente (Amarasekare & Nisbet, 2001), o seu nicho será determinante na distribuição da espécie. Assim, para prever a área de distribuição real ou potencial de uma espécie, a ecologia desenvolveu preciosas ferramentas de modelagem utilizando as relações de uma espécie com os seus requisitos abióticos, suas tolerâncias fisiológicas e até com outras espécies presentes na comunidade locais. Um exemplo das ferramentas mais utilizadas é o // | ||
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+ | No entanto, a teoria de nicho não raramente utiliza uma visão redutora e simplista focada apenas em processos à escala local. A esta escala, os processos determinantes de estruturação das comunidades são a interação de espécies (fortemente influenciada por dinâmicas de população) e limitações abióticas. O nicho de uma espécie tem de ser contextualizado também no plano espacio-temporal: | ||
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+ | ==Contexto na pesquisa:== | ||
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+ | O meu projeto de Doutorado, intitulado “Diversidade filogenética, | ||
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+ | No primeiro capítulo da minha tese, surgido pela curiosidade despertada pela aparente diferença de utilização de habitat de serpentes, vou abordar como o PNC pode informar sobre a composição de espécies de Dipsadidae numa comunidade. Esta família é composta de dois clados: Dipsadinae, de origem mesoamericana e Xenodontinae, | ||
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+ | Com o aumento da disponibilidade de boas hipóteses filogenéticas e de bons dados de distribuição geográfica encontramo-nos agora numa janela de oportunidade perfeita para entender os processos por detrás dos padrões de diversidade tendo o conceito de “nicho” como pilar fundamental. Originado no início do século XX, discutido e definido por inúmeros autores e até mesmo questionado (Hubell, 2001), o nicho continua a ser um conceito central em ecologia e que, após uma atribulada história, aliado a perspetivas contemporâneas (de processos históricos) pode agora perpetuar a sua utilidade no panorama da ecologia de comunidades e finalmente ajudar a responder por que raio existem tantos “besouros”. | ||
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+ | ==Referências== | ||
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+ | Ackerly, D.D. 2003. Community assembly, niche conservatism, | ||
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+ | Amarasekare, | ||
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+ | Araújo, M.B. & Guisan, A. 2006. Five (or so) challenges for species distribution modelling. Journal of Biogeography, | ||
+ | |||
+ | Cadle, J.E., 1984. Molecular systematics of Neotropical xenodontine snakes. III. Overview of xenodontine phylogeny and the history of New World snakes. Copeia, pp.641-652. | ||
+ | |||
+ | Cadle, J.E., 1985. The Neotropical colubrid snake fauna (Serpentes: Colubridae): | ||
+ | |||
+ | Cadle, J.E. & Greene, H.W. 1993. Phylogenetic patterns, biogeography, | ||
+ | |||
+ | Chase, M. & Leibold, A. 2003. Ecological Niches: Linking Classical and Contemporary Approaches. University of Chicago Press: Chicago. | ||
+ | |||
+ | Chesson, P. 2000. General theory of competitive coexistence in spatially-varying environments. Theoretical Population Biology 58: | ||
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+ | Elton, C. 1927. Animal ecology. Sidwick & Jackson, London. | ||
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+ | França, F.G. et al. 2008. Phylogeny and ecology determine morphological structure in a snake assemblage in the Central Brazilian Cerrado. Copeia, 2008:20-36. | ||
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+ | Grinnell, J. 1917. The niche-relationship of the California trasher. Auk, 34, pp. 427-433. | ||
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+ | Grinnell, J. 1924. Geography and evolution. Ecology, 5 (3), pp. 225-229. | ||
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+ | Hubbell, S. P. 2001. The uni?ed neutral theory of species abundance and diversity. Princeton: Princeton University Press. | ||
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+ | McGill, B.J., Enquist, B.J., Weiher, E. and Westoby, M., 2006. Rebuilding community ecology from functional traits. Trends in Ecology & | ||
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+ | Mittelbach, G.G. and Schemske, D.W., 2015. Ecological and evolutionary perspectives on community assembly. Trends in ecology & evolution, 30(5), pp.241-247. | ||
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+ | Nunes, L.A. & Pearson, R.G. 2016. A null biogeographical test for assessing ecological niche evolution. Journal of Biogeography, | ||
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+ | Peterson, A.T., Soberon, J. & Sanchez-Cordero, | ||
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+ | Ricklefs RE & Jenkins DG. 2011. Biogeography and ecology: towards the integration of two disciplines. Philosophical Transactions of the Royal Society B 366: pp. 2438-2448. | ||
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+ | Stork, N.E., McBroom, J., Gely, C. & Hamilton, A.J. 2015. New approaches narrow global species estimates for beetles, insects, and terrestrial arthropods. Proceedings of the National Academy of Sciences, 112(24), pp.7519-7523. | ||
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+ | Tilman, D. 1982. Resource competition and community structure. Princeton: Princeton University Press. | ||
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+ | Tilman, D., J. Knops, D. Wedin, P. Reich, M. Ritchie, & E. Siemann. 1997. The in?uence of functional diversity and composition on ecosystem processes. Science, 277: pp. 1300–1302. | ||
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+ | Wake, D.B., Hadly, E.A. & Ackerly, D.D., 2009. Biogeography, | ||
+ | Webb, C.O. et al. 2002. Phylogenies and community ecology. Annual Review of Ecology, Evolution and Systematics, | ||
+ | Wiens, J.J. 2004. Speciation and ecology revisited: phylogenetic niche conservatism and the origin of species. Evolution, 58: pp. 193-197. | ||
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+ | Wiens, J.J., 2011. The niche, biogeography and species interactions. Philosophical Transactions of the Royal Society of London B: Biological Sciences, 366(1576), pp. 2336-2350. | ||
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+ | Wiens, J. & Donoghue, M. 2004. Historical biogeography, | ||
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+ | Wiens, J.A., Stralberg, D., Jongsomjit, D., Howell, C.A. & Snyder, M.A. 2009. Niches, models, and climate change: assessing the assumptions and uncertainties. Proceedings of the National Academy of Sciences, 106(Supplement 2), pp. 19729-19736. | ||
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+ | Zhao, L., Zhang, Q.G. and Zhang, D.Y. 2016. Evolution alters ecological mechanisms of coexistence in experimental microcosms. Functional Ecology, 30(8), pp. 1440-1446. | ||
+ | |||
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+ | ==== O Conceito de Especiação e as Interações entre Plantas e Grandes Mamíferos ==== | ||
+ | === Lucas Ferreira do Nascimento === | ||
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+ | |||
+ | Especiação, | ||
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+ | |||
+ | Em quase todo o século XX, as interpretações dos padrões das comunidades ignoraram os efeitos dos processos evolutivos e tiveram como premissa que a diversidade local é um resultado determinístico dos processos locais dentro de uma comunidade (Ricklefs 1987). Entre as décadas de 20 e 50, a competição foi vista como o principal processo organizador das comunidades, | ||
+ | |||
+ | |||
+ | Especiação parece ser crítica para o entendimento de pelo menos dois padrões de diversidade de espécies em comunidades (Vellend 2010): (1) áreas de mesmo tamanho, sob condições ambientais similares e em regiões geográficas diferentes contém números de espécies diferentes (Ricklefs 2008); (2) a diversidade de espécies de um determinado local está relacionada aos gradientes ambientais desse local (Ricklefs 2004). Por exemplo, Brown et al. 2000 documentou uma maior riqueza de donzelinhas (Enallagma) em lagos com peixes predadores do que em lagos sem peixes predadores. Eles reconstruíram a preferência de habitat sob a filogenia de donzelinhas e sugeriram que a grande diversidade de espécies nos lagos com peixes refletem a mudança recente para os lagos sem peixes, embora as taxas de diversificação podem ter atuado como mecanismo adicional. Em outro estudo com abordagens filogenéticas, | ||
+ | |||
+ | |||
+ | O conceito de especiação, | ||
+ | |||
+ | |||
+ | No meu projeto de mestrado, estamos | ||
+ | |||
+ | |||
+ | Em adição ao contexto histórico, o efeito da especiação no contexto biogeográfico e no pool regional | ||
+ | |||
+ | |||
+ | Além de nos ajudar a fazer novas perguntas, o conceito de especiação proposto por Vellend 2010 nos ajuda a entender melhor como o estudo da seleção de caracteres de plantas por grandes mamíferos está inserido na ecologia de comunidades. Investigar as interações entre plantas e grandes mamíferos pode nos ajudar a entender melhor a distribuição geográfica, | ||
+ | |||
+ | |||
+ | |||
+ | |||
+ | == Referências bibliográficas == | ||
+ | |||
+ | |||
+ | Barlow, C. (2002). The ghosts of evolution: nonsensical fruit, missing partners, and other ecological anachronisms. Basic Books. | ||
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+ | Brown, J. M., McPeek, M. A., & May, M. L. (2000). A phylogenetic perspective on habitat shifts and diversity in the north American Enallagma damselflies. Systematic Biology, 49(4), 697–712. https:// | ||
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+ | Cornell, H. V. (1985). Local and Regional Richness of Cynipine Gall Wasps on California Oaks. Ecology, 66(4), 1247–1260. | ||
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+ | Galetti, M., Guevara, R., Côrtes, M. C., Fadini, R., Matter, S. Von, Leite, A. B., … Jordano, P. (2013). Functional Extinction of Birds Drives Rapid Evolutionary Changes in Seed Size. Science, 340(May). | ||
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+ | Galetti, M., Mole, M., Jordano, P., Pires, M. M., Paulo, R., Pape, T., … Marquis, R. J. (2017). Ecological and evolutionary legacy of megafauna extinctions. https:// | ||
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+ | Göldel, B., C. Araujo, A., Kissling, W. D., & Svenning, J.-C. (2016). Impacts of large herbivores on spinescence and abundance of palms in the Pantanal, Brazil. Botanical Journal of the Linnean Society, 182, 465–479. | ||
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+ | Guimarães, P. R., Galetti, M., & Jordano, P. (2008). Seed dispersal anachronisms: | ||
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+ | Hubbell, S. P. (2001). The unified neutral theory of biodiversity and biogeography. Monographs in Population Biology 32. Princeton University Press, Princeton, NJ. | ||
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+ | Janzen, D. H., & Martin, P. S. (1982). Neotropical Anachronisms: | ||
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+ | Janzen, D. H. (1986). Chihuanhuan desert nopaleras: defaunated big mammal vegetation.Ann.Rev.Ecol.Syst., | ||
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+ | MacArthur R. H., Wilson E. O. (1967). The theory of island biogeography. Princeton (NJ): Princeton University Press | ||
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+ | Onstein, R. E., Baker, W. J., Couvreur, T. L. P., Faurby, S., Svenning, J.-C., & Kissling, W. D. (2017). Frugivory-related traits promote speciation of tropical palms. Nature Ecology & Evolution. https:// | ||
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+ | Owen-Smith, R. N. (1992). Megaherbivores: | ||
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+ | Ricklefs, R. E. (1987). Community Diversity: Relative Roles of Local and Regional Processes. Science, 235, 167–171. | ||
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+ | Ricklefs, R. E. (2004). A comprehensive framework for global patterns in biodiversity. Ecology Letters, 7(1), 1–15. https:// | ||
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+ | Ricklefs, R. E. (2008). Disintegration of the Ecological Community. The American Naturalist, 172(6), 741–750. https:// | ||
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+ | Vellend, M. (2010). Conceptual Synthesis in Community Ecology. The Quarterly Review of Biology, 85(2), 183–206. https:// | ||
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+ | Wiens, J. J., Parra-Olea, G., Garcia-Paris, | ||
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+ | ==== Vellend como ferramenta conceitual para a comparação entre dois ambientes contrastantes ==== | ||
+ | === Marcelo Petratti Pansonato === | ||
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+ | A ecologia de comunidades é um campo da ciência que busca compreender como e por quais razões a riqueza, a composição e a abundância das espécies variam entre diferentes locais. Ao longo do tempo, grandes esforços foram empregados a fim de responder questões relacionadas a estes temas. O resultado, porém, é que a ecologia de comunidades se tornou uma bagunça (Lawton 1999; Roughgarden 2009). Baseada majoritariamente em estudos empíricos, padrões gerais que sejam aplicáveis à todos os tipos de organismos e ambientes raramente foram e são identificados. Na verdade, a imensa variedade de combinações possíveis de interações entre os organismos e seu meio fez com que os cientistas que trabalham com ecologia de comunidades buscassem explicações adequadas a cada caso. Com isso, se formou uma verdadeira “torre de babel” de processos e padrões não generalizáveis além do escopo de cada sub área da ecologia de comunidades. Com o objetivo de ordenar e simplificar a teoria de ecologia de comunidades, | ||
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+ | De acordo com a teoria proposta por Vellend (2010) os processos de especiação e dispersão são responsáveis pelo acréscimo de novas espécies às comunidades (Figura 1). A especiação – criação de novas espécies – historicamente foi tratada em estudos biogeográficos e macroevolutivos (Brown 1995). A especiação é um componente determinante para a compreensão de padrões que refletem a ação de processos históricos e geográficos sobre a dinâmica das comunidades (Vellend 2016; Ricklefs & Schluter 1993). Em estudos de comunidades fechadas, em escalas locais e ambientes homogêneos parece razoável deixar as questões relacionadas à especiação de lado, uma vez que o que interessa é a constituição atual da comunidade e seus atributos (Vellend 2010). Por outro lado, em estudos realizados em escalas mais amplas, que avaliam diferentes regiões geográficas e que abrangem certos níveis de heterogeneidade ambiental é importante considerar o contexto biogeográfico e evolutivo que deu origem ao pool regional de espécies (Ricklefs 1987). A dispersão – o movimento de organismos através do espaço – é um processo essencial para diversas teorias de ecologia de comunidades como a Biogeografia de Ilhas (MacArthur & Wilson 1967) e Metacomunidades (Leibold et al. 2004). É determinante para a manutenção da diversidade e a distribuição espacial das espécies em escalas locais e regionais (Hubbell 1979; Clark et al. 1999). A dispersão, por também influenciar variações nas abundâncias relativas das espécies, tem efeitos significativos sobre a dinâmica de comunidades ecológicas. | ||
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+ | Os processos responsáveis pela perda de espécies em uma comunidade são a deriva e a seleção (Figura 1) (Vellend 2010). A deriva ecológica, – mudanças aleatórias nas abundâncias relativas das espécies – é um processo que se baseia na premissa de que as taxas de nascimento, morte e reprodução dos indivíduos são aleatórias em uma comunidade fechada, o que caracteriza a estocasticidade demográfica (Vellend 2016). Variações na probabilidade de ocorrência de cada taxa vital acarretam em mudanças nas abundâncias das espécies. Modelos mais realistas incluem também a probabilidade de imigração e extinção (Hubbell 2001). A seleção – diferença determinística de //fitness// entre indivíduos de diferentes espécies – pode ser entendida como o balanço das interações intra e interespecíficas e da relação das espécies com o ambiente. A seleção pode atuar de diferentes maneiras, variando sua direção e intensidade ao longo do tempo e do espaço (Nowak 2006). É importante mencionar que os quatro processos elementares propostos por Vellend (2010) interagem entre si. Por exemplo, diferenças de fitness entre espécies determinam variações em suas taxas vitais que, por sua vez, podem afetar o resultado do elemento estocástico do processo de deriva. Como outro exemplo, a teoria neutra consiste de uma interação entre os processos de especiação, | ||
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+ | {{ : | ||
+ | **Figura1: | ||
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+ | A teoria de comunidades ecológicas proposta por Vellend (2010) possui a vantagem de organizar de maneira lógica e simplificada o material produzido por ecólogos de comunidades ao longo do tempo, o que facilita o entendimento e a didática da matéria. Também, esclarece as semelhanças e diferenças entre as inúmeras abordagens conceituais e teóricas da ecologia de comunidades. Além disso, articula uma teoria geral sobre ecologia de comunidades: | ||
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+ | Para melhor ilustrar a importância da teoria de comunidades de Vellend para uma readequação da minha tese, me permito neste momento fazer um breve retrospecto das ideias inicialmente trabalhadas. A princípio eu buscava compreender a importância relativa de processos determinísticos e neutros sobre a estruturação de comunidades de espécies arbóreas em florestas de restingas e florestas de encosta. Boa parte dessa linha de raciocínio teve origem nas referências bibliográficas que utilizei durante meu mestrado, de 2009 à 2011. Algum tempo, estudos e disciplinas depois do meu ingresso no doutorado ficou claro que a dicotomia entre processos determinísticos e neutros já não é mais uma abordagem que contribui para o avanço da ecologia de comunidades. Como a escala espacial do meu atual estudo é muito maior do que a que utilizei anteriormente, | ||
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+ | Agora, pretendo inserir um contexto teórico mais abrangente ao meu estudo, como o proposto pelo Vellend (2010), que aparentemente é capaz de contemplar todos os processos essenciais à estruturação das comunidades com que trabalho. Mais especificamente, | ||
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+ | Qual o papel da especiação neste contexto? Para as florestas de restinga, que são geologicamente mais recentes, com cerca de 5.000 – 15.000 anos de idade, a especiação parece não ter desempenhado um papel relevante na adição de espécies às comunidades. As espécies presentes nas restingas são em sua grande maioria um subconjunto das espécies presentes em outras formações da Mata Atlântica e outros biomas. É possível que o pouco tempo decorrido da origem destes ambientes não tenha sido suficiente para que eventuais isolamentos reprodutivos resultassem em espécies novas. Talvez seja por isso que poucos endemismos sejam conhecidos para as restingas, em relação a outros hábitats mais antigos da Mata Atlântica (Scarano 2002). Por outro lado, as florestas de encostas encontram-se sobre locais que se formaram à cerca de 130 milhões de anos atrás. Consequentemente, | ||
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+ | A dispersão provavelmente é um processo determinante para as relações florísticas entre os dois ambientes. No entanto, uma vez que as florestas de encosta detêm quase todo o pool regional de espécies, o efeito de adição de novas espécies pelo processo de dispersão de ser mais relevante para as restingas. Caso isso seja realidade, o modelo que melhor descreve a dinâmica da dispersão entre os dois ambientes possivelmente é o da teoria de biogeografia de ilhas, em que as florestas de encostas atuariam como uma fonte constante de propágulos em direção às restingas. Por outro lado, efeito da dispersão das restingas para as florestas de encostas pode estar mais relacionado com variações na abundância das espécies presentes nas encostas, o que é mais congruente com a teoria de metacomunidades. | ||
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+ | Uma moeda jogada na restinga deve ter a mesma probabilidade de dar cara ou coroa do que uma moeda jogada na encosta (excluindo-se o efeito do relevo, claro)? Possivelmente sim, mas nas restingas o risco da aposta parece ser mais alto. Como a deriva ecológica é uma consequência da estocasticidade demográfica, | ||
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+ | A seleção parece desempenhar um papel fundamental em meu sistema de estudo. As florestas de encostas são praticamente limítrofes com as florestas de restinga. Portanto, se o único processo determinando a estrutura destes dois ambientes fosse a dispersão seria esperada uma baixa diversidade beta entre os dois ambientes. No entanto, parece que boa parte das espécies que, em teoria, seriam capazes de dispersar seus propágulos das encostas para as restingas não as colonizam efetivamente. Desta forma, é razoável supor que as condições mais limitantes das restingas atuem como um filtro ambiental que seleciona apenas espécies que sejam tolerantes às suas condições locais. Possivelmente, | ||
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+ | Posso concluir que, ao menos teoricamente, | ||
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+ | ==Referências Bibliográficas== | ||
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+ | Brown, J. H. 1995. Macroecology. University of Chicago Press, Chicago. | ||
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+ | Clark, J. S., Silman, M., Kern, R., Macklin, E., & HilleRisLambers, | ||
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+ | Fiaschi, P., & Pirani, J. R. (2009). Review of plant biogeographic studies in Brazil. Journal of systematics and evolution, 47(5), 477-496. | ||
+ | |||
+ | Hubbell, S. P. 1979. Tree dispersion, abundance, and diversity in a tropical dry forest. Science, 203(4387), 1299-1309. | ||
+ | |||
+ | Hubbell S. P. 2001. The Unified Neutral Theory of Biogeography and Biodiversity. Princeton (NJ): Princeton University Press. | ||
+ | |||
+ | Lawton J. H. 1999. Are there general laws in ecology? Oikos 84(2): | ||
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+ | Leibold, M. A., Holyoak, M., Mouquet, N., Amarasekare, | ||
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+ | Nowak M. A. 2006. Evolutionary Dynamics: Exploring the Equations of Life. Cambridge (MA): Belknap Press of Harvard University Press. | ||
+ | |||
+ | Ricklefs R. E. 1987. Community diversity: relative roles of local and regional processes. Science 235(4785): | ||
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+ | Ricklefs R. E., Schluter D. 1993. Species Diversity in Ecological Communities: | ||
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+ | Roughgarden J. 2009. Is there a general theory of community ecology? Biology and Philosophy 24(4): 521–529. | ||
+ | |||
+ | Scarano, F. R. 2002. Structure, function and floristic relationships of plant communities in stressful habitats marginal to the Brazilian Atlantic rainforest. Annals of Botany, 90(4), 517-524. | ||
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+ | Suguio, K., & Tessler, M. G. 1984. Planícies de cordões litorâneos quaternários do Brasil: origem e nomenclatura. LACERDA, LD; ARAÚJO, DSD; CERQUEIRA, R. & TURQ, B. Restingas: Origem, estrutura e processos. Niterói, CEUFF, 15-26. | ||
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+ | Vellend, M. 2010. Conceptual synthesis in community ecology. Quarterly Review of Biology 85: | ||
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+ | Vellend, M. 2016. The theory of ecological communities (MPB-57). Princeton University Press. | ||
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+ | ==== Sistemas de pradarias marinhas: estado alternativo de estabilidade? | ||
+ | ==Carla Pavone== | ||
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